Day: maio 10, 2019
Bruno Boghossian: Governo não faz muito esforço para manter poderes de Moro
Ex-juiz veste capa de superministro, mas descobre que política é sua criptonita
O governo não faz muito esforço para segurar o Coaf nas mãos de Sergio Moro. A recente derrota do superministro no Congresso mostra que, além da resistência de alguns partidos à expansão de seus poderes, nem sempre Jair Bolsonaro estará na retaguarda para defendê-lo.
A decisão que abriu caminho para tirar o órgão de controle financeiro do Ministério da Justiça expõe uma vulnerabilidade política. Até a última hora, Moro tentou convencer os parlamentares a apoiarem o fortalecimento de sua pasta. O Planalto, no entanto, agiu como se aquela fosse uma batalha particular do ex-juiz.
Quando a votação foi aberta na comissão especial, o líder do governo usou apenas 22 segundos para defender a vontade de Moro. O sempre estridente Major Olimpio (PSL) não brigou pela palavra e a deputada Joice Hasselmann (PSL) só chegou para acompanhar a derrota.
O isolamento ficou completo quando o chefe da Casa Civil pediu que o PSL, partido do presidente, deixasse o trem seguir sem o vagão de Moro. Onyx Lorenzoni procurou os deputados e pediu que aprovassem logo no plenário a medida que reorganiza o governo, deixando o Coaf de lado.
Bolsonaro entregou Moro de bandeja ao Congresso para evitar derrotas maiores. O presidente tem um capital político limitado e, até agora, não conseguiu formar uma base aliada que seja fiel a suas causas. Ele decidiu preservar seus poucos trocados para outras brigas.
Quando convidou Moro para o governo, Bolsonaro lhe prometeu amplos poderes, incluindo o Coaf. Antes de dar de ombros para o órgão, o presidente já havia vetado uma escolha do ex-juiz para um conselho e atropelado as restrições feitas pelo ministro aos decretos que facilitaram o acesso a armas de fogo.
Moro é um personagem mais popular do que Bolsonaro, mas as derrotas sucessivas e o respaldo vacilante do presidente impedem que o subordinado ofusque o próprio chefe. O ex-juiz trocou a toga pela capa de superministro, mas descobriu que a política é sua criptonita.
Eliane Cantanhêde: Faroeste
Bolsonaro não escancara o porte de armas por questão política, mas por obsessão
Parece obsessão e é mesmo: com tantos problemas gravíssimos no Brasil, econômicos, fiscais, sociais, éticos, o presidente Jair Bolsonaro só pensa em ampliar a posse e agora escancarar o porte de armas a níveis nunca antes vistos ou imaginados. Assim, causa a euforia dos armamentistas e o pânico dos que são contra.
Pode-se deduzir que Bolsonaro dedicou os dois primeiros projetos realmente dele à flexibilização da posse e do porte de armas por uma questão político-eleitoral. Ele estaria dando satisfação a seus eleitores e mantendo a “bancada da bala” nutrida e unida a seu favor. Mas não é só.
Por trás dos decretos, está a paixão incontida do presidente por armas, uma paixão que ele transferiu de pai para filho e transformou em política de governo num país onde tiroteios, balas perdidas e mortes de policiais, criminosos, cidadãos e cidadãs comuns são parte da paisagem. Multiplicar as armas em circulação vai reduzir esse banho de sangue? Se até policiais justificadamente armados morrem nos confrontos a tiros, por que os leigos estarão mais protegidos?
O anúncio do novo decreto de Bolsonaro foi um tanto atípico, curioso: ele fez solenidade no Planalto para a assinatura e anúncio, deixou vazar uma ou outra medida e guardou a grande surpresa (ou o grande susto) para o dia seguinte, com o texto publicado no Diário Oficial da União (DOU).
São tantos os absurdos que cada jornal pôde escolher sua manchete, cada telejornal abordou um ângulo, cada coluna deu um enfoque diferente. Foi uma farra de novidades a serem anunciadas, digeridas e, por muitos, repelidas. O próprio ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, disse um tanto constrangido que a medida é “em função das eleições”. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, anunciou estudos sobre a constitucionalidade. Partidos e entidades começam a entrar na justiça. Aparentemente, só os bolsonaristas de raiz, além de quem faz das armas um negócio e tanto, estão soltando fogos. Enquanto não soltam tiros.
Armas que sempre foram de uso restrito das Forças Armadas vão passar a circular por aí em mãos de leigos. Quem mora em área rural está liberado para portar um revólver no coldre. Usuários de aviões sentarão lado a lado de pessoas armadas. Crianças e adolescentes não precisarão mais de autorização judicial para aprenderem a atirar, basta os pais deixarem – ou melhor, incentivarem.
Na solenidade do Planalto, Bolsonaro produziu uma foto histórica, cercado de políticos de terno e gravata, fazendo gestos que simbolizam armas. Pou! Fogo! Mas, mesmo nesse meio, o presidente se limitou a anunciar que o decreto facilitaria o porte de armas para caçadores, colecionadores, atiradores esportivos e praças das Forças Armadas. Que nada!
No dia seguinte, a edição do DOU trazia uma lista de 20 categorias liberadas para saírem em ruas, avenidas, locais públicos em geral, com suas armas fartamente carregadas. O atual limite de 50 cartuchos deu um salto estonteante para mil.
Não precisarão mais comprovar a efetiva necessidade de portar armas todos os políticos com mandato no País, advogados indiscriminadamente, caminhoneiros autônomos, habitantes de áreas rurais acima de 25 anos, até jornalistas que atuem na área policial. Em 2018, os brasileiros com porte de armas somavam 36,7 mil. Agora, vão disparar para perto de 20 milhões. Um grande, imenso e incerto faroeste. E com 13 milhões de desempregados.
Com seus decretos, armas, cartuchos e Olavos, o presidente só mantém o que já tem: sua tropa na internet. Ele precisa olhar para o que está perdendo e ampliar sua agenda. Ou melhor: conectar a agenda e o governo com a realidade.
Míriam Leitão: Sinais mistos no Congresso
Apesar da derrota de ontem, há confiança no Congresso e no governo de que a reforma passará, se novos erros forem evitados
A reforma da Previdência pode ser aprovada na Câmara ainda antes do recesso. Essa previsão é feita por quem entende o movimento do Congresso e essa esperança aumentou na equipe econômica depois do início da tramitação na Comissão Especial. Apesar disso, ontem foi um dia de derrota para o governo na Câmara, com a retirada do Coaf da área do ministro Sérgio Moro e o adiamento da votação da MP que reestrutura a administração do governo.
O que azedou muito o clima ontem na Comissão Especial que analisou a MP 870, da reforma administrativa, foi de novo a sucessão de ataques nas redes virtuais contra parlamentares que votaram pela volta do Coaf ao Ministério da Economia. O vereador Carlos Bolsonaro postou a lista dos que votaram a favor da retirada do órgão da pasta da Justiça, e isso foi a senha para o início de ofensas.
— A gente já não sabe se é o filho ou se é o pai que comanda isso, mas o fato é que eles acham que tudo se passa no mundo virtual. Não é apenas um governo sem articulação. Ontem era como se só fosse honesto quem quisesse manter o Coaf na mão do Moro. E isso é uma ofensa até para o Ministério da Economia. No resto do mundo, órgãos semelhantes ficam na área econômica. E aí? Onde está o erro? —disse um líder político.
No episódio, houve mais um detalhe que mostra como não há estratégia política, e foi isso que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, deixou claro. Quando um parlamentar aliado pediu a leitura das MPs anteriores à 870, ele acabou impedindo que ela fosse votada. A MP é importante para o governo por tudo o mais que está nela, porque é o desenho da administração do governo Bolsonaro. Houve discussão também sobre a volta da Funai para a Justiça, mas no resto estaria aprovada a reforma como foi proposta. Agora, ficou mais incerta essa votação antes do prazo em 3 de junho.
Apesar dessa bateção de cabeça, e das sequelas da milícia digital, várias fontes com quem eu falei, no governo ou no Congresso, demonstraram a mesma confiança de que a reforma pode terminar de ser votada na Comissão e ir para o plenário no fim de junho ou começo de julho. Antes, portanto, do recesso.
No Ministério da Economia, a confiança vem do fato de que eles acham que conseguiram responder à maioria das questões que bloquearam reformas anteriores.
— Sempre falaram que era preciso combater as fraudes e cobrar as dívidas previdenciárias, pois nós mandamos para o Congresso a MP 871 que trata das fraudes e vamos cobrar as dívidas — explica um dos integrantes da equipe. Essa MP 871 tira dos sindicatos rurais o poder de confirmar o tempo de contribuição para a aposentadoria do setor rural, e isso é até mais importante do que o aumento da cobrança do núcleo familiar que está na reforma. Em outro ponto que está sendo combatido, o BPC, a aposta feita na equipe econômica é que a mudança ficará, mas como opcional.
No Congresso o que se diz é que a reforma será desidratada na parte da transição, pela pressão das corporações. Isso reduzirá o total da economia, mas que deverá ficar acima de R$ 800 bilhões em dez anos. E desta forma conseguirá passar.
Ontem eu entrevistei no meu programa na Globonews a economista Solange Vieira, da Susep, que fez parte do grupo de formulação da proposta. Ela exibiu o mesmo otimismo que eu vi em outros integrantes da equipe econômica. Mas ela, a única mulher no grupo, defende que não haja diferenciação de idade de aposentadoria de homem e mulher. Perdeu a discussão internamente:
— Na equipe eu sou a pessoa que se sente mais à vontade, por ser mulher, de ser contra o tratamento diferenciado. A mulher quer condições iguais de trabalho, salário igual, ser respeitada em casa e no trabalho. Sobre a dupla jornada, é isso que está errado e não é a idade de aposentadoria. Não vejo motivo para a gente ter direito de se aposentar mais cedo.
De qualquer maneira, nos debates, de um lado e de outro, há quem defenda que haja mais vantagens ainda para a mulher. O problema da proposta é ser contraditória. No setor rural, homens e mulheres se aposentam com a mesma idade, pela reforma.
Vai ser ainda um caminho difícil até a aprovação. Esse otimismo que captei ontem pode desaparecer se o governo continuar envolvendo-se em brigas inúteis. Para ganhar a guerra é preciso escolher as batalhas. O governo Bolsonaro escolhe. As erradas.
Bernardo Mello Franco: Ao esnobar Funai, Moro empurra índios para evangélicos e ruralistas
Sergio Moro não quis contestar Bolsonaro na agenda da liberação das armas. Ao fazer o mesmo com a Funai, empurra os índios para o colo de evangélicos e ruralistas
Sergio Moro mobilizou a tropa lavajatista para tentar manter o Coaf no Ministério da Justiça. Não demonstrou o mesmo interesse em reaver a Funai, retalhada numa canetada de Jair Bolsonaro.
Em janeiro, o presidente transferiu o órgão indigenista para o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, da pastora Damares Alves. A atribuição de demarcar terras indígenas foi para o Ministério da Agricultura, entregue à bancada ruralista.
Na quarta-feira, Damares informou que pretende manter o que restou do órgão. “A Funai tem que ficar com a mamãe Damares, não com o papai Moro”, disse. O titular da Justiça lavou as mãos sobre o assunto. “Não tenho interesse de ficar com a Funai”, desdenhou.
Entre a gracinha da pastora e o desprezo do ex-juiz, joga-se o futuro de quase 900 mil indígenas. Eles se dividem em 305 etnias, falam 274 línguas e dependem da proteção do Estado. Dezenas de tribos estão sob ameaça permanente de grileiros, garimpeiros e jagunços.
Apesar do desdém de Moro, uma comissão mista do Congresso aprovou ontem o retorno da Funai à configuração original, na pasta da Justiça. Agora o tema será votado nos plenários da Câmara e do Senado.
O senador Randolfe Rodrigues, da Rede, diz que a Funai foi “esquartejada e esvaziada” por Bolsonaro. “Entregar as demarcações para os ruralistas foi o mesmo que nomear raposas para cuidar do galinheiro”.
A ambientalista Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental (ISA), lembra que os índios ajudam a manter a floresta em pé. “O índice de desmatamento nas terras indígenas é menor até do que nos parques nacionais”.
Nos últimos 40 anos, a Amazônia perdeu 20% da sua cobertura florestal. Nas terras indígenas, a devastação foi de apenas 2%, segundo dados oficiais.
Bolsonaro já deixou claro o que pensa sobre a questão indígena. “Não demarcarei um centímetro quadrado a mais de terra”, disse. Em outra ocasião, ele comparou índios em reservas a animais no zoológico.
Moro não quis contestar o chefe na liberação geral das armas. Ao fazer o mesmo com a Funai, ajuda a empurrar os índios para o colo de evangélicos e ruralistas.
César Felício: No limite, lá "nos finalmentes"
Bolsonaro e Congresso conversam, com o revólver à mesa
O mais ilustre admirador de Olavo de Carvalho gosta do fio da navalha. Ao assinar o decreto que permite o rearmamento da sociedade, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que foi "no limite da lei". "Não inventamos nada e nem passamos por cima da lei. O que a lei abriu de oportunidade para nós, fomos lá no limite. Lá nos finalmentes".
Em ocasião muito anterior, Bolsonaro afirmou que, no que depender dele, oferecerá aos trabalhadores regras que "beiram a informalidade". É um presidente na fronteira, no limiar da irresponsabilidade. Mas que não cruza a linha divisória.
Ao longo dos seus 28 anos como deputado, que lhes deixaram o cheiro impregnado no paletó, como disse na cerimônia de anteontem, Bolsonaro se acostumou a nunca compor. Também nunca rompeu: a quebra da institucionalidade foi um arroubo da juventude, quando chegou a ser acusado, em matéria da revista "Veja" de 1987, de ter desenhado croquis para a instalação de bombas na adutora do Guandu. Ao ser absolvido pelo Superior Tribunal Militar, no ano seguinte, já estava virtualmente fora do Exército, em campanha bem sucedida para vereador.
Olavo de Carvalho não foi importante para Bolsonaro ganhar a eleição, ao contrário do que o presidente diz. O aiatolá da Virgínia e seus jagunços digitais são importantes agora, para Bolsonaro testar seus limites frente aos que podem tutelá-lo ou àqueles que tem a atribuição constitucional de controlar o Executivo.
Retratar Olavo de Carvalho como o Rasputin dos tempos atuais talvez não seja a melhor analogia. Rasputin era um charlatão que seduziu a família do czar, era visto como um enviado de Deus, e a partir daí passou a exercer influência na corte. A comparação será válida caso o olavismo se volte, com o mesmo 'placet' régio que desfruta hoje, contra determinados personagens a quem não interessa ao presidente desestabilizar, ao menos por enquanto, como Paulo Guedes e Sergio Moro. Há método no modo bolsonarista de agir, e não desnorteio.
O presidente sabe que conduz um governo de minoria parlamentar e usa as redes sociais como quem coloca um revólver sobre a mesa. Não há sinais de que pretenda dispará-lo contra o Legislativo, porque sabe que o outro lado também está armado. A maneira como a elite política aniquilou Dilma Rousseff ainda é uma lembrança viva na mente de todos em Brasília.
Bolsonaro pode colocar o verniz ideológico que desejar em suas atitudes, tentar transformar as escolas e universidades em quartéis ou fiscalizar publicidade do Banco do Brasil durante o resto de seu governo, mas jamais conseguirá suprimir o fato de que comanda uma máquina pública falida, limitada na capacidade de induzir crescimento ou de conter as consequências sociais do ajuste que lhe é imposto fazer.
Para pagar as contas, lacração no Twitter não é suficiente. Ele precisa do Congresso para não naufragar. Como há disposição entre os parlamentares em aprovar alguma reforma da Previdência, há jogo, desde que Bolsonaro aprenda a ceder.
A quinta-feira terminou com os bolsonaristas na Câmara obstruindo a votação da medida provisória da reforma administrativa, naquele que seria o grande teste da base no Congresso. A aliança tática contra Moro entre o Centrão e a oposição na Comissão Especial que analisou o tema sugere a abertura de uma vertente perturbadora para o Executivo. Tudo isto em um dia que começou com um café da manhã de parlamentares com o coração do governo: o próprio presidente e Santos Cruz, Paulo Guedes e Onyx Lorenzoni.
A semana irá virar com a corda esticada, o que aumenta o cacife de Rodrigo Maia como negociador. A julgar pelo retrospecto de Bolsonaro, o mais provável é que o presidente redobre a aposta na crispação. Haverá mais dança sobre o vulcão.
Quanto à guerra entre Olavo, seus seguidores e os generais, há um componente inequívoco de luta por espaço dentro do governo. Não à toa, coincide com o desenrolar da crise a demissão da militante Letícia Catelani de uma diretoria da Apex, por obra do novo comando da agência, nas mãos de um militar.
Era uma queda previsível, desde que o contra-almirante Sergio Segovia foi nomeado para a presidência do órgão, no dia 2 de maio, quinta-feira, em ato tornado público no dia seguinte, em edição extra do "Diário Oficial da União".
Naquele dia, Letícia escreveu em redes sociais que estava sendo alvo de "diversos ataques". O tiroteio de Olavo contra Santos Cruz, tido como o mentor da mudança, começou no sábado. Letícia perdeu o cargo na segunda-feira, dia 6, data em que o ex-comandante militar do Exército, general Eduardo Villas Bôas, saiu em defesa do ministro da Secretaria de Governo.
Enquanto foi diretora de Negócios da Apex, a empresária entrou em atrito com dois presidentes da agência, ambos defenestrados: Alecxandro Carreiro e Mario Vilalva.
Audácia
Sérgio Cabral Filho está condenado oito vezes na primeira instância, com penas que somam 197 anos. Acumula 29 denúncias por corrupção e lavagem de dinheiro. Nos últimos meses, em depoimentos ao juiz Marcelo Bretas, começou a confessar ter sido protagonista de esquemas de propina no Rio de Janeiro desde meados dos anos 90, quando se tornou presidente da Assembleia Legislativa. Buscou comprometer seus antecessores no governo do Rio de Janeiro, os seus sucessores, o cardeal, o prefeito da capital, seu antecessor e um vasto et cetera. Provoca um certo espanto portanto a publicação de um artigo seu no jornal "O Dia", em que se aventura a recomendar ao presidente Jair Bolsonaro a privatização da Petrobras.
"Em busca do tempo perdido, presidente, venda a Petrobras. Os bilhões de barris do Pré-Sal só serão usufruídos pelo povo brasileiro se forem explorados, no máximo, nos próximos dez anos. Há profissionais maravilhosos na Petrobras, de gabarito internacional. Todos serão absorvidos pelas empresas privadas". Ao apenado nunca lhe faltou audácia.
Trotsky da Netflix, uma análise de José Carlos Monteiro na revista Política Democrática online
Na sexta edição da revista Política Democrática online, José Carlos Monteiro publica um ensaio exclusivo sobre Trotsky da Netflix. Confira trechos, a seguir:
Cleomar Almeida
A quem interessava a grotesca “desconstrução” de Leon Trotsky (1879-1940) e da revolução soviética promovida na minissérie Trotsky (em russo: Троцкий) pelo Pevry Kanal russo e encampada pela plataforma norte-americana de streaming Netflix? A julgar pela repercussão dos oito episódios da minissérie, tanto no âmbito interno como no exterior, a produção parece ter atingido seus objetivos: admiradores do líder revolucionário a detestaram, ao passo que anticomunistas brasileiros e americanos (e moderadamente europeus) vibraram.
Ainda (ou cada vez mais), percebe-se a existência de um sentimento antissocialista. Basta ler as manifestações nas redes sociais e em certa mídia ocidental. O seriado surge, assim, num contexto de populismos direitistas e ferozmente antagônicos à Rússia ou ao que ela representa em termos de continuidade ou evocação do passado. Mas a Rússia se esquiva de qualquer associação com a ideologia do passado.
» Acesse aqui a sexta edição da revista Política Democrática online
A operação Trotsky teve como pretexto o centenário da Revolução de 1917, cuja comemoração o governo de Vladimir Putin ignorou. Afinal, astuciosamente, o putinismo quer distância de comunismo e de imagens e valores de seus “pais fundadores”, empenhado como está em forjar sua “ideologia do futuro”. Onde se inscreve precisamente esta megaprodução televisiva, elaborada nos moldes das mais facciosas biopics hollywoodianas?
Uma oportuna reflexão de Vladimir Surkov, conselheiro de Putin, nos sugere que a perspectiva dos realizadores consistia em que a linguagem da minissérie deveria ser “aceitável para público suficientemente amplo, porque o sistema político que opera na Rússia é feito não só para atender futuras necessidades domésticas, mas também para garantir significativo potencial como artigo de exportação”.
Daí a empolgação da Netflix ao ver Trotsky em lançamento mundial no Mipcom, mercado internacional de conteúdos audiovisuais, que acontece em Cannes. “É a primeira série dedicada a Trotsky na história da Rússia”, alardeou Konstantin Ernst, diretor do Pevry Kanal, do qual a rede americana comprou a minissérie na suposição de que ela tinha os ingredientes postulados por Ernst: “Trotsky se parecia com um herói do rock and roll: fuga da prisão, revolução, amor, exílio e morte.” Uma equação, sem dúvida, de inspiração hollywoodiana.
Leia mais:
» Revista Política Democrática online: Base curricular em xeque, aponta Joaquim José Soares Neto
» André Amado publica artigo Porta dos Fundos na revista Política Democrática online
» Revista Política Democrática: “Não há o que celebrar pelo 31 de março”, diz Alberto Aggio
» Política Democrática online: Como os mais pobres poderão ser atingidos pela reforma da Previdência
» Demonização da esquerda já se aproxima de uma escalada muito perigosa, avalia Davi Emerich
» Raul Jungmann é o entrevistado especial da sexta edição da Revista Política Democrática Online
» Sérgio C. Buarque analisa a crise da Previdência em artigo na Revista Política Democrática
» Política Democrática mostra reforma da Previdência como desafio para destravar governo
Simon Schwartzman: Confiança e autonomia das universidades
... infelizmente, contra comissários e coronéis truculentos não há muito que se possa fazer
Mais do que um preceito legal, a autonomia das universidades é uma condição necessária para que cumpram o papel que a sociedade espera delas, como principais depositárias da cultura, polos de criação de novos conhecimentos e instituições formadoras de profissionais competentes. Assim como não são os pacientes que dizem aos médicos como devem ser tratados, não são os governos (ou os estudantes) que podem dizer às universidades o que e como devem pesquisar e ensinar, porque são os professores e os pesquisadores, e não os governantes ou os estudantes, que trabalham na fronteira do conhecimento e dos estudos.
Isso, claro, no mundo ideal.
No mundo real, a autonomia depende de uma relação de confiança entre as universidades e a sociedade, que, quando existe, reconhece e valoriza a autoridade intelectual dos professores e contribui com seu dinheiro. No passado, quando as universidades eram pequenas e professores e alunos provinham das mesmas elites dos governantes, essa relação de confiança se estabelecia de forma quase automática. No mundo de hoje, com universidades gigantescas, grandes orçamentos e professores e alunos provenientes de diferentes ambientes e condições sociais, essa relação de confiança fica abalada, fazendo com que movimentos políticos pressionem e governos desenvolvam sistemas complicados e nem sempre bem-sucedidos de avaliação do desempenho das universidades e restrições no acesso a recursos e no seu uso.
Essa desconfiança tem suas razões, porque o exercício da autonomia pode facilmente se converter ou se confundir com a mera defesa de interesses e privilégios corporativos. Mas quando os pacientes ou o dono do hospital começam a dizer aos médicos o que fazer e políticos, burocratas e movimentos sociais a mandar nas universidades, nem a medicina nem a educação conseguem funcionar direito. A agressividade recente do ministro da Educação contra as universidades federais é só um exemplo extremo dessa perda de confiança, que precisa ser recuperada.
Essa recuperação requer um trabalho permanente de ambas as partes. Os sistemas de avaliação externa vieram para ficar, mesmo que, como no Brasil, custem muito e deixem de avaliar o que mais interessa. Apesar do que diz a Constituição, as universidades federais brasileiras nunca foram autônomas, porque não têm controle sobre seus recursos, rigidamente administrados pelo governo central. A quase totalidade se vai em salários e aposentadorias, e os demais custos – custeio, investimentos, criação de cargos – devem ser negociados um a um pelos reitores, que precisam mostrar lealdade aos ministros ou recorrer a pressões políticas para sobreviver.
As universidades paulistas têm mais autonomia para administrar seus recursos. Mas todas estão submetidas às mesmas regras do serviço público e sujeitas a permanente assédio de órgãos de controle ou grupos políticos quando buscam ampliar sua liberdade de ação, sobretudo na área financeira.
Para recuperar sua legitimidade, as universidades públicas precisam se preocupar mais seriamente com a qualidade e a relevância do que produzem, mostrar melhor o que fazem e assumir a responsabilidade pela administração de seus recursos, saindo do colo confortável, mas sufocante, do serviço público. O formato das organizações sociais, adotado com sucesso pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada e pelo Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais, mostra como fazê-lo. É preciso diversificar as fontes de recursos, inclusive pela cobrança de matrículas dos alunos, por um mecanismo que não discrimine os mais pobres, como o financiamento vinculado à renda futura adotado na Austrália e outros países; e entrar definitivamente no mercado de talentos, negociando contratos flexíveis e salários competitivos para diferentes setores e áreas de conhecimento.
É preciso também adquirir mais autonomia em relação aos grupos de interesse internos, estabelecendo sistemas de governança com forte participação externa.
O governo, em vez de alternar entre aceitar tudo e pagar a conta, para garantir apoio ou com medo dos protestos, ou partir para o ataque, precisa desenvolver um sistema mais adequado de avaliação e associar o financiamento público ao desempenho efetivo das instituições, mediante contratos de gestão, e não seus custos históricos. Um bom ponto de partida seria levar a sério as recomendações do relatório da A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), publicado no final de 2018, sobre como reformular o sistema brasileiro de avaliação da educação superior. Ao invés de avaliar cada curso, aumentar a responsabilidade das instituições sobre o que fazem; deixar de lado o Enade, com seus rankings sem padrões de qualidade e os índices cabalísticos que ninguém entende, e introduzir dados objetivos sobre desistência, empregabilidade e custos; e criar uma agência de avaliação independente, fora do Ministério da Educação.
As instituições de educação superior e de pesquisa, públicas e privadas, com todos os seus problemas, são também um patrimônio inestimável, construído ao longo de décadas, habitadas por pessoas competentes, motivadas e comprometidas com o trabalho que fazem, que precisam ser tratadas com carinho. No final dos anos 1970, o israelense Joseph Ben-David, famoso historiador e sociólogo da ciência, veio ao Brasil a convite de José Pelúcio Ferreira, então presidente da Finep, envolvida com o reerguimento da pesquisa e da tecnologia brasileiras, abaladas com os expurgos do regime militar. Perguntado sobre a dificuldade de construir instituições e a facilidade com que elas podem ser destruídas, respondeu que, infelizmente, contra comissários e coronéis truculentos não há muito que se possa fazer. É necessário evitar que isso aconteça novamente.
*SOCIÓLOGO, É MEMBRO DA COMISSÃO NACIONAL DE AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR (CONAES)
Luiz Carlos Azedo: O caso Temer
“A prisão cautelar do ex-presidente estabelece um novo paradigma na Operação Lava-Jato, que acabará sendo objeto de decisão definitiva no Supremo Tribunal Federal (STF)”
O ex-presidente Michel Temer foi novamente preso na tarde de ontem. Entregou-se à Polícia Federal (PF) em São Paulo, após revogação do habeas corpus que o mantinha livre. Está provisoriamente numa sala da Superintendência da PF, que alega não ter condições adequadas para acomodá-lo, ao contrário do que acontece com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na Superintendência da PF em Curitiba. Por supostamente chefiar uma organização criminosa, que teria recebido R$ 1,091 milhão em propina nas obras da usina nuclear de Angra 3, operada pela Eletronuclear, Temer é acusado pelo Ministério Público de corrupção, peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
O advogado Eduardo Carnelós afirma que não há motivos para a prisão de Temer. “Não há espaço, data vênia, para a manutenção do paciente no cárcere a título cautelar, passado tanto tempo entre os fatos apurados e o presente momento”, argumenta. No habeas corpus que impetrou no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a defesa do ex-presidente sustenta: “Salta aos olhos a circunstância de que fatos ter-se-iam dado na Argeplan, empresa que não é gerida por Michel Temer, da qual o Paciente não é sócio, diretor, nem funcionário. Se assim é, como tomar tais circunstâncias contra Michel Temer, sem operar odiosa responsabilização por fato de terceiro?”.
O coronel João Baptista Lima Filho, amigo do ex-presidente e sócio da empresa Argeplan, também se entregou à polícia. Por determinação do desembargador Abel Fernandes Gomes, do Tribunal Regional Federal da 2ª região (TRF-2), ambos ficarão eram São Paulo. Na primeira vez em que foi preso, Temer foi detido por uma equipe de operações especiais da PF em plena rua, o que foi considerada uma ação desnecessária.
O julgamento do habeas corpus de Temer pelo STJ, previsto para terça-feira, é aguardado com grande expectativa, pelos procuradores e juízes da Lava-Jato, porque a sua prisão cautelar é considerada por muitos juristas uma agressão ao direito de defesa. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, somente foi preso após condenação em segunda instância. Ou seja, a prisão do ex-presidente estabelece um novo paradigma na Operação Lava-Jato, que acabará sendo objeto de decisão definitiva no Supremo Tribunal Federal (STF).
Indulto
A propósito, ontem, por 7 a 4, o STF decidiu validar o decreto de indulto natalino editado pelo presidente Michel Temer em 2017. O julgamento havia sido interrompido em novembro, por um pedido de vista do ministro Luiz Fux. Seis ministros já haviam votado a favor do decreto e dois, contra. Dias Toffoli, a favor; Luiz Fux e Cármen Lúcia, contra, ontem, completaram o julgamento. O decreto reduziu para um quinto o período de cumprimento de pena exigido para que o preso por crimes sem violência ou grave ameaça pudesse receber o benefício e obter liberdade.
A maioria dos ministros entendeu que o decreto é prerrogativa “discricionária” do presidente da República, ou seja, é ele quem tem o poder de definir a extensão do benefício, considerando os critérios de conveniência. Somente um preso da Lava-Jato preencheu os requisitos para obter o indulto de 2017, o ex-deputado Luiz Argolo (ex-SD, ex-PP), que está em liberdade condicional.
Moro
No Congresso, por 14 votos a 11, a comissão mista que analisa a medida provisória (MP) da reforma administrativa aprovou a transferência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Justiça e Segurança Pública para o Ministério da Economia. O texto ainda pode ser alterado pelos plenários da Câmara e do Senado. Foi a maior derrota sofrida até agora do ministro da Justiça, Sérgio Moro, para quem o Coaf seria um instrumento de combate ao crime organizado. Ao todo, foram três derrotas seguidas do governo.
O relator da matéria, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), que é líder do governo no Senado, havia mantido o Coaf na Justiça, mais foi derrotado por uma aliança da oposição com os partidos do chamado Centrão. Por 15 votos a nove, também foi aprovada uma emenda que limita as atividades de auditores da Receita. A proposta proíbe auditor da Receita Federal de investigar crime que não seja de ordem fiscal. A terceira derrota retirou a demarcação de terras indígenas do Ministério da Agricultura, devolveu essa atribuição à Fundação Nacional do Índio (Funai), que voltou à alçada do Ministério da Justiça.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-caso-temer/
O Estado de S. Paulo: Governo fará revisão geral das 334 áreas de proteção ambiental no País
Ministro Ricardo Salles afirmou ao 'Estado' que parte dessas unidades ‘foi criada sem nenhum critério’; não se descarta alterar categorias de cada região
André Borges, O Estado de S.Paulo
O Ministério do Meio Ambiente (MMA) vai fazer uma revisão geral das 334 unidades de conservação no Brasil, atualmente administradas pelo Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio). Um grupo de estudo está sendo montado dentro do MMA para fazer esse trabalho. O ministro Ricardo Salles afirmou ao Estado que parte dessas unidades “foi criada sem nenhum tipo de critério técnico” e destacou que seu objetivo é fazer “um trabalho de revisão preciso na lei que nunca foi feito”.
As 334 áreas protegidas equivalem a 9,1% do território nacional e a 24,4% da faixa marinha do País. Essas unidades estão distribuídas em 12 categorias diferentes, sendo cinco delas de proteção integral e, portanto, com regras rígidas de acesso e utilização, e sete de uso sustentável, que permite diversos níveis de exploração.
O Estado apurou que o MMA não descarta alterar as categorias ambientais de cada região, transformando áreas hoje restritas em locais abertos a práticas como turismo e extrativismo. Em alguns casos, o governo avalia levar adiante a revogação de unidades de conservação, mas isso só pode ser feito por meio de medida provisória ou projeto de lei. Na prática, cada mudança teria de passar pelo crivo do Congresso.
O ministro Ricardo Salles disse que o MMA vai colocar tudo na mesa para que seja reavaliado. “Vamos criar um grupo de trabalho para analisar o processo de criação e categorização de todas as unidades de conservação federais”, declarou.
O ministro destacou que, de 2006 para cá, quase 190 unidades de conservação teriam sido criadas pelos governos petistas “sem nenhum tipo de critério técnico”. A consequência, afirmou Salles, é que hoje elas “acumulam passivos de indenização e conflitos fundiários”. “Vamos acabar com isso.”
Na quarta-feira, o presidente Jair Bolsonaro reforçou sua intenção de revogar o decreto que criou a Estação Ecológica de Tamoios, onde foi multado pelo Ibama por pesca ilegal, em 2012. O presidente disse que pretende transformar o local em uma “Cancún brasileira”. Estação Ecológica é um dos tipos de florestas protegidas que não podem ser exploradas comercialmente. No caso da unidade de Tamoios, em Angra, a área está protegida desde 1990, por decreto do ex-presidente José Sarney.
Em janeiro, o Ibama anulou a decisão que multava Bolsonaro em R$ 10 mil, pelo flagrante de pesca irregular no litoral fluminense. Em março, o servidor do Ibama que aplicou a multa foi exonerado do cargo que ocupava. “A Estação Ecológica de Tamoios (em Angra) não preserva absolutamente nada e faz com que uma área rica, que pode trazer bilhões (de reais) por ano para o turismo, fique parada por falta de uma visão mais objetiva, mais progressista disso daí”, disse o presidente na quarta-feira.
Ricardo Salles também tem mobilizado o Ministério do Meio Ambiente para rever decretos de unidades de conservação. O ministro antecipou que sua ideia é que as primeiras alterações de áreas e categorias sejam feitas no segundo semestre deste ano.
Em março, Salles determinou ao ICMBio que avalie a possibilidade de cancelar o decreto do Parque Nacional dos Campos Gerais, no Paraná. A unidade de 21.298 hectares foi criada em 2006, durante a gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O ministério analisa pedidos da bancada do agronegócio para abrir a área.
O MMA já atuou diretamente para que o Ibama revisse um parecer técnico feito pelo próprio órgão, com o propósito de autorizar o leilão de campos de petróleo localizados na área do Parque Nacional de Abrolhos, santuário ecológico localizado no litoral da Bahia.
Conforme documentos oficiais do MMA revelados pelo Estado, o presidente do Ibama foi procurado pelo ministério, para que revisasse a decisão técnica do órgão, por causa da “relevância estratégica do tema”. O presidente do órgão, Eduardo Fortunato Bim, atendeu ao pleito do ministério, liberando o leilão.
Parque nacional
No mês passado, Salles esteve com produtores no Parque Nacional Lagoa do Peixe, no Rio Grande do Sul, com o mesmo compromisso de rever o decreto desta unidade. No encontro, o ministro determinou a abertura de processo administrativo disciplinar contra funcionários do ICMBio, após cobrar a presença deles no evento. Eles justificaram que não foram convidados.
O episódio levou ao pedido de demissão do então presidente do ICMBio, seguido por outros três pedidos de exoneração conjunta de diretores do órgão. Após o episódio, o diretor do parque nacional foi exonerado pelo ministro.
Para recompor o órgão, o ministro optou por nomear policiais militares para cargos de diretoria.
Entenda as diferentes categorias de preservação
Estação ecológica
Área de proteção integral, para preservação da natureza e pesquisas científicas. Só é permitido o uso indireto dos recursos naturais, ou seja, utilização que não envolva consumo, coleta, dano ou destruição de recursos. É proibida a visitação pública, exceto com objetivo educacional.
Reserva biológica
Área de proteção integral, com preservação integral de fauna e flora, sem interferência humana direta ou modificações ambientais. A exceção fica por medidas de recuperação de seus ecossistemas alterados e de ações de manejo necessárias para recuperar e preservar o equilíbrio natural. A visitação é restrita a caráter educacional e a pesquisa depende de autorização prévia.
Parque nacional
É o tipo mais popular e antigo de unidades de conservação para ecossistemas de relevância ecológica e beleza cênica. Permite a realização de pesquisas científicas, atividades educacionais, recreação e turismo ecológico.
Monumento natural
Área de proteção integral para preservar locais naturais raros. Pode ser formado por propriedades privadas, desde que acordado com o setor público. É permitida visitação.
Refúgio de vida silvestre
Área de proteção integral para ambientes de reprodução de espécies de fauna e flora residentes ou migratórias. Pode envolver áreas públicas e privadas.
Área de proteção ambiental (APA)
Uso sustentável. Área em geral extensa, com certo grau de ocupação humana, as APAs têm como objetivo proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais. Cabe ao Instituto Chico Mendes estabelecer condições para pesquisa e visitação.
Área de relevante interesse ecológico
Uso sustentável. Área em geral de pequena extensão, com pouca ou nenhuma ocupação humana, que abriga exemplares raros de fauna e flora regionais.
Floresta nacional
Uso sustentável. Área com cobertura florestal de espécies nativas, criadas com o objetivo básico de uso sustentável dos recursos florestais e pesquisa. É permitida a permanência de populações tradicionais, visitação pública e a pesquisa.
Reserva extrativista
Sustentável, é utilizada por populações extrativistas tradicionais, agricultura de subsistência e criação de animais de pequeno porte. Sua criação tem o objetivo de proteger os meios de vida e a cultura dessas populações.
Reserva de fauna
Uso sustentável. Área com populações de animais de espécies nativas, terrestres e aquáticas, residentes ou migratórias, voltada para estudos científicos. A visitação pública é permitida, desde que compatível com o manejo da unidade. É proibida na área a prática da caça amadorística ou profissional.
Reserva de desenvolvimento sustentável
Abriga populações tradicionais, que vivem basicamente em sistemas sustentáveis de exploração dos recursos naturais, desenvolvidos ao longo de gerações.
Reserva particular do patrimônio natural
Uso sustentável. São unidades em áreas privadas, com o objetivo de conservar a diversidade biológica local. O cidadão atua na proteção ambiental, com incentivos como isenção de impostos.
Marco Aurélio Nogueira: A união acima de tudo
Descalabros governamentais fazem com que os pedaços que antes se combatiam uns aos outros percebam que o Mal está em outro local
O escritor Antonio Prata acertou a mão, em sua última e deliciosa crônica, quando escreveu que Bolsonaro vai unir o Brasil: “acabou o fla-flu: agora é todo mundo contra o Olaria”.
Se me basear nos meus círculos pessoais e nas redes que frequento, é isso mesmo que está acontecendo. Uma vertente que por enquanto não se completou, mas que avança célere, na proporção em que o presidente e seu governo batem cabeças e produzem fatos escabrosos. Ainda há “resistentes” que respondem ao presidente na mesma moeda: xingou, eu xingo de volta, que não levo desaforo prá casa. O sectarismo, de resto, não é privilégio da direita ou dos mais desqualificados: estende-se por todo o campo político e ideológico. A burrice, a ignorância, também costuma ser equilibradamente distribuída. O mesmo pode ser dito do ressentimento, que é típico do bolsonarismo mas também se manifesta em vários setores petistas ou de esquerda, por exemplo.
Nessa nossa época de postulações identitárias intermináveis, sempre haverá alimento para divergências, vetos, atritos e contestações. O que se deve por à frente: a combatividade feminista, o valor intrínseco da negritude, o orgulho gay ou a questão democrática? Não seria lógico juntar todo mundo em torno de uma causa que é maior e beneficia as mais diversas causas particulares? Não seria sensato trocar o “programa máximo” da revolução por uma convergência liberal-democrática que formate um espaço de luta comum que dê sustentabilidade e apoio popular aos confrontos de ideias? Não é muito mais razoável tentar conquistar com argumentos ponderados os que apoiam o governo do que adotar diante deles a soberba e a ironia? Não é melhor analisar e discutir as propostas do que ficar torpedeando estridentemente tudo o que é proposto pelo governo?
Pode não ser fácil, mas tudo isso é possível e, creio, a cada dia mais necessário.
Bolsonaro distila ódio porque se ressente de ter sido visto, desde sempre, como um político de terceira classe, um maluco-beleza que ninguém levava a sério. Acha-se um predestinado que clama por reconhecimento. Seus seguidores mais fanáticos são ressentidos porque perderam posições na sociedade, veem-se como injustiçados que se sentem perseguidos pela esquerda e jamais tiveram um governo para chamar de seu. Carregam no peito aquela desconfiança hostil a políticos e burocratas, que julgam como se estivessem sempre a prejudicá-los. Desprezam a diversidade, o pluralismo, a cultura e o conhecimento porque não conseguem escapar do círculo de giz em que se meteram, trancam-se nele como que encantados. Nem sabem que são reacionários, pois se veem como uma espécie de “povo escolhido”, os únicos que conhecem a verdade verdadeira.
O fato é que essa turba de gente ressentida chegou ao governo, encarnado na figura de Bolsonaro, que a seu modo promoveu uma ida ao poder de pessoas que viviam na periferia do poder, e não se conformavam com isso. Os que foram eleitos pelo PSL são um bom exemplo: de um dia para o outro foram catapultados para posições de força e influência, sem saber bem como isso aconteceu e o que fazer a partir de agora.
O quadro é lastimável, de uma rudeza e de uma grosseria desconhecidas entre nós. O sinal passou a piscar com insistência, advertindo que o perigo já passou do limite razoável. O pessoal que nos governa simplesmente não sabe como governar, e com isso o País aprofunda sua agonia.
Aos poucos, até mesmo alguns de seus eleitores começam a abandoná-lo, assustados com o despreparo flagrante.
O efeito colateral inevitável, bem apontado pelo Prata, é que os pedaços que antes se combatiam uns aos outros passaram a perceber que o Mal está em outro local, que há adversários mais importantes a serem combatidos, que rixas doutrinárias para ver quem é mais de esquerda ou tem a versão mais correta do socialismo precisam ser descartadas, que não faz sentido ficar amarrado no mantra “Lula livre” ou debatendo se o ex-presidente é ou não um perseguido, que dá perfeitamente para voltar a marcar encontros com aqueles amigos de sempre que de repente começaram a pensar de outra forma. Se, antes, temiam-se confraternizações plurais que poderiam terminar em pancadaria, agora buscam-se adversários de ontem para trocar ideias e traçar estratégias de ação.
Não é propriamente uma pacificação ou a decretação de um armistício definitivo. Política é paixão e sempre haverá nela terreno fértil para divergências. Toda unidade inclui uma luta entre contrários ou que pensam de outra forma. Do mesmo modo, porém, política é busca permanente de aliados, mais que de inimigos, e nela há como que um vórtice aproximando as pessoas umas das outras.
Quem age politicamente em nome da caça a inimigos (que podem ser muitos e variados), como faz o bolsonariano típico, termina sempre por derivar para a paranoia da conspiração. Afoga-se em sua própria saliva e acaba por promover um deserto por onde quer que caminhe. Quando chega a governar, deixa como legado uma obra miserável, torta, descompensada.
A crescente percepção de que algo assim está em marcha no Brasil é o imã que está promovendo reencontros e reaproximações. Se conseguirmos aproveitar a tendência e melhorarmos a articulação política em termos nacionais, reunindo classes, setores sociais e nichos identitários diversos em nome da democracia, da liberdade, da tolerância, da ciência, da educação e de tudo o que nos faz filhos da civilização, estaremos dando um passo de gigante que por certo atenuará os estragos maléficos que estão hoje saltando aos olhos.