Day: outubro 8, 2018

César Felício: Resultado no Brasil poderá ter impacto em todo o continente

O quadro político que sai das urnas no Brasil não caracteriza apenas uma onda de direita, ou "onda azul", como em eleições passadas. Ganha protagonismo uma direita radical, que pode ter impacto continental como em poucos casos no mundo.

O resultado é relativamente inédito em termos globais. Não há caso de votação desta ordem do ultraconservadorismo em um país do porte do Brasil. Os exemplos internacionais são de analogia complicada. O radicalismo conservador governa hoje Polônia, Hungria e Israel. Estes países contudo, além de pequenos, são parlamentaristas, o que já faz toda a diferença. A direita radical também está no comando nas Filipinas, mas a nação asiática pouco influencia os países mais próximos, como Vietnã, China, Indonésia e Malásia.

O caso de Donald Trump nos Estados Unidos é diferente. O presidente americano foi um "outsider" até ganhar as eleições primárias do Partido Republicano. Depois tornou-se o representante de uma legenda que reparte o poder local há mais de cem anos.

Independentemente do resultado das urnas, Jair Bolsonaro (PSL) já fez história. Caso seja o vencedor, a maré radical tem potencial de desestabilizar a América do Sul, a começar da Argentina, em que o presidente Mauricio Macri se perde no labirinto da economia e a senadora Cristina Kirchner está às portas da prisão.

Caso perca, quem pode ser desestabilizado é o petista Fernando Haddad. Nesta hipótese, Haddad governará em situação política adversa, com uma barulhenta direita no Congresso, enfraquecimento de todos os partidos tradicionais, profunda desconfiança dos mercados.

O Brasil, em termos políticos, corre o risco de tornar-se a Venezuela de tempos atrás, em que não havia espaço para solução pacífica de controvérsias entre os dois campos políticos, ainda que a institucionalidade democrática estivesse preservada. A Venezuela de hoje, como se sabe, não pode mais ser considerada uma democracia.

O Congresso tenderia naturalmente a ser um freio neste processo, mas o resultado das urnas pode torná-lo um acelerador. A bancada acima de qualquer expectativa formada pelo PSL não significa necessariamente a tomada do comando da Câmara por blogueiros inexperientes, mas a confluência formada por bancadas transversais, como a da bala, a ruralista e a dos evangélicos tende a ter ainda mais peso do que hoje.

Um Congresso dominado por bancadas transversais indica que haverá pouco espaço para composição e muito para a confrontação. Estas três bancadas operam com perfeição em um ambiente de litigância, e não de costura de interesses.

Um freio mais eficaz a processos de radicalização poderá vir dos governadores. Quem senta na cadeira de governador de São Paulo é, a princípio, candidato potencial a presidente na eleição seguinte. Tanto João Doria quanto Márcio França poderão representar perspectiva de poder para o espólio do PSDB e eventualmente abrir espaço para uma alternância em 2022. A crise fiscal nos Estados já passou pelo pior momento e os eleitos podem circular por Brasília em uma posição menos mendicante. Não é impossível que sejam elementos de moderação na crise política.

No espectro partidário, a resiliência do PT representa uma exceção. Ganhando ou perdendo Haddad, a sigla é a única das grandes que manteve seus sinais vitais relativamente preservados. Está banida do governo de Minas Gerais e foi expulsa do poder no Acre, mas o Nordeste se converte em sua fortaleza, a partir da vitória na Bahia. O PSB em Pernambuco e o PC do B no Maranhão são forças auxiliares.

A ofensiva judicial que a sigla enfrenta, contudo, ainda não se esgotou, como a delação de Antonio Palocci pode vir a demonstrar. O partido pode enfrentar nova onda de desgaste que comprometa, no limite, o seu registro na Justiças Eleitoral.

O PSDB está extraordinariamente enfraquecido, porque ainda que venha a ser conduzido por João Doria no futuro, não sanou nenhum dos fatores que o levaram a se tornar a sigla mais dividida do Brasil. A falta de clareza em torno do apoio ou não ao governo Temer tende a se repetir em relação ao que se fazer no segundo turno e dificultará o partido a manter-se unido na oposição ao futuro presidente.

O caminho para um rearranjo partidário amplo no Brasil, está, portanto, aberto. Uma oposição moderada tanto a Haddad quanto a Bolsonaro precisará de uma nova liderança, uma nova legenda, que pode se formar de dissidências do PSDB, englobar o Rede, o PPS, o PDT e outras forças de centro que ficaram pelo caminho.

O crescimento do PSL dependerá diretamente de Bolsonaro chegar ao poder e do que fará com ele. O PRN de Fernando Collor chegou a ter 40 deputados. Durou dois verões e três primaveras. Um partido dependente unicamente de uma liderança carismática não terá como ganhar consistência de baixo para cima.


Bruno Boghossian: Maré final amplia máquina política de Bolsonaro e reduz apelo ao centro

A maré final que impulsionou Jair Bolsonaro sugere que ele precisará fazer concessões modestas em sua plataforma para o embate direto com Fernando Haddad (PT). O forte desempenho do candidato do PSL e de políticos que pegaram carona em seu nome deve facilitar a formação de uma aliança para ampliar seu eleitorado no segundo turno.

O resultado deste domingo (7) foi uma boa notícia para Bolsonaro em três dimensões: ele partirá de um patamar de votos próximo dos 50% para o confronto final; terá palanques sólidos em disputas de segundo turno nos principais estados do país; e contará com a adesão de candidatos de diversos partidos, que se elegeram em sua esteira no primeiro turno.

Em posição mais confortável que seu rival, o presidenciável do PSL terá a opção de reforçar suas trincheiras em vez de amenizar o tom seu discurso para conquistar novos votos. Os acenos ao eleitorado de centro podem se resumir a gestos limitados, suficientes para atrair o apoio que falta para empurrá-lo à vitória.

Ao longo do primeiro turno, Bolsonaro preferiu fortalecer um viés conservador, antipolítico e de linha dura na segurança para cristalizar e expandir seu eleitorado.
A estratégia deu certo, e a carta da moderação ficou guardada para um eventual segundo turno. O cenário oferece a ele o privilégio de decidir com que intensidade vai aplicá-la. Essa escolha dependerá mais de uma grandeza política (que ele ainda não demonstrou) do que de uma necessidade eleitoral.

O quadro é bem menos cômodo para Fernando Haddad. Ele deverá atrair com facilidade boa parte dos eleitores de Ciro Gomes (PDT), mas precisará dar um passo largo para fazer frente ao campo de Bolsonaro.

O petista já planejava um movimento significativo em direção ao centro para expandir seu alcance. Pretendia fazer esse gesto já no primeiro turno, mas a dificuldade de crescimento na reta final da campanha obrigou o candidato a reforçar seus tons de vermelho.

No segundo turno, Haddad deve se reapresentar como um candidato moderado, com acenos de reaproximação com o mercado financeiro e ajustes na plataforma econômica elaborada pelo PT.

Para ampliar seu eleitorado, o petista enfrentará principalmente uma dificuldade de articulação política em alguns dos principais estados do país –principalmente São Paulo, Minas Gerais e Rio.

Com poucos candidatos competitivos no Sudeste, o PT ficou fora do segundo turno nesses três estados. Em Minas e no Rio, deve ficar absolutamente isolado, já que os candidatos que continuam na disputa são adversários dos petistas.

No Rio, o candidato de Bolsonaro, Wilson Witzel (PSC), disparou na reta final e terminou com mais de 40% dos votos. Seu adversário no segundo turno será Eduardo Paes, que já foi aliado do PT, mas se transferiu para o DEM.

O revés do governador petista Fernando Pimentel em Minas também prejudica a vida de Haddad para o segundo turno. O presidenciável do PT ficará sem palanque no estado nas próximas três semanas, enquanto Bolsonaro poderá contar com o apoio de Romeu Zema (Novo) –que enfrentará o tucano Antonio Anastasia (PSDB).

Em São Paulo, o presidenciável do PSL terá o já anunciado palanque de João Doria (PSDB), enquanto Haddad precisaria buscar Márcio França (PSB), que chegou ao segundo turno na disputa pelo governo estadual.

Os petistas poderão contar com os governadores reeleitos em primeiro turno no Nordeste, como Rui Costa (PT) na Bahia, Camilo Santana (PT) no Ceará e Renan Filho (MDB) em Alagoas. Esses governadores não terão um palanque eleitoral próprio para emprestar a Haddad, mas poderão usar as máquinas de seus governos.

Em 2014, petistas consideraram a vitória de Pimentel no primeiro turno em Minas um passo crucial para fortalecer a candidatura de Dilma no estado para o embate final com Aécio Neves (PSDB). O governador eleito passou a mobilizar prefeitos, oferecendo o apoio do governo estadual em troca de engajamento na campanha à reeleição da então presidente. Dilma venceu Aécio no segundo turno entre os mineiros.

O candidato do PSL, por outro lado, ainda terá o Sul do país a seu favor. O governador eleito do Paraná, Ratinho Júnior (PSD), se alinhou a seu campo durante o primeiro turno. A força de Bolsonaro ainda impulsionou o candidato do PSL em Santa Catarina, Comandante Moisés. Ele chegou ao segundo turno e dará palanque a Bolsonaro para o embate com Haddad.

O presidenciável também pode se beneficiar de candidatos de seu grupo que foram eleitos para o Congresso. O desempenho de políticos do PSL e de nomes que se aproximaram do presidenciável para se eleger forma uma tropa de cabos eleitorais gratuitos para sua campanha no segundo turno.

O bom desempenho de Bolsonaro nas urnas deve facilitar ainda a adesão de caciques de partidos tradicionais a sua candidatura. A perspectiva de poder costuma falar alto nesses momentos. Políticos de siglas como MDB, DEM, PSDB e do chamado “centrão” chegaram a indicar apoio ao candidato do PSL ainda no primeiro turno. Os números deste domingo devem estimular novas alianças.


Eliane Cantanhêde: Dúvida do PSDB: como sobreviver à derrota e a Bolsonaro?

Depois de se debater entre três líderes, o partido pode não ter nenhum

Entre os mortos e feridos das eleições de 2018, não se salvam todos. Uma das vítimas mais atingida é o PSDB, que não só perdeu a Presidência e agora a vaga no segundo turno das eleições como sai da eleição profundamente derrotado e com uma dúvida atroz: tem ou não condições de sobreviver?

Depois de se debater entre três líderes, o partido pode não ter nenhum. José Serra saiu do Itamaraty, refugiou-se no Senado e, aos 76 anos, não tem mais horizonte eleitoral. Aécio Neves implodiu sua imagem e seu futuro com o áudio em que pedia R$ 2 milhõespara o empresário Joesley Batista. Geraldo Alckmin leva o troféu de pior desempenho tucano numa eleição presidencial.

Fernando Henrique Cardoso, o grande nome e a maior referência do PSDB, tem 86 anos e funciona hoje mais como um consultor, quase um terapeuta para tucanos com os nervos à flor da pele. Muito acima do partido, tem disposição próxima de zero para reabilitar o PSDB que o levou à Presidência da República duas vezes, em 1994 e 1998.

Quem será, ou quem seria, um líder emergente capaz de providenciar uma tábua de salvação para o PSDB? Se o ex-prefeito de São Paulo João Doria pensou algum dia em ocupar esse espaço, pode tirar o cavalinho da chuva, depois de tentar solapar a candidatura do padrinho Alckmin, sair prematuramente da principal prefeitura do País e pular no barco Bolsonaro antes da hora.

Bolsonaro, aliás, pode ser considerado duplamente algoz do PSDB. Foi para ele que os votos tucanos voaram, primeiro do Sul e do Centro-Oeste, depois do País todo. E é em torno dele que o partido vive as dores, não do crescimento, mas do envelhecimento. Ainda no primeiro turno, tucanos já discutiam, ardorosamente, quem apoiar no segundo: Bolsonaro ou o petista Fernando Haddad, o novo ou o velho adversários de sempre? Ou seria melhor a “neutralidade”?

Não havia, como não há, uma resposta para essa dúvida existencial dos tucanos, que se arrastam em círculos e conscientes de que o partido não caminhará unido nem para um lado nem para o outro. Será cada um por si, cada um seguindo sua ideologia, seu interesse, suas prioridades. Isso, convenhamos, não é coisa de partido, mas de aglomeração, em que cada um faz o que quer.

Criado em 1988, sob os ventos da redemocratização e da “Constituição Cidadã”, promulgada naquele ano, o PSDB reuniu os quadros considerados mais respeitáveis, preparados e reverenciados do País: o próprio Fernando Henrique, que seria o primeiro e único presidente do partido; Mário Covas, que disputou, e perdeu, a primeira eleição direta após a ditadura militar; Franco Montoro, símbolo de ética e patrono dos principais tucanos; José Serra, economista e ex-presidente da UNE; José Richa e Euclides Scalco, do Paraná; Pimenta da Veiga, de Minas; Sérgio Motta, o “trator”, o que transformava as formulações intelectuais em práticas, seja do partido, seja do governo FHC.

Alguns morreram, outros morreram politicamente, e o PSDB nem soube enaltecer e tirar proveito eleitoral da herança bendita de Fernando Henrique, nem soube investir em novas lideranças que arejassem o partido e lhe garantissem um futuro. Aécio e Alckmin, mais novo do que os demais, não deram conta do recado.

É assim que o PSDB chega ao momento mais dramático da política sem saber para onde correr. Ou se vale a pena correr. De tanto se engalfinharem, ele e seu antagonista PT se enfraqueceram, se esvaziaram e são dois dos grandes responsáveis pelo “fenômeno Bolsonaro”. E pelo que virá.


Marcelo de Moraes: Bolsonaro surfa na onda conservadora

Candidato do PSL tem vantagem imensa sobre o adversário do segundo turno, Fernando Haddad

A “onda Bolsonaro” varreu os Estados e é com ela que o candidato conta para derrotar Fernando Haddad no segundo turno. Mesmo não tendo conseguido fechar a disputa com o petista logo no primeiro turno, como queria, o candidato do PSL sabe que tem uma vantagem imensa sobre o adversário, especialmente pelo maior recado que as urnas passaram ontem. Há muitos eleitores votando em candidatos conservadores no País.

É com essa rede regional de apoio que Bolsonaro conta para manter sua mensagem mais viva do que nunca nos Estados. Vários de seus aliados foram campeões de votos pelo Brasil afora. Mas ele tem outra vantagem sobre Haddad. Em pelo menos dois dos três maiores colégios eleitorais do Brasil, Minas e Rio, candidatos próximos a ele estão disputando o segundo turno: Romeu Zema e Wilson Witzel, respectivamente. Ou seja, manterão forte sua candidatura porque também precisam se eleger. E, em São Paulo, o tucano João Doria passa a ser um aliado natural.

Na prática, Bolsonaro só não resolveu a disputa ontem porque o PT conseguiu mostrar sua força no Nordeste, empurrado pelo tradicional prestígio de Lula na região. Agora, o candidato do PSL pretende investir nesses eleitores para acabar de minar o apoio a Haddad.

Bolsonaro tem o apoio de líderes religiosos para tentar entrar mais fortemente na região e se fortalecer na base adversária.

Mas, se o cenário é muito favorável, Bolsonaro sabe também que tem alguns pontos frágeis. Por causa de sua rejeição pessoal, sabe que Ciro Gomes, o terceiro colocado, deverá apoiar Haddad. Marina Silva também deve ir nessa direção. Em compensação, os tucanos – independentemente da orientação de Geraldo Alckmin – deverão aderir de vez. O mesmo já acontece com o Centrão.

O deputado precisará também se preparar para o modelo de disputa do segundo turno. Até ontem, só precisou focar nas redes sociais, uma vez que não tinha tempo de TV. Agora, passa a ter metade do tempo e precisa preparar um programa que seja competente. Além disso, ainda precisa definir se vai participar dos debates contra Haddad – esse tipo de evento é um dos mais delicados para ele, já que não há mais candidatos e ficará num confronto mano a mano com o petista.

A verdade é que o capitão reformado criou uma poderosa imagem pública, com um “teflon” que impede que acusações contra ele grudem. A não ser que cometa um deslize muito grave, dificilmente deixará de confirmar a vantagem apontada no primeiro turno. Até porque, seu grande trunfo foi ter se comunicado perfeitamente com um eleitor que se mostrou conservador, rejeitou os políticos mais tradicionais, abraçou o discurso pela segurança pública e também, com exceção do Nordeste, disse não ao PT.


Vera Magalhães: Reduto petista assegura realização do segundo turno

Nordeste garantiu Fernando Haddad na disputa contra Jair Bolsonaro pelo Planalto

O Nordeste que garantiu a vitória a Dilma Rousseff em 2014 também assegurou a ocorrência de segundo turno entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad a despeito da avassaladora onda de votos do candidato do PSL em São Paulo, no Sul e no Centro-Oeste.

Durante quase toda a campanha, a distinção de gêneros nos votos foi a tônica das análises, mas o resultado mostra que segue sendo a desigualdade regional o grande motor eleitoral no Brasil.

O desgaste petista pós-impeachment, na esteira da Lava Jato e da prisão de seu principal líder, impulsionou a ascensão meteórica de Bolsonaro, que soube aproveitar a onda e incrementá-la com um discurso conservador que atraiu um eleitorado até então alojado no PSDB e um uso arrojado das redes sociais para se transformar num fenômeno novo na política nacional, antípoda ao lulismo.

O deputado do PSL bateu na trave de vencer já neste domingo, mas entra no segundo turno em condições em tudo vantajosas em relação a Haddad: viu aliados seus se elegerem ao Senado, assegurou uma bancada respeitável na Câmara (seja de seu próprio partido seja dos políticos que devem se aproximar dele em caso de vitória) e terá a seu lado aliados importantes em disputas estaduais, como São Paulo e Rio de Janeiro.

Preso, Lula conseguiu colocar seu “poste” em uma nova final, mas perdeu a aura de encantador de serpentes: o PT sofreu uma derrota acachapante no País, cujo símbolo maior é a surra em Minas Gerais, com Dilma Rousseff fora do Senado e Fernando Pimentel alijado do segundo turno.

Em 2014, Minas foi fundamental para Dilma, além do Nordeste. Agora, o Estado-síntese da federação repete, de novo, o quadro nacional: é fortemente bolsonarista, mas por pouco não garantiu a vitória antecipada do capitão.

Nas três semanas até o segundo turno, caberá a ele reforçar suas posições de Minas para cima. Parece ter mais ferramentas para isso que Haddad, cuja campanha deverá ser toda concentrada em apontar o adversário como uma ameaça à democracia – algo que diante da votação maciça parece ser um discurso incapaz de sensibilizar o eleitorado.

Como faltou pouco para que vencesse no primeiro turno, Bolsonaro parece ter uma tarefa bem mais tranquila: tem a seu favor uma migração natural de votos de candidatos como João Amoêdo e outros e deve pescar a metade dos (poucos) eleitores de Geraldo Alckmin.

Numa eleição que virou plebiscito e transformou quase todos os candidatos em nanicos, Ciro Gomes é o único fora os finalistas a terminar com estatura política. Deverá apoiar Haddad, mas resta saber se a esquerda terá peso para se contrapor à onda de centro-direita, a maior desde a redemocratização.


João Domingos: Haddad precisará exibir jogo de cintura que nunca teve

Petista terá de fazer um esforço imenso para superar Jair Bolsonaro (PSL) no segundo turno

O candidato do PT à Presidência, Fernando Haddad, terá de fazer um esforço imenso para superar Jair Bolsonaro (PSL) no segundo turno. Um esforço que exigirá dele jogo de cintura como nunca teve em sua vida de professor, ministro, prefeito, coordenador do programa do PT, vice de um candidato que não seria candidato e, agora, finalista da corrida presidencial.

Não só porque o eleitor do capitão reformado do Exército é fiel e não mudará de ideia ao longo do caminho. Mas também porque Haddad terá de encontrar um jeito de superar obstáculos que serão postos em seu caminho pelo próprio partido, que tentará puxá-lo para a esquerda, na ilusão de que essa será a fórmula para enfrentar o candidato da extrema-direita.

Haddad terá ainda de entender que sua chapa é estreita do ponto de vista político. Que a vice, a deputada estadual gaúcha Manuela d’Ávila, pouco agrega em termos de votos, pois o PCdoB já vota no PT. E que, em toda sua vida, o PT nunca venceu uma eleição presidencial quando não se uniu com o centro. Em 1989, com o senador José Paulo Bisol (PSB), em 1994, com Aloizio Mercadante (PT), e em 1998, com Leonel Brizola (PDT), Lula perdeu todas as eleições.

Só em 2002, quando Lula e o PT entenderam que precisavam mudar seu arco político, e foram atrás do PL (hoje PR) de Valdemar Costa Neto, é que conseguiram vencer. O vice José Alencar logo abriu caminho para o centro e, com seu charme mineiro e bonachão, atraiu os empresários. Mesmo assim, Lula teve de escrever uma “Carta ao povo brasileiro” ainda em junho, se comprometendo a não fazer loucuras na economia. E, ao vencer a eleição, foi atrás do PSDB e lhe tirou o deputado eleito Henrique Meirelles, de Goiás, tornando-o seu presidente do Banco Central. Meirelles, não é preciso dizer, deu conta do recado, controlou a inflação e ajudou a equilibrar as contas públicas.

Portanto, o que Haddad precisa fazer o mais breve possível é um aceno para o centro, para o empresariado, para o mercado, para o brasileiro que votou em candidatos que não seguiram a onda pró-Bolsonaro. Haddad precisa ainda convencer o eleitor de que falará por si, que não é só um poste de Lula, como o foi Dilma, a presidente da República que destruiu o sonho do PT de se manter por anos e anos no poder. O brasileiro, pelo jeito, ainda não se esqueceu do desastre que foi o governo dela. Negou-lhe a vaga para o Senado, como negou para os que fizeram parte da tropa de choque de Dilma durante o processo de impeachment: Lindbergh Farias (RJ) e Vanessa Grazziotin (AM).


Bernardo Mello Franco: O tsunami conservador que empurrou Bolsonaro e varreu o país

Um tsunami conservador varreu o país nas eleições de ontem. O discurso radical do capitão seduziu um eleitorado com medo da violência e raiva dos políticos

Não foi só uma onda. Um tsunami conservador varreu o país nas eleições de ontem. O presidenciável da extrema direita, Jair Bolsonaro, chegou perto de vencer no primeiro turno. Arrastou uma legião de militares, policiais e pastores para o Congresso, onde o nanico PSL passa a ser uma força relevante.

O discurso radical de Bolsonaro seduziu eleitores com medo da violência e raivada política. Ele prometeu defendera família, combatera corrupção e distribuir armas para o“homem de bem ”. Conseguiu emplacara ideia de que representa o novo, apesar dos sete mandatos como deputado federal.

O capitão vestiu a farda de antagonista do PT. Mas sua primeira vítima foi o PSDB, que teve o pior resultado desde 1989. Depois de governar São Paulo por quatro vezes, Geraldo Alckmin ficou com menos de 5% dos votos. Agora os tucanos correm o risco de virar uma espécie política em extinção.

Ferido pela prisão do seu maior líder e pelo impeachment,o PT encolheu. O partido venceu em apenas nove estados, oito deles no Nordeste. Ainda amargou derrotas históricas como a da ex-presidente Dilma Rousseff, que não conseguiu se eleger senadora em Minas Gerais.

Fernando Haddad chega ao segundo turno em desvantagem. Terá o desafio de formar uma frente ampla, além da esquerda e da terceira via de Ciro Gomes. Precisará se vender como fiador da democracia, ameaçada pelo discurso autoritário do capitão.

O segundo turno dará uma chance ao eleitor para refletir melhor sobre tudo o que está em jogo. A agressividade da campanha tende a aumentar ainda mais. No entanto, Bolsonaro será obrigado a se expor ao contraditório e apresentar ideias além das frases de efeito.

Foi uma eleição moldada pela Lava-Jato. A operação prestou bom serviço ao combater a corrupção, mas exagerou no ativismo e desorganizou o sistema político, a exemplo do que ocorreu na Itália com a Mãos Limpas. Lá, o resultado foi o populismo clownesco de Silvio Berlusconi. Por aqui, vem sendo Bolsonaro.


Míriam Leitão: Agora será a hora de buscar o centro

Ganhará quem fizer o mais vigoroso e convincente movimento para construir pontes; Haddad deu o primeiro passo

O eleitor falou. Deu uma grande vantagem a Jair Bolsonaro, mas a disputa continua no segundo turno. Ganhará quem fizer o mais vigoroso e convincente movimento para o centro. Tanto Jair Bolsonaro, que sai com grande vantagem na largada, quanto Fernando Haddad têm muito a caminhar.

O candidato do PT deu o primeiro passo para a construção da ponte falando em um unir os “democratas do Brasil” e os que “se preocupam com os direitos humanos". Na mesma hora, falando aos seus seguidores pela mídia social, o candidato do PSL levantou de novo dúvida sobre a urna eletrônica, disse que o que está em jogo é a operação Lava-Jato, criticou a imprensa e afirmou que é preciso evitar a volta do PT ao governo. “Não podemos continuar flertando com o comunismo e o socialismo”.

Bolsonaro, apesar da sua clara vantagem e da onda conservadora que correu ontem o país, precisará atenuar o tom ofensivo a todas as minorias. Haddad, que larga em grande desvantagem, precisará desesperadamente do apoio de outras forças. Ontem, recebeu já um sinal de Ciro Gomes, que declarou que será “ele não”, porque combateu “sempre a favor da democracia e contra o fascismo”.

Bolsonaro, para se eleger, terá que desfazer sua defesa reiterada da ditadura e da tortura e o desprezo pelos direitos humanos. O PT precisará renegar o apoio à Venezuela e rejeitar declarações como as feitas recentemente pelo ex-ministro José Dirceu. Contudo, quando o assunto é ameaça à democracia, Bolsonaro e PT não são equivalentes. O PT flerta com ideias autoritárias, às vezes, mas fez carreira na democracia e governou preservando a liberdade, mas Bolsonaro sempre proclamou ideias autoritárias.

Outro desafio de cada um será o detalhamento do projeto econômico. O PSL precisará explicar essa fratura exposta entre o que diz o economista e o próprio Bolsonaro e o seu círculo próximo. O PT terá ainda mais trabalho para desmontar o programa intervencionista e voltar ao caminho econômico do primeiro governo Lula. Haddad terá autonomia para isso? As próximas semana serão intensas.


Merval Pereira: Quadro é favorável a Bolsonaro

Candidato do PSL sai do primeiro turno em ascensão e leva vantagem para as negociações políticas e futuras adesões

A vitória de Jair Bolsonaro com quase o dobro de votos de Fernando Haddad sinaliza que o candidato do PSL entrará no segundo turno em posição de vantagem, embora todos considerem essa uma nova eleição. Mas quando um candidato sai do primeiro turno em ascensão, o clima que se cria em torno dele é favorável a novas adesões, e as negociações beneficiam o vencedor.

Por isso, nunca um candidato que entrou no segundo turno na dianteira da disputa presidencial deixou de se eleger. Foi assim com o ex-presidente Lula, que não ganhou eleições no primeiro turno – em 2006 chegou a ter 49% —, mas sempre saiu vencedor com cerca de 60% dos votos no segundo turno, contra candidatos do PSDB.

Desta vez, o candidato petista Fernando Haddad terá que reverter bem mais votos do que os adversários do PT nas vezes anteriores, uma tarefa mais difícil do que a do tucano Aécio Neves em 2014, por exemplo, que terminou o primeiro turno com 33,55%, contra 41,59% de Dilma, e conseguiu no segundo turno 48,36%, contra 51,64%, perdendo por pouco. Haddad, hoje, termina com menos votos do que Aécio teve no primeiro turno em 2014, e Bolsonaro quase venceu agora.

A união dos opostos será feita neste segundo turno à força, pois no primeiro as legendas de esquerda e de centro se dispersaram entre várias candidaturas. A questão é saber quão unidos estarão neste segundo turno, e quem terá mais condições de atrair votos do centro político.

Haddad, pelas pesquisas, é capaz de levar a maioria dos votos de Ciro, Marina e Alckmin, mas não o bastante para se contrapor a Bolsonaro, que atrairá, até mesmo por falta de opções, o eleitorado de centro-direita espalhado entre candidaturas nanicas de Alvaro Dias, Meirelles, Amoedo, além da parte minoritária de Alckmin e Ciro.

A impossibilidade de escolha, no entanto, pode gerar um índice maior de votos brancos, nulos e da abstenção neste segundo turno, o que facilitará a vida dos candidatos, especialmente do que está na frente, pois precisarão de menos votos válidos para se eleger.


Demétrio Magnoli: A máscara da derrota

Escrevo antes do primeiro turno. Minha estimada bola de cristal sempre apresenta falhas, mas as sondagens indicam que Bolsonaro e Haddad se enfrentarão no turno decisivo. Nessa hipótese provável, a combinação da implosão do PSDB com a prevalência do antilulismo poderia condenar a nação a um governo de moralistas depravados. Tudo depende do que Haddad fará com a máscara de Lula que, até aqui, cobriu seu rosto.

A pesquisa Datafolha divulgada em 3 de outubro traz uma informação periférica que ajuda a decifrar o cenário do segundo turno. Cerca de 60% dos entrevistados opinam que Lula deve seguir condenado, na cadeia (51%) ou em prisão domiciliar (8%). O antilulismo emerge como fator crucial, provocando uma convergência eleitoral em torno de Bolsonaro. A estratégia de campanha de Haddad, apropriada a uma candidatura de protesto, uma espécie de anticandidatura consagrada a reagrupar um partido desmoralizado, não atende ao objetivo de persuadir a maioria. No turno final, o candidato petista precisa descobrir sua face, abandonando a máscara da derrota.

Bolsonaro promete reformar a economia, do jeito dele — ou melhor, de acordo com a utopia regressiva de Paulo Guedes. Seria fácil mostrar que seu programa ultraliberal não é aplicável a uma democracia de massas — se a alternativa petista não fosse o retorno à política econômica responsável pelo colapso fiscal de 2014. Mas, seguindo o figurino desenhado pelo PT, Haddad insiste no negacionismo econômico. Segundo ele, Dilma Rousseff só errou ao patrocinar o giro ortodoxo conduzido por Joaquim Levy. “Escolham entre mim e o destino da Venezuela (ou do Rio de Janeiro)” — o desafio implícito de Bolsonaro cala fundo no amplo espectro de eleitores que recusam o revisionismo histórico lulopetista.

Bolsonaro ergue o conveniente estandarte da Lava-Jato, restaurando a célebre vassourinha de Jânio Quadros, e encontra influentes “companheiros de viagem” no Judiciário e no Ministério Público. Haddad, por seu lado, repete o mantra sectário do PT, que exibe as condenações de Lula, Dirceu, Palocci e dos tesoureiros petistas como uma conspiração geral de juízes contra o partido. O negacionismo ético corta o diálogo do candidato com a vasta parcela do eleitorado que não crê em bruxas. Haddad pode, legitimamente, defender a inocência de Lula no processo específico em que foi condenado. Mas, sem reconhecer as responsabilidades políticas do lulismo nos escândalos do “mensalão” e do “petrolão”, entrega a tocha da mudança aos incendiários bolsonaristas.

Bandos de bolsonaristas fantasiados de amarelo promovem atos de protesto contra a “mídia vermelha”. Bandos de petistas fantasiados de vermelho gritam palavras de ordem contra a “mídia golpista”. No coreto do ódio à imprensa, encontram-se Trump, Bolsonaro, Lula e Maduro. A confluência tem efeitos anestésicos sobre o eleitorado que ainda se mantém fiel ao princípio da liberdade de imprensa. Haddad não se distinguirá de Bolsonaro no campo das liberdades públicas se não romper com o discurso petista do “controle social da mídia”.

Bolsonaro, Mourão et caterva choram a perda da ditadura militar, um tempo mítico de ordem e progresso. O lulismo jura fidelidade eterna à ditadura de Maduro e aplaude a sangrenta repressão de Ortega. O que é mais asqueroso, a nostalgia da “nossa” ditadura pretérita ou a solidariedade aos acuados ditadores latino-americanos do presente? Haddad não conseguirá empunhar a bandeira da democracia contra o autoritarismo bolsonarista sem romper, nitidamente, com os artigos de fé autoritários do lulismo.

A máscara de Lula é um valioso passaporte eleitoral, se a ambição consiste, apenas, em alcançar o segundo turno. O lulismo, porém, não é majoritário. A rejeição ao lulismo está ancorada na experiência histórica, mais que no preconceito. Já a rejeição a Bolsonaro deita raízes em material um tanto etéreo, formado por valores, princípios e visões de mundo. Para triunfar, Haddad precisa exibir a face que, até hoje, ocultou atrás da máscara — e esforçar-se em provar aos eleitores que uma é diferente da outra.


Fernando Gabeira: O capitão e o navio

Bolsonaro sentiu que a guerra cultural seria um caminho não só para ampliar votos no Rio, mas para projetá-lo nacionalmente

Não é uma simples segunda-feira de primavera. Neste momento, já se sabe que Bolsonaro venceu o primeiro turno das eleições e mais ainda: como se compõe o novo Congresso.

As pesquisas me divertem. As projeções do segundo turno são exercícios fantásticos. Saber que a rejeição a Eymael caiu de 19 para 13 pontos coloca um enigma de interpretação: o que Eymael fez na semana para reduzir o saldo negativo? Na superfície, ele continua o mesmo Eymael, um democrata cristão: zero por cento.

Imagino que comece hoje uma discussão sobre as causas que levaram Bolsonaro a vencer o primeiro turno. E também a ampla distribuição de culpa entre seus adversários.

É uma discussão importante. Mas, se for isolada do resto, tende amostrar Bolsonaro como um alienígena que simplesmente aterrissou num país em crise.

Isso tende a omitir seu papel pessoal. Bolsonaro foi o deputado mais votado no Rio, em 2014. Ele teve 464 mil votos, cerca de 6% do total, um feito extraordinário em eleições proporcionais. Naquele momento, ele já estava em ascensão batendo, principalmente, em duas teclas: corrupção e segurança pública.

Sua proposta em segurança tem uma vantagem sobre todas as outras. Reconhece a limitação do Estado e envolve o indivíduo, que teria sua própria arma. Já a critiquei e propus uma outra forma de participação social: a informação, através dos novos recursos tecnológicos.

Concordamos num ponto em que os outros silenciaram: sema adesão da sociedade, fica difícil atenuar o problema da violência. Bolsonaro sentiu também que a guerra cultural seria um caminho não só para ampliar seus votos no Rio, mas para projetá-lo nacionalmente.

Percebeu também que não bastava brigar com Jean Wyllys para se popularizar. Ele encontrou um flanco: a educação sexual nas escolas. Bolsonaro sabe que a maioria das famílias quer ter a primazia de educar sexualmente os filhos.

Ao lançar cartilhas e distribuí-las sem o controle das famílias, a esquerda tornou-se vulnerável porque pareceu querer substituir a orientação familiar, em vez de negociar com ela.

Ainda vou escrever muito sobre Bolsonaro, inclusive sobre os 16 anos em que estivemos juntos em algumas comissões da Câmara, divergindo nos costumes e concordando na denúncia da corrupção.

A grande dificuldade com Bolsonaro é que, essencialmente, é anticomunista e tende a combater todas as lutas lideradas pela esquerda, como se tivessem sido inventadas por ela. Ele tem dificuldade em distinguir direitos humanos e exploração ideológica, movimento das mulheres das visões radicais, meio ambiente e ameaça à propriedade privada e, no caso amazônico, cobiça internacional.

Algumas de suas ideias sobre meio ambiente, sobretudo as de fundo nacionalista, são compartilhadas pelas Forças Armadas. Será, portanto, um tema que demanda muita sensibilidade para evitar que se reproduza aquela profunda divisão do tipo nós e eles, brasileiros e lacaios do imperialismo.

Em outras palavras, o estigma que a esquerda criou, na economia, para quem defende a abertura ao capital estrangeiro tende ase repetir, agora, na esfera ambiental nocam poda cooperação planetária. Só que as pancadas virão da direita.

Com todas essas divergências, creio que será possível estabelecer um diálogo. Pessoalmente, sempre conversei com Bolsonaro ao longo de 16 anos.

Nos seus primeiros discursos na Câmara, ele pedia minha prisão porque eu era um sequestrador do embaixador americano. Ele queria reproduzir o debate sobre a luta armada. Os tempos eram outros, tínhamos um novo país para construir.

A esquerda me considera um traidor que ocupa um espaço na lata de lixo da história. Sou aquele jogador que já foi do time e a torcida vaia sempre que toca na bola.

Mas esquerda e direita são forças missionárias que tentam universalizar seu conceito de boa vida. Numa sociedade complexa como a nossa, precisamos reconhecer as diferenças e navegar com cuidado, administrando os problemas recorrentes.

A ideia de um país dominado pela Bíblia ou pelo “Capital” de Marx não deixa de ser legítima. Apesar da importância que ambos dão aos seus textos, eles são apenas um modesto guia. O mundo ultrapassa os velhos esquemas mentais. Ou, em linguagem bem brasileira: o buraco é mais embaixo.


Folha de S Paulo: Aécio, Renan, Jader e mais 33 alvos da Lava Jato se elegem

Outros 46 investigados na operação acabaram derrotados no pleito

O desgaste com delações e menções na Lava Jato não impediu que aos menos seis réus, 24 investigados e seis denunciados fossem eleitos nas eleições deste domingo (7) pelo país.

Outros cinco alvos da operação vão ainda disputar o segundo turno.

Na lista de eleitos, estão políticos que foram intensamente alvejados na Lava Jato, como os senadores reeleitos Renan Calheiros (MDB), em Alagoas, e Ciro Nogueira (PI), no Piauí, que chegou a ser alvo de buscas já na reta final da campanha, em desdobramento da delação da Odebrecht.

O veterano Jader Barbalho (MDB) foi o mais votado para o Senado no Pará.

Houve ainda três investigados que conseguiram se eleger, mas foram "rebaixados": os hoje senadores Gleisi Hoffmann (PT-PR), Aécio Neves (PSDB-MG) e Agripino Maia (DEM-RN), que, desgastados pelas investigações, decidiram concorrer a deputado federal. Gleisi, presidente nacional do PT, foi a terceira mais votada em seu estado.

A reportagem levantou entre os candidatos ao menos 18 réus (em ações penais, cíveis ou eleitorais), 12 alvos de acusações já concluídas no Ministério Público (denúncias apresentadas ou ações de improbidade) e outros 57 com investigações em andamento com relação à operação iniciada no Paraná.

A maior parte envolve desdobramentos das "listas de Janot", como ficaram conhecidos os inquéritos pedidos pelo então procurador-geral da República em decorrência das delações da Lava Jato.

Essas candidaturas foram mais favorecidas com recursos do fundo eleitoral, já que os partidos direcionaram mais dinheiro a políticos com mandato ou mais conhecidos.

Com o novo entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o foro especial, parte das investigações e procedimentos sobre esses políticos vem sendo enviada a instâncias inferiores nos estados.

Entre os 46 alvos da operação que concorreram e foram derrotados, há nomes de primeira grandeza da política nacional, como a ex-presidente Dilma Rousseff (duas vezes denunciada pela Procuradoria-Geral da República), o ex-governador paranaense Beto Richa, que chegou a ser preso durante a campanha, e o atual presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE).

A lista inclui ainda o senador Romero Jucá (MDB-RR), líderes tucanos, como Cássio Cunha Lima (PB) e Marconi Perillo, e petistas conhecidos do Congresso, como Marco Maia (RS) e Lindbergh Farias (RJ).

Réu em ação penal aberta pelo juiz Sergio Moro, o ex-deputado Cândido Vaccarezza, que era do PT e agora está no Avante, tentou voltar a Câmara dos Deputados e fez apenas 5.200 votos em São Paulo.

Ao longo da campanha, houve críticas a iniciativas de autoridades ligadas à operação que atingiram candidatos em plena campanha. Faltando um mês para o primeiro turno, os presidenciáveis Geraldo Alckmin (PSDB) e Fernando Haddad (PT), por exemplo, foram alvos, respectivamente, de ação de improbidade e de denúncia, derivadas de delações de empreiteiras.

No Rio de Janeiro, além dos investigados que sofreram reveses nas urnas, filhos de dois dos principais presos da Lava Jato também acabaram não eleitos. O deputado federal Marco Antonio Cabral (MDB), filho do ex-governador Sérgio Cabral, não foi reeleito, e Danielle Cunha (MDB), filha do ex-deputado Eduardo Cunha, foi derrotada. Danielle havia obtido R$ 2 milhões do MDB do Rio, via fundo eleitoral, para financiar sua campanha.

Outros 11 congressistas que são réus no Supremo Tribunal Federal, em casos não ligados à Lava Jato, disputaram a eleição. Desses, oito foram derrotados, como André Moura (PSC), líder do governo Michel Temer no Congresso, que tentou o Senado em Sergipe, Sebastião Bala Rocha (PSDB-AP), que concorreu ao Senado, e Alberto Fraga (DEM), que ficou em sexto lugar na disputa pelo governo do DF.

O deputado federal Silas Câmara (PRB) foi um dos mais votados do Amazonas.

RÉUS DA LAVA JATO ELEITOS
- Aécio Neves (PSDB-MG)
eleito deputado federal e réu em ação penal no STF

- Arthur Lira (PP-AL)
eleito deputado federal e réu em ação penal no STF

- Eduardo da Fonte (PP-PE)
eleito deputado federal e réu em ação penal no STF

- Agripino Maia (DEM-RN)
eleito deputado federal e réu em ação penal no STF

- Mário Negromonte Jr.
eleito deputado federal e réu em ação de improbidade no Paraná

- Vander Loubet
eleito deputado federal e réu em ação penal no STF

DENUNCIADOS PELA PGR ELEITOS
- Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) - Câmara

- Ciro Nogueira (PP-PI) - Senado

- Gleisi Hoffmann (PT-PR) - Câmara

- Jader Barbalho (MDB-PA) - Senado

- Odair Cunha (PT-MG) - Câmara

- Renan Calheiros (MDBL-AL) - Senado