Victor Missiato: Emilia Viotti e os sentidos da História

A História no Brasil perdeu no dia 02 de novembro uma de suas grandes representantes. Faleceu na cidade de São Paulo, aos 89 anos, a professora e historiadora Emília Viotti da Costa. Durante boa parte de sua formação escolar, Emília Viotti estudou no Colégio Mackenzie, sendo que ali também viveu sua primeira experiência docente ao longo do último ano de sua graduação em História.
Foto: Reprodução/Youtube
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A História no Brasil perdeu no dia 02 de novembro uma de suas grandes representantes. Faleceu na cidade de São Paulo, aos 89 anos, a professora e historiadora Emília Viotti da Costa. Durante boa parte de sua formação escolar, Emília Viotti estudou no Colégio Mackenzie, sendo que ali também viveu sua primeira experiência docente ao longo do último ano de sua graduação em História.

Aposentada compulsoriamente junto ao Departamento de História da Universidade de São Paulo após a decretação do Ato Institucional n.º 5, durante o período do regime militar (1964-1985), pesquisou e lecionou na Tulane University, Newcomb College (1970-71), na University of Illinois, Urbana (1972), no Smith College – Lecturer (1972-1973) e durante muitos anos estabeleceu-se na Yale University, sendo todas essas universidades localizadas nos EUA.

Em 1999, recebeu o título de professora emérita da USP pelos diversos trabalhos publicados ao longo de sua riquíssima trajetória.
Suas principais áreas de pesquisa centraram-se na história do pensamento social e político no Brasil – Colonial, Império e República -, na história da escravidão no continente americano, além de trabalhos destinados ao estudo da estrutura judiciária brasileira e sua relação com a cidadania.

De acordo com a própria autora, em entrevista conferida ao livro Conversas com Historiadores Brasileiros (Ed. 34), suas viagens pela América Latina antes da aposentadoria compulsória afetaram sua compreensão de História quando adquiriu “a consciência de que os países da América Latina, apesar das diferenças, tinham uma história comum: a mesma forma “colonial” de inserção no mercado internacional, as mesmas elites indiferentes à sorte do povo e sempre prontas a recorrer à força para se impor, a mesma exploração, a mesma miséria”.

Tais experiências formaram um circuito de indagações referentes às dinâmicas da formação brasileira, tendo em vista suas desigualdades, seus constantes golpes e as dificuldades em se criar nesse solo uma “sociedade democrática”.

Dentre suas principais contribuições na formação das ciências sociais brasileiras, Emilia Viotti da Costa se destacou por relacionar importantes correntes historiográficas sem perder seu rigor metodológico, muito influenciado pelo marxismo.

Em um texto-chave para compreender sua trajetória, escrito em 1994, Emilia Viotti demonstra a atualidade de seu pensamento ao analisar que “os acontecimentos em curso na Europa e a recorrente crise do mundo capitalista, sentida de forma particularmente aguda nas periferias, sugerem que estamos entrando num novo período da História. O momento favorece uma nova síntese que evite todas as formas de reducionismo e reificação, sejam eles econômicos, linguísticos ou culturais, uma síntese que não perca de vista a articulação entre microfísica e macrofísica do poder, que reconheça que a subjetividade é ao mesmo tempo constituída e constituinte, uma síntese enfim que seja centrada na teoria da práxis enriquecida pelas novas experiências e que leve a uma nova historiografia e uma nova estratégia (que permita coordenar os vários movimentos sociais sem retirar-lhes a autonomia), e que a partir de uma reflexão sobre o passado e o presente prepare os caminhos do futuro”.

Encontrando-nos em um novo “momento decisivo”, façamos uso dos ensinamentos legados pela professora Emilia Viotti como fonte de inspiração no sentido de republicanizar a nossa democracia.

 

* Victor Missiato é doutor em História pela UNESP/Franca.

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