voto digital

Quem ganhou o debate dos candidatos à Presidencia | Imagem: reprodução/shutterstock

Nas entrelinhas: No debate dos presidenciáveis, todos os homens são mortais

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

As feministas da geração de Simone Tebet (MDB) e Soraya Thronicke (União Brasil) têm como uma das referências a escritora francesa Simone de Beauvoir, que foi casada com o filósofo existencialista francês Jean Paul Sartre. O livro Todos os homens são mortais (Nova Fronteira), de sua autoria, que empresta o título à coluna, conta a história de Régine, uma atriz ambiciosa e invejosa, e o Conde Raymond Fosca, rei de Carmona, personagem nascido no ano de 1279 (séc. XIII), que havia tomado o remédio da imortalidade.

Régine é uma anti-heroína que reconhece seus defeitos e se arrepende deles, mesmo sabendo que não conseguirá mudá-los. Fosca surge no romance pelos olhos da atriz: “Esse homem! — disse ela. — Por que se levanta tão cedo?”. Dele se aproxima. O antigo rei lhe conta seu segredo, o de ser imortal, e a partir daí, Régine torna-se obcecada pela ideia. Para demovê-la, Fosca narra a história de sua vida, desde 1279 até o seu encontro com Régine, num passeio da Idade Média à Modernidade.

O livro foi lançado em 1946. Fosca apresenta vantagens e desvantagens de ser imortal. Com o passar dos anos — das guerras, das pestes, das mortes de amigos e inimigos e de entes queridos, como esposas e filho —, Fosca desanima da vida e passa a buscar respostas para suas perguntas nos outros, assim como é através deles que tenta viver. Não se percebe mais capaz de ser um ser humano como os demais. Quando termina sua história, Fosca deixa Régine sozinha. Cabe a ele seguir por milênios, amaldiçoado. O livro de Simone de Beauvoir nos revela que cada um tem “a dor e a delícia de ser o que é”.

Fora da dicotomia

O debate presidencial de domingo serviu para mostrar que há mais opções além da polarização entre os candidatos que a promovem. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL) podem não ser “imortais” como Fosca, que podia fazer qualquer escolha, mesmo a mais sanguinária e/ou desastrosa, e sobreviveria aos seus próprios erros e aos prejuízos que causaram.

Segundo o analista de redes sociais Sérgio Denícoli, da Modalmais/APExata, “há vida política fora da dicotomia bolsonarismo x lulismo”. Ao processar a análise de 400 mil tuítes, Denícoli constatou que há um cansaço nas redes sociais com o embate entre as duas maiores forças políticas do país, explícito não apenas nas falas dos candidatos, mas nos sentimentos provocados pelo debate: a tristeza foi a emoção predominante, representando 18,7% dos posts; em seguida, a raiva (14,66%) e o medo (16,69%). A confiança foi apenas o quarto sentimento mais presente: 13,34% dos tuítes.

A rejeição a Bolsonaro e a Lula passou ser o fator determinante da polarização eleitoral, paradoxalmente, mantendo-os na liderança por serem antagônicos. Quem rejeita um vota no outro, acredita que o candidato escolhido é o único com chances de derrotar o adversário. “Entretanto, o debate trouxe uma lufada de ar fresco, mostrando que há outras equipes no páreo. O desempenho de Simone Tebet e Soraya Thronicke surpreendeu”, destaca Denícoli.

Os dados da AP Exata mostram que as duas candidatas mulheres foram as mais aprovadas pelos internautas. Simone teve 41,29% de aprovação entre os que a mencionaram, enquanto Soraya alcançou 41,25%. Ciro ficou em terceiro com 39,96%, Felipe D’Ávila veio na sequência (37,41%), seguido de Lula (36,16%) e Bolsonaro (36,07%). Simone ainda liderou nos sentimentos de confiança, surpresa e alegria. Bolsonaro foi o líder em tristeza, e Lula, em desgosto e medo.

“O debate foi mais negativo para os protagonistas da disputa, que chafurdaram em suas rejeições e em suas fraquezas, claramente expostas”, conclui Denícoli. Em termos de menções, Simone foi a que mais cresceu ao longo do debate. Iniciou com 3,6% e finalizou com 10,5%, um aumento de 191,6%. Ciro cresceu de 14,5% para 15,3%. Soraya ampliou sua visibilidade de 2,5% para 7,6%, e D’Ávila de 1,7% para 3,4%. Lula e Bolsonaro encolheram. O petista iniciou abarcando 41,3% das menções e finalizou com 33,1%. Já o presidente saiu de 36,3% para 30,2%.

Considerando como os termos “voto” e “votar” se associaram aos candidatos no Twitter, Bolsonaro teve a queda mais acentuada, passando de 35,7% para 27,04%. Lula também caiu, de 39,12% para 32,9%. Ciro cresceu de 19,46% para 26,59% e Simone passou de 4,3% para 10,27%. Nos próximos dias, o comportamento das redes mostrará se os efeitos do debate vão se consolidar como tendência ou foram momentâneos.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-no-debate-dos-presidenciaveis-todos-os-homens-sao-mortais/

Pedro Doria: Duas ideias novas pela democracia

Em essência, elas preveem que os algoritmos das grandes plataformas digitais precisam ser mais transparentes

Esta semana, duas propostas diferentes para como lidar com a desinformação on-line foram postas na mesa. São inovadoras, se implementadas mudarão de forma radical como as grandes plataformas digitais funcionam. Ambas têm por objetivo defender as democracias dos movimentos populistas e autoritários que as capturaram subvertendo as redes sociais. Uma é um projeto de lei da União Europeia. Outra, a ideia de um trio de acadêmicos puxados pelo cientista político Francis Fukuyama. E ambas podem funcionar juntas, se completam.

Os detalhes da nova legislação europeia iam ser divulgados na terça-feira, durante uma teleconferência em que as grandes companhias do Vale do Silício estariam representadas. A conversa foi adiada para a quarta que vem. De qualquer forma, o DSA — ou Ato dos Serviços Digitais na sigla em inglês — será apresentado também na semana que vem ao Parlamento Europeu. A partir daí, ao longo de 2021, os países membros da UE deverão ratificar o texto um por um. Então vira lei no mercado comum.

Em essência, os princípios são simples. Quando o Facebook apresentar ao usuário um post, deverá ter um botãozinho que explique por que aquele e não outro foi selecionado. Vale também para publicidade. E toda propaganda precisa ter explícito quem pagou por sua veiculação.

Em essência, os algoritmos precisam ser transparentes. É fundamental que as pessoas compreendam: as redes sociais, os sites de vídeo, os mecanismos de busca estão escolhendo o que nos apresentam. Pois precisarão explicar por quê. Vale para as grandes: Facebook, Google, Amazon — as líderes de mercado.

A nova legislação também exigirá que as companhias compartilhem os dados com reguladores em determinadas situações. Assim como pode, noutras, exigir que dados sejam compartilhados com concorrentes para não criar vantagens indevidas.

As gigantes digitais apresentam um dilema novo no debate sobre monopólios. Um dos problemas é que por um fenômeno chamado Efeito de Rede, no digital empresas tendem ao monopólio. Quanto mais gente usa uma rede social, mais aquela rede é útil. Quanto mais vídeos há num site, melhor ele é. Mas quando a conversa sobre política se concentra nestes ambientes e o que chega a nós é escolhido pelos algoritmos escritos pelas gigantes do Vale, elas terminam com poder demasiado.

Assim como, descobrimos, suas plataformas podem ser sequestradas por populistas que burlam os sistemas.

A proposta da União Europeia é tornar obrigatório explicar como os algoritmos escolhem a informação que chega a nós. A de Francis Fukuyama e do cientista da computação Ashish Goel, ambos de Stanford, que se reuniram com o economista especializado em antitruste Barak Richman, de Duke, vai em paralelo: middleware.

Ou, ao invés de as gigantes fornecerem o algoritmo, vamos tercerizá-los.

Continuamos usando Facebook, Twitter, YouTube. Mas poderemos escolher outras empresas que fornecem algoritmos de seleção do conteúdo que preferimos. Estes filtros escritos por terceiros podem literalmente escolher o que aparece. Ou serviriam para etiquetar o que é informação falsa, controversa, que falta contexto.

De acordo com a ideia da proposta do trio puxado por Fukuyama, em um artigo publicado na revista Foreign Affairs, estes terceiros seriam obrigados a manter total transparência a respeito de seus critérios editoriais e técnicos.

As duas propostas, a europeia e a dos professores, podem funcionar separadamente ou em conjunto. Em comum têm o fato de serem originais. Além de atentarem para o problema imenso que temos em garantir a proteção da democracia com um ambiente de informação no qual as pessoas voltem a ter voz a respeito do que recebem.