Valor Econômico

Murillo Camarotto: Eleições, polarização e desertos de notícias

Colapso do jornalismo regional vai corroendo pilares da democracia

Tip O’Neill, antigo presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, ficou famoso por ter dito que “toda a política é local”. O argumento central era de que as grandes questões globais movem paixões e manchetes, mas importam menos na vida do cidadão comum do que as decisões tomadas na comunidade na qual ele está inserido.

Desde que a frase ganhou notoriedade - já há algumas décadas -, observadores da política americana vêm percebendo algumas transformações nesse conceito. Na esteira da polarização explosiva experimentada naquele país, as eleições locais passaram a refletir muito mais as questões ideológicas do que aquelas voltadas às realidades e necessidades comunitárias.

Esse fenômeno é intensificado pela aguda crise pela qual passa o jornalismo local nos Estados Unidos. O fechamento de redações dedicadas à cobertura de questões regionais - muitas delas centenárias - cresce a um ritmo assustador e suscita debates sobre os riscos desse processo para a democracia.

Na semana passada, em uma carta de 11 páginas encaminhada ao Congresso americano, o presidente mundial da Microsoft, Brad Smith, chamou atenção para o problema - em parte causado pelas gigantes da tecnologia. Smith relembrou a frase de O’Neill com o complemento de que “a democracia floresce ou murcha em nível local”.

Por aqui, caminhamos para o que pode ser a eleição mais polarizada desde o fim da ditadura militar. Nesse ambiente contaminado, as necessidades locais tendem a ter um peso cada vez menor na escolha dos eleitores.

Em condições naturais, candidatos a governador, senador, deputado estadual e deputado federal deveriam ser avaliados com base em suas realizações nos respectivos domicílios eleitorais, e não apenas no lado em que estarão na polarizada disputa federal.

Está ficando mais difícil, entretanto, conhecer a fundo o desempenho (ou ficha corrida) desses candidatos. Assim como na América, o jornalismo local agoniza por aqui, deixando no escuro vastas regiões do país, já batizadas no meio acadêmico de “desertos de notícias”.

Tecnicamente, os desertos de notícias são municípios nos quais não há nenhum tipo de veículo jornalístico. Os dados mais atualizados do “Atlas da Notícia”, organizado pelo Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo (Projor), mostram que 62% das cidades brasileiras não têm hoje nenhuma imprensa local, o que representa 18% da população.

O problema, no entanto, é bem mais grave. Mesmo em regiões que ainda dispõem de órgãos de imprensa, a cobertura local é muito pobre. Por todo o país, diários tradicionais enfrentam diversas dificuldades operacionais e financeiras e rumam a passos largos para a irrelevância.

Em cidades importantes, como João Pessoa (PB), o jornalismo impresso acabou bem antes de ser concluído o processo de inclusão digital da população. Em outras capitais onde os periódicos de papel ainda circulam, as páginas de política priorizam a reprodução de notícias nacionais, a despeito dos temas mais caros à comunidade.

Nesse cenário, prefeituras, câmaras de vereadores, assembleias legislativas e tribunais de Justiça vão se acostumando à confortável ausência dos repórteres. As descobertas de escândalos locais rareiam, enquanto prosperam os blogs e timelines politicamente comprometidos.

É o terreno fértil para a proliferação do que os americanos chamam “folk teories”, histórias distorcidas que se espalham pelas redes sem qualquer base empírica, que acabam ganhando respaldo em uma parcela da sociedade e, fatalmente, influenciando as urnas.

Sem fontes confiáveis de informação, os cidadãos ficam expostos ao buraco negro das redes sociais. A utilização massiva de bancos de dados com bilhões de informações pessoais fez estragos pelo mundo afora nos últimos anos, com maior destaque para as eleições americanas e o referendo do Brexit.

No caso americano, a Cambridge Analytica mapeou os polos de indecisos e, com base em informações pessoais surrupiadas, bombardeou toda essa gente com memes e mentiras contra os adversários de seus clientes. Deu certo.

No Brasil, teremos as primeiras eleições gerais sob a vigência de Lei Geral de Proteção de Dados, mas os efeitos da regulação sobre o uso das informações pessoais pelas candidaturas ainda é incerto. Certo é que não devemos subestimar a nossa vulnerabilidade à manipulação.

A influência das redes no pleito será, mais uma vez, gigantesca. Estudiosos projetam uma prevalência dos vídeos curtos, atualmente em moda em plataformas como o Instagram e o novato TikTok. Nesse oceano, o jornalismo profissional terá que gritar ainda mais alto para ser ouvido.

“Reconheço que a tecnologia tem criado tantos problemas quanto benefícios. E esses problemas pedem novas e urgentes soluções”, reconheceu o executivo da Microsoft em sua manifestação.

Na Europa e na Austrália, o acerto de contas entre o jornalismo e as gigantes tecnológicas está mais avançado. A imprensa australiana conseguiu garantir mais dinheiro para o conteúdo que coloca na internet.

Ainda assim, o quinhão dedicado aos jornais locais é miserável, insuficiente para dar alguma sobrevida. Na França, Canadá e Reino Unido, já se discutem formas de socorro estatal, por meio de um novo enquadramento tributário. Nesses países, já amadureceu a percepção de que a debacle do jornalismo regional pode vitimar também a democracia.

É bem provável que eu venha a ser criticado por considerar a possibilidade de uma política pública de respaldo ao jornalismo profissional - sobretudo em nível regional. Mais provável ainda é que boa parte dos críticos tenham o hábito de consumir algum tipo de noticiário sem pagar nada.

Outros caminhos podem ser sugeridos, o importante é que o problema seja reconhecido, afinal, de negacionismo já estamos bem servidos. Para esse e outros dramas nacionais, jornalismo sério é a vacina.


Maria Cristina Fernandes: Carta eleva pressão sobre Bolsonaro

Congresso se vale de documento para tentar isolar presidente na gestão da pandemia

A carta dos economistas não foi pensada com este fim, mas seu resultado mais imediato foi o de fortalecer o Congresso frente ao presidente Jair Bolsonaro não apenas para a reunião que está sendo programada para amanhã no Palácio do Planalto entre as cúpulas dos Três Poderes e uma comissão de governadores, mas frente ao próprio Ministério da Saúde.

Ao conseguir a aderência de banqueiros, investidores e empresários como Roberto Setubal (Itaú), Pedro Moreira Salles (Itaú), José Olympio da Veiga Pereira (Credit Suisse), Arminio Fraga (Gávea), Fábio Barbosa (Gávea), Luís Stuhlberger (Verde) e Horácio Lafer Piva (Klabin) a carta isolou ainda mais o presidente e dificultou a transformação do encontro de amanhã na armadilha pretendida.

A ideia de um comitê de crise, a ser discutido nesta reunião, seria não apenas melhorar a coordenação entre os entes federativos, como também tirar do presidente Jair Bolsonaro a condição de responsável-mor pela mortandade brasileira recorde. Seu comportamento na tarde de domingo, porém, desautorizou as expectativas de mudança. Ele foi para o gramado do Palácio do Alvorada comemorar seu aniversário com manifestantes que se aglomeraram no gradil. Ao discursar, disse que “estão esticando a corda” e que “só Deus” o tiraria do cargo.

Na segunda-feira pela manhã, durante a posse da Associação Comercial de São Paulo, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, encarregou-se de responder ao presidente. Disse que o negacionismo tornou-se uma “brincadeira de mau gosto, macabra e medieval” (ver abaixo).

Horas antes, Pacheco havia se reunido com um grande banqueiro na capital paulista. Apesar de não ser signatário da carta, o banqueiro, que costuma falar com CEOs de grandes indústrias farmacêuticas e acompanha de perto a produção mundial, lhe disse que o documento dos economistas, revelado pelo jornalista Merval Pereira (“O Globo”), simbolizava a paciência esgotada de agentes econômicos importantes com a conduta do presidente da República e de seu governo na pandemia.

Ouviu dele que a do Congresso também está por um fio. Não se avançaram, na conversa, ações concretas decorrentes do fim da paciência geral da nação, nem mesmo uma posição definitiva sobre a CPI da pandemia no Senado. Na noite de ontem, o mesmo banqueiro e um grupo de grandes investidores e empresários tinham um jantar marcado com Pacheco e o presidente da Câmara, Arthur Lira.

Ecos desta insatisfação, que cresce desde a nomeação de Marcelo Queiroga para a Saúde e foi estampada no documento do fim de semana, chegaram ao Palácio do Planalto no fim da manhã de ontem. A posse de Queiroga, que havia sido prevista para ontem à tarde, não aconteceu e há expectativas de que venha a ser confirmada entre hoje e quinta-feira.

Há preocupações urgentes que um Ministério da Saúde acéfalo só agrava, como a definição em relação aos estoques de vacina. No domingo, o ainda ministro Eduardo Pazuello anunciou que os estoques nacionais guardados para a segunda dose poderiam ser usados para avançar a vacinação. Segundo o comunicado da pasta, a liberação teria levado em conta a previsão de entregas dos institutos Butantan e Fiocruz, que puderam acelerar a produção com a chegada da matéria-prima (IFA) importada.

A medida, porém, está longe de ser consensual. Um governador enviou um dos médicos que compõem seu conselho consultivo para conversar com um ministro do Supremo Tribunal Federal. Ao ser questionado pelo ministro sobre seu aval à decisão, o médico disse que não conhecia o embasamento técnico da decisão e o governador foi desencorajado a ir em frente.

O Ministério da Saúde não forneceu nenhum documento demonstrando garantia de produção da segunda dose a tempo de repor os estoques no prazo previsto para quem recebeu a primeira picada. Em entrevista à CNN americana, o governador de São Paulo, João Doria, apresentou-se como porta-voz dos chefes dos executivos estaduais: “Estamos em um daqueles trágicos momentos na história em que milhões de pessoas pagam um preço alto por ter um líder despreparado e psicopata no comando de uma nação.”

Além das incertezas em relação às vacinas, os governadores que participarão do encontro de amanhã no Palácio do Planalto levarão as preocupações em relação à falta de leitos e de insumos como oxigênio e sedativos. Se a posse de Queiroga for confirmada hoje, depois da pressão de um Congresso fortalecido pela carta dos economistas, a expectativa é de que o ministro faça uma gestão compartilhada com o Centrão, ao contrário do que havia sido sinalizado na semana passada.

Uma acomodação que não mude o rumo da vacinação é vista com desânimo por signatários da carta, como o economista Arminio Fraga, da Gávea Investimentos. Ele teme que o fracasso dos signatários em convencer os Poderes da necessidade de guiar a reação à pandemia pela ciência e pelo bom senso, não apenas revele um país impotente frente à mortandade como também jogue por terra qualquer chance de recuperação da economia em 2022.

Um outro signatário, também investidor, que participa de projetos comunitários em favelas na capital paulista, diz ter sido alertado por uma liderança influente de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, que a corda está perto de arrebentar. Sem conseguir conter o desespero e a fome na comunidade, esta liderança teme que os moradores saiam em arrastão pelas ruas do bairro vizinho do Morumbi.

Vem daí a ofensiva do Movimento Convergência Brasil por um projeto de renda básica amarrado a uma reforma administrativa e a privatizações. A ideia do movimento, que tem o apoio de empresários como Luiza Trajano e Jorge Gerdau Johannpeter, é vencer as resistências do Congresso com o compromisso de que uma parte dos recursos não seria usada para abater dívida mas para financiar o projeto de renda básica.

O momento, porém, é visto como desfavorável por economistas signatários da carta pelo precedente aberto pela PEC emergencial, que pouco cortou em troca da nova rodada do auxílio emergencial. Tanto Arminio Fraga quanto Elena Landau, ex-diretora do BNDES e uma das principais articuladoras da carta dos economistas acham que a urgência da renda básica está descolada de uma reforma administrativa e de um programa de privatizações porque, assim como a vacinação, essas iniciativas não contam com a aderência do presidente da República.


Gleisi Hoffmann: Combate à pandemia e oposição a Bolsonaro aproximam PT e PSDB

Lula deve atuar na costura política com lideranças de centro-direita, diz presidente do PT

Por Cristiane Agostine, Valor Econômico

A luta encampada por governadores para combater a pandemia e driblar o boicote do presidente Jair Bolsonaro a medidas de distanciamento social aproximou PT e PSDB e tem acelerado a articulação de uma frente ampla contra o governo federal. A presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), diz que a trégua entre petistas e tucanos não deve ser vista como uma possível aliança para 2022, mas defende a união com lideranças de centro e de direita para enfrentar a crise sanitária e Bolsonaro. Ontem, o país ultrapassou 12 milhões de casos de covid-19 e 295,4 mil mortes pela doença.

A convergência entre governadores do PT, PCdoB, PSB, PSDB, PSD e MDB nas ações para tentar frear o avanço do novo coronavírus deve ser ampliada para fora dos Estados, defende Gleisi. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva atuará diretamente na costura política com lideranças de centro-direita e começará a viajar o país para reuniões políticas depois que tomar a segunda dose da vacina, no início de abril.

“Há uma conversação [...] de governadores e de outros partidos que estão sentindo que o drama do Brasil é grande"

Em sintonia com Lula, Gleisi diz que o PT deve ampliar as alianças para fora da centro-esquerda para ganhar as eleições. As articulações devem ser feitas ainda este ano. O nome do partido para 2022 está claro. “Obviamente Lula é o candidato do PT, do Brasil, do povo”, diz. 

A seguir, trechos da entrevista concedida ontem ao Valor.

Valor: Economistas, banqueiros e empresários divulgaram uma carta com críticas ao governo. Como avalia esse movimento? Há maior aceitação à ideia de impeachment?

Gleisi Hoffmann: É muito positivo que tenha essa carta com tantas personalidades, que esses setores estejam se manifestando. Pena que tardou, porque a situação é gravíssima, e lamento que muitos deles apoiaram e apoiam medidas de austeridade no Orçamento. A base dele no Congresso ainda está muito coesa, o Centrão tem compromisso, mas o Congresso é aberto a pressões. Todo processo de impeachment foi por pressão social. Ao ter setores mais diversos do que da oposição, começa a ter um movimento mais amplo da sociedade, que pode virar impeachment.

Valor: A senhora vê uma mudança no cenário político, na base do governo?

Gleisi: Há um incômodo no Centrão. Ninguém está falando ainda que tem que caminhar para o impeachment, mas há um desgosto em relação a gestão. A escolha do Ministro da Saúde deixou isso bem explícito. Com o aumento do tom fora do Congresso, de setores que diziam que não era momento de impeachment, e esse desgosto na base, isso tudo pode levar a um movimento crescente pelo impeachment.

Valor: A crise tem levado o PT a dialogar mais com o centro e parece existir um pacto de não agressão com o PSDB. Há mais diálogo no fórum dos governadores, João Doria assumiu outro tom em relação a petistas. Há uma trégua?

Gleisi: O que há agora é uma aproximação grande de nossas lideranças que estão à frente de governos estaduais, de prefeituras, com as lideranças desses outros partidos, inclusive do PSDB, que defendem a vacina, o isolamento social. Eles não estão encontrando guarida no governo federal. Bolsonaro tem atacado governadores, entrou com ação contra três Estados que tomaram medidas pelo isolamento. A luta para enfrentar a pandemia tem feito essa aproximação e permitido o diálogo dessas lideranças. Não há nenhum diálogo formal, nenhuma conversa entre os partidos, PSDB, PT, nem tratamento a processo eleitoral. Mas nossas lideranças têm conversado para enfrentar a pandemia. Esse foi um chamado que Lula fez, de unir todos que querem vacina, aumento da renda, emprego, recursos para o SUS e querem enfrentar Bolsonaro e o desgoverno.

Valor: A pandemia deu um empurrão para articular a frente ampla com a centro-direita?

Gleisi: Há uma trégua, mas nenhuma perspectiva de aliança eleitoral. De fato há uma conversação, não só entre PT e PSDB, mas de governadores e de outros partidos que estão sentindo que o drama do Brasil é grande. Neste momento temos que unificar as ações para tirar o povo da crise. Os governadores do Nordeste praticamente todos se conversam. Lá tem lá PSB, PSD, PCdoB, e estão bem unificados no enfrentamento. No Norte, [tem conversas] com o MDB. Tem um grupo de 20, 21 governadores que está tratando junto o problema, que tem feito juntos o enfrentamento a essas ações do governo. Não diria uma frente ampla eleitoral. Não que isso não possa ser construída. Pode. Mas é uma frente ampla política para enfrentar a crise e se contrapor ao governo.

Valor: Doria ligou para a senhora depois que Lula relatou ameaças. Há uma abertura para o diálogo?

Gleisi: Ele foi muito gentil, me ligou, disse que estava colocando a polícia civil no caso, que faria todas as investigações necessárias e que achava aquilo um absurdo, uma afronta à democracia e à vida do presidente. Já tomaram medidas no sentido de chamar o homem que fez as ameaças, verificaram prontamente. Agradeci muito e foi uma postura muito digna, decente dele.

Valor: A senhora falou que em relação ao PSDB essa trégua não significa aliança. Está descartada, mesmo em um segundo turno?

Gleisi: Temos um projeto para o país. Ninguém está proibido de participar, de apoiar, mas sabemos o que queremos. É óbvio que não vamos nos indispor a conversar com ninguém. Além da defesa da democracia, de enfrentamento à pandemia, [a aliança] passa por uma agenda econômica. Temos que saber qual é a posição desses setores e o que eles pensam. Se tem disposição de governar junto, é governar para quem? Não estamos hostis a fazer nenhuma conversa, mas nossa prioridade agora é fazer uma aliança política para enfrentamento da crise. Não guardamos nenhuma expectativa de aliança eleitoral.

Valor: A aproximação com o centro e a direita agora não trará resultados futuros?

Gleisi: Não temos problema nenhum em nos aproximarmos de setores de centro. Já nos aproximamos e governamos com o centro. É óbvio que se você quer ganhar uma eleição e disputar uma eleição, você não fica só em um campo político da esquerda e da centro-esquerda. Tem que ampliar. Agora essa ampliação passa, necessariamente, pela discussão de um projeto para o país. Claro que tudo é um processo e não tem 2022 sem passar por 2021. Essa situação toda dá abertura maior para conversa, mas isso não quer dizer que dê resultado em uma aliança eleitoral.

Valor: Lula fez acenos ao centro, à direita, a empresários. De concreto, o que avançou até agora? Com que Lula e o PT têm dialogado? Quem são os interlocutores?

Gleisi: Não marcamos nenhuma conversa mais formal com esses setores. Lula tem se dedicado ao combate à pandemia, feito apelos, pediu reunião do G20, fez carta para Xi Jinping, reunião com o fundo russo, tem conversado com nossos governadores. Tem exortado que todos os setores têm que ficar juntos nesse momento de crise.

Valor: O PT tem procurado o empresariado que se afastou do partido. Quem faz essa ponte?

Gleisi: O PT não procurou entidades de classe. Para conversar, vai ser individualmente com aqueles que têm um projeto de desenvolvimento do Brasil. Lula não tem problema com o mercado. Ele senta qualquer hora para conversar, desde que seja o mercado produtivo, que já conhece bem como ele atua. Ele já foi presidente e sabe que precisa ter essa interlocução. Mas ainda não tomou iniciativa de procurar, não destacamos ninguém [para fazer essa ponte].

Valor: Lula tem rejeição alta e o PT minguou nas últimas eleições. Em 2020, não venceu em nenhuma capital. Como lidará com o antipetismo?

Gleisi: Vamos mostrar a farsa judicial e a operação política do golpe a que fomos submetidos. E agora o PT chega com seu líder maior, que é Lula, como uma opção concreta para governar o Brasil a partir de 2022. Essa decisão do [ministro Edson] Fachin foi uma das coisas mais relevantes que aconteceu nos últimos dez, doze anos. Não só porque recolocou os direitos políticos do Lula, mas porque corroborou o que dizíamos desde o início dos processos: a Vara de Curitiba não tinha competência para julgar. É uma vitória extraordinária ter esse reconhecimento. Temos que trabalhar com isso, para mostrar o que foi essa farsa judicial que construiu o antipetismo.

Valor: A decisão do Fachin foi recebida com muita cautela pelo PT. Em abril, o plenário do STF deve analisar a decisão do Fachin. Há temor de que seja derrubada? E em relação ao processo de parcialidade de Moro?

Gleisi: Tem aquele velho ditado de que quando a esmola é demais, o santo desconfia. Não conhecíamos o teor total da decisão. Quando conhecemos, vimos que foi uma decisão absolutamente correta. Infelizmente a Justiça tarda e quando tarda, falha porque o ex-presidente foi submetido a todo tipo de injustiça. Não pode ser candidato a presidente, ficou preso injustamente, passou por uma série de humilhações. Mas estamos convictos de que está na linha certa de legalidade. É muito improvável que o Supremo reverta essa decisão. Já causou impacto jurídico e político nacional e internacional. Qualquer ação diferente dessa vai ser de extrema violência. Em relação à suspeição de Moro, queremos que a Segunda Turma continue o julgamento. Além de atuar ilegalmente, foi um juiz parcial, o que é mais grave. Moro precisa responder por seus crimes.

Valor: O PT não esperava por essa decisão do Fachin?

Gleisi: Não. Pode ter sido uma ação do Fachin para constranger a Segunda Turma, não permitir o julgamento da suspeição. Mas o fato é que veio e veio no sentido correto.

Valor: Quando PT vai lançar oficialmente a candidatura Lula?

Gleisi: Obviamente Lula é o candidato do PT, do Brasil, do povo. É uma candidatura necessária para o país. Neste momento a prioridade dele e a nossa é o enfrentamento da pandemia. Se misturar a discussão da definição da candidatura, não vai ser bom para a construção da unidade política que temos que construir para enfrentarmos a crise. Devemos ter essa discussão mais para o fim do ano, começo do ano que vem.

Valor: Qual seria o perfil ideal de um vice? E o que Lula vai fazer daqui por diante?

Gleisi: Não pensamos nem na candidatura, quanto mais para vice. Sobre a agenda de Lula, queremos que ele viaje. Ele vai tomar a segunda dose da vacina e vamos organizar um roteiro de viagens dele pelo Brasil para conversar com lideranças políticas, de movimentos sociais, culturais, religiosas. Todos que exercem liderança e puderem estar unidos. Vamos ter um longo período de recuperação do país e precisamos agregar várias lideranças. O Nordeste é uma preferência de início [das viagens].

Valor: O partido se afastou da base evangélica. Como pretende se aproximar?

Gleisi: Muitos pastores com má fé e até com interesses políticos pessoais começaram a fazer uma ação direcionada para demonizar o PT. Nos nossos governos sempre fizemos muito para respeitar as religiões. Aliás foi Lula que enviou um projeto de liberdade religiosa para o Congresso. Foi um ato muito importante e vários pastores que hoje criticam o Lula estavam lá, mas para disputar mais espaço político resolveram fazer uma aliança que fosse demonizar o PT, criticando e pegando questões de valores morais para tentar demonizar. É preciso desmistificar.

Valor: Bolsonaro ainda tem uma base de apoio importante. Segundo o Datafolha, 30% avaliam a gestão como ótima ou boa e 24% como regular. Como avalia esse apoio?

Gleisi: Tem a esperança de parte da população de que o governo dê certo. É muito traumático ver que está dando errado e que a vida fica sem perspectiva. E tem outra parte que é da direita, da extrema direita que sempre existiu. Sempre tivemos um polo da direita com cerca de 30% de apoio. E sempre tivemos a esquerda com cerca de 25% a 30%. Temos que falar com esse miolo da sociedade, esses que consideram o governo regular e que está sendo cada vez crítico a Bolsonaro. É esse setor que vai definir se um governo é apoiado ou não.


Bruno Carazza: Rt baixo

Má gestão da pandemia ainda afeta pouco da popularidade de Bolsonaro

 (tecnicamente chamada de Rt ou Re) subiu significativamente em muitas cidades brasileiras. Seja por causa de uma maior transmissibilidade das novas variantes, ou pelo relaxamento das medidas individuais de proteção nas festas de fim de ano, férias e carnaval - certamente uma combinação de ambos -, o país vive uma explosão de casos e de mortes.

O Rt indica para quantas pessoas, em média, um infectado por covid transmite a doença num determinado período. Um Rt próximo de 1 significa uma tendência de estabilidade no número de casos; acima disso, o contágio está se alastrando, e de modo inverso um Rt abaixo de 1 sinaliza que a doença está perdendo força numa comunidade.

A ciência demonstra que medidas de isolamento social tendem a reduzir o Rt. Da mesma forma, tudo o mais constante, quanto mais pessoas se tornam imunes ao novo coronavírus (por meio de contaminação prévia ou pela vacinação), menos espaço a doença encontra para se espalhar - a menos que surjam outras variantes ainda mais poderosas que driblem o sistema de defesa de quem já se infectou ou recebeu as duas doses da vacina.

Essa mesma lógica do Rt pode ser aplicada também na política.

Desde que saiu a última rodada de pesquisas do Datafolha apontando que 54% dos entrevistados consideram ruim ou péssima a gestão de Jair Bolsonaro em relação à pandemia, ganhou destaque na imprensa e nas redes sociais a interpretação de que a popularidade do presidente estaria cedendo frente à dura realidade dos hospitais Brasil afora. Tenho dúvidas.

No mesmo levantamento, quando perguntados como avaliam o governo como um todo, “apenas” 44% das pessoas o classificavam como ruim ou péssimo. Essa discrepância de dez pontos percentuais entre as avaliações negativas do atual ocupante do Palácio do Planalto na resposta à covid-19 e na condução do país indica que uma dimensão ainda não contaminou plenamente a outra. Em outras palavras, o Rt político na Presidência da República ainda se encontra abaixo de 1.

Conforme pode ser visto no gráfico abaixo, mesmo entre os grupos sociais que estão sentindo de modo mais severo as consequências do colapso epidemiológico e seus efeitos sobre a economia, muitos ainda dão ao Bolsonaro-presidente uma nota maior do que ao Bolsonaro-gestor da saúde - mesmo sendo eles a mesma pessoa. A discrepância aumenta em segmentos desde o início mais fiéis ao presidente.

Nesse contexto, assim como acontece na infectologia, a popularidade do atual chefe do Poder Executivo continuará preservada no patamar mínimo de 25% a 30% caso as condições de infecção, vacinação e isolamento mantenham um Rt político baixo.

Para uma parcela significativa da população brasileira não importa se a atual administração realizou poucas entregas em termos de políticas sociais ou de crescimento econômico. Por compartilhar as mesmas visões de mundo e sentir-se representado por Bolsonaro, esse grupo dificilmente mudará de opinião em função do número de mortos pela covid. Trata-se de uma verdadeira imunidade de rebanho.

Há ainda o efeito da vacinação. Aos trancos e barrancos, a perspectiva é que a disponibilidade de doses cresça com a ampliação da capacidade de produção de vacinas pela Fiocruz e o Butantan, bem como com as entregas de outros fabricantes. Assim, a perspectiva é que no médio prazo a situação volte ao controle. Isso obviamente não elimina a responsabilidade do governante pelo caos atual, mas certamente amenizará a pressão da opinião pública sobre ele.

Por fim, Bolsonaro também se beneficia do isolamento social causado pela polarização política que divide a sociedade brasileira há anos. Desde pelo menos as eleições de 2014, passando pelo impeachment e o pleito de 2018, optamos pelo distanciamento social de petistas x tucanos, Lava Jato contra Vaza Jato, “Não Vai Ter Golpe” versus “Tchau, Querida”, Lula livre e Lula preso, bolsominions e petralhas. Desde que a política virou um jogo de nós contra eles, construir consensos para o julgamento político de quem é simplesmente um bom ou mal chefe de governo tornou-se impossível.

Apesar do baixo Rt político, a popularidade e as chances de reeleição do presidente podem se agravar devido a novas variantes eleitorais. Patógenos antigos em novas mutações ou cepas completamente novas tentarão driblar a resistência do eleitor contaminado pelas ideias de Bolsonaro. Resta saber se a taxa de contágio será alta o suficiente.

*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”. 


Sergio Lamucci: Pandemia descontrolada piora cenário econômico

A política desastrosa de Bolsonaro para a saúde atrapalha o combate à pandemia, levando à perda de vidas e afetando a retomada

A atividade econômica deverá sofrer um tranco nas próximas semanas, com o impacto das medidas mais fortes de isolamento social adotadas por Estados e municípios, em reação ao avanço descontrolado da covid-19 e ao ritmo lento de vacinação. Não se espera um tombo como o registrado em março e abril do ano passado, mas as perspectivas são negativas. O PIB deverá cair no primeiro e no segundo trimestres, num cenário marcado ainda pela inflação alta, que em meados do ano pode chegar a 8% no acumulado em 12 meses.

Nesse ambiente, as expectativas para o emprego e para a renda pioraram. É possível que governadores e prefeitos tenham de estender o período de confinamento mais rigoroso, afetando especialmente o setor de serviços. Nesta semana, o Brasil deve bater duas marcas trágicas, ao atingir o número de 3 mil mortes por dia e um total de 300 mil óbitos por covid-19. Combater esse quadro exige uma coordenação entre União, Estados e municípios, mas o presidente Jair Bolsonaro continua a produzir ruídos e a vociferar contra o isolamento social - na semana passada, entrou com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o toque de recolher adotado por Bahia, Rio Grande do Sul e Distrito Federal.

Com um mercado de trabalho fraco, as perspectivas para o consumo são desanimadoras. Além disso, o auxílio emergencial voltará a ser pago apenas no mês que vem. E, dadas as restrições fiscais, o plano inicial é que o benefício dure quatro meses, com valores de R$ 150 a R$ 375, atendendo 46 milhões de pessoas. Em 2020, o governo pagou cinco parcelas de R$ 600 e quatro de R$ 300, chegando em alguns meses a beneficiar quase 68 milhões de pessoas.

Em relatório, a A.C. Pastore & Associados ressalta que a conduta do governo durante a pandemia criou conflitos que pioram as perspectivas para 2021. “Para recuperar a economia e voltar a crescer é preciso inicialmente vacinar a população o mais rapidamente possível. A falta de vacinas, fruto da negligência do governo, alimenta uma nova onda de contágio bem maior do que a ocorrida no início da pandemia”, diz a consultoria do ex-presidente do Banco Central (BC) Affonso Celso Pastore.

O documento observa que os primeiros sinais de desaceleração já haviam se manifestado nos vários índices de confiança e apareceram com clareza nas vendas do comércio de janeiro. “Com um auxílio em valor menor do que o anterior e concedido a um número bem mais baixo de beneficiários, o comportamento do consumo deve ser dominado pela fraqueza do mercado de trabalho. “O comércio varejista tem um peso elevado no setor de serviços, cujas demais componentes também devem sofrer contrações devido ao afastamento social”, aponta a A.C. Pastore. “Como o alto índice de incerteza da economia impede uma retomada dos investimentos, a única esperança de uma expansão da demanda agregada vem do aumento mais forte das exportações líquidas [a diferença entre vendas e compras externas] na segunda metade do ano, devido à retomada de EUA, Europa e China.” Com isso, o crescimento no ano deve ficar abaixo dos 3,6% da herança estatística deixada por 2020. Isso significa que, se o PIB encerrar 2021 no mesmo nível do fim do ano passado, a expansão será de 3,6%. Para a A.C. Pastore, o crescimento deve ser de 3,2%.

Para complicar, o Brasil enfrenta pressões inflacionárias provenientes da combinação do câmbio desvalorizado e da alta das commodities. Na semana passada, o BC aumentou os juros em 0,75 ponto percentual, levando a Selic de 2% para 2,75% ao ano, mais do que o 0,5 ponto esperado pela maior parte dos analistas. Com o risco de perda de controle das expectativas de inflação e o câmbio muito depreciado, o BC optou por um elevação mais forte dos juros, a despeito de uma atividade fraca e que vai desacelerar nos próximos meses.

Se conseguir reancorar as expectativas inflacionárias e contribuir para uma valorização mais duradoura do câmbio, a ação do BC poderá ser bem-sucedida, exigindo talvez um ciclo menos extenso de alta da Selic. O problema é que os juros mais altos tendem a castigar mais a atividade, num momento de desemprego elevado. Além disso, grande parte das pressões sobre o câmbio vem das incertezas em relação ao futuro das contas públicas, do maior intervencionismo do governo na economia e da dificuldade crônica de o país crescer a taxas razoáveis. O papel do nível baixo dos juros internos parece menos relevante para explicar o real desvalorizado.

Neste mês, o Congresso aprovou uma versão desidratada da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial. Caiu a proibição a promoções e progressões de servidores públicos em caso de acionamento dos gatilhos, por exemplo, mas o teto de gastos não ruiu, ainda que o texto autorize o pagamento de R$ 44 bilhões para o auxílio emergencial fora do limite imposto pelo mecanismo. Em resumo, o Congresso não abriu exceções em demasia ao teto, uma âncora fiscal vista como importante por muitos analistas, embora a proposta esteja longe de resolver o problema do crescimento das despesas obrigatórias, além de deixar os ajustes mais fortes para 2024 ou 2025. Isso pode tirar alguma pressão do câmbio, mas não acaba com dúvidas sobre a sustentabilidade das contas públicas. Outro ponto é que “a relação entre o governo e a elite empresarial, com destaque para o mercado financeiro, passa por um momento de estremecimento”, como diz o analista político Ricardo Ribeiro, da MCM Consultores. “A interferência de Bolsonaro na Petrobras e os relatos a respeito dos incentivos provenientes do Planalto para que senadores e deputados desidratassem ainda mais a PEC Emergencial acenderam temores quanto à ascensão do populismo econômico no governo”, escreve ele, em nota. “Tais temores estão se sobrepondo aos efeitos positivos da aprovação da autonomia do BC, da própria PEC Emergencial e da lei do gás sobre as expectativas dos investidores.”

A política desastrosa de Bolsonaro para a saúde atrapalha o combate à pandemia, levando à perda de vidas e afetando a retomada. Na economia, as ações do presidente contribuem para deteriorar a percepção de risco sobre o país, num momento em que o ambiente externo pode ficar menos favorável aos emergentes, com a trajetória de alta das taxas de retorno dos títulos do Tesouro americano de longo prazo. A expectativa de algum avanço da vacinação melhora as perspectivas para atividade no segundo semestre, mas as incertezas produzidas por Bolsonaro nublam o cenário econômico do país.


Claudia Safatle: Sob o risco de estagflação

Quadro desafiador combina inflação alta e baixo crescimento

A inflação preocupa, mas não se trata de um processo de estagflação (estagnação econômica com inflação), pois há crescimento, avalia o secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida. O fato de ter um carregamento estatístico de 3,6% da atividade do ano passado para este ano e diante da perspectiva de um PIB de apenas 3,2% não caracteriza “nem estagnação nem recessão”, diz. Ele alerta: a reedição do auxílio emergencial, embora em menor valor, e o desequilíbrio fiscal pressionarão mais os preços. O que fazer?

O Comitê de Política Monetária (Copom) aumentou os juros de 2% para 2,75%, com a taxa Selic deixando para trás quase seis anos de queda. E, na pasta da Economia, “tivemos a super quarta”, um dia de boas notícias vindas do Congresso, que aprovou a nova lei do gás e manteve os vetos ao marco legal do saneamento, além de o governo imprimir uma nova rodada de redução tarifária, com um corte de 10% no imposto de importação de quase 1.500 itens fora do acordo do Mercosul. Para ele, “esse é o caminho” - reformas pró-mercado, abertura da economia e consolidação fiscal - e “cada um no seu quadrado”, evitando, assim, comentários sobre a decisão do Copom, que elevou a meta da taxa Selic em 75 pontos-base e já indicou mais um aumento de igual magnitude para a próxima reunião do comitê, em maio.

O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), medida oficial da inflação para efeito do regime de metas, acumulou 5,20% em 12 meses até fevereiro, praticamente encostando no teto da meta de 3,75% com intervalo de tolerância de 1,5% para mais ou para menos. Sachsida prevê inflação de 4,42% neste ano, segundo o Boletim MacroFiscal editado pela secretaria e divulgado na quarta-feira.

Os juros estavam em seu patamar mínimo - 2% ao ano - desde agosto do ano passado, fruto de uma política monetária que pretendia injetar ânimo na economia. O país foi, no entanto, atropelado pela segunda onda da pandemia da covid-19, que poderá comprometer os dois primeiros trimestres deste ano com taxas negativas para o nível de atividade.

“Se tivermos PIB negativo nos primeiros dois trimestres deste ano, aí será recessão”, salienta o secretário. Mas isso vai depender da velocidade da vacinação. Na área econômica do governo alimenta-se a expectativa de chegar no fim do primeiro semestre com uma taxa de imunização relevante, que permita o retorno da atividade econômica a um padrão de normalidade. Se isso ocorrer, o segundo semestre será o tempo da recuperação, acreditam assessores oficiais.

Em janeiro e fevereiro a atividade estava indo bem - os indicadores de arrecadação tributária eram animadores. Mas veio o repique da pandemia e os governos estaduais tiveram que aumentar as restrições ao funcionamento das cidades. Até fevereiro, segundo os indicadores coincidentes e de alta frequência, estava se mantendo um certo ritmo de crescimento, mesmo com o fim do auxílio emergencial.

A projeção para o PIB do primeiro trimestre de 2021, em relação ao mesmo trimestre do ano anterior, é de uma contração de 0,35%, ante a estimativa de analistas de mercado, coletada pela pesquisa Focus, de uma contração de 0,80%, segundo o boletim MacroFiscal.

“Acredito que conseguiremos recuperar a atividade no segundo trimestre”, diz Sachsida, mantendo uma certa dose de otimismo. Se isso se efetivar, não haverá recessão.

Dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), divulgados na Carta de Conjuntura desta semana, mostram que a inflação percebida pelos mais pobres é superior à taxa acumulada em 12 meses até fevereiro (5,20%), chegando a 6,75% - praticamente o dobro da inflação sentida pelos mais ricos, de 3,43%.

O indicador de Inflação por Faixa de Renda do Ipea considera seis faixas de renda familiar, sendo a menor de até R$ 1.650,50 por mês, no caso da faixa com renda muito baixa, até uma renda mensal familiar acima de R$ 16.509,66, no caso da renda mais alta.

O aumento dos combustíveis afetou mais os mais ricos, em fevereiro, mas a inflação acumulada em 12 meses ainda é muito mais elevada entre os mais pobres.

Banco Central

Segundo a lei que conferiu independência ao Banco Central, até 90 dias após a sua promulgação a atual diretoria do BC deverá ser reconduzida a seus postos. Ou seja, até 25 de maio deverão ser nomeados o presidente e oito diretores do BC cujos mandatos vão obedecer a uma escala, dispensando a aprovação pelo Senado para os indicados que já estão no exercício do cargo.

Dessa forma, o atual presidente do BC, Roberto Campos, e dois diretores (a serem definidos) terão mandato até 31 de dezembro de 2024. Outros dois diretores terão mandato até dezembro de 2023; dois ficarão com mandato até 28 de fevereiro de 2023 e outros dois até 31 de dezembro deste ano. Será admitida uma recondução ao cargo para o presidente e para os diretores do BC.

Ontem o BC comunicou a saída da diretora Fernanda Nechio, por razões pessoais. Para a vaga na diretoria de Assuntos Internacionais e Riscos Corporativos foi indicada Fernanda Magalhães Guardado, economista-chefe do Banco Bocom BBM. Guardado será sabatinada pelo Senado e ingressará no BC já sob a égide da lei que estabelece mandato fixo.


Fernando Abrucio: Bolsonaro é o adversário do centro

O cenário mais provável para 2022 é de um peso enorme para o antibolsonarismo

A volta de Lula para a ribalta da política fez as peças do tabuleiro de 2022 se mexerem. O primeiro a sentir essa mudança foi o presidente Bolsonaro, que colocou até máscara e teve de trocar o ministro da Saúde, mais pelo discurso de São Bernardo do que pelas mais de 270 mil mortes causadas pela covid-19. Já a oposição de Centro ficou muito abalada pela decisão do STF e reagiu na linha do antipetismo. É natural que a maioria dos contrários ao PT reagisse negativamente, inclusive Ciro Gomes, que terá de conquistar boa parte da centro-esquerda. Passado o choque inicial, deveria vir o diagnóstico eleitoral. Neste ponto, uma coisa é clara: o principal adversário do Centro é Bolsonaro.

Entender quem é seu oponente central e descobrir como enfrentá-lo são os dois passos estratégicos para quem quer entrar na disputa política. O posicionamento de Bolsonaro e do lulismo no jogo político está bem claro. Ainda há dúvidas sobre como Ciro Gomes vai se reposicionar. Mas a maior incógnita está no Centro oposicionista (em contraposição ao Centrão), que congrega vários partidos e candidatos com pretensões presidenciais, tem importantes governos estaduais e capitais em suas mãos, além de ter um suporte de importantes grupos sociais. É um cabedal político muito forte, mas que por ora está fragmentado e não consegue produzir um projeto eleitoral nítido.

O discurso contra a polarização gerada pelo bolsonarismo versus o lulismo serve para criar uma identidade, mas é claramente insuficiente para se vencer a eleição. Três razões embasam esse argumento. A primeira é que o jogo político da redemocratização tem se organizado de forma polarizada, no sentido estrito da ciência política: duas forças têm predominado na eleição presidencial, com pouco espaço para uma terceira via.

Na primeira eleição direta da redemocratização, houve uma grande dispersão no primeiro turno, particularmente porque os partidos estavam ainda se organizando e se posicionando frente à sociedade. Foi só depois do impeachment do presidente Collor que se estruturou o eixo polarizado do sistema político brasileiro. Assim, de 1994 a 2014, a disputa presidencial brasileira foi orientada pela competição entre PSDB e PT. Ou, nos termos do excelente livro de César Zucco e David Samuels (“Partisans, Antipartisans, and Nonpartisans: Voting Behavior in Brazil”), criou-se uma dicotomia entre petismo e antipetismo que estruturou as preferências dos eleitores por pelo menos 20 anos. Em todas as eleições presidenciais da redemocratização, o Partido dos Trabalhadores esteve no segundo turno, perdendo em quatro ocasiões (1989, 1994, 1998 e 2018) e ganhando nas outras quatro vezes (2002, 2006, 2010 e 2014).

A força petista, bastante vinculada à liderança do ex-presidente Lula, é algo que tem levado os demais grupos políticos a lutar para ser o outro lado desse jogo. Seguindo essa lógica, o Centro disputa com Bolsonaro para ver quem será o adversário do petismo. Esse raciocínio foi esquecido por muitos analistas políticos e, especialmente, por lideranças centristas de oposição. Talvez estivessem pensando que tal fator não apareceria mais em 2022, pois o antipetismo cresceria de tal forma que a escolha seria de um nome não-petista para competir com Bolsonaro.

E aqui entra a segunda razão pela qual o Centro tem de ir além da narrativa da polarização entre PT e Bolsonaro: o principal eixo da eleição de 2022 será o antibolsonarismo, do mesmo modo que a disputa presidencial de 2018 teve no antipetismo sua peça-chave. A crise atual é imensa, mas claro que o governo pode se recuperar às vésperas do pleito. Só que o cenário político aparenta ter mais pedras e espinhos no caminho bolsonarista do que esperança de uma reeleição tranquila.

A lista de fatos problemáticos para o governo é extensa. A crise da pandemia terá seus piores momentos nos próximos três meses, quando a cobertura vacinal será muito baixa e não haverá ainda vacinas para um bom contingente da população. As mortes se multiplicarão e serão cada vez mais dramáticas, como foram em Manaus. Num cenário como esse, além da revolta de boa parte da população com o fracasso da política de saúde, não há a menor chance de a economia andar no primeiro semestre. O auxilio emergencial agora será bem menor e a popularidade obtida no ano passado não se repetirá.

Nos próximos meses, incluindo o início do segundo semestre, Bolsonaro perderá muita popularidade. Não se sabe ainda qual é o seu piso, mas se chegar mais próximo dos 20%, o Centrão cobrará caro para evitar o impeachment ou a transformação do presidente num “lame duck” (pato manco), sem autoridade até com quem lhe serve o café. Esse preço causará mais danos sobre a imagem presidencial, bem como uma possível piora na parte fiscal. Tudo isso num contexto em que os juros poderão subir para se evitar a inflação, em que o dólar não vai cair porque o descrédito do Brasil só acabará com uma mudança radical desse governo (algo difícil de acontecer) ou quando assumir o próximo.

O aumento da cobertura vacinal e o impulso econômico vindo de fora poderiam ser dois empurrões para a recuperação econômica brasileira e, com isso, o presidente poderia subir novamente nos indicadores de popularidade. É uma hipótese possível, mas que ainda terá que competir com vários escândalos envolvendo a família Bolsonaro e que vão assombrar o Planalto até o fim do mandato. Soma-se a isso o fracasso em outras áreas de políticas públicas, como educação, meio ambiente e garantia de direitos humanos nas questões de gênero e raça, para não falar do sepultamento de qualquer política anticorrupção.

Todos esses fatos tendem a levar um grande contingente de eleitores a não votar em Bolsonaro, mesmo que ocorra alguma bonança econômica, até porque esta será suave e sem as proporções de um Plano Real ou do desempenho do segundo governo Lula. Neste sentido, uma eventual reeleição de Bolsonaro tenderia a ser mais parecida com a de Dilma, isto é, de alguém que ganha com uma diferença ínfima e que teria uma altíssima rejeição, inclusive de grupos com forte capacidade de mobilização. Uma vitória assim é a antessala para a ingovernabilidade, como já vimos por duas vezes desde a redemocratização.

O cenário mais provável para 2022, portanto, é de um peso enorme para o discurso antibolsonarista. Isso não impede Bolsonaro de chegar ao segundo turno, do mesmo modo que o PT foi para a disputa final em 2018 quando foi o auge do antipetismo. Mas, nesta situação, Bolsonaro e suas ideias se transformam no espantalho a ser batido. Quem percebeu isso? Lula, muito mais do que o PT, e num só discurso se colocou como mais antibolsonarista do que o Centro em dois anos de mandato. Ao fazer esse movimento, o ex-presidente tornou-se o líder mais apto a conquistar o eleitorado mais de centro-esquerda e os eleitores das classes D e E. Se o centrismo de oposição não radicalizar seu viés contrário ao presidente da República, inclusive encampando o impeachment ou atuando para criar CPIs, perderá o trem da história.

Uma ressalva poderia ser feita pela oposição de Centro: contava-se com uma candidatura petista que não fosse Lula. Na verdade, não há ainda nem a certeza de que o ex-presidente poderá ser candidato, visto que o STF é a instituição menos previsível da democracia brasileira. O que poderia ser um alento para os antipetistas é, antes de mais nada, miopia, uma vez que, sendo candidato ou não, Lula terá muito mais influência do que na eleição de 2018, seja porque o antipetismo será menor e a história da “prisão injusta” vai conquistar mais gente agora, seja porque Bolsonaro estará em declínio.

Esta é a terceira razão que deveria levar o Centro a criar uma estratégia mais consistente do que o mero discurso da polarização: sendo ou não candidato, a influência de Lula tende a ser capaz de garantir mais de 30% dos votos do primeiro turno, se não mais - afinal, Fernando Haddad, nome nacionalmente pouco conhecido, com Lula preso e no auge do antipetismo, teve 29,28% na votação inicial. Em outras palavras: é muito difícil que um representante do lulismo não esteja no segundo turno. O outro oponente sairá da luta entre Bolsonaro e seus outros adversários.

Encurralar Bolsonaro e lhe fazer uma dura oposição, que torne claro o seu antibolsonarismo para a população, é o melhor caminho para o Centro ganhar um lugar no segundo turno da eleição presidencial. Para tanto, é preciso começar agora esta tarefa, e não deixar para o ano que vem, marcando por um longo tempo uma posição, de modo a torná-la eleitoralmente consistente. Poderia começar por defender uma visão favorável ao impeachment ou a uma responsabilização pública mais forte do presidente. Quem estiver nitidamente com a maioria do povo nos próximos meses, que serão os piores da pandemia, poderá ser recompensado em termos de apoio político.

Mas essa atuação centrista deve ser precedida por uma proposta alternativa de políticas públicas e, sobretudo, da união em torno de uma posição antibolsonarista, criando uma identidade mais relevante do que a narrativa da polarização. Muitos do Centro já falam num candidato único, que seria a solução política mais efetiva, porém, esse esforço só fará sentido para se chegar ao segundo turno se conseguirem destronar Bolsonaro da posição de adversário preferencial do PT.

*Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e professor da Fundação Getulio Vargas


Armando Castelar Pinheiro: Heranças da pandemia

O Brasil terá pressões inflacionárias, juros externos mais altos, desemprego elevado e alimentos mais caros

 Chegamos ao meio de março sem conseguir acelerar o ritmo da vacinação nacional. Ao todo, foram 12 milhões de vacinas aplicadas a pouco mais de 4% da população brasileira. Em termos de vacinas por 100 habitantes (5,5 no Brasil), somos o 39º país de uma lista que tem Israel (110) no topo e, na sequência, Emirados Árabes Unidos (67), Reino Unido (40), Chile (40) e Estados Unidos (35). Por conta da focalização nos grupos de maior risco, nesses países já há alguma normalização da atividade econômica, como refletido em indicadores de mobilidade e emprego, por exemplo.

Essa “luz no fim do túnel” tem estimulado trabalhos que discutem a herança deixada pela pandemia, seja em termos de problemas que ficam por resolver, seja de lições para lidar com futuras crises.

Alguns desses temas foram discutidos no workshop “Macroeconomia de la pandemia y los impactos de Covid-19 en América Latina”, promovido pelo Grupo de Conjuntura do IE/UFRJ, que cobriu a experiência não apenas do Brasil, mas também de outros países da região. Destaco três dos tópicos vistos no workshop.

Primeiro, o atraso da América Latina na retomada da atividade econômica, em termos de PIB e emprego, por conta da forma ineficiente com que a região lidou com a pandemia. As novas projeções econômicas da OCDE reforçam esse ponto: tomando a média de Argentina, Brasil e México, as três maiores economias da região, tem-se que em 2022 seu PIB ainda estará um pouco abaixo do de 2019 (-0,2%). O mesmo estudo projeta um PIB mundial 6,1% maior ano que vem do que em 2019.

Ou seja, ficaremos relativamente mais pobres e, se vamos nos beneficiar do aumento da demanda externa por nossos produtos, em especial com preços mais altos de commodities, vamos também sofrer com pressões inflacionárias e juros externos mais altos. Desemprego elevado e preços altos de alimentos são uma combinação politicamente perigosa, especialmente quando as pessoas se sentirem seguras de voltar a se aglomerar.

Esse quadro complica outras duas heranças discutidas no workshop. Uma, a preocupação com a saúde financeira das instituições financeiras. Saberemos mais sobre isso conforme fique mais fácil diferenciar problemas de liquidez daqueles de solvência. Outra, a difícil situação fiscal de alguns dos países da região, com destaque para o Brasil que, junto com o Peru, gastaram muito em programas públicos de combate à crise. É fácil ver que baixo crescimento e juros em alta são agravantes de uma situação fiscal já difícil.

Este último ponto também é discutido no livro “Legado de uma Pandemia”, publicado no início do mês pelo Insper, com organização de Laura Muller Machado. O livro tem 17 capítulos, agrupados em quatro partes que lidam, respectivamente, com a ordem social, a ordem econômica, a organização do Estado e política e comunicação. Em todos os capítulos há uma preocupação em explicitar legados deixados pela pandemia e em fazer recomendações.

Dentre os diversos temas tratados no livro, os impactos distributivos, fortes e negativos, são um dos destaques. Foram os trabalhadores mais pobres que mais sofreram com a perda de ocupações e renda. Os negros também sofreram mais que os brancos, enquanto outras análises mostram que as mulheres saíram em maior proporção do mercado de trabalho do que os homens. O livro dá grande ênfase a um ponto em geral pouco discutido: houve um significativo impacto negativo sobre as crianças, pela falta de aulas, que foi mais importante para as crianças mais pobres, com menos acesso a equipamentos de informática e assistência familiar.

Essa discussão desemboca no livro em um debate que também apareceu no workshop do IE/UFRJ: quão desejável é redistribuir o custo econômico da pandemia por meio de tributações que retirem renda de grupos que sofreram menos para financiar os programas públicos de assistência social, evitando transferir todo esse custo para gerações futuras, por meio de mais dívida pública.

O livro do Insper também trata de como a separação entre o que é feito pelo Estado e o que cabe ao setor privado pode ser repensada após a pandemia. Uma conclusão é que, em crises, pode ser desejável o Estado participar mais planejando e coordenando as atividades, no financiamento e na produção, e se preocupando menos com temas como a defesa da concorrência. Esse quadro deve, porém, ser transitório. Mais permanente deve ser o apoio estatal a pesquisas científicas relacionadas à pandemia, mesmo que indiretamente, como na segurança alimentar, e a capacitar servidores públicos para lidar com momentos como o atual.

Diversos capítulos, ainda que não todos, encerram com uma visão positiva sobre o futuro, prevendo que a sociedade acordou para os problemas revelados pela pandemia. É o caso, em especial, dos “invisíveis”, aí compreendidos os inúmeros pobres que acorreram ao Auxílio Emergencial e dos quais não havia registro anterior. Não me convenci dessa visão. Mas concordo que, para avançar, precisamos de mais discussão pública sobre os temas tão oportunamente trazidos por todos esses pesquisadores. Parabéns.

*Armando Castelar Pinheiro é Coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV, professor da Direito-Rio/FGV e do IE/UFRJ 


Ribamar Oliveira: O enigma do novo gatilho de 95%

PEC 186 não resolve problema de acionar as medidas de ajuste

Há uma unanimidade entre os analistas de que a despesa obrigatória da União, submetida ao teto de gastos, só vai ultrapassar 95% da despesa total em 2024 ou 2025. Este é o novo gatilho que dispara as medidas de ajuste das contas, introduzido pela PEC Emergencial, promulgada como emenda constitucional 109.

O problema do novo gatilho, no entanto, não está apenas na demora para ele ser acionado, mas também no fato de que se a despesa obrigatória chegar a 95% da despesa total, vários serviços públicos à população já estarão paralisados, ou, como preferem dizer os economistas, a administração estará em “shutdown”. Assim, a fixação do gatilho em 95% foi claramente um erro.

Em ofício ao Congresso Nacional, datado de 14 de dezembro de 2020, o ministro da Economia, Paulo Guedes, propôs mudança na meta fiscal deste ano e reestimou a receita e a despesa da União para 2021, uma vez que os parâmetros utilizados na elaboração do projeto de lei orçamentária anual (PLOA), em agosto do ano passado, estavam ultrapassados.

Nele, Guedes informa que o governo passou a trabalhar com despesas discricionárias de R$ 96,2 bilhões, incluindo neste valor as emendas parlamentares, que, embora sejam impositivas, podem sofrer contingenciamento. O valor corresponde a 6,47% da despesa total da União submetida ao teto. As despesas discricionárias são os investimentos e o custeio da máquina, que o governo não é obrigado por lei a executar.

As despesas obrigatórias submetidas ao teto, por sua vez, estão em 93,53% do limite total do gasto definido para este ano, de R$ 1.485,9 bilhões. Este percentual é uma aproximação porque o cálculo tem que ser feito, de acordo com a EC 109, para cada Poder e órgão público, pois eles possuem limites de despesa individualizados. Mas essa abertura de dados não está disponível no ofício do ministro. Sem as emendas parlamentares, as despesas discricionárias caem para R$ 79,9 bilhões neste ano, o menor patamar da série histórica.

Mesmo com esse nível muito baixo para os investimentos e o custeio da máquina, o gatilho não é acionado, o que mostra o equívoco cometido. Uma conta simples demonstra a armadilha que foi criada. As despesas discricionárias teriam que cair mais 1,47 ponto percentual (6,47% menos 5%) da despesa total para que as medidas de ajuste possam ser adotadas. Ou seja, para chegar a 5% da despesa total neste ano, as discricionárias teriam que ser reduzidas para R$ 74,3 bilhões, incluindo as emendas parlamentares, o que inviabilizaria a administração.

Em resumo, a EC 109 estabeleceu um gatilho que só poderá ser acionado quando a administração pública estiver em “shutdown”. Com um agravante: como não se pode reduzir as emendas parlamentares, que estão indexadas pela inflação, o aumento futuro das despesas obrigatórias terá que ser compensado sempre com o corte do investimento e do custeio.

As razões que levaram à escolha de 95% como novo gatilho das medidas de ajuste são um enigma. Importantes integrantes da equipe econômica do governo defenderam que o gatilho ficasse em 94%. Então, porque o percentual de 95% prevaleceu? Este colunista apurou que foi uma decisão política do governo e ouviu que, até hoje, ela gera incômodo na área técnica.

Se o gatilho tivesse ficado em 94%, havia o risco de ele disparar já em 2022, ano eleitoral, com a adoção obrigatória de medidas impopulares de contenção de despesas. É difícil acreditar que a razão tenha sido esta porque, para evitar desgaste eleitoral, o governo optou por um percentual que não será atingido, pois, antes disso, a administração estará em “shutdown”.

Para que o leitor não perca o fio da meada, o objetivo original da PEC 186 era corrigir o principal problema do teto de gastos. Devido à má redação da emenda constitucional 95/2016, que instituiu o teto, o gatilho que acionava as medidas de ajuste das contas não disparava. Não havia maneira de o governo adotar medidas de contenção das despesas. Como as despesas obrigatórias não param de crescer, os investimentos e o custeio foram minguando cada vez mais.

No texto da PEC 186 que o governo enviou ao Congresso, em novembro de 2019, o gatilho disparava toda vez que a chamada “regra de ouro” das finanças públicas, que proíbe o aumento da dívida para pagar despesas correntes, não estivesse sendo cumprida.

Este referencial foi alterado e o relator da proposta, senador Márcio Bittar (MDB-AC), com a concordância do governo, foi buscar o gatilho de 95% que constava da PEC 188. O resultado de tudo isso é que o gatilho que consta da EC 109 não permite acionar as medidas de ajuste para evitar o “shutdown” da administração e, portanto, não resolve o problema que estava colocado na EC 95.

Nova polêmica

Uma nova polêmica ganhou corpo entre os especialistas em finanças públicas. A PEC 186 instituiu, como foi dito nesta coluna em fevereiro passado, um novo marco para as finanças públicas. A âncora fiscal passou a ser a trajetória da dívida pública que será perseguida pelos governos federal, estadual e municipal. As metas de resultado primário serão definidas de forma a permitir que a trajetória da dívida seja cumprida. Para isso, os governos terão que adotar medidas de contenção de despesas e elevação de receitas que permitam alcançar as metas.

A raiz da polêmica está no fato de que o artigo da EC 109, ao tratar desta questão, prevê aprovação de lei complementar especificando “a trajetória de convergência do montante da dívida com limites definidos em legislação”. O artigo 52 da Constituição define que é competência privativa do Senado fixar, por proposta do presidente da República, limites globais para o montante da dívida consolidada da União, dos Estados e dos municípios. A discussão é se a EC 109 invadiu uma competência do Senado.

Na interpretação do Ministério da Economia, não há conflito entre o artigo 52 da Constituição e a EC 109. A atribuição do Senado, de acordo com esse entendimento, é fixar limite máximo para o endividamento dos entes. E o objetivo da EC 109 é fixar limites prudenciais para definir uma trajetória para a dívida, que, se superados, acionam os gatilhos das medidas de ajuste.


Maria Cristina Fernandes: Um carimbador na saúde e o mercado de vacinas

Ao indicar ministro da Saúde, filho do presidente demonstra que vai marcar de perto o avanço do Centrão no mercado de vacinas. Entre, um e outro está um presidente acossado pelo protagonismo de Lula no tema

Se um milésimo da esperteza usada pelo presidente Jair Bolsonaro para trocar o ministro sem mudar a política de saúde, fosse destinada a enxotar a covid-19, os brasileiros não teriam uma vala comum por horizonte. A astúcia presidencial é proporcional não à tragédia da pandemia, mas ao quinhão que está em jogo. Foi a arbitragem desta disputa, e não sua inépcia, que derrubou Eduardo Pazuello. De tão grande, a esperteza de Bolsonaro despertou o apetite do Centrão, demonstrado na derrubada dos vetos presidenciais. Antes de Bolsonaro, porém, é a saúde dos brasileiros que será engolida.

O roteiro é auto-explicativo. Primeiro o presidente driblou a pressão pelo deputado Luiz Antonio Teixeira (PP-RJ), presidente da comissão de acompanhamento da covid-19, que já era chamado de ministro na Câmara. Depois deixou na mão a fileira de padrinhos poderosos da cardiologista Ludhmila Hajjar, alguns dos quais recebeu no sábado, no Palácio do Alvorada.

Naquela manhã, Pazuello fez conferência virtual em que apalavrou o pagamento, pelo ministério, das 37 milhões de doses acertadas pelos governadores do Nordeste com um fundo russo que financia a Sputnik V, sob a condição de que seriam redistribuídas para todo o país. À tarde, recebeu o convite de Bolsonaro para participar da conversa com Ludhmila.

No dia seguinte, Bolsonaro montou o circo da audiência com a cardiologista, que, bombardeada, renunciou ao convite que o presidente jamais quis fazer. O deputado Arthur Lira (PP-AL), que, num primeiro momento, parecia resignado a negociar o segundo escalão do ministério, acabou com um tuíte de apoio a Ludhmila para não passar recibo do atropelamento. Desde o princípio, era Marcelo Queiroga o nome que Bolsonaro tinha na manga.

É o segundo ministro que o senador Flávio Bolsonaro emplaca em menos de seis meses. O primeiro, Kassio Nunes Marques, estava destinado a compor sua retaguarda no Supremo Tribunal Federal. Já a indicação de Marcelo Queiroga é uma jogada de quem se antecipa aos fatos, a compra de milhões de doses de vacinas cujo atraso empurrou o Brasil para a naturalização da barbárie.

A ofensiva do Centrão nesse mercado foi protagonizada pela desenvoltura do líder do governo na Câmara, o deputado Ricardo Barros (PP-PR) na liberação da Sputnik por intermédio do lobby armado pelo bloco. É um mercado competitivo este em que 01 resolveu se posicionar. Com a compra da casa em Brasília, o filho do presidente mostrou, porém, que audácia não lhe falta. Até lei flexibilizando a compra o Congresso já aprovou. Agora resta saber quem vai avançar para ocupar esse terreno

O primeiro efeito da troca de ministros sobre o aquecido mercado de vacinas se dará na relação de Queiroga com os governadores. O documento assinado por 21 deles para a formação de um gabinete de crise para agilizar compra de vacinas e insumos até agora não foi respondido por nenhum dos Poderes. Mas na manhã desta quarta-feira, a maioria dos nove governadores do Nordeste assinaram contratos de compra da Sputnik V. A U$ 9,95 dólares a unidade, o lote total de vacinas ultrapassará os R$ 2 bilhões.

Um dos signatários, o governador do Maranhão, Flávio Dino, preferia que a vacina fosse encampada pelo Plano Nacional de Imunização para evitar o salve-se-quem-puder, mas está disposto até mesmo a bancar com recursos do tesouro estadual as 4,5 milhões de doses com as quais imunizaria 30% da população do Estado até julho. Fez um seguro para a eventualidade de a bateção de cabeça em Brasília não parar.

E não há sinais de que vá. O azedume com Queiroga é generalizado. Na definição de uma liderança do Centrão, ao negar a indicação ao bloco, Bolsonaro perdeu a oportunidade de dividir responsabilidades sobre seu desempenho. Se tiver sucesso, pegam carona. Se der errado, o insucesso é todo do presidente. A escolha ignorou os ritos mais pueris da política. Atropelou, por exemplo, o poderoso líder do PL na Câmara, Wellington Roberto (PB), que não foi consultado na escolha de um médico de seu Estado.

A primeira resposta concreta do Centrão veio na sessão do Congresso de ontem quando foram derrubados todos os vetos presidenciais à limitação das emendas parlamentares. Agora tanto as emendas de relator e de comissão, a exemplo do que acontece hoje com as individuais e de bancada, serão impositivas quanto a Caixa Econômica Federal deixou de fazer a intermediação das emendas.

Com isso, Queiroga, na definição de outra liderança do bloco, vira um despachante de emendas em tempo integral. A Secretaria de Governo envia aqueleas a serem contempladas com recursos da Saúde para o ministro e ele se limita a assinar e passar para a frente. Com a derrubada dos vetos, os parlamentares ampliam sua fatia na Saúde, queira ou não Queiroga. Mas emenda não compra vacina. Esta é a briga da hora. Entre 01 e o Centrão, tem um presidente da República acossado pela ofensiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O petista, que atuou na aproximação entre o consórcio dos governadores e os russos, fez ontem, em entrevista à CNN americana, um apelo ao presidente dos EUA, Joe Biden, “o suspiro da democracia mundial”, por vacinas.


Bruno Carazza: Mais próximo do que se imagina

Autonomia exige cautela de presidente do BC

No seu discurso de fênix na quarta (10/03), Lula disse não saber por que o mercado deveria ter medo de sua volta ao poder, diante de tudo o que ele e o PT fizeram pelo empresariado. Em resposta à repórter Cristiane Agostine, do Valor, porém, deixou explícita uma exceção: “Eu era e sou contra a autonomia do Banco Central. É melhor o Banco Central estar na mão do governo do que estar na mão do mercado. [...] A quem interessa essa autonomia? Não é ao trabalhador urbano, não é ao sindicalista, é ao sistema financeiro”.

Embora real, o risco de captura de órgãos reguladores por representantes de empresas é difícil de ser comprovado. Seguir os caminhos do dinheiro, mapeando doações de campanhas, ajuda bastante. Monitorar agendas públicas e verificar com quem eles se sentam à mesa também. Outra estratégia que costuma funcionar é observar o movimento das portas giratórias da administração pública, quando agentes do mercado são nomeados para cargos nas agências reguladoras e, depois de um tempo, retornam aos antigos empregadores.

O pesquisador David Finer, da Chicago Booth School of Business, deu um passo além. Utilizando a Lei de Acesso à Informação de Nova York, teve acesso a dados anônimos de mais de um bilhão de viagens de táxi ocorridas na maior cidade dos Estados Unidos entre 2009 e 2014, incluindo as coordenadas de GPS, data e horário do início e do fim de cada deslocamento.

Interessado em mapear o relacionamento entre funcionários do Banco Central americano e executivos das grandes instituições financeiras, Finer analisou cuidadosamente os padrões dos trajetos dos famosos táxis amarelos entre o prédio do FED, na 33 Liberty Street, e as sedes de gigantes como Bank of America, Citigroup, Goldman Sachs e Morgan Stanley. Lembrando que os encontros também podem se dar fora dos escritórios, o pesquisador incluiu no seu rastreamento as viagens que partiam de ambos os endereços para um terceiro destino (que poderia ser um restaurante ou um bar, por exemplo) num curto espaço de tempo.

Buscando minimizar o risco de vazamento de informações que podem abalar o mercado (e enriquecer muita gente), o FED impõe restrições a seus diretores e funcionários, como um período de silêncio em que são proibidas reuniões com o público externo e declarações à imprensa nos dias que antecedem os encontros do Comitê de Política Monetária (o FOMC, na sigla em inglês).

Após garimpar uma montanha de dados, Finer obteve evidências de que as movimentações entre as sedes do FED e dos bancos, ou de ambos para centros de lazer e alimentação, se intensificam na proximidade das datas em que as taxas de juros básicas são estabelecidas, particularmente no horário de almoço. Há também um aumento atípico nas corridas entre os mesmos destinos nas primeiras horas da madrugada após o encerramento do período de silêncio - o que sugere uma busca de integrantes do mercado por explicações sobre as decisões tomadas pela autoridade monetária.

Com uma metodologia inovadora, a pesquisa de David Finer aponta para a necessidade de se aprofundar os instrumentos para que a independência dos Bancos Centrais seja para valer e valha para ambos os lados - perante o governo e o mercado.

No Brasil, depois de pelo menos duas décadas de discussão legislativa, somente no final do mês passado a autonomia operacional do Bacen virou lei. Embora nosso Banco Central já tenha incorporado muitas das melhores práticas internacionais, como o próprio período de silêncio antes das decisões do Copom, ainda temos um longo caminho a percorrer para torná-la efetiva.

Não é preciso GPS para observar que são cada vez mais frequentes os deslocamentos feitos pelo presidente Roberto Campos Neto entre o Setor Bancário Sul, onde se localiza a sede do Banco Central, e a Praça dos Três Poderes, para atender a chamados de Jair Bolsonaro, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco.

É bem verdade que o BC brasileiro possui atribuições que extrapolam aquelas típicas de uma autoridade monetária - como a regulação e a fiscalização do sistema financeiro - e a nova Lei Complementar nº 179/2021 ainda exige que a instituição zele para suavizar as flutuações da atividade econômica e fomente o pleno emprego, ao lado de manter a inflação sob controle. Tudo isso acaba exigindo que o presidente do Bacen compareça ao Palácio do Planalto ou ao Congresso Nacional para prestar contas de suas decisões.

O grande problema é que Roberto Campos Neto, pela sua capacidade técnica e habilidades interpessoais, tem entrado de cabeça na negociação política da agenda econômica do governo - e com isso tem avançado perigosamente a linha de independência exigida de um central banker.

Na semana passada, quando o governo se dividia entre as votações da PEC Emergencial e as tratativas com a farmacêutica Pfizer para a compra de um novo lote de vacinas, Roberto Campos Neto esteve duas vezes com Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto. Além disso, visitou o presidente da Câmara em sua residência oficial para convencer diversos deputados da necessidade de aprovação de dispositivos de ajuste fiscal como contrapartida à nova rodada do auxílio emergencial.

Não há dúvidas que o presidente do BC tem um excelente trânsito com os parlamentares e tem se mostrado um ativo valioso do governo para construir pontes e aparar as arestas, muitas vezes afiadas, criadas por Paulo Guedes nas suas relações com o Congresso. Mas não pode se prestar a esse papel, sob pena de perder sua credibilidade.

Caso queira continuar contando com a capacidade técnica e o fino trato do neto de Bob Fields nas negociações de sua agenda econômica, Bolsonaro tem uma saída. O art. 8º da lei da autonomia lhe deu 90 dias para referendar a atual diretoria do Bacen e empossá-los nos novos mandatos.

Com os rumores cada vez mais constantes de que Paulo Guedes balança no cargo, de repente a solução para uma transição suave, que não assuste o mercado e ainda agrade ao Centrão, está mais próxima do que se imagina. Nem precisa chamar um táxi.


Valor Econômico: Volta de Lula deve apressar Huck, diz Roberto Freire

Apresentador mostrou interesse no atual cenário eleitoral e na viabilidade de uma candidatura de Mandetta

Por Cristian Klein, Valor Econômico

RIO - A volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao jogo eleitoral fortalece a polarização entre o PT e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), mas atores políticos ligados ao apresentador de TV Luciano Huck (sem partido) ainda consideram que haja espaço para uma candidatura competitiva mais centrista, na disputa pela Presidência do ano que vem.

Logo depois da decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, que devolveu os direitos políticos a Lula, na segunda-feira, Huck conversou com o presidente nacional do Cidadania, o ex-deputado Roberto Freire, sobre a nova conjuntura. O Cidadania é um dos partidos cotados para abrigar o apresentador, caso ele decida concorrer.

Segundo Freire, os dois não trataram de filiação, mas Huck se mostrou interessado em saber da avaliação do dirigente sobre o cenário eleitoral e a quantas anda a possibilidade de fusão entre o Cidadania e o Partido Verde, legendas ameaçadas pela cláusula de barreira. Também abordaram a viabilidade de uma candidatura do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS).

Para Freire, a entrada de Lula não muda, em essência, a polarização que estava desenhada entre Bolsonaro e o PT. O ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, derrotado em 2018, já havia começado a circular em pré-campanha pelo país, mas cancelou a visita que faria hoje e amanhã ao Rio, depois do pronunciamento feito ontem em que Lula falou como candidato.

Freire disse que Lula elegível só torna “a polarização mais explícita”, o que “viabiliza melhor a alternativa do campo democrático”. “Ajuda a busca por unidade nas articulações feitas hoje”, afirmou ao Valor o dirigente, para quem Huck “é o melhor candidato para discutir o Brasil do século 21”.

O presidente do Cidadania diz que seu partido é o único em que Huck tem a garantia de concorrer, enquanto em outras siglas, como o DEM, isso não é certo. “Nem para o Mandetta há garantia”, diz, afirmando que a sigla está dividida entre os que querem apoiar Bolsonaro ou outras candidaturas, como a do governador de São Paulo João Doria (PSDB) ou do também tucano Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul. Por causa da reviravolta no cenário, o PSDB antecipou as prévias que seriam realizadas no ano que vem para outubro.

Freire diz que o apresentador ainda tem tempo para definir se concorre ao Planalto ou permanece na TV Globo, mas a volta de Lula vai acelerar a tomada de decisão. No entorno de Huck, segundo apurou o Valor, a expectativa é que uma decisão possa ser tomada "mais para o fim do segundo semestre". "Até o prazo limite de filiação, em 4 de abril, é uma eternidade", conta esta fonte.

Na visão do Freire, Lula e Bolsonaro são fortes candidatos para chegarem ao segundo turno, mas o antipetismo continua em alta, acrescido do forte antibolsonarismo. As rejeições favoreceriam a candidatura centrista. Para o outro interlocutor do apresentador, Lula "está sem conexão com a classe média e o centro da política brasileira" pois teve que se "abraçar com a esquerda tradicional, o corporativismo", durante o período em que se defendia dos processos da Lava-Jato e dos 580 dias em que passou na prisão em Curitiba, apoiado pela militância. Isso o impediria de fazer um movimento em direção ao centro, como esboçado pelo ex-presidente no discurso de ontem. "A candidatura do Lula não esmaga o centro", afirma.

Por outro lado, acrescenta, Bolsonaro também tem perdido eleitores mais centristas. E Ciro Gomes (PDT) vai ser um candidato com discurso muito similar ao de Lula, "contra as reformas". "Vai ter uma dissidência do outro lado também", diz a fonte, minimizando a necessidade ou a possibilidade de que haja uma unidade grande do centro, em torno de um só candidato, numa composição improvável entre os tucanos, Huck e Mandetta.

Freire conta que as conversas sobre fusão envolvem o presidente do Partido Verde, José Luiz Penna, e Eduardo Jorge, que concorreu à Presidência pelo PV em 2014 e foi vice na chapa de Marina Silva (Rede) em 2018. Desse projeto também está próximo o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ), que rompeu com o partido e procura nova legenda.

Segundo apurou o Valor, Huck já recebeu convites oficiais de pelo menos cinco partidos: PSB, PSD, Cidadania, Podemos e DEM, além de uma sondagem do MDB.