Ulysses Guimarães
Presidente da Câmara esquece Ulysses Guimarães e Eunice Paiva
No seu discurso de candidato a presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB) citou Ulysses Guimarães e concluiu seu discurso com uma referência ao filme brasileiro Ainda estou aqui, baseado na história de Eunice Paiva, viúva do ex-deputado federal Rubens Paiva (PTB-SP), durante a ditadura militar. "Temos que estar sempre do lado do Brasil, em harmonia com os demais poderes", disse. "Encerro com uma mensagem de otimismo: ainda estamos aqui". Ovacionado pelo plenário ao concluir, foi eleito com 444 votos dos 513 deputados. Motta recebeu apoio do PT ao PL, apenas o PSol e o Novo ficaram de fora do seu arco de alianças.
Era sábado retrasado, 1º de fevereiro. Elaborado a seis mãos, com a assessoria de dois jornalistas, o discurso fora feito sob medida para sinalizar uma posição política ancorada ao centro e contrária à radicalização política. Entretanto, em uma semana de entrevistas e declarações à imprensa, Motta esqueceu Ulysses e Eunice, deu uma guinada à direita, com críticas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e acenos de anistia aos mais radicais aliados e ao próprio ex-presidente Jair Bolsonaro.
De todas as entrevistas, a que gerou mais mal-estar no Palácio do Planalto e no Supremo Tribunal Federal (STF), sem falar na opinião pública, foi concedida na sexta-feira, numa rádio da Paraíba, sua base eleitoral. Motta negou que a invasão dos palácios da Praça dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023, foi uma tentativa de golpe de Estado para destituir o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que havia tomado posse uma semana antes. "O que aconteceu não pode ser admitido novamente, foi uma agressão às instituições. Agora, querer dizer que foi um golpe. Golpe tem que ter um líder, uma pessoa estimulando, tem que ter apoio de outras instituições interessadas, e não teve isso", disse.
Naquela ocasião, centenas de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro quebraram as sedes dos Três Poderes pedindo um golpe e a destituição de Luiz Inácio Lula da Silva. Motta ignora deliberadamente tudo o que já se sabe sobre o 8 de janeiro, a partir de investigações da Polícia Federal (PF), no inquérito a cargo do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.
A conspiração urdida na alta cúpula do governo Bolsonaro para impedir a posse da gestão Lula está muito bem documentada, a ponto de o vice de Bolsonaro, general Braga Neto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil Braga Netto, general de quatro estrelas, estar preso. O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, que fez delação premiada, revelou toda a trama golpista.
Não se sabe os acordos de bastidores feitos por Hugo Motta para se eleger presidente da Câmara, mas o parlamentar tem fama de cumpri-los. Suas declarações e os elogios que recebeu de Jair Bolsonaro sinalizam que a anistia aos envolvidos nos episódios de 8 de janeiro e ao ex-presidente da República (que está inelegível por crime eleitoral) está no pacote do PL.
Biografia
Aos 35 anos, Motta é o mais jovem presidente da Câmara dos Deputados. Lidera uma nova geração de políticos representantes de velhas oligarquias. Seu pai é prefeito de Patos pela quarta vez, cidade que já foi comandada pelo avô e pela matriarca da família, sua avó Francisca Motta, de 84 anos, que sucedeu o marido na prefeitura após sua morte e exerceu seis mandatos de deputada estadual.
Médico, Motta nasceu em 11 de setembro de 1989, ano da primeira eleição direta para presidente da República. Não entendeu (ou não assistiu) Ainda estou aqui, o premiadíssimo filme de Walter Salles Filho, que concorre ao Oscar em três categorias e venceu o prêmio Goya de melhor filme ibero-americano, a principal premiação do cinema espanhol, no último sábado.
Com Fernanda Torres no papel da viúva Eunice, a obra conta o que se passou com a família do ex-deputado Rubens Paiva (PTB-SP), que foi assassinado num quartel do Exército no Rio de Janeiro, durante o regime militar. Motta citou o filme no discurso como uma frase de efeito, numa jogada de marketing. Sua declaração sobre o 8 de janeiro só torna mais atual o longa brasileiro ser mais atual, cuja importância política nos mostra o historiador Alberto Aggio, no artigo Tempos e silêncios em Ainda estou aqui
Roberto Freire: As lições de 1989 para 2018
A um ano das eleições de 2018, o Brasil começa a viver a expectativa pelo momento determinante do voto que definirá os rumos da nação pelos próximos quatro anos, enquanto vamos nos aproximando da reta final do governo de transição resultante do impeachment.
Em uma quadra tumultuada da vida nacional, é imperioso que todos aqueles verdadeiramente comprometidos com a democracia e a superação da crise tenham responsabilidade com o país e ofereçam alternativas viáveis e projetos concretos para a retomada do crescimento, a geração de empregos e o resgate da autoestima e da confiança do brasileiro em seu próprio futuro.
Um olhar abrangente sobre o que está por vir deve passar, necessariamente, pelos ensinamentos que podemos extrair do passado. Há pouco menos de 30 anos, em 1989, o Brasil experimentava um clima de grande euforia cívica com a primeira eleição direta para a Presidência da República desde o fim do regime militar. Com a redemocratização e a promulgação da Constituição Cidadã de 1988, a efervescência política que tomou conta do país trouxe otimismo e uma grande esperança à sociedade.
Na disputa presidencial de 1989, da qual honrosamente participei como candidato pelo PCB – foi um dos momentos mais marcantes e uma das grandes emoções que tive em mais de 40 anos de vida pública –, houve entre nós aqueles que defendiam a união das forças do campo democrático em torno de uma candidatura à Presidência, provavelmente a de Ulysses Guimarães, do PMDB, reconhecido como símbolo maior da luta pelas Diretas e o “Senhor Constituinte”. Uma das vozes que se levantou nesse sentido foi a de Luiz Werneck Vianna, cientista social e até hoje um arguto observador e analista da realidade brasileira, que nos alertava para os riscos de uma pulverização de candidaturas naquele pleito.
Infelizmente, naquele momento, talvez influenciados pela comoção nacional e envolvidos emocionalmente em uma histórica campanha que nos dava a oportunidade de retomar o contato mais próximo com o povo brasileiro, seus problemas e a dura realidade da população, não ouvimos os alertas que foram feitos e nos dispersamos.
Fui candidato pelo PCB, Leonel Brizola saiu pelo PDT, Mário Covas foi lançado pelo PSDB, Fernando Gabeira disputou pelo PV, entre muitos outros postulantes à Presidência, totalizando mais de duas dezenas de candidaturas ao Palácio do Planalto.
Todos conhecem o resultado de tamanha pulverização. Foram ao segundo turno as duas figuras que supostamente desafiavam o “status quo” e eram consideradas “outsiders”: Collor, candidato pelo pequeno PRN, e Lula, do PT, ainda muito distante do figurino “paz e amor” adotado em sua campanha vitoriosa de 2002.
Nenhum deles demonstrava qualquer preocupação com a montagem de um governo de coalizão ou de uma base parlamentar sólida que lhes desse sustentação no Congresso Nacional, algo primordial no presidencialismo brasileiro.
Collor sofreu um processo de impeachment e deixou a Presidência em 1992, em meio a uma série de acusações e denúncias de corrupção que o atingiram e a seu governo.
Para 2018, tenho defendido que não podemos repetir os mesmos equívocos de 1989. No ano que vem, como naquela eleição, o risco de haver uma forte pulverização de candidaturas é muito elevado.
Os alertas feitos naquela oportunidade devem ser ouvidos agora, ainda que com atraso: temos de buscar a unidade de todas as forças democráticas do país para evitarmos, ao fim e ao cabo, uma nefasta polarização entre os extremos do espectro político, personificados nas figuras de Lula e Jair Bolsonaro.
Tenho insistido na importância de que as conquistas obtidas durante o governo de transição, sobretudo no aspecto econômico (como a queda da inflação e da taxa básica de juros, a diminuição gradativa do desemprego, o aumento do poder de renda das famílias, o crescimento do PIB etc), não podem ser colocadas em risco por uma eventual disjuntiva entre essas duas alternativas políticas no segundo turno de 2018.
Nossa missão é oferecer aos brasileiros uma candidatura virtuosa que unifique o centro democrático e seja capaz de enfrentar e derrotar tanto uma esquerda atrasada e reacionária que apoia abertamente a ditadura de Maduro na Venezuela, por um lado, quanto uma extrema-direita igualmente populista e de corte claramente fascista que defende a ditadura militar e as torturas por ela praticadas, por outro.
Apesar de algumas similitudes entre 1989 e 2018, é importante considerarmos uma diferença fundamental: naquele primeiro momento pós-redemocratização, o Brasil estava imerso em uma grande euforia e vivia um clima de otimismo.
Hoje, o que existe é um desânimo absoluto da população e a descrença generalizada em relação à classe política, fruto de todo o desmantelo e a corrupção que marcaram os 13 anos dos governos petistas de Lula e Dilma.
Esse sentimento gera, inclusive, uma perigosa repulsa à política e aos políticos indistintamente, o que é sempre temerário do ponto de vista democrático. Apesar de todos os problemas, a política é o instrumento pelo qual as sociedades podem mudar os seus destinos. Fora da política, não há outro caminho possível além da barbárie.
Lamentavelmente, em meio a esse cenário de terra arrasada que fermenta um caldo de desilusão, os discursos populistas à esquerda e à direita, inclusive formulados por aqueles que pregam estultices como a intervenção militar no Brasil e o fechamento do Congresso, encontram terreno fértil para prosperar junto aos mais incautos.
É contra essa corrente autoritária e antidemocrática que devemos nos erguer. Temos um ano pela frente e, até lá, precisamos aprovar as reformas de que o Brasil precisa, concluir a transição que nos levará às próximas eleições e construir uma candidatura forte, competitiva e representativa de todas as forças democráticas, à esquerda e à direita, que convirjam para o centro.
Que as lições de 1989 ecoem em 2018, evitando a repetição de erros do passado e mobilizando os brasileiros a recuperarem o mesmo entusiasmo daquele período.
Luiz Carlos Azedo: O baixo clero
Todos os políticos são iguais. Será? Evidentemente que não. Os mais novos, porém, ainda estão engatinhando na grande política
Como diria Ulysses Guimarães, em uma de suas tiradas famosas, não existe bobo no Congresso. Por isso mesmo, não é o caso de se pôr a mão no fogo por ninguém, até porque as investigações estão apenas começando nos estados. Mas, fato é que somente 42 deputados estão relacionados na lista do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, o relator da Operação Lava-Jato, de um total de 513 representantes — 471 ficaram de fora. No Senado, embora a proporção de enrolados seja maior, são 29 senadores citados de um total de 81, isto é, 52 senadores não estão investigados na Lava-Jato.
Para usar uma expressão surrada da crônica política, o famoso baixo clero do Congresso — aqueles parlamentares que circulam anonimamente pelos corredores da Câmara e do Senado, que quase nunca aparecem nas entrevistas e jamais são escalados para uma relatoria ou presidência de comissão — está incólume na Operação Lava-Jato. Quem aparece na mais promíscua das relações que pode haver entre políticos e a Odebrecht é o alto clero da República, os caciques dos partidos políticos. Entretanto, o clima é de “fechem o Congresso!”.
Vamos devagar com esse andor. Não existe saída para a crise política que estamos vivendo sem o Congresso aberto e funcionando. As propostas no sentido de convocação de eleições antecipadas — “Constituinte exclusiva”, “Diretas, já!” para a Presidência —, essas, sim, são golpistas. Significam cassar os mandatos de 471 deputados e 52 senadores contra os quais não existe até agora sequer suspeitas que justifiquem uma investigação no âmbito da Lava-Jato. E lançar o país em um turbilhão que somente pode resultar em nova recessão e no colapso das instituições políticas. É dispensável dizer quem poderia, em circunstâncias dessa natureza, restabelecer a ordem no país.
Viva o baixo clero, que sem ser velho não meteu a mão em cumbuca. São esses parlamentares anônimos e alguns líderes políticos que não estão envolvidos na Lava-Jato que encontrarão saídas para a crise, ainda que para isso tenham que, mais uma vez, cortar na própria carne, como fizeram com Delcídio do Amaral (PT-MS), no Senado, e Eduardo Cunha (PMDB-RJ), na Câmara. Motivos há de sobra, por exemplo, no caso de venda de medidas provisórias, caso claro de “quebra de decoro”. Ora dirão, há muitos parlamentares que não apareceram ainda, mas entraram no rateio da divisão da propina. É bem provável, inclusive na Câmara, onde a bancada de Eduardo Cunha era contabilizada em mais de 100 deputados, embora, na hora da cassação, apenas 10 tenham votado contra e nove se abstido.
Mas isso não muda o eixo do raciocínio: a maioria esmagadora dos congressistas não está sob investigação. Por que, então, o espanto generalizado e a revolta da sociedade? Porque os envolvidos são a elite da política brasileira, que controla os principais partidos do país. Estão todos sendo arrastados para a lama pela corrente de informações que jorra dos depoimentos em vídeo das delações premiadas da Odebrecht contra os caciques. O custo político, para a democracia, é a desmoralização do Congresso, até porque os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB-CE), estão entre os arrolados.
Propaga-se que todos os políticos são iguais. Será? Evidentemente que não. O problema é que os mais novos — alguns são muito novos, realmente —, ainda estão engatinhando no jogo da grande política, do qual foram deliberadamente excluídos. Alguns até são filhos de velhos políticos enrolados na Lava-Jato, outros representantes de oligarquias tradicionais cujos chefes políticos foram abatidos pela lei da Ficha Limpa. Mas tem gente qualificada e em condições de liderar a renovação política no país, que virá mais cedo ou mais tarde, seja de dentro pra fora ou de fora pra dentro do Legislativo e/ou do Executivo.
Pacto perverso
Alguns dirão: quanta ingenuidade! Ao contrário, não há caminho de saída para essa crise fora da democracia representativa. A saída não está no Executivo, que tenta bloqueá-la, nem no Judiciário, que tenta desobstruí-la com o expurgo. Para sair da crise política em bases democráticas é necessária uma reação de parte dos parlamentares que estão com a ficha limpa. Os políticos enrolados não farão um haraquiri, como muitos gostariam. Num passe de mágica, já se fala em entendimentos entre o presidente Michel Temer e os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso para viabilizar uma reforma política. Essa dança de acasalamento faz todo o sentido, mas não tem a menor chance de dar certo.
O problema é o baixo instinto da cúpula do Congresso. Enquanto alguns querem separar o joio do trigo, ou seja, o caixa dois eleitoral dos crimes conexos, os que estão muito enrolados pleiteiam uma anistia geral, ampla e irrestrita, o que ninguém aceita. Caminha-se para uma fórmula de legislação eleitoral e partidária que permita aos caciques disputar a eleição sem aparecer (voto em lista) e, depois, aos grandes partidos, que terão perdas eleitorais imensas, canibalizar os partidos menores, que não vão crescer devido à pulverização do voto por essa onda de que todos os políticos com mandato são ladrões.
Luiz Carlos Azedo é jornalista
Fonte: http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-baixo-clero/