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Cristovam Buarque: Maioridade da faixa

Na semana passada, o Correio Braziliense dedicou uma página ao 21º aniversário da implantação da faixa de pedestre no Brasil, graças ao pioneirismo dessa iniciativa no Distrito Federal. Em entrevista, o professor Paulo Cesar Marques da Silva, da Universidade de Brasília (UnB), disse: “Foi uma conquista importante, é um marco de cidadania essa valorização das pessoas em relação aos veículos. Essa coisa de oferecer o espaço prioritariamente aos pedestres é boa. Mas é necessário dizer que não tivemos nenhuma mudança na lei. Essa sinalização já era prevista nos manuais. O que aconteceu foi uma conscientização, um conhecimento das pessoas. Todo esse trabalho foi muito benfeito, houve uma mudança de valores, é fato. Mas é importante lembrar que isso não aconteceu em todo o país. Nem todo mundo que dirige passou por isso 21 anos atrás. A população deve ser informada constantemente sobre a importância da faixa”.

Sem explicitar, ele percebeu que o “milagre de Brasília”, como os visitantes citam para se referir ao respeito dos brasilienses à faixa de pedestre, decorre da inversão da lógica com que o Governo do DF, entre 1995-1998, administrou a implantação desse programa que mudou a mentalidade da população. No lugar de ver a faixa como um assunto da engenharia e da legalidade de trânsito, o problema foi tratado pelo então governo como uma questão de educação. A engenharia (pintura, sinalização, escolha dos locais) e a legislação (leis e decretos) foram complementos auxiliares.

Ao tratar o problema de trânsito sob a ótica da educação, o Governo do DF, com a colaboração da mídia, especialmente do Correio Braziliense e da Rede Globo, deu um exemplo que o resto do Brasil não conseguiu reproduzir ao longo desses 21 anos, por continuar tratando o respeito ao pedestre como assunto de engenharia de trânsito.

Essa não foi a única inversão lógica no governo local, entre os anos de 1995 e 1998. No lugar de enfrentar o assunto da saúde pela engenharia para aumentar o número de leitos nos hospitais, buscou e conseguiu diminuir o número de doentes, por meio do programa Saúde em Casa, da universalização do saneamento, da redução de acidentes de trânsito, da melhoria da merenda escolar, da implantação da Bolsa Escola (permitindo às famílias mais pobres comprarem comida) e pelo pioneirismo na instalação dos kits ginástica nas quadras e praças.

Com isso, foi possível reduzir doenças e filas, simplificar atendimento, reduzir gastos e sofrimento, oferecer dignidade e garantir a todos um serviço que, hoje, está degradado. Para o mandato seguinte, que não ocorreu, a inversão da lógica na saúde estaria em garantir checape anual para qualquer pessoa, independentemente da renda. O resultado é que, sem grandes obras, o governo deixou leitos sobrando, pessoas saudáveis, um sistema funcionando.

A implantação do PAS (Programa de Avaliação Seriada), cuja ideia foi do professor Lauro Moure (UnB), é prova dessa inversão. No lugar de fazer o vestibular para eliminar os alunos que não aprenderam o básico ao longo do ensino médio, o governo de 1995 a 1998, em cooperação com a UnB, preferiu usar a universidade para incentivar os alunos a aprenderem o máximo, estudando ao longo dos três anos, e não mais apenas no último ano e em um cursinho.

A própria Bolsa Escola, que, de tanto êxito, espalhou-se pelo Brasil e pelo mundo, fazendo Brasília ser reconhecida como o berço dos programas de transferência de renda condicionada à educação, é um exemplo de inversão da lógica: no lugar de deixar as crianças pobres trabalhando e fora da escola, nosso programa utilizou o potencial das mães para garantir que seus filhos frequentassem as aulas. Assegurou uma renda básica à família e, ao mesmo tempo, educação para as crianças.

Já a Poupança Escola — implementada no governo entre 1995-1998 —, no lugar dos elevados custos na educação devido à repetência, preferiu garantir um prêmio para o aluno que fosse aprovado, tomando o cuidado de não entregar esse dinheiro ao fim de cada ano, mas depositá-lo em caderneta de poupança, para só ser retirado se o aluno concluísse o ensino médio. A faixa de pedestre foi um bem-sucedido projeto da lógica invertida criado pelo governo da época, mas apenas um deles; muitos outros até hoje continuam, 21 anos depois. (Correio Braziliense – 10/04/2018)

 


Violência no trânsito faz Brasil perder R$ 56 bi, mostra pesquisa

O Brasil perdeu com a violência no trânsito R$ 56 bilhões em 2014, quando 43.780 pessoas morreram - 2% a mais que o número de vítimas fatais do ano anterior - e cerca de 600 mil ficaram com sequelas permanentes em razão dos acidentes. Os dados são de levantamento do Observatório Nacional de Segurança Viária, divulgado nesta quinta-feira, 17.

De acordo com a pesquisa, todo o valor usado para pagar os custos com as mortes e tratamento das vítimas de acidentes de trânsito corresponde ao total de repasses do governo federal para todos os Estados da Região Norte do País mais os Estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás.

De acordo com José Tiago Bastos, professor de Segurança Viária da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e responsável pela pesquisa do Observatório, o valor de R$ 56 bilhões contabiliza o custo social com os acidentes de trânsito, considerando desde o gasto com o atendimento médico (resgate, tratamento hospitalar, reabilitação), infraestrutura (conserto de equipamentos de trânsito danificados com o acidente e custos do atendimento da polícia e bombeiros) até perdas de produção (custo previdenciário e a impossibilidade de o acidentado trabalhar).

Das 43,7 mil mortes registradas no trânsito brasileiro em 2014, 7.032 aconteceram em São Paulo, 4.396 em Minas Gerais e 3.076 no Paraná - Estados brasileiros também com as maiores frotas de veículos. Os três Estados concentraram em 2014 um terço das mortes de trânsito. Todas as regiões do País tiveram aumento nas mortes em 2014. O maior foi na Região Sudeste, com aumento de 4% em relação ao ano anterior.

Houve queda no número de mortes apenas entre pedestres e ciclistas, de 4,5% e 2,6%, respectivamente. Entre os automóveis, motocicletas e ônibus houve aumento de 1,3%, 2,3% e 32,4%, respectivamente de 2013 para 2014.

Para José Aurélio Ramalho, presidente do Observatório, o aumento do número de acidentes de trânsito no Brasil é preocupante. Em dez anos, o País registrou aumento de 23% no número de óbitos. Em 2004, foram 35 mil mortes no trânsito. “E nesse período não foi feito praticamente nada em caráter educacional para mudar essa realidade. Houve aumento de fiscalização e no valor da penalização, mas isso não faz mudar a percepção de risco dos motoristas.”

Para Ramalho, é preciso conscientizar os motoristas. “As pessoas hoje têm medo da penalização, não das consequências de um acidente. Isso tem de mudar.”

Matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo.


Fonte: cidadessustentaveis.org.br