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Evandro Milet: Governos devem apoiar, não comandar nova política das startups

Todo o movimento provocado pelo empreendedorismo inovador das startups, apoiados por editais de órgãos financiadores para projetos conjuntos ou não com universidades, estão moldando, na prática, um embrião de política industrial

Evandro Milet / A Gazeta

O debate sobre política industrial costuma se apresentar como binário no Brasil: um lado acha que não deve haver política industrial e outro defende que o país deve escolher setores e até empresas estratégicas, os campeões nacionais, no que se chama de nacional-desenvolvimentismo. E ambos os lados têm argumentos baseados em casos de sucesso ou fracasso no país e no exterior. E existem exemplos para qualquer posição. A dificuldade é que os exemplos são citados superficialmente sem que se aprofunde nas características de implementação de cada caso, que dependeram muitas vezes de situações e oportunidades específicas.

Exemplo de iniciativas de sucesso como Embraer e Embrapa são tratados como modelo ideal de um lado e como exceção do outro. O caso da política de informática é visto como desastroso por um lado e mal implementado por outro. O sucesso da China em desenvolver uma indústria com marcas e tecnologia própria e a Coreia com o apoio do governo aos grandes conglomerados industriais mobiliza os partidários da política industrial. A quantidade de incentivos e subsídios intermináveis no tempo para a indústria automobilística, o incentivo mais recente a um número delirante de estaleiros e refinarias, a proteção de importação para vários setores e a malfadada política de informática orientam o lado que considera política industrial quase um palavrão. Esse lado pede apenas uma política horizontal com abertura de fronteiras e melhoria do ambiente de negócios: menos burocracia, controle da inflação, baixo custo de capital, segurança jurídica e educação. E que quem for competente se estabeleça e vá disputar o mercado mundial e quem não for, quebre. Que a destruição criativa impere. O outro lado considera isso sonhador e irreal e cobra uma estratégia industrial do país organizada pelo governo, a exemplo de alguns outros países.

Uma política razoável, em algum ponto entre os extremos, exige foco, avaliação e limitação no tempo. Isso não ocorreu em políticas anteriores, porque não se avalia políticas públicas e porque os lobbies não permitem mais a retirada de vantagens conseguidas. O único aparente consenso atual é sobre a importância do investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação.

Sem aprofundar o debate, interessa aqui chamar a atenção para um fenômeno recente que pode ter uma repercussão significativa nas argumentações.

O crescimento exponencial do número de startups em todos os setores da economia e a velocidade com que elas se movimentam impactaram a estratégia e a gestão das grandes empresas em todo o mundo, muitas ameaçadas na sua tranquilidade de posição no mercado.

Essas empresas, acostumadas a resolver sozinhas seus desafios, com segredos industriais bem guardados, em uma velocidade que o mercado aceitava, de repente perceberam que isso não funciona mais, assediadas pelo formigueiro de pequenas empresas com tecnologia e um volume enorme de capitais de investidores.

Inúmeras grandes empresas começaram um processo de abrir suas dores ou ideias incipientes de projetos como desafios, para que empresas do mercado, startups ou não, propusessem soluções. Antes desse processo, as empresas fornecedoras tinham que adivinhar o que as grandes empresas precisavam e arriscar um lançamento. Agora podem saber exatamente o que elas querem.

Quando o desafio é lançado por uma multinacional, abre-se a possibilidade de acesso a todo o grupo no Brasil e no exterior. A proximidade e o conhecimento das especificidades de legislação e costumes justifica a contratação de fornecedores locais, que podem se transformar em grandes empresas com o tempo.

Um grande gargalo continua sendo a precária educação e a carência de pessoal técnico.

Todo o movimento provocado pelo empreendedorismo inovador das startups, pelo enorme volume de recursos para investimento de risco(depois da queda dos juros), apoiados por editais de órgãos financiadores para projetos conjuntos ou não com universidades, estão moldando, na prática, um embrião de política industrial - que não é só industrial, na verdade - capitaneada pelo setor privado e muito conectado com as novas tecnologias.

Cabe aos governos apoiar, não querer comandar e não atrapalhar.

Fonte: A Gazeta
https://www.agazeta.com.br/colunas/evandro-milet/nova-politica-industrial-das-startups-governos-devem-apoiar-nao-comandar-0821


O Estado de S. Paulo: Na era da economia de baixo carbono, Brasil já tem 552 startups ambientais

Espalhados por todas as regiões, esses empreendedores atuam nos setores de gestão da água e de resíduos, agropecuária, energia, logística e mobilidade, e uso do solo e florestas

Nos corredores da Feria de Madrid, onde foi realizada a Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU) nas duas primeiras semanas do mês, enquanto diplomatas discutiam, sem muito sucesso, como avançar no combate ao aquecimento global, um grupo brasileiro mostrava que negócios inovadores estão avançando rapidamente. São as chamadas clean techs – startups que fazem negócios bons para o clima e trazem soluções com o objetivo nada modesto de tentar salvar o planeta.

Esse movimento vem crescendo no País e no mundo. Entre 2018 e 2019, somente o Instituto Climate Ventures, que ajuda a estruturar startups com esse propósito, mapeou 552 negócios no Brasil que rendem impacto positivo no clima, promovendo o que eles chamam de economia regenerativa e de baixo carbono. Espalhados por todas as regiões do País, atuam nos setores de gestão da água e de resíduos, agropecuária, energia, logística e mobilidade, e uso do solo e florestas.

Em novembro, na Climate LaunchPad, competição internacional de clean techs que ocorreu em Amsterdã, o Brasil foi o país com o segundo maior número de negócios inscritos – 155 –, perdendo só para a Índia, com quase 500. No total, participaram do evento 2.601 empreendedores de 53 países.

Alerta de inundação.
Nesse cenário, estão iniciativas que podem ocorrer tanto na pequena escala quanto trazendo soluções para setores inteiros. Uma delas, de São Paulo, é a Pluvi.on, que surgiu com o objetivo de tentar salvar as pessoas de áreas de risco de eventuais enchentes. Em um mundo cada vez mais aquecido, a ocorrência de eventos extremos, como chuvas rápidas e intensas, com potencial de inundação, será cada vez mais frequente.

Para ajudar em projetos de adaptação para esse problema, a ideia dos fundadores da Pluvi.on foi desenvolver um sistema mais localizado e aperfeiçoado de previsão do tempo. Hoje, eles já conseguem dizer com uma precisão de mais de 80% (contra os cerca de 70% dos sistemas convencionais) se vai chover ou não. E o plano é em alguns anos não só elevar essa precisão para mais de 90% como conseguir alertar bairros e comunidades que podem sofrer com inundações.

“Em eventos extremos, às vezes uma tempestade intensa de poucos minutos é suficiente para causar enchentes. Uma chuva de 20 milímetros ao longo do dia não é um problema, mas em dez minutos causa um caos. E a previsão do tempo tradicional não traz essa precisão”, afirma Diogo Tolezano Pires, fundador da Pluvi.on.

A empresa começa um projeto-piloto neste verão em cinco comunidades da zona leste da capital, na várzea do Tietê, que têm alta vulnerabilidade a enchentes. Miniestações meteorológicas foram instaladas nos bairros e, por meio de uma ferramenta de conversa, apelidada de São Pedro, as pessoas poderão consultar a previsão do tempo para suas regiões.

Em um primeiro momento, elas saberão, por exemplo, se vai chover, mas a intenção é que, com o aprendizado da tecnologia e a coleta de mais dados, em alguns anos seja possível dizer, por bairro, de um modo mais micro, onde há risco de inundação.

Outro projeto vencedor da chamada deste ano de Bons Negócios pelo Clima da Climate Ventures foi o Macaúba, da startup Inocas, de Minas Gerais, que tem como objetivo gerar uma alternativa ao óleo de palma a partir da palmeira típica do Cerrado brasileiro.

“Hoje, 60% de tudo o que existe em um supermercado têm óleo de palma – do chocolate ao hidratante de corpo. Mas o plantio da palma levou ao desmatamento de grandes áreas de floresta tropical no mundo, em especial na Indonésia. Defendemos a macaúba como uma alternativa sustentável à palma”, explica Johannes Zimpel, diretor executivo da Inocas.

A ideia surgiu de uma provocação feita pela companhia aérea Lufthansa, que queria uma alternativa aos combustíveis fósseis para abastecer seus aviões. A macaúba surgiu como uma opção para isso. Hoje ela ainda não chegou ao estágio de substituir o diesel, mas a Inocas desenvolveu uma metodologia de extração otimizada do óleo, que mostrou ter as mesmas qualidades da palma.

O plantio vem sendo feito em áreas de pastagem degradada, aumentando a produtividade do gado e criando renda extra do óleo. “O Cerrado tem 50 milhões hectares de pastagens. Se o conceito fosse replicado em todas, seria possível não só melhorar a renda no pasto como ter uma produção de macaúba que atingiria o dobro da produção mundial de palma”, diz Zimpel.