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Nas entrelinhas: Há duas hipóteses (e não quatro) para Lula e Bolsonaro no primeiro turno

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

A pesquisa DataFolha divulgada ontem pôs fogo no debate entre presidenciáveis da TV Globo, como vocês verão nas páginas do Correio Braziliense e do Estado de Minas de hoje. Com 50% dos votos válidos, como no levantamento anterior, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está com a bola na marca do pênalti para voltar ao poder, porém, pode chutá-la na trave e ter que encarar um segundo turno. O presidente Jair Bolsonaro (PL), com 36% de intenções de votos, subiu um ponto nas pesquisas. Com 6%, Ciro Gomes (PDT) caiu um ponto por causa da campanha do voto útil, e Simone Tebet (MDB), com 5%, manteve-se na mesma posição que estava. Soraya Thronicke (União Brasil) também manteve-se no 1%.

Esses resultados expurgam votos nulos, brancos e abstenções, como determina a lei eleitoral na hora de proclamar o vencedor. A pesquisa estimulada aponta Lula com 48%, um ponto a mais do que na semana passada; Bolsonaro com 34%, um a mais também. Ciro Gomes com 6%, um a menos; Simone, com os 5% da pesquisa anterior; e Soraya Thronicke (União Brasil), com 1%. Felipe d’Avila (Novo), Sofia Manzano (PCB), Vera Lúcia (PSTU), Léo Péricles, Constituinte Eymael (DC) e Padre Kelmon (PTB) não pontuaram. Votos branco/nulo/nenhum somam 3%, um a menos em relação à pesquisa anterior. Não sabe manteve 2%. Na simulação de segundo turno, Lula derrotaria Bolsonaro por 54% a 39% dos votos, sendo que o presidente da República cresceu um ponto e o ex-presidente parece que bateu no teto. A aprovação do governo caiu 1%, estando em 31%; esse ponto se deslocou para os que consideram o governo regular, que são 24%. A reprovação do governo manteve-se em 44%.

As duas hipóteses (e não, quatro) lembram a famosa teoria do humorista Barão de Itararé. Apparício Torelly era um otimista inveterado, para quem tudo acabaria bem quando a situação parecia a pior possível. O escritor Graciliano Ramos relata essa teoria em Memórias do Cárcere (Record). A tese fundamental era a seguinte: todo fato gera duas alternativas; excluía-se uma, desdobrava-se a segunda em outras duas; uma se eliminava, a outra se bipartia, e assim por diante, numa cadeia comprida. O relato do autor de Vidas Secas, que foi prefeito de Palmeira dos Índios, em Alagoas, serve como uma luva para os paranoicos que temem ser presos num golpe de Estado, caso Bolsonaro perca as eleições:

“Que nos poderia acontecer? Seríamos postos em liberdade ou continuaríamos presos. Se nos soltassem, bem: era o que desejávamos. Se ficássemos na prisão, deixar-nos-iam sem processo ou com processo. Se não nos processassem, bem: à falta de provas, cedo ou tarde nos mandariam embora. Se nos processassem, seríamos julgados, absolvidos ou condenados. Se nos absolvessem, bem: nada melhor esperávamos. Se nos condenassem, dar-nos-iam pena leve ou pena grande. Se se contentassem com a pena leve, muito bem: descansaríamos algum tempo sustentados pelo governo, depois iríamos para a rua. Se nos arrumassem pena dura, seríamos anistiados, ou não seríamos. Se fôssemos anistiados, excelente: era como se não houvesse condenação. Se não nos anistiassem, cumpriríamos a sentença ou morreríamos. Se cumpríssemos a sentença, magnífico: voltaríamos para casa. Se morrêssemos, iríamos para o céu ou para o inferno. Se fôssemos para o céu, ótimo: era a suprema aspiração de cada um. E se fôssemos para o inferno? A cadeia findaria aí. Realmente. Realmente ignorávamos o que nos sucederia se fôssemos para o inferno. Mas ainda assim não convinha alarmar-nos, pois essa desgraça poderia chegar a qualquer pessoa, na Casa de Detenção ou fora dela”.

Segundo turno

Por que as duas hipóteses e não quatro? Porque as pesquisas estão mostrando que não há possibilidade de Bolsonaro passar Lula no primeiro turno, muito menos vencer as eleições já no domingo. Neném Prancha, Antonio Franco de Oliveira, falecido em 1976, que foi roupeiro, massagista, olheiro e técnico do Botafogo, era um filósofo do futebol, segundo o jornalista Armando Nogueira, um botafoguense doente. Dizia que o futebol era um jogo muito simples: “Quem tem a bola ataca; e quem não tem, defende”. Foi o que fez o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas duas últimas semanas, ao mobilizar apoios de intelectuais, economistas, artistas, empresários e juristas, com o objetivo de levar de roldão a eleição, já no primeiro turno. Com 50% dos votos válidos, essa seria a hipótese mais provável, não houvesse o imponderável nos três dias que antecedem o pleito. Não se pode descartar a hipótese do segundo turno.

Por quê? Primeiro, porque o debate na TV Globo de ontem à noite terá impacto no cenário eleitoral, dependendo do desempenho de cada candidato. Segundo, em razão das abstenções, que podem ter causas espontâneas, como os insatisfeitos e desesperançosos com o fracasso da chamada terceira via viajarem no fim de semana, sem a preocupação de voltar a tempo de votar, ou induzidas, por medidas com o objetivo de dificultar o acesso dos eleitores aos locais de votação, reduzindo a circulação ou coibindo o acesso gratuito aos transportes coletivos. Terceiro, a resiliência eleitoral de Ciro, Tebet e Soraya. Quarto, a defasagem da base de dados do IBGE utilizada na montagem do modelo das pesquisas. E se houver segundo turno? Nesse caso, é melhor deixar acontecer para analisar.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-ha-duas-hipoteses-e-nao-quatro-para-lula-e-bolsonaro-no-primeiro-turno/

Nas entrelinhas: O recado que vem dos chilenos

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

Por esmagadora maioria — 61,86% —, os chilenos rejeitaram a proposta de uma nova Constituição, que buscava estabelecer maiores direitos sociais e ampliar a democracia chilena. Apenas 38,14% do eleitorado votaram a favor do texto, com 99,97% da apuração oficial concluída. O resultado surpreendeu o mundo político e a própria mídia chilena. Com o voto obrigatório, 13 milhões de eleitores participaram do plebiscito, cujo objetivo era referendar a nova Constituição, em substituição à Carta de 1980, do regime de Augusto Pinochet, reformada durante o governo de Ricardo Lagos, em 2005.

O “Rechazo” da nova Constituição foi geral, vitorioso, inclusive, na Grande Santiago, onde a esquerda e a centro-esquerda sempre foram maioria. “Esse Chile não é apenas Santiago; não foi uma eleição municipal, para se falar em bairros ricos e pobres. Há um sentimento de unidade nacional que se impôs democraticamente. A esquerda mais identitária (de todos os tipos de identitarismo) fracassou em sua perspectiva hegemônica. Isso não se chama ‘progressismo’, já que parte dos progressistas não apoiou a opção apruebo”, destaca o historiador Alberto Aggio, professor titular de História da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Franca (SP), especialista na política chilena.

Segundo ele, a disjuntiva refundação versus pinochetismo fracassou, porque era uma leitura errada do sentimento da sociedade em seu conjunto. “Não houve, da parte da ‘nova esquerda’, apenas um erro de cálculo, de direção e de voluntarismo; Boric corre um sério risco se não entender o que aconteceu. Sua única opção ‘progressista’ era e ainda é um governo ‘mais amplo’, com apoio da ex- Concertación; permanece o sentimento de elaborar e aprovar uma ‘nova Constituição’, é um sentimento majoritário no país.”

Sua observação é muito importante diante do cenário eleitoral brasileiro, no qual o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é favorito, com uma narrativa voltada para o passado, ou seja, as realizações de seus dois mandatos, e uma agenda opaca em relação ao futuro, como quem deseja assumir o poder com carta branca para promover reformas políticas e institucionais. Ninguém sabe quais são essas reformas, a não ser que sejam deduzidas da autocrítica que o PT fez após o impeachment de Dilma Rousseff, o que não seria um bom sinal.

Agenda identitária

Até agora, a estratégia eleitoral de Lula está fundada no apoio eleitoral das parcelas mais pobres da população e de uma frente de esquerda, que rejeitou alianças ao centro nos maiores colégios eleitorais do país, todas viáveis quando Lula parecia imbatível. O erro da esquerda chilena foi esquecer as lições da crise do governo Allende e do golpe de Pinochet. A Convenção Constitucional autônoma, paritária, externa aos partidos e com uma maioria de independentes, que elaborou a nova Constituição, traduziu o “estallido social” de outubro de 2019 para o texto da nova Carta, na linha de ultrapassagem da democracia representativa, dita burguesa. Foi o erro.

A nova Constituição consagrava a paridade entre homens e mulheres em todos os cargos públicos; um “Estado plurinacional e intercultural”, reconhecendo 11 povos e nações (Mapuche, Aymara, Rapa Nui, Lickanantay, Quéchua, Colla, Diaguita, Chango, Kawashkar, Yaghan, Selk’nam); direito à natalidade e ao aborto autônomos; Estado de bem-estar social, com educação, moradia, saúde, previdência, trabalho; a extinção do Senado e a água como bem inapropriável (a crise hídrica chilena é seríssima). Consagrava a utopia política, mas o passo foi maior do que as pernas.

A vitória de Gabriel Boric, jovem político de esquerda radical, parecia dar uma direção política mais permanente ao processo iniciado em 2019, mas o novo presidente, antevendo as dificuldades, assumiu um perfil mais conciliador, apesar da forte oposição à esquerda. A nova Constituição traduzia o desejo da esquerda chilena de refundar o país, mas essa não é a vontade da maioria dos chilenos. Está posto um novo problema, porque também não se pode voltar à velha Carta de Pinochet.

A situação do Chile serve de advertência para a frente de esquerda que se formou em torno do ex-presidente Lula. O presidente Jair Bolsonaro (PL) faz campanha com uma agenda emergencial, alavanca sua candidatura com o pacote de bondades insustentável fiscalmente. Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB) tentam oferecer alternativas de futuro, sem os mesmos lastros de poder e/ou eleitoral dos que lideram a disputa. A mesma coisa faz Felipe D’Ávila (Novo) e Soraya Thronicke (União Brasil). Lula precisa apresentar sua alternativa para o futuro e rechaçar a veleidade de que o Brasil dará uma grande quinada à esquerda. O que as pesquisas estão mostrando é outra coisa.

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