serra pelada

‘Patrão manda passar motosserra na Amazônia’, diz garimpeiro de Serra Pelada

Reportagem publicada na nova edição da revista Política Democrática online relaciona desmatamento a atividade ilegal

Cleomar Almeida, da Ascom/FAP

A ação de garimpeiros em situação irregular tem aumentado o desmatamento na Amazônia. É o que revela a segunda e última reportagem da série Sonho Dourado: 40 anos depois, publicada na nova edição da revista Política Democrática online. Todo o conteúdo da revista pode ser acessado, de graça, no site da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que produz e edita a publicação.

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A equipe de reportagem da revista Política Democrática online viajou até Serra Pelada, no Sudeste do Pará, e revela como os trabalhadores são explorados como tatus para cavarem crateras atrás de ouro. “Todo mundo sabe que destruir a floresta não é certo. O patrão, que foi quem descobriu o garimpo, é quem manda a gente passar a motosserra de madrugada”, admite um garimpeiro.

A reportagem mostra que, no Pará, o aumento da destruição do meio ambiente tem relação direta com a exploração do ouro, que teve seu auge nos anos 1980. Desde aquela época, segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o Estado perdeu 148,3 mil km² de floresta, o equivalente à área do Ceará.

De agosto de 2018 a julho de 2019, segundo informa a revista Política Democrática online, o Brasil bateu novo recorde do desmatamento na Amazônia nesta década. Os dados são do Inpe. No período, a área desmatada na floresta foi de 9.762 km², o que representa um aumento de 29,5% em relação ao período anterior (agosto de 2017 a julho de 2018), que teve 7.536 km² de área desmatada.

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, atribuiu o aumento do desmatamento à “economia ilegal” na Amazônia, citando o garimpo, a extração de madeira e a ocupação do solo nessa situação. Ele disse que há negociações na esfera governamental para criar uma sede do órgão na Amazônia.

Observatório do Clima considera que “a alta no desmate coroa o desmonte ambiental de Bolsonaro e Salles”. Diz, ainda, que os dados de desmatamento são decorrência direta da estratégia do governo para desmobilizar a fiscalização, engavetar os planos de combate ao desmatamento dos governos anteriores e empoderar, no discurso, criminosos ambientais.

 

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Revista Política Democrática || Reportagem: Um Oásis no meio da destruição

Lago em Serra Pelada está cercado por desmatamento que aumenta com ação de garimpeiros, mostra segunda reportagem da série Sonho Dourado: 40 anos depois

Por Cleomar Almeida, enviado especial

Um lago de 200 metros de profundidade sobrevive como um oásis em meio ao cenário de terra arrasada, em Serra Pelada, no Sudeste do Pará. A ação das chuvas criou o reservatório no mesmo local onde há 40 anos passou a ser aberta uma cratera de 24 mil metros quadrados para exploração do maior garimpo livre do mundo até o final dos anos 1980. Contudo, ao redor do lago, dentro da floresta amazônica, garimpeiros aumentam cada vez mais o desmatamento, já que são explorados para trabalharem como tatus atrás de ouro na região.

No Pará, o aumento da destruição do meio ambiente tem relação direta com a exploração do ouro, que teve seu auge anos 1980. Desde aquela época, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Estado perdeu 148,3 mil km² de floresta, o equivalente à área do Ceará. A maioria dos garimpeiros atua em situação ilegal, como mostrou a primeira reportagem da série Sonho Dourado: 40 anos depois.

Os garimpeiros deixam seus rastros visíveis de destruição ao se embrenharem na floresta em busca do ouro. Derrubam árvores. Acumulam montanhas de terra em cima da vegetação. Com pás, enxadas, picaretas e motosserras, exploram uma área até se esgotar qualquer chance de encontrar o metal. Em seguida, partem para outra região da Amazônia e repetem o mesmo ciclo do desmatamento.

— A gente vem para o garimpo para não passar necessidade, mas todo mundo sabe que destruir a floresta não é certo. O patrão, que foi quem descobriu o garimpo, é quem manda a gente passar a motosserra de madrugada. A gente só obedece, diz um garimpeiro da região que pediu para não ser identificado.

De agosto de 2018 a julho de 2019, o Brasil bateu novo recorde do desmatamento na Amazônia nesta década, de acordo com números oficiais do governo federal divulgados, no dia 18 de novembro, pelo Inpe. No período, a área desmatada na floresta foi de 9.762 km², o que representa um aumento de 29,5% em relação ao período anterior (agosto de 2017 a julho de 2018), que teve 7.536 km² de área desmatada.

O aumento percentual deste ano é o terceiro maior da história. Outros aumentos preocupantes só foram registrados nos anos de 1995 e 1998. Os dados são do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), considerado o mais preciso para medir as taxas anuais.

O Pará é o que mais destruiu a região desde o ano passado, com 3.862 km² de área desmatada. De acordo com o Prodes, foram 39,56% de toda a floresta derrubada. Juntos, os estados do Pará, Rondônia, Mato Grosso e Amazonas foram responsáveis por 84% do total desmatado no período, cerca de 8.213 km².

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, atribuiu o aumento do desmatamento à “economia ilegal” na Amazônia, citando o garimpo, a extração de madeira e a ocupação do solo nessa situação. Ele disse que há negociações na esfera governamental para criar uma sede do órgão na Amazônia. As medidas incluiriam transferência de parte dos órgãos de identificação, monitoramento e pesquisa de biodiversidade e floresta, e o setor de ecoturismo, que faz parte do ministério.

— Os garimpos que foram autuados neste ano foram os mesmos autuados em anos anteriores, o que mostra que essa colocação de que atividades ilegais tenham começado agora por causa de discurso, seja ele qual for, não é verdade, afirmou Salles.

Em menos de um ano de mandato, o presidente Jair Bolsonaro tem repetido discursos de apoio a garimpeiros prometendo legalizar a atividade, enquanto critica os fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e ataca os dados de desmatamento monitorados e divulgados pelo Inpe.

O Observatório do Clima considera que “a alta no desmate coroa o desmonte ambiental de Bolsonaro e Salles”. Diz, ainda, que os dados de desmatamento são decorrência direta da estratégia do governo para desmobilizar a fiscalização, engavetar os planos de combate ao desmatamento dos governos anteriores e empoderar, no discurso, criminosos ambientais.

— O dado divulgado pelo Inpe é o indicador mais importante do impacto da gestão Bolsonaro/Salles para o meio ambiente do Brasil até agora: um imenso desastre. E propostas como legalização da grilagem de terras públicas, mineração e agropecuária em terras indígenas, infraestrutura sem licenciamento ambiental só mostram que os próximos anos podem ser ainda piores”, disse o secretário-executivo do Observatório do Clima, Carlos Rittl.



Ruínas de mineradora canadense mancham paisagem da região

As ruínas de um esquema fraudulento de retomada da exploração do garimpo pioram o cenário de destruição e abandono em Serra Pelada, no Sul do Pará. Excesso de concreto – alguns acumulando água da chuva –, vigas de ferro jogadas por todos os cantos, balcões vazios e túnel desativado dão um sinal do que restou da desenfreada ação humana atrás do ouro na região, de 2008 a 2014.

O novo empreendimento de exploração de ouro foi resultado de uma parceria entre a Cooperativa dos Garimpeiros de Serra Pelada (Coomigasp) e a empresa de mineração Colossus Minerals, do Canadá. A aliança, firmada em 2008, gerou uma terceira empresa, a Serra Pelada Companhia de Desenvolvimento Mineral (SPCDM), detentora da portaria de lavra, documento concedido pelo governo federal que permite a retirada de minério do local.

Na época, a operação de retomada do garimpo foi articulada pelo senador e ex-ministro de Minas e Energia Edison Lobão. A suspeita era de que operação envolvia pagamentos suspeitos a cabos eleitorais dele e empresas - algumas supostamente de fachada - instaladas no Brasil e no Canadá.

Ainda em 2007, como senador, Lobão agiu para que o governo federal convencesse a Vale, até então detentora da mina, a transferir à cooperativa seus direitos de exploração de ouro e outros metais nobres em Serra Pelada. Na época, a Vale submeteu a proposta a seu conselho de administração, que concordou em atender ao pedido de Brasília e, em fevereiro de 2007, assinou um "termo de anuência" repassando à cooperativa dos garimpeiros o direito de explorar a mina principal.

Colossus ingressou na sociedade com 51% de participação na nova empresa. A Coomigasp ficou com 49%. Pouco depois, sempre com a anuência dos diretores da cooperativa ligados a Lobão, a mineradora canadense conseguiu ampliar sua participação para 75%.

Em 2010, a Colossus Minerals encontrou dois depósitos inesperados com alta concentração de ouro e platina no seu projeto de Serra Pelada, no Pará, aumentando as expectativas de que existam mais reservas minerais ainda não descobertas na região. Em 2014, a mineradora fez demissões em massa e comunicou a paralisação das atividades.

— Com certeza tiraram várias toneladas de ouro e os garimpeiros não ficaram com nada. O que estamos pedindo, agora, é para as autoridades investigarem o processo. Queremos que o governo nos ajude a desvendar o que houve aqui, diz o diretor da cooperativa Almir José da Cruz Arantes, que assumiu o cargo após eleição de nova diretoria.

Em nota, a Vale informou que não tem qualquer participação na Colossus. A reportagem não conseguiu contato de representantes da mineradora canadense e de Edison Lobão. O governo federal não se pronunciou.

 


 

Fotógrafo lançará livro com primeiras fotos de garimpo

Serra Pelada é conhecida por fotos históricas de um formigueiro humano dentro da cratera de exploração de ouro. O fotógrafo André Dusek (63 anos), o primeiro profissional brasileiro a registrar essa “cena babilônica”, como ele mesmo a denomina, deve lançar em janeiro um livro com fotografias históricas de Serra Pelada em três épocas: 1980, 1996 e 2019. A previsão dele é de que o lançamento do livro ocorra em Brasília, Florianópolis, São Paulo e Rio de Janeiro.

Dusek conseguiu seu primeiro acesso livre à Serra Pelada, em 1980, enquanto fazia um trabalho para o Correio Braziliense, em outro garimpo, em Conceição do Araguaia, no Sul do Pará. Anos depois, trabalhou também para veículos de circulação nacional, como o Estado de S. Paulo e a revista IstoÉ.

A autorização ocorreu após um encontro rápido com o Major Curió, como ficou conhecido Sebastião Rodrigues de Moura, que ficou conhecido no Norte do país por ter sido o comandante da ação que exterminou a Guerrilha do Araguaia, em 1974. Quando o governo quis “organizar” a exploração do ouro em Serra Pelada, Curió foi destacado como interventor, em maio de 1980. Era a única autoridade civil e militar na região.

Acompanhado de Curió, o fotógrafo chegou de helicóptero a Serra Pelada. Como havia usado boa parte dos filmes de sua máquina fotográfica em outra reportagem, Dusek, que tinha 23 anos na época, seguiu para o maior garimpo a céu aberto do mundo com muito frio na barriga e uma vontade enorme de fotografar todos os detalhes possíveis. Ficou dois dias no local.

— Talvez, seja um dos trabalhos mais importantes da minha vida. Só tinha 5 filmes de 20 poses, ou seja, 100 chapas para fazer as fotos. Tinha mais um filme de 36 fotos coloridas. Essa foto mesma eu só fiz uma, disse ele, referindo-se à fotografia do formigueiro humano na cratera de exploração de ouro.

Em 1981, o fotógrafo fez uma exposição na Aliança Francesa e publicou parte de seu material na revista francesa de fotorreportagem. Fez uma seleção minuciosa e, para o seu novo livro, pretende construir um trabalho que reúna o seu retorno à região nos anos 1996 e 2019.

— No garimpo de ouro, as pessoas ficam obcecadas. É como se estivessem em um jogo. Começam a tirar ouro e não querem parar. Estive lá e presenciei isso, na época.  Foi algo muito emocionante. Não estava ali para procurar ouro, queria era fazer foto boa, conta Dusek.

 


 

Na história

O tenente-coronel Sebastião Rodrigues Moura era um nome pouco conhecido nos garimpos do Pará, nos anos 1980. A mesma pessoa usou nomes falsos durante oito anos: Marco Antônio Luchini e Major Curió. Ele foi agente do Sistema Nacional de Informação (SNI) e comandou as operações oficiais em Serra Pelada. Hoje, aos 81 anos, vive com o auxílio de um profissional de saúde em uma casa no Lago Sul, em Brasília.

Com a promessa de ser a ponte entre garimpeiros e Estado, Curió proibiu a entrada de mulheres, cachaça e armas na zona de trabalho em Serra Pelada. Usou sua popularidade como major da região para chegar ao Congresso. Foi eleito deputado federal pelo Pará, em 15 de novembro de 1982, com 49.529 votos. Sua candidatura foi anunciada em maio daquele ano. Em Brasília, Curió tentou prolongar ao máximo a concessão de direitos ao trabalho manual dos garimpeiros.

Até 1984, o garimpo manual seguiu instável, passando por longos meses de fechamento. Em junho, o governo estendeu por mais cinco anos a chance de trabalho humano nos barrancos de Serra Pelada. Um churrasco com direito a fogos de artifício e à liberação da visita de mulheres foi realizado no povoado. Em entrevista à imprensa, Curió declarava que a questão estava resolvida, ou seja, que a lavra manual seria mantida.

 


Garimpeiros deflagram guerra silenciosa em Serra Pelada, mostra Política Democrática online

Animados por Bolsonaro, exploradores de ouro apostam na legalização da atividade

Em situação ilegal, a maioria dos garimpeiros deflagra entre si uma guerra silenciosa em parte da floresta amazônica, sem qualquer precisão sobre a existência de ouro no local em que operam e sem infraestrutura que diminua o risco de desabamento dos barrancos. Outros já exploram o metal com auxílio de empresas que identificam minas por meio de imagem via satélite. É o que revela reportagem especial da nova edição da revista mensal Política Democrática online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em Brasília. A matéria tem textos e fotos exclusivos.

» Acesse aqui a 12ª edição da revista Política Democrática online

A revista tem acesso gratuito pelo site da fundação. Produzida por equipe de reportagem enviada a Serra Pelada, a 50 quilômetros de Curionópolis, no Sudeste do Pará, a reportagem mostra como as recentes declarações do presidente Jair Bolsonaro (PSL) animam os garimpeiros. Ele tem repetido promessa na mesma linha da que foi feita, em 1980, pelo então presidente João Batista Figueiredo, de legalizar o garimpo.

O consenso entre diversos grupos de garimpeiros é para que Bolsonaro cumpra a promessa. No início deste mês, o presidente criticou a empresa mineradora Vale pela exploração de minérios no país e reforçou seu discurso em defesa dos garimpeiros, que veem a multinacional como uma grande barreira para exercerem a atividade, manualmente.

A reportagem conta histórias de garimpeiros que esteve em Serra Pelada, no auge da febre do ouro, em 1980, mas de onde foram embora desolados, na época, por causa da multidão de pessoas atraídas para a região. É o caso de Antônio Soares, de 69 anos, que voltou para o garimpo no Sudeste do Pará.

Antônio voltou em janeiro. Deixou a família para trás – 17 filhos em Mato Grosso, Maranhão e São Paulo, além de netos e bisnetos – para se unir aos garimpeiros. Sem equipamentos de segurança, eles passam o dia inteiro revezando picareta, cavadeira, enxada e pá. Na minguada disputa pelo ouro, só há intervalo para fazerem uma rápida refeição em fogão à lenha de tijolo, tomar água e dormir, à noite. Ninguém dá detalhes da quantidade de ouro encontrado.

A reportagem também mostra que garimpeiros de Serra Pelada reclamam que a empresa mineradora Vale atrapalha as atividades de exploração manual de ouro que eles realizam no Sudeste do Pará. Desde os anos 1970, segundo líderes locais, a multinacional avançou sobre a área que antes estava demarcada para a atividade da cooperativa. Em nota, a Vale nega e informa que não tem intenção de prejudicar os garimpeiros.

Integram o conselho editorial da revista Alberto Aggio, Caetano Araújo, Francisco Almeida, Luiz Sérgio Henriques e Maria Alice Resende de Carvalho. A direção da revista é de André Amado.

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Revista Política Democrática || Reportagem especial - Serra Pelada vive à míngua do ouro (Parte 1)

Promessa do governo, de legalizar garimpo, reacende a exploração manual na Amazônia, como mostra a primeira das duas reportagens da série Sonho Dourado: 40 anos depois 

Cleomar Almeida

Nas mãos calejadas de Antônio Soares (69 anos), a picareta com cabo de madeira ganha velocidade e avança contra a estrutura rochosa no fundo de um barranco de 70 metros de profundidade que ele e outros garimpeiros abrem em Serra Pelada, no Sudeste do Pará. O suor mina do corpo. O barro vermelho-amarelado ofusca a pele. Eles atuam na clandestinidade em busca de ouro, mas só encontram migalhas na região em que, há 40 anos, teve início o maior garimpo a céu aberto do mundo.

Em situação ilegal, a maioria dos garimpeiros deflagra entre si uma guerra silenciosa em parte da floresta amazônica, sem qualquer precisão sobre a existência de ouro no local em que operam e sem infraestrutura que diminua o risco de desabamento dos barrancos. Para não perderem tempo na corrida pelo ouro, outros já exploram o metal com auxílio de empresas que identificam minas por meio de imagem via satélite.

O consenso entre diversos grupos de garimpeiros é para que o presidente Jair Bolsonaro cumpra a promessa, feita em agosto, de que pretende legalizar os garimpos. No início deste mês, Bolsonaro criticou a empresa mineradora Vale pela exploração de minérios no país e reforçou seu discurso em defesa dos garimpeiros, que veem a multinacional como uma grande barreira para exercerem a atividade, manualmente.

– Minha alma está no garimpo. Aqui tem muita riqueza ainda e não quero que o ouro escorra entre os meus dedos de novo, afirma Antônio, que atua em um barranco perfurado aleatoriamente, enquanto solta um largo sorriso com dois dentes de ouro.

Antônio esteve em Serra Pelada em 1980, mas foi embora no ano seguinte porque diz ter se desanimado pela multidão atraída para a região. Voltou em janeiro. Deixou a família para trás – 17 filhos em Mato Grosso, Maranhão e São Paulo, além de netos e bisnetos – para se unir aos garimpeiros. Sem equipamentos de segurança, eles passam o dia inteiro revezando picareta, cavadeira, enxada e pá. Na minguada disputa pelo ouro, só há intervalo para fazerem uma rápida refeição em fogão de tijolo à lenha, tomar água e dormir, à noite. Ninguém dá detalhes da quantidade de ouro encontrado.

– A gente trabalha para o patrão, que ajuda com o sustento e dá proteção. De vez em quando, aparece uma pepita, mas é coisa miúda, diz o garimpeiro José da Silva (66), que trabalha no mesmo barranco que Antônio.

Entre os garimpeiros, vale a lei do silêncio. No grupo, o olhar de um é suficiente para chamar o outro em um canto afastado. Qualquer comportamento suspeito por parte de algum integrante é recebido pelo garimpeiro-chefe com sinal de advertência. A maioria deles é analfabeta e mora em casas de madeira desgastada, como é predominante em Serra Pelada, aonde as pessoas chegam em lotação após trafegarem 50 quilômetros – 35 deles em estrada de terra – a partir de Curionópolis, a 675 quilômetros de Belém.

Apesar de boa parte deles atuarem em terreno público, garimpeiros que descobrem uma área com potencial de exploração antes dos demais se autodefinem como donos dela e convidam outros para trabalhar, pagando-lhes por meio de diária ou porcentagem do total de ouro achado. Eles reproduzem um código próprio do garimpo, semelhante ao que existia na década de 1980, quando foram extraídas 42 toneladas do metal na região. Na época, Serra Pelada atraiu 100 mil pessoas. Hoje, tem oito mil moradores.

O garimpeiro Jó Borges da Silva (33) opera em uma mina conhecida como mais bem organizada e identificada com auxílio de uma empresa de monitoramento de imagem via satélite. Na cabeça, usa um capacete improvisado e passa o dia explorando ouro em um barranco de 80 metros de profundidade com as laterais protegidas por estrutura de madeira. Usada para puxar as pedras de dentro do buraco, uma gangorra com corda grossa também serve como elevador improvisado dos garimpeiros.

– Meu sonho é achar uma pepita de 30 quilos, maior que a minha cabeça. A maior que já achei aqui tem dois gramas. Quero terminar de construir minha casa em Eldorado dos Carajás. Comecei há três anos e nunca consegui terminar, conta Jó.

O sonho dele corresponde à metade do peso da maior pepita identificada em Serra Pelada e que fica exposta no Museu de Valores do Banco Central, em Brasília. Em 1983, o garimpeiro Júlio de Deus Filho encontrou a pepita Canaã (de 60,8 quilos no total, dos quais 52,3 quilos são de ouro). É a maior parte de uma pedra de quase 150 quilos, que se partiu em vários pedaços quando foi retirada do solo.

O garimpeiro Antônio da Cruz Arantes (59), que se apresenta como proprietário de um dos garimpos identificados por imagem via satélite em Serra Pelada, pretende expandir o negócio e torce para que tenha apoio do Governo Federal. Enquanto faz o processo de lavagem da terra para separar o ouro em uma bateia, ele mostra onde vai instalar um britador próximo ao pequeno barranco.

– Em poucos dias, vamos colocar esta estrutura para funcionar e aqui já queremos separar o ouro o máximo possível. O garimpo está quase vencido, mas a proposta de Bolsonaro vem reacender o sonho de milhares de garimpeiros que esperam pelo funcionamento do garimpo de Serra Pelada, que está adormecido desde os anos 1990, diz Antônio.

Assim como outros trabalhadores da região, o garimpeiro dos dois dentes de ouro torce para que a atividade seja legalizada e que o governo promova ampla discussão com a sociedade, além de ter mais controle sobre a área para coibir a exploração indevida de minérios e mão de obra. Seu maior desafio é, como disse, não deixar o ouro escorrer pelos dedos, como ocorreu quando esteve em Serra Pelada pela primeira vez.

– Não sei se estarei vivo, mas tomara que isso tudo melhore. Vai que eu consiga completar os dentes de ouro da minha boca. Mas, para falar a verdade, não quero, não, porque depois me matam só para roubar os dentes.



Garimpeiros e mineradora Vale acirram briga
Garimpeiros de Serra Pelada reclamam que a empresa mineradora Vale atrapalha as atividades de exploração manual de ouro que eles realizam no Sudeste do Pará. Desde os anos 1970, segundo líderes locais, a multinacional avançou sobre a área que antes estava demarcada para a atividade da cooperativa. Em nota, a Vale nega e informa que não tem intenção de prejudicar os garimpeiros.

Diretor da Cooperativa de Mineração dos Garimpeiros de Serra Pelada (Coomigasp), Almir José da Cruz Arantes diz que a Vale expandiu seu campo de atuação após a descoberta de ouro por parte de um grupo de garimpeiros na região. A empresa informa que não é contra a exploração de minério realizada por pequenos garimpeiros e que cedeu à cooperativa o título minerário de ouro.

A cooperativa também reclama que a Vale construiu em cima da pista de pouso do garimpo uma estrada de escoamento de produção de minério de ferro da mina da unidade de Serra Leste. Segundo os garimpeiros, a obra teve como objetivo atrapalhar a logística de exploração de minério por parte deles e a chegada de pessoas em pequenos aviões.

A Vale informa que construiu a estrada em 2015, com o devido cumprimento do que estabelece a legislação brasileira e licenciamento ambiental junto ao órgão competente. A atividade, segundo a empresa, contribui para o desenvolvimento de Curionópolis, do qual Serra Pelada é distrito, com a geração de empregos, arrecadação e a dinamização da economia local.

Somente em 2018, segundo a mineradora, a operação de Serra Leste gerou R$ 17,3 milhões à União, ao Estado e ao município. Deste total, acrescenta, Curionópolis recolheu R$ 10,4 milhões em Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais. A Vale diz que, no Pará, desenvolve atividades diversificadas de mineração, com produção de ferro, cobre, níquel e manganês e também atividade logística, por meio da Estrada de Ferro Carajás.

 



BLOCO | NA HISTÓRIA

Em outubro de 1977, o então presidente da Companhia Vale do Rio Doce, que tinha direitos sobre a jazida, confirmou a existência de ouro na Serra dos Carajás. Em 21 de maio de 1980, o Governo Federal promoveu uma intervenção na área. No ano seguinte, os depósitos de ouro na superfície se esgotaram e a Vale tentou reaver a posse da área. Na época, interesses eleitorais, porém, levaram o governo a fazer obras para prorrogar a extração manual, já que havia 80 mil garimpeiros na área. Em 1984, a Vale recebeu indenização de US$ 59 milhões.

Diante da queda do volume da extração no final dos anos 1980, o governo, em março de 1992, não renovou a autorização de 1984, e o garimpo voltou a ser concessão da Vale. Em 1996, os garimpeiros restantes invadiram a mina, mas uma operação do Exército e da Polícia Federal pôs fim à obstrução de 171 dias nos acessos a Serra Pelada.


 

25% do ouro produzido no Brasil é ilegal, diz agência
A Agência Nacional de Mineração (ANM) estima que até 25% de ouro produzido no país é ilegal. Em média, segundo a autarquia, o volume da produção do minério chega a 80 toneladas por ano. Desse total, 20 toneladas estariam em situação irregular. A agência não informou se fiscaliza regiões de garimpo para evitar a exploração ilegal de minério e com qual frequência.

Segundo relatório da agência, os estados com maiores reservas de ouro são Pará, Minas Gerais, Bahia, Goiás e Mato Grosso. A ANM também informa que concedeu 2.394 Permissões de Lavra Garimpeira (PLGs) no país. Desse total, 1.711 são para exploração de ouro. O documento, emitido pela autarquia, é a autorização do garimpo.

Para legalizar um garimpo, primeiramente tem de ser observado se a área está livre, ou seja, não onerada por título de lavra, por questão de conservação ambiental ou outro motivo, como barragens de água e linhas de transmissão de energia. Se estiver onerada, deve-se verificar a possibilidade de solução do conflito, como a cessão parcial da área. Depois, é preciso providenciar o título autorizativo de lavra.

Segundo a ANM, a exploração ilegal de minério pode ser verificada em diversas situações. Entre elas, a inexistência do título autorizativo ou de licença ambiental, inobservância das normas regulamentares, lavra ambiciosa pelo não aproveitamento racional e condições operacionais inseguras e insalubres.

A agência não informou se realiza investimentos em monitoramento por satélite para identificação de jazidas de ouro no país, assim como fazem alguns pequenos garimpeiros da região de Serra Pelada. A ANM alega que depende de denúncias para apurar os casos de garimpos ilegais e saber quantos foram registrados no país.