ruptura democrática

João Gabriel de Lima: 'Nossa democracia não pode ser abalada por radicais'

Democracia brasileira, vibrante, batizada nas ruas, não pode ser abalada por radicais

João Gabriel de Lima, O Estado de S.Paulo

O batismo de nossa democracia se deu nas ruas, com a campanha das Diretas-Já. De lá para cá, as manifestações se incorporaram ao cotidiano de nossa vida política. Manifestações que costumam ser civilizadas na forma – até para o padrão de regimes de liberdade mais maduros, como França e Estados Unidos – e democráticas no conteúdo. Protestamos contra a inflação, por sistemas de saúde e educação “padrão Fifa” e por leis mais duras de combate à corrupção – ou seja, pelo aprofundamento dos aspectos sociais e éticos de nossa democracia. 

Se as ruas foram a pia batismal do nosso regime de liberdade, a certidão de nascimento foi a Constituição de 1988. Mesmo com algumas contradições, ela nos desafia a implantar um Estado de bem-estar social. Além disso, ao passar o poder para as mãos dos civis, nossa Constituição estabelece de forma clara o papel dos militares. Em seu livro Dano Colateral, a jornalista Natalia Viana lembra como foi redigido o artigo sobre a “Garantia da Lei e da Ordem”. No texto fica claro que o Exército não é um “poder moderador”, podendo atuar apenas quando convocado por poderes civis. 

Nos últimos anos, o Brasil colecionou notas altas nos rankings internacionais de democracia liberal, como Freedom House e V-Dem. “Democracia” significa implementar a “vontade do povo” por meio de eleições. O termo “liberal”, em sua acepção política, se refere à garantia dos direitos e ao primado das leis. Nenhum governante eleito, em nome da “vontade do povo”, pode agir contra as leis e os direitos estabelecidos na Constituição. 

Infelizmente, há quem pense de forma bem diversa. Uma pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, destacada em manchete na quinta-feira pelo Estadão, mostra que a adesão a teses como o fechamento do Congresso e a prisão de ministros do Supremo Tribunal Federal aumentou 29% entre policiais militares. Pode-se criticar decisões de parlamentares ou juízes do Supremo, mas nada justifica tais teses, antidemocráticas em essência. O Congresso, um poder eleito, é a expressão mais plural da “vontade do povo”, e a Corte suprema é a guardiã do pilar “liberal” – o dos direitos – em qualquer democracia. 

Jair Bolsonaro deu declarações dúbias sobre o 7 de Setembro, dando munição a quem fala em tentativa de golpe – como o presidente do PSD, Gilberto Kassab. Natalia Viana – que hoje vive em Boston, num período de estudos na Universidade Harvard – não acredita que o Exército embarque em qualquer aventura autoritária. Ela conversou com vários generais na confecção de seu livro sobre militares e política, e é a entrevistada do minipodcast da semana. 

Em manifestações recentes, lideranças do Exército externaram uma postura legalista, ecoando movimentos da sociedade civil. Centrais sindicais, associações de bancos e do agronegócio elaboraram manifestos defendendo a democracia. O governo tratou tais entidades como antagonistas, pressionando os signatários dos textos. “O clamor por responsabilidade e harmonia institucional é visto pelo Palácio do Planalto como radical oposição aos planos do bolsonarismo”, escreveu o Estadão em editorial. 

Os últimos monitoramentos de redes sociais rastrearam um recuo do discurso autoritário. É uma boa notícia. Nossa democracia vibrante, nascida com uma Constituição e batizada nas ruas, não pode ser abalada por radicais sem compromisso com nenhuma das duas – nem com a Constituição, nem com a democracia. 

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,as-ruas-a-democracia-e-o-7-de-setembro,70003831122


Miguel Reale Júnior: Estabilidade e terceira via

Cumpre exigir dos presidenciáveis um só caminho do centro, em prol do Brasil

Miguel Reale Júnior / O Estado de S. Paulo

No início do mês passado foi publicado manifesto assinado por figuras importantes da nossa sociedade como intelectuais, economistas, empresários, banqueiros, líderes religiosos. Desse documento destaco: “A sociedade brasileira é garantidora da Constituição e não aceitará aventuras autoritárias”.

Em meados de agosto, o presidente da República enviou ao Senado Federal pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Em documento enviado ao presidente do Senado por ex-ministros da Justiça e da Defesa, propunha-se o arquivamento imediato do pedido como “caminho que evite constrangimento indevido e conduza ao apaziguamento dos ânimos e à reafirmação do respeito e da confiança no Poder Judiciário e no Estado de Direito”.

A Febraban, com apoio de 300 entidades, organizou manifesto a ser publicado pela Fiesp, que à última hora, constrangedoramente, recuou de dá-lo a público. Mas a Febraban e as demais entidades reafirmam esse texto, em nada agressivo ao governo, pois sua tônica é a defesa da democracia, como se pode ver no parágrafo a seguir.

“As entidades da sociedade civil que assinam este manifesto veem com grande preocupação a escalada de tensões e hostilidades entre as autoridades públicas. O momento exige de todos serenidade, diálogo, pacificação política, estabilidade institucional.”

Setor fundamental da economia brasileira, que tem mantido as exportações e o crescimento do PIB nacional, o agronegócio, por intermédio de seis entidades, a começar pela Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), em posição firme, ao contrário da pusilanimidade da Fiesp, deu publicidade a documento incisivo acerca do instante movediço vivido no País. E enfatizou “sua preocupação com os atuais desafios à harmonia político-institucional e como consequência à estabilidade econômica e social em nosso país. As amplas cadeias produtivas que representamos precisam de estabilidade, segurança jurídica, harmonia para poder trabalhar”.

A sociedade brasileira, que assistia atônita às representações diárias de irracionalidade do sr. presidente, muitas vezes verbalizadas de forma chula, percebeu os riscos da criação artificial de confrontos promovida pelo mandatário. Esses antagonismos deixaram de ser em face de partidos e de pessoas, e passaram a ser em vista de instituições da democracia, criando um clima de grande insegurança.


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Os agentes econômicos dos mais diversos setores expressam agora o sentimento principal que preside o nosso cotidiano: a sociedade brasileira está cansada de guerras inventadas que sinalizam a necessidade falsa da adoção de medidas totalitárias, pois se quer, antes de tudo, estabilidade.

Por isso, a tônica das manifestações está na extrema preocupação com a escalada de tensões e hostilidades entre as autoridades públicas, clamando-se pelo apaziguamento dos ânimos, pelo diálogo, pela pacificação política.

A democracia deve defender a si mesma, para que a liberdade não seja usada para destruir a liberdade de todos. Numa democracia militante defende-se não incrementar conflitos, principalmente de modo artificial, confundindo maliciosamente a liberdade de expressão com a liberdade de agressão, como agora pretende Bolsonaro ao convocar para os atos de 7 de setembro.

Esses manifestos das forças econômicas proclamam: precisamos “de estabilidade, segurança jurídica, harmonia para poder trabalhar”. Ao mesmo tempo reafirmam seu compromisso com o Estado de Direito, declarando: “A sociedade brasileira é garantidora da Constituição e não aceitará aventuras autoritárias”. É demonstração veemente de estarmos numa democracia militante, a tal ponto que a própria sociedade se apresenta como asseguradora da ordem constitucional.

Certamente não será a argumentação melíflua do presidente da Câmara dos Deputados aos ouvidos solícitos do presidente da Fiesp que vai desfazer a realidade tão bem desenhada no manifesto da Febraban, ou seja: o risco contínuo de instabilidade com Bolsonaro no poder.

A intensa preocupação atual dos agentes econômicos e o pavor dos desempregados mostram como é temível a reeleição de Bolsonaro. Impõe-se, então, pensar com maior determinação numa terceira via que responda a esses anseios de paz, de estabilidade e de visualização do futuro.

Os subscritores dos recentes manifestos em prol do Estado de Direito devem se pôr em campo para exigir que os presidenciáveis do centro, após a legítima apresentação de sua ambição de ocupar a Presidência, venham a encontrar, dentre eles, alguém que aglutine e constitua governo conjunto, em torno de um só nome, como se fez na eleição de 1985, quando Ulysses e Montoro abdicaram da condição natural de candidatos em favor de Tancredo, o qual teria, mais que eles, condição de compor diversos setores políticos a seu favor.

Há tempo, mas cumpre a todos se debruçarem nessa tarefa de exigir dos presidenciáveis a criação de um só caminho do centro democrático, em prol do Brasil.

*Advogado, professor titular sênior da faculdade de direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi ministro da Justiça

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,estabilidade-e-terceira-via,70003830873


Ministros do TSE avaliam hipótese de Bolsonaro ficar inelegível

Magistrados discutem nos bastidores estratégia jurídica que pode tirar presidente da disputa em caso de risco de ruptura; atos do 7 de Setembro podem ser usados como prova

Weslley Galzo e Lauriberto Pompeu, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – Ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) discutem uma estratégia jurídica que pode deixar o presidente Jair Bolsonaro inelegível para a eleição de 2022. O cerco judicial está se fechando a partir de um inquérito administrativo instaurado no TSE em resposta a uma transmissão ao vivo realizada pelo presidente, em julho, acusando o tribunal, sem provas, de fechar os olhos para evidências de manipulação em urnas eletrônicas. 

Na visão desses magistrados, a depender do que acontecer e o tom adotado por Bolsonaro em seus discursos, os atos de 7 de Setembro poderão fornecer ainda mais provas contra o chefe do Executivo. O entendimento prévio é de que, uma vez configurado algum crime, o presidente poderá ter sua candidatura negada pela Justiça Eleitoral no ano que vem. 

A estratégia da inelegibilidade é discutida nos bastidores para ser usada apenas em caso extremo, de risco efetivo de ruptura institucional, uma vez que, na avaliação de políticos, iniciar agora um processo de impeachment, a um ano e dois meses das eleições, seria tão traumático quanto inviável. Na ocasião em que foi aprovada a investigação no TSE, também foi determinado o envio de notícia-crime contra o presidente ao Supremo Tribunal Federal (STF), que foi aceita e incorporada ao inquérito das fake news. 

Apesar de a discussão sobre o cerco jurídico avançar nos bastidores, a medida que pode dar base a uma eventual inelegibilidade de Bolsonaro é reconhecida pelos próprios ministros como pouco convencional. A Justiça Eleitoral nunca havia aberto ação parecida, por isso o discurso adotado é de que a alternativa só seria acionada em caso concreto de risco à ordem constitucional. Por outro lado, um ministro do TSE argumenta, em caráter reservado, que nunca houve um ataque tão frontal ao sistema eleitoral como agora e que, por isso, é preciso reagir. 

Ameaçados de forma reincidente por Bolsonaro, essa foi a infantaria que os integrantes das mais altas Cortes da Justiça brasileira encontraram para preparar o contragolpe. “Se você quer paz, se prepare para a guerra”, disse Bolsonaro na quarta-feira, em cerimônia da Marinha no Rio. Ontem, mantendo o tom de ameaça, o presidente garantiu que os atos de 7 de Setembro serão um “ultimato” a ministros do STF. Os principais alvos de Bolsonaro são Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, atual presidente do TSE, autores de decisões recentes que desagradaram ao Palácio do Planalto, como a prisão de bolsonaristas. 

Em resposta às ameaças de Bolsonaro, o presidente do STF, Luiz Fux, fez um duro discurso anteontem, ao afirmar que a Corte não vai tolerar ataques à democracia, em referência aos atos do dia 7. “Num ambiente democrático, manifestações públicas são pacíficas; por sua vez, a liberdade de expressão não comporta violências e ameaças”, disse. Bolsonaro pretende discursar no feriado pela manhã, em Brasília, e seguir com comitiva para fazer o mesmo em São Paulo, à tarde.  


Posse do Procurador-Geral da República, Augusto Aras. Foto: Isac Nobrega/PR
Sabatina do PGR Augusto Aras na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
Sabatina do PGR Augusto Aras na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Foto: Roque de Sá/Agência Senado
Sabatina do PGR Augusto Aras na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
Sabatina do PGR Augusto Aras na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
Sabatina do PGR Augusto Aras na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Foto: Roque de Sá/Agência Senado
Sabatina do PGR Augusto Aras na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Foto: Roque de Sá/Agência Senado
Sabatina do PGR Augusto Aras na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
Sabatina do PGR Augusto Aras na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Foto: Roque de Sá/Agência Senado
Sabatina do PGR Augusto Aras na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
Novo procurador-geral da República, Augusto Aras, fala à imprensa no Palácio do Planalto depois da posse. Foto: José Cruz/Agência Brasil
Novo procurador-geral da República, Augusto Aras, fala à imprensa no Palácio do Planalto depois da posse. Foto: José Cruz/Agência Brasil
Posse do Procurador-Geral da República Augusto Aras. Foto: José Cruz/Agência Brasil - 26/09/2019
Posse do Procurador-Geral da República Augusto Aras. Foto: José Cruz/Agência Brasil - 26/09/2019
Posse do Procurador-Geral da República Augusto Aras. Foto: José Cruz/Agência Brasil - 26/09/2019
Posse do Procurador-Geral da República Augusto Aras. Foto: José Cruz/Agência Brasil - 26/09/2019
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Posse do Procurador-Geral da República, Augusto Aras. Foto: Isac Nobrega/PR
Sabatina do PGR Augusto Aras na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
Sabatina do PGR Augusto Aras na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Foto: Roque de Sá/Agência Senado
Sabatina do PGR Augusto Aras na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
Sabatina do PGR Augusto Aras na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
Sabatina do PGR Augusto Aras na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Foto: Roque de Sá/Agência Senado
Sabatina do PGR Augusto Aras na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Foto: Roque de Sá/Agência Senado
Sabatina do PGR Augusto Aras na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
Sabatina do PGR Augusto Aras na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Foto: Roque de Sá/Agência Senado
Sabatina do PGR Augusto Aras na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
Novo procurador-geral da República, Augusto Aras, fala à imprensa no Palácio do Planalto depois da posse. Foto: José Cruz/Agência Brasil
Novo procurador-geral da República, Augusto Aras, fala à imprensa no Palácio do Planalto depois da posse. Foto: José Cruz/Agência Brasil
Posse do Procurador-Geral da República Augusto Aras. Foto: José Cruz/Agência Brasil - 26/09/2019
Posse do Procurador-Geral da República Augusto Aras. Foto: José Cruz/Agência Brasil - 26/09/2019
Posse do Procurador-Geral da República Augusto Aras. Foto: José Cruz/Agência Brasil - 26/09/2019
Posse do Procurador-Geral da República Augusto Aras. Foto: José Cruz/Agência Brasil - 26/09/2019
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PGR

Diferentemente de investigações criminais contra Bolsonaro em curso no Supremo, o inquérito administrativo no TSE é considerado uma alternativa mais viável por não depender exclusivamente de denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), comandada por Augusto Aras

Neste caso, além do Ministério Público Federal (MPF), partidos políticos possuem legitimidade para oferecer representação contra a candidatura do presidente; e será o próprio TSE quem julgará esses pedidos. O único requisito é que apresentem provas de que Bolsonaro cometeu crimes eleitorais. 

O inquérito administrativo é comandado pelo corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Luis Felipe Salomão, e atualmente está na fase da coleta de provas. Ele é chamado de “Plano C” por aqueles que conhecem o seu teor, justamente por reunir evidências que podem ser usadas por partidos para contestar o registro da candidatura de Bolsonaro. A apuração compõe o cerco judicial com outras duas ações de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão no TSE, além de quatro inquéritos no STF que apuram crimes comuns do presidente. 

O foco da investigação eleitoral é constatar se Bolsonaro praticou “abuso do poder econômico e político, uso indevido dos meios de comunicação, corrupção, fraude, condutas vedadas a agentes públicos e propaganda extemporânea”. 

A lei que regula os registros de candidatura afirma que serão inelegíveis os candidatos que “tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral”, com condenação em processo que investigue “abuso de poder econômico e político”. Caso o plano seja colocado em prática, Bolsonaro ficaria impedido de disputar eleições por oito anos. 

Rubens Beçak, professor de direito constitucional e eleitoral da Universidade de São Paulo (USP), avalia que o teor subjetivo da lei de inelegibilidade ao definir condutas abusivas permite a interpretação formulada por membros do TSE. Ele pondera que sua aplicação é temerária por não haver precedentes e abrir espaço para contestações. “Dá muito mais higidez ao processo a participação do PGR, mas existe essa outra interpretação e ela parece muito plausível. Quem está pensando em fazer o inquérito pelo TSE, provavelmente, está pensando em dar uma rapidez maior e afastar a influência política do PGR recém reconduzido”, afirmou. “Seria um procedimento completamente heterodoxo, porque isso nunca aconteceu dessa forma. Isso vai criar um precedente tremendo para que possa ser usado contra outros presidentes candidatos à reeleição. Dá um poder desproporcional à Justiça Eleitoral.” 

Fake news

Parte dos ministros do STF avalia que o inquérito das fake news também poderia ser um caminho para frear Bolsonaro por possuir amplo potencial incriminatório, mas o entendimento é de que é nula a possibilidade de Aras apresentar denúncia contra o presidente. 

O atual PGR já expressou nos bastidores o desejo de ocupar uma vaga no STF e, caso seja mantida a fidelidade a Bolsonaro, poderá ser ele o escolhido para substituir o ministro Gilmar Mendes a partir de 2023, na eventual reeleição do presidente. Na vaga aberta neste ano, Aras foi preterido por André Mendonça, que agora enfrenta a resistência de senadores para tomar posse do cargo.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,ministros-tse-avaliam-hipotese-bolsonaro-inelegivel,70003831145


Embaixadores estrangeiros relatam ameaças de ruptura no Brasil

Investidas de Bolsonaro mobilizam diplomatas de democracias; governo Biden ressalta importância de não desacreditar eleições

Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – Seis de agosto. O presidente Jair Bolsonaro chamou o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de “filho da p...”. Seis de maio. Bolsonaro disse que sem voto impresso, não tem eleição. As investidas autoritárias do brasileiro contra as eleições de 2022, ameaças à Constituição, a tentativa de destituir ministros do Supremo Tribunal Federal e exibições bélicas mobilizaram diplomatas de grandes democracias para relatar e monitorar o risco de ruptura no Brasil. 

Com foco desde o início do governo na política antiambiental de Bolsonaro e no entrave ao acordo comercial com o Mercosul, as análises e informes diários sobre o Brasil enviadas por delegações da União Europeia e dos Estados Unidos aos seus países passaram a dar espaço à agenda da “política doméstica”. Telegramas enviados a suas capitais citam os ataques cada vez mais frequentes de Bolsonaro às regras do jogo democrático. Somente em julho, foram sete ameaças golpistas. 

Nos últimos dias, o Estadão ouviu diplomatas das principais embaixadas estrangeiras no País. A avaliação é que, apesar das ameaças do presidente e do respaldo que ele encontra no Ministério da Defesa e da ala militar do seu governo, as instituições são sólidas e o risco de uma ruptura democrática no País é considerado zero. O que não significa desprezar os fatos. 

É certo que as eleições de 2022 vão provocar o acirramento da crise política, mantido o atual cenário de polarização entre Luiz Inácio Lula da Silva e Bolsonaro. Entre embaixadores ouvidos não se descarta que se repita aqui uma “invasão do Capitólio”, caso o presidente saia derrotado. 

Os sinais mais claros de abalo na confiança da estabilidade no Brasil vieram de Washington. O presidente Joe Biden despachou a Brasília uma missão liderada por Jake Sullivan, assessor para Segurança Nacional da Casa Branca, tendo a defesa da democracia como tema-chave. “Em reunião com o presidente Bolsonaro, argumentamos que não temos preocupação com a realização de eleições livres e justas”, declarou à imprensa Juan González, diretor sênior no Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca. “E ressaltamos a importância de não desacreditar o processo eleitoral, porque não há indícios de fraude em eleições anteriores.” 

Américas

A viagem do conselheiro de Biden, que também foi a Buenos Aires, na Argentina, ocorreu na esteira de turbulências e mudanças na América Latina: a repressão na Nicarágua, o assassinato do presidente no Haiti, protestos históricos contra governos de esquerda e de direita, como os registrados em Cuba e na Colômbia; alternância de poder com retorno da esquerda em países andinos como Peru Bolívia, além de reforma constitucional no Chile

O risco de rupturas levou a Casa Branca a convocar uma Cúpula para a Democracia, a ser realizada de forma virtual em dezembro e com uma segunda edição, presencial, em 2022. A pauta principal foca na defesa contra o autoritarismo; o combate à corrupção; e a promoção do respeito aos direitos humanos – três temas em que Bolsonaro coleciona retrocessos. Até agora, não houve convite formal ao presidente brasileiro. 

Desde que Biden foi eleito, ele e Bolsonaro nunca se falaram, nem mesmo por telefone. Só trocaram cartas. Um contraponto à relação do brasileiro com Donald Trump. 

A percepção de integrantes do corpo diplomático internacional em Brasília coincide com a de funcionários experientes do Itamaraty. Um diplomata brasileiro com anos de atuação na Europa e Nova York afirma que a repercussão está “negativíssima”. 

‘República de Bananas’

Ele cita o fato de o jornal inglês The Guardian ter comparado a exibição de blindados promovida na Praça dos Três Poderes a uma parada militar de “República de Bananas”. “Isso só se equipara à alegação daquele diplomata israelense que, anos atrás, chamou o Brasil de ‘anão diplomático’, sem razão. Agora há fatos que corroboram; o Guardian não fez isso a toa”, opina o embaixador. 

A reportagem ouviu considerações de um representante da Índia, país asiático que é a maior democracia do mundo e usa urnas eletrônicas em pleitos com 900 milhões de eleitores. Para ele, a escalada de embates internos não é boa. Esse diplomata, com trânsito no Planalto, pondera que países usam a pauta das ameaças à democracia como instrumento de pressão, mas se esquivam de discutir algo que ocorre em todo o globo – a ascensão da extrema-direita. O governo do primeiro-ministro indiano Narendra Modi é alinhado a Bolsonaro. 

À frente de uma tentativa de reposicionar o Brasil, o chanceler Carlos França não considera haver motivo para receios, conforme disse ao Estadão. Para o embaixador, o funcionamento pleno das instituições nacionais é facilmente constatável pelos diplomatas estrangeiros. 

“As coisas se mostram a si mesmas. Você olha o céu hoje e pensa ‘acho que vou sair sem guarda-chuva’. Não precisa muito explicar”, afirmou ele. O ministro não quis comentar o impacto das declarações do presidente, mas disse que “não acredita” que abalem a imagem democrática do País. 

“O Brasil é uma democracia vibrante, que dá lição ao mundo no hemisfério sul, com as instituições funcionando, passando reformas estruturantes, Judiciário funcionando, Ministério Público livre e uma liberdade de imprensa que vejo em poucos lugares”, afirmou o ministro, que aposta na participação de Bolsonaro na cúpula de Biden. “Não há por que duvidar que, numa cúpula sobre democracia, o Brasil não seja convidado.” 

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,embaixadores-estrangeiros-relatam-ameacas-de-ruptura-no-brasil,70003817849