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Míriam Leitão: Do liberalismo ao antiliberalismo

Não há méritos na gestão Rubem Novaes no Banco do Brasil, mas sua saída revela que há planos no governo de aumentar a influência estatal sobre a instituição

O problema da equipe econômica do governo Bolsonaro não é se está ou não havendo debandada ou que a pauta liberal está sendo arquivada. É pior. Agora segue-se uma pauta antiliberal. A Caixa Econômica virou um braço do bolsonarismo e parte da propaganda oficial. O Banco do Brasil já fez concessões que deveriam corar qualquer liberal, porque a instituição de economia mista passou a ter ingerência direta do governo até nas decisões de marketing. E tem ainda os ensaios de pedaladas. O governo consultou o Tribunal de Contas da União (TCU) se pode fazer investimento em infraestrutura contornando o teto de gastos, e na semana passada o Congresso evitou que o teto fosse burlado.

A saída de Rubem Novaes tem que ser vista de duas formas. Ele permitiu a interferência do governo na instituição, mas quando ele sai revela-se que há mais tentativa de intervenção. Não há mérito em sua gestão, mas a saída mostra que há planos de entrar mais fundo nesse modelo que impõe ao banco a presença governamental.

A Caixa foi beneficiada com o monopólio da distribuição do auxílio emergencial, fez um trabalho cheio de falhas e aproveita cada espaço para afirmações de exaltação bolsonarista como “nunca na história da humanidade”. É a figurinha mais repetida do álbum das lives presidenciais. Uma coisa é o presidente Bolsonaro fazer o seu marketing, outra é usar os bancos públicos como parte dessa estratégia ou como tentáculos do governo. É uma estratégia claramente antiliberal.

O TCU, que Novaes definiu como “usina de terror”, na verdade fez seu trabalho de órgão de controle que é. O relatório do ministro Bruno Dantas, referendado pelo Tribunal no dia 27 de maio, vai diretamente ao ponto. A gestão de Novaes na área da comunicação do banco foi considerada gravíssima pelo tribunal, que disse estar havendo por parte do acionista controlador, no caso o governo, ingerência sobre uma instituição financeira com ações em bolsa. O BB vinha anunciando em sites que divulgavam fake news. Suspendeu, depois do alerta, mas voltou atrás por pressão do vereador Carlos Bolsonaro. O TCU ressaltou a fragilidade da governança do banco e lembrou as orientações da OCDE, “no sentido de que as empresas estatais tenham liberdade para atuar e não se submetam a ingerências indevidas do governo ou mesmo de familiares do chefe do poder executivo, à mingua de orientação técnica que justifique essa interferência”. Esse episódio, ressaltado pelo tribunal, se soma ao veto do presidente a uma propaganda onde havia jovens negros e descolados e que já estava no ar. Novaes não apenas a tirou do ar, como defendeu a posição de Bolsonaro.

O TCU lembrou também que no primeiro ano de Novaes no Banco do Brasil, apesar da prometida austeridade, ele gastou R$ 119 milhões com publicidade na internet e com uma escolha muito controversa de sites, como se viu. Houve outras polêmicas na sua gestão. Ele nunca defendeu os ideais liberais, na prática aceitou a intervenção, mas dizia que seu sonho era privatizar o banco. Poderia ter começado evitando que a instituição fosse usada pelo governo de plantão.

Bolsonaro jamais defendeu uma única proposta liberal, mas Paulo Guedes e todos os outros economistas que trabalharam no comitê de campanha, como Rubem Novaes, transplantaram para dentro do programa vazio do então candidato do PSL um rio de promessas. Não as entregou. Isso não surpreende quem não cedeu ao autoengano. Mas agora o risco é fazer o exato oposto do prometido e seguir uma agenda antiliberal com o objetivo eleitoreiro. Naquela famosa reunião ministerial, o ministro Paulo Guedes falou claro: “vamos fazer todo o discurso da desigualdade, vamos gastar mais, precisamos eleger o presidente.”

Está sendo formatado o novo programa — que eles chamam de Renda Brasil — para preencher o vazio de política social na gestão de Bolsonaro. Pelo visto, é o passo final da politização da economia. A pandemia empobreceu os pobres, será necessário ampliar o Bolsa Família e fortalecer as políticas sociais, mas tem que ser com um debate contábil transparente, com limites fiscais definidos e sem o uso dos recursos públicos para um projeto político que, além de tudo, nunca escondeu sua convicção autoritária.


Bernardo Mello Franco: Saída à francesa

Rubem Novaes abriu a torneira do Banco do Brasil para financiar blogs bolsonaristas. A três semanas de deixar o cargo, vendeu uma carteira bilionária ao BTG

Rubem Novaes falou muito durante o ano e meio em que ocupou a presidência do Banco do Brasil. Na sexta-feira, escreveu apenas dez linhas para anunciar sua renúncia ao cargo.

Em nota, o BB informou que ele vai sair por entender que “a companhia precisa de renovação para enfrentar os momentos futuros de muitas inovações no sistema bancário”. Para dizer isso, era melhor não dizer nada. O banco economizaria duas linhas e deixaria de ofender a inteligência alheia.

Novaes é amigo de Paulo Guedes, com quem estudou em Chicago. A exemplo do ministro, tem a cabeça ultraliberal e a língua maior do que a boca. Na famosa reunião de 22 de abril, os dois fizeram um dueto de grosserias para defender a privatização do banco.

“Tem que vender essa porra logo”, pontificou Guedes. Em seguida, Novaes definiu os controles do Tribunal de Contas da União como uma “usina de terror”. “Se a gente faz alguma coisa, tá arriscado a ir pra cadeia”, disse. Faltou detalhar as coisas que ele pretendia fazer.

O economista também deu um palpite infeliz sobre a pandemia. “Minha sensação é de que esse pico já passou”, opinou. Naquele dia, o país contava 2.906 mortes pelo coronavírus. Ontem a conta fechou em 87.737.

Bolsonarista de carteirinha, Novaes permitiu que o banco usasse dinheiro dos correntistas para financiar sites acusados de difundir fake news. Em junho, o TCU mandou fechar a torneira. Ele recorreu da decisão, alegando prejuízos financeiros. Prejuízos ao banco, não aos blogueiros governistas.
Há três semanas, o BB vendeu, sem leilão, uma carteira de crédito de R$ 2,9 bilhões pela bagatela de R$ 371 milhões. O comprador foi o BTG, que teve Guedes entre os fundadores. O ex-ministro Ciro Gomes definiu a transação como “um negócio escandaloso”. A oposição quer obrigar Novaes a explicar o que fez.

No sábado, o economista disse à CNN Brasil que não se adaptou à “cultura de privilégios, compadrio e corrupção de Brasília”. A declaração é típica de quem tem histórias a contar. Mais um motivo para que ele seja convocado pelo Congresso antes de sair à francesa.