rubem medina
Rubem Medina: AI-5. É isso mesmo?
Discordar e não ser preso ou morto era só questão de sorte ou de ser amigo do ‘rei’
Você quer mesmo a volta do AI-5? Você, de fato, deseja o fechamento do Congresso Nacional? Você tem certeza de que o melhor para você e para o país será acabar com o Supremo Tribunal Federal? Você tem certeza? É isso mesmo o que você quer? Pois se é, bom, saiba que o que você deseja e quer muito já aconteceu um dia.
Por causa desse tal AI-5, que você diz amar, eu e meu pai fomos presos. Sabe por quê? Você não acreditaria! Garanto. Meu pai e eu fomos presos naquela época porque a gente se sentia como você se sente agora. Não com relação ao AI-5, mas com relação aos governos da época. A gente não gostava muito deles e resolveu dizer isso, como você faz agora com relação ao Congresso e ao Supremo. Fomos em cana. Sabe por quê? Porque instrumentos como o AI-5 foram criados para prender, torturar e até matar as pessoas que não pensam igualzinho ao ditador de plantão.
Ah!, mas você viveu naquele tempo e não foi preso? Sorte sua. Porque discordar e não ser preso ou morto era só questão de sorte ou de ser amigo do “rei”.
Eu estava no Congresso Nacional quando o ditador mandou fechá-lo. Eu já estava na política, desde muito novo e pela oposição, quando cassaram ministros do Supremo Tribunal Federal e garanto a você, não foi nada bom o que eu vivi naquele tempo: gente que eu gostava, admirava e até líderes que me inspiravam, como foi o caso de Juscelino Kubitschek, que sofreu horrores, vítima de processos imorais que não davam a mínima para essas coisas de amplo direito de defesa. Carlos Lacerda também.
Você deve se lembrar deles, a história é recente. E olha que o Carlos Lacerda pensava como você pensa agora, sabia? Acreditava que a intervenção militar seria coisa passageira, uma ajudinha só para alinhar as eleições. Morreu frustrado. E tinha aqueles que conseguiam enxergar o que de fato acontecia e tentavam contar a história correta mas foram calados pelos porões. Eram os brilhantes jornalistas com suas veias investigativas, questionadoras e inquietas, que, ao invés de serem criticados como podem ser hoje em dia, eram simplesmente apagados.
Você está contrariado com o Congresso Nacional e com o STF porque gosta do presidente da República, que você escolheu? Você está com raiva, em revolta e por isso defende o AI-5? Digamos que você consiga conquistar o que você quer. Como será quando a raiva passar? Você já pensou nisso? Você estará num país onde a raiva e o simples pensar diferente será duramente punido, com prisão, tortura e morte.
Então, minha amiga, meu amigo, vote e vote sempre. Coloque toda a sua revolta e sua raiva no voto, mas faça isso com a consciência de que a voz para mudar será a sua, e não de alguém que pouco se importa com você.
O AI-5 não gosta de voto. Ao contrário, abomina, odeia a ponto de prender, matar e torturar quem gosta de votar. Vote e mude com o seu voto aquilo de que você não gosta. Porque se acabaram com o seu direito de votar, você terá um trabalho enorme, muito desgaste e até poderá perder a vida na luta para que o seu direito retorne.
Está ponderando e argumentando internamente que os ministros do Supremo não são escolhidos pelo voto? Mas são sim! Os presidentes da República que você escolhe seleciona os nomes que quer prestigiar e eles são aprovados pelos senadores que você também, pelo voto, escolheu.
Pense nisso na hora de votar e, por favor, em nome do Brasil, dos seus filhos, netos e de você mesmo, pare com essa bobagem de defender o AI-5. Porque se AI-5 houvesse ainda por aqui, o presidente que você defende não estaria na Presidência, porque naquele tempo capitães e deputados não tinham chance alguma de chegar lá. Nem os operários ou as mulheres. E todos eles se se atrevessem a querer estar lá seriam presos, torturados e corriam o risco de perder a vida. E você também se os defendesse.
Pense bem nisso.
*Rubem Medina é economista e foi deputado federal por nove mandatos