rogerio marinho

Míriam Leitão: Bastidores de uma nova confusão

Por Alvaro Gribel (interino)

A confusão envolvendo os ministros Rogério Marinho e Paulo Guedes, ontem, começou na verdade na quarta-feira, com uma conversa entre o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, e investidores. Barros queria entender a reação negativa do mercado à proposta do uso de precatórios para financiar o Renda Cidadã e ouviu que, se o governo seguisse por esse caminho, o presidente Bolsonaro enfrentaria uma crise econômica tão severa quanto a que derrubou a presidente Dilma Rousseff. Rogério Marinho resolveu, então, ter o mesmo tipo de conversa para tentar, na visão dele, “acalmar” o mercado. Acabou colhendo o efeito contrário.

É preciso entender a razão para a desenvoltura do ministro do Desenvolvimento, Rogério Marinho. Na quinta-feira, ele havia levado o presidente Jair Bolsonaro ao interior de Pernambuco para a inauguração de uma adutora de água na pequena cidade de São José do Egito. Bolsonaro fez o que mais gosta: usou a festa preparada por Marinho para exercer a função de líder populista, contar piada e angariar votos. A aproximação entre os dois faz Marinho se sentir mais forte, a ponto de extrapolar funções de sua pasta e invadir território que seria do ministro da Economia.

Na reunião com economistas da Ativa Investimentos, Marinho teria dito que a ideia do uso de precatórios foi da equipe de Paulo Guedes. A ala econômica, por sua vez, bate o pé e diz que havia apenas estudos. Marinho também afirmou que Guedes tem a confiança do presidente Bolsonaro e que o governo mantém compromisso com a agenda fiscal. Mas afirmou que o ministro da Economia, apesar de entender de assuntos macroeconômicos, tem menos traquejo político e peca em detalhes na formulação de alguns projetos.

As versões do que Marinho disse circularam pelo mercado e azedaram a bolsa. O ministro Paulo Guedes, que já tem Marinho como desafeto, jogou gasolina na fogueira e o chamou de “despreparado, desleal e fura-teto” caso fosse verdade. Mais tarde, voltou a público para tentar colocar panos quentes na discussão. Marinho também emitiu nota para negar que tenha sido descortês com Guedes.

No mercado financeiro, os economistas estão com as barbas e os investimentos de molho. Ainda é fresca na memória a crise provocada pela saída de Joaquim Levy, após disputa com o ministro Nelson Barbosa. Dilma optou por Barbosa em 2015, levando o país a uma forte desvalorização cambial. Os investidores temem que Guedes possa estar com os dias contados no governo e que Bolsonaro abrace de vez a agenda desenvolvimentista em que sempre acreditou durante seus mandatos como deputado federal.

Guedes não é Malan

O episódio fez economistas lembrarem de uma disputa entre os ex-ministros Pedro Malan, da Fazenda, e Clóvis Carvalho, do Desenvolvimento, no governo FH, em 1999. Carvalho havia feito críticas à política econômica, e Malan, ao contrário de Guedes, não deu nenhuma declaração e costurou nos bastidores. Ao fim, conseguiu a demissão de Carvalho. Se Bolsonaro não é FH, Guedes tampouco é Pedro Malan. À noite, deu entrevista coletiva para dizer que “estamos falando de crise e confusão com a economia voltando”.

Indústria recupera em ‘V’

Falta pouco mas a indústria praticamente superou as perdas da pandemia. Os indicadores de confiança da FGV também mostram que os empresários do setor estão mais otimistas, em parte pela desvalorização do real, que dificulta importações e ajuda exportações. Também pode haver dois efeitos de ações do governo. Os recursos do auxílio emergencial, que ajudaram o consumo, e as linhas de crédito, que favoreceram empresas maiores, mais comuns na indústria. Superado esse problema, volta-se ao anterior: falta de competitividade.


Merval Pereira: Há lugar para os dois?

Não foi a primeira vez, não será a última. A disputa de poder entre o ex-superministro da Economia Paulo Guedes e o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, se desenvolve no terreno pantanoso da crise econômica que mais uma vez vivemos. Não há dinheiro para investimentos, para programas sociais, e a disputa entre os “desenvolvimentistas” e os “monetaristas” volta à tona, como acontece com freqüência quando há crise econômica.

No governo João Figueiredo, aconteceu a disputa entre o ministro do Planejamento, Mario Henrique Simonsem, e o da Agricultura, Delfim Netto. No governo Fernando Henrique, houve o embate entre o ministro do Desenvolvimento Clóvis Carvalho e o da Fazenda, Pedro Malan. No primeiro caso, perdeu o Planejamento, no segundo, ganhou a Fazenda.

Num governo em que a linha econômica era definida por Guedes, incontestável em certo momento, seria impossível que o ministro Tarcisio Freitas, da Infraestrutura, conseguisse verbas para obras com o apoio de ministros “da casa”, como os generais Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, e Braga Netto, da Casa Civil. Mas foi o que aconteceu.

O ministro do Desenvolvimento, Rogério Marinho, uniu-se aos militares desenvolvimentistas e montou sua base longe do ministro da Economia Paulo Guedes, que o havia indicado para o cargo depois de tê-lo como assessor durante a reforma da Previdência.

Era o começo do fim de mais um superministro do governo Bolsonaro. A disputa de bastidores ontem chegou ao público com o vazamento de uma palestra do ministro do Desenvolvimento para uma platéia de economistas de uma corretora de valores. Provavelmente de propósito, já que é um político experiente, Rogério Marinho criticou seu colega de governo e principal figura da economia, aparentemente como troco à atitude de Paulo Guedes de renegar a utilização de precatórios para financiar o Renda Brasil.

Marinho garantiu que a idéia foi de Guedes, que realmente esteve na reunião com os políticos onde se definiu a composição do programa social, e, no anúncio oficial ao lado do presidente. O ministro Rogério Marinho, sentindo-se respaldado, disse aos economistas que o programa sairá “do melhor ou do pior jeito”, o que deu a impressão aos investidores de que estava avisando que o Renda Brasil sairá mesmo que fure o teto.

Há informações de que Marinho está negociando com os políticos retirar o programa social do teto de gastos, e criar um imposto que possa financiá-lo. Os políticos não querem mais conversa com Guedes, se consideraram traídos com a mudança de atitude sobre os precatórios.

Marinho ainda teria feito, segundo as versões, comentários nada elogiosos à capacidade técnica do ministro Paulo Guedes. Ao saber, pelos jornalistas, das críticas, Guedes chamou Marinho de “desleal”, “despreparado” e “fura-teto”, estabelecendo os campos de ação de cada um.

Caberá ao presidente Bolsonaro decidir a parada, como coube a Fernando Henrique demitir Clóvis Carvalho para reafirmar a predominância do ministro Pedro Malan na política econômica. Carvalho havia feito um discurso em reunião do PSDB, na presença de Malan, com críticas à política econômica, chegando a dizer que “cautela, a partir de certo ponto, é covardia”.

Foi assim também em 1979, quando a disputa entre o ministro do Planejamento, Mario Henrique Simonsem, e o da Agricultura, Delfim Netto, acabou com o pedido de demissão do primeiro. Delfim foi para o ministério do Planejamento, indicou o novo ministro da Fazenda, Ernane Galvêas, e assumiu a direção da economia.

O presidente Bolsonaro encontra-se na mesma situação de Figueiredo, esperando que alguém peça demissão. Tudo indica que não há espaço para os dois no mesmo governo, que já não é o mesmo de quando Paulo Guedes era o Posto Ipiranga. Já não parece estar em condições políticas para conseguir a demissão de Rogério Marinho, que tem o apoio dos ministros militares do Palácio do Planalto e do Centrão.


Sergio Fausto: A voz mansa de Djalma Marinho

Suspeito que ele ficaria vexado pela proximidade política do neto com um político como Bolsonaro

O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, é um político competente e estrela em ascensão no atual governo. Com dois mandatos de vereador em Natal e outros dois de deputado federal pelo Rio Grande do Norte, além de cargos importantes no Executivo estadual e federal, não lhe faltam experiência nem DNA: é neto de Djalma Marinho, político potiguar que se destacou na Câmara dos Deputados por mais de três décadas na segunda metade do século 20. O avô de Rogério Marinho não conseguiu se eleger governador de seu Estado, como agora pretende o neto, mas sua biografia revela um tipo de político cada vez mais raro no Brasil: um liberal-conservador culto e educado, que se manteve coerente com suas principais convicções ao longo de 40 anos de vida pública.

Filiado a um único partido entre 1945 e 1964, a UDN, aderiu à Arena quando da imposição do bipartidarismo. Embora membro do partido situacionista, não hesitou em levantar a sua voz mansa contra as piores arbitrariedades do regime autoritário.

Foi assim na conjuntura dramática que levaria à decretação do AI-5, em dezembro de 1968. Presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, não se dobrou à pressão dos militares que pretendiam processar Márcio Moreira Alves por discurso supostamente afrontoso à honra das Forças Armadas. Com críticas ao governo pela repressão a manifestações estudantis, o parlamentar fluminense conclamara os pais a não autorizarem seus filhos a desfilar no 7 de Setembro e às moças, a não dançarem com os cadetes no baile da Independência.

Em audiência com o então presidente Costa e Silva, Djalma Marinho anunciou que a comissão negaria a licença solicitada pelo Ministério da Justiça para instaurar processo contra o deputado, que gozava de imunidade parlamentar para expressar livremente a sua opinião. Buscou encontrar alternativas para o impasse. Diante da intransigência do general-presidente, fez discurso corajoso da tribuna da Câmara em que se disse um “vassalo da ordem democrática”, recusando-se a cumprir “exigências absurdas”.

A derrota do governo na comissão e no plenário serviu de pretexto para a edição do mais draconiano dos atos institucionais, que fechou o Congresso, suspendeu a imunidade parlamentar, a inamovibilidade e estabilidade de juízes e o habeas corpus, escancarando a ditadura e soltando as rédeas da repressão e da tortura. Marinho perdeu, mas não mandou às favas os escrúpulos de consciência.

Nas eleições legislativas de 1974 sofreu novo revés, dessa vez uma derrota eleitoral. No pleito daquele ano, quando o regime completou seu décimo aniversário, o partido de oposição obteve votação surpreendente para a Câmara (e também para o Senado). Sem reconquistar seu mandato nas urnas, Djalma Marinho foi à tribuna e expressou sua opinião sobre os resultados das eleições. Disse que seu “caráter plebiscitário representava o fato mais relevante dos últimos dez anos” e aconselhou o presidente Ernesto Geisel a rever conceitos e estilos, métodos e práticas, “que haviam sido impostos à nação de cima para baixo, sem debate, sem alternativa”, conforme se lê no verbete dedicado ao parlamentar no acervo do CPDOC da FGV.

De volta à Câmara em 1979, eleito deputado federal nas eleições do ano anterior, Djalma Marinho dedicou-se ao projeto de reforma da Lei Orgânica dos Partidos. Manifestou-se pela liberdade de organização partidária e admitiu a legalização do Partido Comunista Brasileiro (PCB), afirmando que, como democrata, “teria de conviver com todas as tendências”.

No ano seguinte, lançou-se à presidência da Câmara como candidato dissidente do PDS, sucessor da Arena, defendendo a independência do Congresso. Recebeu votos de alguns de seus colegas de partido e da maioria dos deputados de oposição, mas o vitorioso foi Nelson Marchezan, apoiado pelo presidente João Figueiredo.

Djalma Marinho não teve a força expressiva de Teotônio Villela, seu correligionário na UDN e na Arena, também ele proveniente de um pequeno Estado do Nordeste. Teotônio foi mais vocal e aguerrido na divergência com o regime, do qual se afastou para finalmente se filiar ao MDB, no início de 1979. Ainda no partido do governo, o Menestrel das Alagoas, como o chamaram Milton Nascimento e Fernando Brant, confrontou em andanças pelo País e discursos no Senado a legitimidade do autoritarismo e visitou presos políticos na campanha pela anistia ampla, geral e irrestrita. A seu modo, porém, Djalma Marinho também deixou sua marca no reencontro do País com a democracia.

Marinho morreu em dezembro de 1981, dois anos antes de Teotônio. Não sei o que pensaria sobre a proximidade política do neto com um político como Jair Bolsonaro. Suspeito que ficaria vexado. Afinal, era um homem culto, educado, conservador, mas liberal e tolerante. Perdeu a eleição para o governo de seu Estado em 1960, derrotado por Aluísio Alves, mas deixou uma biografia digna de ser lembrada.

O neto ainda não terminou de escrever a sua. Que o avô ilumine o seu caminho.

*Diretor-geral da Fundação FHC, é membro do Gacint-USP