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Ribamar Oliveira: O grande teste para o teto será em 2021

Salário mínimo deve ficar em torno de R$ 1.095 no próximo ano

O valor da despesa total da União em 2021, que consta em anexo da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), aprovada ontem pelo Congresso Nacional, está subestimado. A principal razão é que, em seu cálculo, o Ministério da Economia considerou um INPC de apenas 4,1% neste ano.

Com isso, chegou a um valor para o salário mínimo inferior ao que será efetivamente pago a partir de janeiro. O mais provável é que o piso salarial do Brasil fique próximo de R$ 1.095,00, e não do R$ 1.088,00 divulgado nesta semana pelo governo.

O valor de R$ 1.095,00 foi obtido com a aplicação de um INPC de 4,8% neste ano. No acumulado de janeiro a novembro, ele está em 3,93%. Os analistas de mercado esperam que o INPC em dezembro fique em 0,88%, de acordo com as estimativas coletadas pelo Banco Central e disponíveis em sua página na internet. Como os preços estão em alta, ele poderá ser ainda maior.

O INPC é de fundamental importância para a estimativa da despesa da União porque ele corrige o salário mínimo, que é o piso dos benefícios previdenciários e assistenciais, e reajusta também os benefícios de quem ganha acima do piso. A variação de 0,1 ponto percentual no INPC gera um acréscimo de despesa de R$ 768,3 milhões, de acordo com estimativa feita pela Secretaria do Tesouro Nacional, em seu último relatório de riscos fiscais, divulgado em novembro.

Se o índice for de 4,8%, ele ficará 0,7 ponto percentual acima daquele projetado pelo governo no anexo da LDO. Esse 0,7 p.p. resultará em uma despesa adicional para os cofres públicos de R$ 5,378 bilhões (sete vezes R$ 768,3 milhões), acima da previsão feita pelo governo.

Essa questão é importante porque, na terça-feira, o ministro da Economia, Paulo Guedes, encaminhou ofício ao Congresso Nacional, fixando uma meta de déficit primário de R$ 247,1 bilhões para o governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) em 2021. Junto com o ofício, ele encaminhou um anexo de riscos fiscais, no qual consta a previsão de que as despesas discricionárias (investimentos e custeio da administração, exceto gasto com pessoal e encargos dos servidores) da União, no próximo ano, ficarão em R$ 83,9 bilhões.

Na proposta orçamentária para 2021, encaminhada ao Congresso no fim de agosto, o governo estimou que as despesas discricionárias ficariam em R$ 96 bilhões. Houve, portanto, uma redução de R$ 12,1 bilhões. A diminuição tem duas explicações. A proposta orçamentária foi elaborada com a previsão de 2,09% para o INPC e não incluiu a despesa com a prorrogação da desoneração da folha de salários de 37 setores da economia. No anexo ao ofício de Guedes, a despesa é reestimada com base em um INPC de 4,1% e com a inclusão da despesa com a desoneração da folha de salários no próximo ano.

Questionada pelo Valor, a Secretaria de Orçamento Federal (SOF) esclareceu ontem que na previsão de R$ 83,9 bilhões para as despesas discricionárias está incluída a quantia de R$ 4 bilhões para a capitalização de empresas estatais no próximo ano. A despesa com a capitalização é excluída do teto de gastos. Assim, as despesas discricionárias efetivas em 2021 (aquilo que o governo vai dispor para pagar investimentos e o custeio da máquina) seria de R$ 79,9 bilhões.

Mas, como foi explicado no início desta coluna, a estimativa do anexo da LDO foi elaborada com base em um INPC de 4,1%. Se o índice ficar em 4,8%, será necessário acrescentar R$ 5,378 bilhões às despesas obrigatórias e reduzir igual valor nas discricionárias para cumprir o teto de gastos. Assim, as despesas discricionárias efetivas no próximo ano (não considerando a capitalização de estatais e as emendas parlamentares) ficarão em R$ 74,5 bilhões (R$ 79,9 bilhões menos R$ 5,378 bilhões), o menor valor da história.

Há uma estimativa na área técnica de que um valor abaixo de R$ 85 bilhões de despesas discricionárias representa risco de paralisia de serviços públicos - o chamado “shutdown”. O próximo ano será o grande teste para a teoria. Um grande teste também para o teto de gastos, pois os números estão mostrando que o Orçamento de 2021 não cabe no teto.

Há outras indicações de que a despesa está subestimada. O crescimento vegetativo dos benefícios previdenciários que consta do anexo da LDO, por exemplo, é de apenas 1,7%, muito baixo mesmo considerando o impacto da reforma da Previdência.

O diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, acompanha atentamente as contas públicas brasileiras. Depois de ler o anexo de riscos fiscais enviado ao Congresso no ofício do ministro Paulo Guedes, Salto manifestou preocupação. “As contas estão pouco transparentes e o risco fiscal é elevado”, disse, em conversa com o Valor. “De duas, uma: chance alta de romper o teto na execução ou paralisação da máquina pública com mais cortes de discricionárias, já num nível de R$ 83,9 bilhões, sem emendas, que é historicamente baixo”, afirmou.

Sem base

O ano termina com uma triste constatação: o governo não possui, atualmente, uma base política que lhe permita aprovar as reformas estruturais indispensáveis para a retomada sustentável do crescimento econômico.

O indicador mais contundente dessa realidade é a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) Emergencial que está sendo relatada pelo senador Marcio Bittar (MDB-AC). O relator desistiu de apresentar seu parecer depois que verificou a inexistência de acordo entre os líderes partidários para a adoção de medidas de ajuste fiscal, que sustentariam a manutenção do teto de gastos por, pelo menos, mais alguns anos.

Inconformado com a derrota, o Ministério da Economia tentou apresentar uma emenda ao projeto de lei complementar 101/2020, que promoveu nova renegociação das dívidas de Estados e municípios, com um “gatilho” para o teto de gastos. O Valor teve acesso à emenda preparada pela Economia. Ela previa que quando as despesas obrigatórias submetidas ao teto superassem 94% da despesa primária total, os chefes dos três Poderes da Republica poderiam acionar medidas de ajuste, as mesmas que constam da emenda constitucional 95/2016. Mais uma vez, a proposta de Guedes não foi apoiada pela base governista. E a emenda nem sequer chegou a ser formalizada.