renda minima

‘Renda Cidadã é ponto de tangência entre bolsonarismo e petismo’, afirma Benito Salomão

Economista critica governo brasileiro, que, segundo ele, segue de ‘braços cruzados’

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Uma provável segunda onda da pandemia do coronavírus na Europa pode voltar a derrubar os mercados financeiros e causar ainda mais volatilidade na taxa de câmbio e prejuízos ao comércio internacional, de acordo com o economista Benito Salomão. “Se enganam os crentes em uma recuperação robusta em 2021, o cenário econômico deve prosseguir conturbado”, afirma ele, em entrevista na revista Política Democrática Online de outubro.

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A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que disponibiliza todos os conteúdos, gratuitamente, em seu site. O economista observa que, em meio a um cenário fiscal tão desolador, o governo brasileiro segue de braços cruzados, a reforma tributária parece ter saído de discussão, a reforma administrativa apresentada não tem condições de ser aprovada, e o governo aposta em trapaças contábeis para criar seu “Renda Cidadã”.

De acordo com o autor do artigo, a proposta do programa de distribuição de renda é “fruto da obsessão pessoal do Presidente da República, não como uma política de mitigação da pobreza, da miséria, ou da fome, mas sim como um mero instrumento de perpetuação no poder”. “Renda Cidadã é o ponto de tangência entre o bolsonarismo e o petismo. Ambos são capazes de lançar mão da sustentabilidade fiscal e da estabilidade macroeconômica do país, em troca da formação de feudos eleitorais constituídos por programas de transferências de renda, que, se não fossem deturpados, poderiam ser importantes instrumentos de redução das desigualdades no Brasil”, analisa.

Ao paralisar reformas estruturais e insistir em teses econômicas inviáveis, como o Renda Cidadã e a substituição da CPMF pela desoneração da folha de pagamentos, o Brasil está construindo rápido atalho entre a crise atual e a próxima crise, segundo o economista. “Em janeiro de 2021, o decreto legislativo de calamidade pública irá expirar”, diz.

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Sergio Lamucci: O cenário para 2021 está mais nublado

As indefinições não se limitam ao front fiscal; há também incertezas em relação à reforma tributária e na área ambiental

Os indicadores econômicos de agosto confirmaram uma retomada mais forte da economia brasileira no terceiro trimestre, com crescimento firme na indústria e no comércio e um desempenho mais modesto nos serviços. O PIB pode ter avançado 8% em relação ao segundo trimestre, de acordo com várias estimativas. Para 2020, a expectativa é de uma queda na casa de 5%, bem menos intensa que o tombo de 8% a 9% que chegou a ser projetado por algumas instituições. O auxílio emergencial teve grande peso para o melhor resultado do período de abril a junho.

As perspectivas para o fim deste ano e em especial para o ano que vem, porém, estão contaminadas por incertezas, principalmente em relação às contas públicas, elevando os juros futuros e mantendo o câmbio excessivamente desvalorizado. As indefinições, contudo, não se limitam ao front fiscal. Há incertezas quanto ao que vai ocorrer com as propostas de reforma tributária, o que também contribui para segurar investimentos, por falta de clareza sobre o sistema de impostos que vai prevalecer no país dos próximos anos. Além disso, a política ambiental do governo segue desastrosa, afastando parte do capital estrangeiro do Brasil.

Esses fatores nublam o cenário para 2021. O quadro para o mercado de trabalho não é animador e o auxílio emergencial, cujo valor já caiu à metade, deverá deixar de existir no ano que vem. Ainda que o governo coloque de pé um programa de transferência de renda amplo, os valores envolvidos e o número de beneficiários serão bem menores que os do auxílio. Para que a retomada da economia seja firme, é preciso reduzir essas incertezas, aumentando a segurança para o setor privado investir e tirando pressão dos juros futuros e do câmbio.

O Indicador de Incerteza da Economia (IIE-Br) da Fundação Getulio Vargas (FGV) segue em nível elevado, apesar de estar em queda desde maio. Em abril, o índice atingiu o nível recorde de 210,5 pontos, devido ao choque produzido pela pandemia da covid-19. O IIE-Br tem recuado, mas a trajetória declinante perde força. Divulgada na semana passada, a prévia do indicador para outubro aponta para uma queda de 1,8 ponto no mês, para 144 pontos. Se confirmada, será a menor baixa desde maio, com o indicador permanecendo acima da máxima pré-pandemia, de 136,8 pontos, alcançado em setembro de 2015, quando a agência de classificação de risco Standard and Poor’s (S&P) tirou o grau de investimento do Brasil. Um nível elevado de incerteza afeta principalmente o investimento, que necessita de um horizonte previsível para se materializar.

A grande incógnita é o que vai ocorrer com as contas públicas a partir de 2021. Para combater os efeitos da pandemia, o governo elevou os gastos e viu as receitas caírem, como resultado da recessão. O problema é que o Brasil já partiu de uma situação fiscal pouco confortável, com uma dívida bruta de 75,8% do PIB no ano passado. O endividamento bruto deve fechar 2020 na casa de 95% do PIB, enquanto o déficit primário (excluindo gastos com juros) ficará próximo a 12% do PIB.

Para financiar um programa de transferência de renda mais amplo, o presidente Jair Bolsonaro não quer promover a fusão de programas sociais como o abono salarial, o seguro-defeso e o salário família com o Bolsa Família, o que não levaria ao rompimento do teto de gastos, mas exige medidas impopulares. Nesse cenário, surgem ideias para tentar driblar o mecanismo, como usar parte do dinheiro do pagamento de precatórios para bancar o Renda Cidadã.

A economia em 2021 deverá ter como vento contrário uma redução expressiva do estímulo fiscal, depois de um déficit primário superior a dois dígitos em 2020. Uma contração muito forte dos gastos tende a produzir efeitos negativos sobre a atividade, num quadro em que o investimento e o consumo das famílias não têm perspectivas favoráveis. A questão é que os indicadores fiscais são de fato preocupantes e o governo não dá mostras de que vai enfrentar o crescimento dos gastos obrigatórios. Um ajuste mais gradual no ano que vem precisaria ser comunicado com muito cuidado, reforçando o compromisso com medidas estruturais de contenção das despesas. O governo, contudo, caminha direção oposta. Há uma disputa entre o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, escancarando a falta de coesão na questão fiscal.

Com o panorama para as contas públicas incerto em 2021, o câmbio se desvaloriza e os juros futuros disparam - o dólar está acima de R$ 5,60, enquanto a taxa dos contratos de DI para janeiro de 2027 fechou na sexta-feira em 7,56% ao ano, muito acima dos 2% da Selic. Hoje, os índices ao consumidor mostram uma alta forte dos preços de alimentos, mas a expectativa é que esse movimento seja temporário, não levando a pressões inflacionárias mais disseminadas. Novas rodadas de depreciação do câmbio, contudo, podem mudar esse quadro, colocando em risco a Selic na mínima histórica.

Há dúvidas ainda quanto ao avanço de uma das propostas de reforma tributária hoje em discussão. O assunto não vai deslanchar antes das eleições. Qualquer progresso, se houver, ficará para 2021. O governo ainda não apresentou a segunda parte da sua proposta, que deve incluir um imposto sobre transações financeiras para bancar uma desoneração mais ampla da folha de pagamento. Em resumo, não se sabe se alguma das iniciativas em debate vai caminhar, e qual será a natureza da reforma. Uma redução da tributação das empresas - hoje mais alta no Brasil do que em muitos outros países -, acompanhada da taxação da distribuição de dividendos, seria bem vinda, mas não parece estar no radar. Com isso, há incertezas sobre qual será o desenho do sistema tributário nos próximos anos, o que também colabora para segurar os investimentos privados, num momento de enorme ociosidade de recursos na economia.

Há ainda a política ambiental. Além do retrocesso em si, a imagem do governo Bolsonaro nessa área é péssima, o que atrapalha a ratificação do acordo comercial fechado entre o Mercosul e a União Europeia (UE) e afugenta parte dos investidores estrangeiros do país. É mais obstáculo para o investimento, assim como a condução da crise sanitária pelo governo federal.

Esse conjunto de incertezas dificulta a retomada em 2021. O consenso de mercado indica por enquanto um crescimento de 3,5% no ano que vem, mas alguns analistas já projetam um resultado mais fraco, na casa de 2%, o que seria muito ruim para um país com 14 milhões de desempregados.


Elio Gaspari: Uma tesourada nos supersalários

Teto salarial tem mais buracos do que queijo suíço

A boa notícia foi trazida pela repórter Geralda Doca: a ekipekonômika quer criar recursos para financiar o programa de amparo social impondo um teto salarial para os servidores públicos: R$ 39,2 mil mensais e nem um tostão acima disso. A medida resultaria numa economia de pelo menos R$ 10 bilhões anuais para a bolsa da Viúva. Se essa ideia for em frente, Jair Bolsonaro poderá custear uma parte de seu projeto. Hoje o programa Bolsa Família protege 13,5 milhões de famílias e custa R$ 29,5 bilhões anuais.

O governo é obrigado a respeitar um teto de gastos. No entanto há um teto salarial para os servidores, e ele tem mais buracos do que queijo suíço. Entre setembro de 2017 e abril deste ano, 8.226 magistrados receberam pelo menos um contracheque com valor superior a R$ 100 mil. Em 565 ocasiões, 507 afortunados faturaram mais de R$ 200 mil. Há universidades onde professores sacam salários de R$ 60 mil. Dois ministros de Bolsonaro conseguiram mais de R$ 50 mil mensais.

Ninguém faz coisa ilegal. O reforço tem nomes bonitos: auxílio-moradia, tempo de serviço ou participação num conselho. A ideia do teto salarial está há tempo no Congresso, mas não anda.

O andar de cima de Pindorama tem suas astúcias. O teto real seria ilegal, porque fere direitos adquiridos. É o jogo trapaceado. Os direitos do andar de cima são adquiridos, os do andar de baixo são flexíveis.

Em 1851, Joaquim Breves, dono de grande escravaria e contrabandista de negros, dizia que a repressão ao tráfico ameaçava “a vida e fortuna de numerosos cidadãos, assim como a paz e a tranquilidade do Império”. Para felicidade geral da nação, a 13 de maio de 1888 atentou-se contra a propriedade privada, e aboliu-se a escravidão.

O andar de cima é esperto. Em 1831 o Brasil assinou um tratado com a Inglaterra pelo qual todos os escravizados que chegassem a Pindorama seriam negros livres. Depois do tratado, entraram perto de 800 mil negros escravizados, e até 1850 só oito mil foram resgatados. Desde 1818, a lei determinava que eles prestassem serviços à Coroa por 14 anos. Em 1835 criou-se um sistema de concessão, ancestral das Parcerias Público-Privadas. O magano ia à Coroa, pedia um negro e pagava uma anuidade equivalente ao que o escravizado lhe trazia trabalhando por um mês. Enquanto a PPP durou, foi um negócio da China. Os dois maiores políticos do Império, o Marquês do Paraná e o Duque de Caxias, conseguiram 21 e 22 cada um. Os dois principais jornalistas da época, Firmino Rodrigues Silva e Justiniano José da Rocha, também foram concessionários. A eles se juntaram barões, marqueses, juízes, médicos (inclusive o presidente da Academia Imperial) e parentes da governanta de D. Pedro II. Um desembargador ganhou 14 negros.

Se um fazendeiro do Vale do Paraíba comprasse um escravizado trazido por contrabandistas, comprava um risco. Se um “africano livre” da turma da PPP morresse, bastava pedir outro. Assim cevou-se a elite da Corte. Nela, poucos personagens de Machado de Assis trabalham.

Serviço:

Todas as informações referentes aos escravizados estão no magnífico livro “Africanos livres”, da professora Beatriz Gallotti Mamigonian, e em sua tese de doutorado “To be a Liberated African in Brazil”, que está na rede.


Míriam Leitão: Novo entrave na reforma tributária

Por Alvaro Gribel (interino)

A notícia de que o governo estuda acabar com a declaração simplificada do Imposto de Renda para financiar o Renda Cidadã já é um novo entrave na reforma tributária. Ontem, em audiência na Comissão Mista do Congresso, o secretário da Receita, José Barroso Tostes Neto, e a assessora especial do Ministério da Economia, Vanessa Canado, se recusaram a responder perguntas dos deputados e senadores que queriam saber detalhes da proposta. Se a Comissão já tinha dificuldades em avançar, ganhou mais um ponto de incerteza e discórdia.

“Vamos nos limitar a falar sobre os tributos sobre consumo”, justificou Vanessa Canado, referindo-se à primeira fase da proposta encaminhada pela equipe econômica há mais de dois meses. Ao mesmo tempo em que o governo não conclui o projeto, deixa vazar estudos para financiar o programa de assistência social com ideias que deveriam estar na reforma tributária.

A grande questão é: como financiar o Renda Cidadã? O governo tem três opções. Tira de alguém, aumenta tributos ou se financia no mercado, ampliando o déficit. Em cada uma delas, há consequências. Ampliar o déficit significa perder apoio do mercado, com disparada do dólar, queda da bolsa e encarecimento da dívida. Aumentar imposto, ou reduzir subsídios, vai mexer diretamente com o bolso das famílias ou das empresas. E fazer a consolidação de outros programas sociais nada mais é do que tirar de quem precisa para dar a quem também precisa. Ontem, como revelou O GLOBO, falou-se em cortar dos supersalários, o que demandaria comprar briga com a elite do funcionalismo.

Depois de encontro com o ministro Paulo Guedes, pela manhã, o relator do Orçamento, Márcio Bittar, prometeu para quarta-feira a divulgação da fórmula. Disse que será “dentro do teto”. Vindo de quem chamou de “hipócritas” os que criticaram a postergação do pagamento de precatórios, pode-se esperar qualquer coisa.

Na reforma tributária, ainda são muitas as discordâncias, segundo o secretário José Tostes. “Temos feito dezenas de reuniões com os estados, avançamos em alguns pontos, mas não conseguimos avançar em relação aos temas dos fundos, do comitê gestor, da transição para o novo tributo, imposto seletivo e o Simples”.

Em live semanal da Arko Advice, uma das consultorias mais ouvidas pelo mercado financeiro, o cientista político Murilo de Aragão brincou que o governo Jair Bolsonaro parece um carro velho, pois “faz muito barulho e anda pouco”. Sobre a reforma tributária, disse que ela “respira por aparelhos” e não vê possibilidade de aprovação de nenhum projeto relevante até a sucessão nas presidências da Câmara e do Senado, em fevereiro do ano que vem. Ao que tudo indica, o ano de 2020 já está perdido.

Ganha, mas não leva

Donald Trump é o candidato do mercado financeiro nas eleições dos EUA e sobre isso não há dúvidas. Ontem, após a saída do hospital, as bolsas subiram e o dólar se enfraqueceu no mundo, com aumento da confiança. Mas há investidores que já começam a ficar com a pulga atrás da orelha com a possibilidade de o presidente conseguir a reeleição, mas perder o comando das duas Casas. Hoje, os republicanos controlam o Senado mas desta vez a maioria pode ser democrata. Nesse caso, uma vitória de Joe Biden poderia ser bem recebida, pela maior chance de governabilidade, tendo o Congresso ao seu lado.

Baixo volume

Apesar da alta de 2,2% do Ibovespa, o volume de negócios continua baixo. Nos últimos 21 pregões, não chegou a R$ 20 bi, o que significa um clima de cautela. Ontem, mesmo com a valorização, foram negociados apenas R$ 17,8 bi em papéis. O risco de furar o teto fez voltar o temor de um novo rebaixamento do rating brasileiro no final do ano. Até a quinta-feira, última estatística disponível, os investidores estrangeiros retiraram R$ 88,27 bi da bolsa.

Sobrou para o café

A política ambiental do governo Bolsonaro põe sob desconfiança até quem não tem mais relação com o desmatamento. A ONG Rainforest Alliance Brasil, que certifica fazendas exportadoras de café com o selo sustentável, foi consultada por compradores europeus para saber se o setor cafeeiro tem derrubado florestas no Brasil. Se no passado o café foi o grande vilão, hoje esse papel está com a soja e a pecuária. “O café no Brasil não é hoje um problema de desmatamento. Primeiro que ocupa uma área relativamente pequena, depois porque está em áreas consolidadas há muito tempo”, disse Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas.