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Morre José Arthur Giannotti, referência da filosofia brasileira

Professor emérito da USP foi um dos fundadores do Cebrap. Era um dos mais respeitados estudiosos de Marx

Redação / O Estado de S. Paulo

Morreu nesta terça-feira, 27, o professor José Arthur Giannotti, considerado um dos maiores nomes da filosofia brasileira, aos 91 anos. Paulista de São Carlos, no interior, ele era professor emérito da Universidade de São Paulo (USP) e ajudou a fundar o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), entidade de estudos sociais e de formulação de políticas que surgiu em 1969 e reunia opositores do regime militar. 

Giannotti era um dos mais respeitados estudiosos da obra de Karl Marx no Brasil, autor de obras que se concentram na reflexão sobre o trabalho. Após se mudar para a capital paulista com a família, decidiu ingressar na USP por influência do escritor Oswald de Andrade, que conheceu na adolescência.

Assistiu sua primeira aula universitária no prédio da Rua Maria Antônia, no início de 1950, com outros nove alunos. A memória das primeiras lições com o professor francês Gilles-Gaston Granger, que explorava a epistemologia francesa e a formação do pensamento, foram marcantes o suficiente para que Giannotti as registrasse mais de 60 anos depois nas páginas do Estadão, em um artigo para o caderno Aliás

Entre as décadas de 1950 e 1960 fundou o grupo "Seminários Marx", que também tinha entre seus participantes historiadores, economistas, cientistas sociais, críticos literários e filósofos – entre eles Fernando Henrique Cardoso, Paul Singer, Ruth Cardoso e Roberto Schwarz, em diferentes gerações. 

Muito próximo do ex-presidente Fernando Henrique, o filósofo se tornou uma referência teórica para integrantes do PSDB durante os anos em que os tucanos ocuparam o governo federal e depois, quando era o partido de referência na oposição aos petistas. 

Em 2014, em uma entrevista ao Estadão, declarou-se “tucanoide” – um ex-eleitor do PT que, decepcionado com os governos Lula e Dilma, pregava voto útil nos tucanos. À época, ele previu as dissidências internas no partido após as eleições nacionais daquele ano. Era um crítico das duas siglas, respeitado à esquerda e à direita. 

Presidiu o Cebrap de 1984 a 1990 e entre 1995 e 2001. Foi membro do Conselho Nacional de Educação (CNE) e de diversos conselhos deliberativos da área educacional e científica, como da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). 

Publicou, entre outras obras, os livros Apresentação do mundo (1995), Certa herança marxista (2000), O jogo do belo e do feio (2005) e Lições de filosofia primeira (2011), todos pela Companhia das Letras. 

Em nota, o Cebrap classificou o estudioso como “um dos maiores intelectuais brasileiros” e lamentou a morte. “É com imensa tristeza que o Cebrap recebe a notícia do falecimento de um de seus fundadores, o prof. José Arthur Giannotti. Aos familiares e amigos que tiveram o privilégio de conviver com Giannotti, um dos maiores intelectuais brasileiros, nossas sinceras condolências”, diz a nota. 

O sociólogo Sergio Abranches destacou a trajetória de Giannotti, que para ele foi “um dos maiores pensadores do Brasil”. “Vida longa dedicada ao pensamento”, escreveu Abranches. 


Arnaldo Jordy: O ministro surtou

Uma simples portaria do Ministério do Trabalho representou um retrocesso de décadas no combate ao trabalho escravo no Brasil, a ponto da Organização Internacional do Trabalho (OIT), órgão das Nações Unidas responsável pela normatização das atividades laborais no mundo todo, divulgar que o Brasil deixa de ser uma referência no combate a essa prática para a comunidade internacional.

De acordo com o Ministério Público do Trabalho, a Portaria 1.129 do Ministério do Trabalho contraria o Código Penal Brasileiro, duas convenções da OIT, decisões do Supremo Tribunal Federal e da Corte Interamericana de Direitos Humanos. A mudança é tão drástica que os próprios fiscais estão decididos a ignorar a portaria e articulam uma greve em diversos estados, inclusive o Pará, sempre tido como um dos líderes em ocorrências de trabalho escravo. Entre 2003 e 2017, 43.428 pessoas foram resgatadas pela fiscalização em condições degradantes de trabalho, das quais, 9.835 no Pará, o Estado com o maior número de vítimas dessa triste estatística.

A ameaça já pairava sobre o trabalho dos fiscais desde que o orçamento do Ministério do Trabalho sofreu corte de 43% para este ano. A permissividade com a degradação do trabalho encontrou abrigo em alguns aspectos da reforma trabalhista, contra os quais me rebelei, como o dispositivo que acabava com a responsabilização solidária ou subsidiária da empresa contratada, nos casos em que em uma das subcontratadas fosse flagrada cometendo trabalho escravo. Felizmente, o relator acolheu minha sugestão e mudou esse aspecto do projeto, melhorando o texto. Nada contra a modernização das relações de trabalho em acordo com a tecnologia e a vida moderna, mas na Amazônia não podemos tornar ainda mais precárias as condições de trabalho que já são muitas vezes degradantes, sobretudo no campo.

Não tem cabimento em pleno século 21, um país que tem a nona economia do mundo, segundo o FMI, ainda tenha em tantas ocorrências desse crime vergonhoso. Hoje, o artigo 149 do Código Penal, alterado pela Lei 10.803/2003, já estabelece prisão de dois a oito anos e multa para quem reduzir alguém à condição análoga à de escravo. Foi um avanço que colocou o Brasil em consonância com as recomendações da OIT, mas, ao não distinguir claramente entre trabalho em condições análogas à de escravo e trabalho em condições degradantes, acabou por dificultar a aplicação da própria lei. São raríssimas no Brasil as condenações definitivas por esse crime, o que já foi percebido e denunciado pela própria OIT, para a qual, a impunidade ainda é um dos principais gargalos do enfrentamento do trabalho escravo no Brasil.

Por esse motivo, apresentei em 2012 o Projeto de Lei 4.017, para dar uma redação mais abrangente e adequada ao artigo 149, com foco nas formas urbanas de escravidão moderna, encontradas, por exemplo, em alguns setores da construção civil, de vestuário e de calçados, caracterizadas pelo constrangimento físico ou moral, condições de trabalho destituídas de dignidade e ausência de relação empregatícia. A lei propõe o agravamento das penas para tais delitos, fixando-as entre três e quinze anos de prisão, sinalizando que a salvaguarda jurídica da liberdade é mais relevante que a tutela jurídica do patrimônio, uma vez que as penas máximas cominadas para o roubo simples e para a extorsão simples são de dez anos.

O trabalho escravo urbano se apresenta em situações diferentes do trabalho escravo no ambiente rural, em que há restrição da liberdade de locomoção. Mesmo sem ficar preso no ambiente de trabalho, esse escravo urbano é submetido a condições degradantes e jornadas exaustivas. São justamente esses escravos urbanos que ficaram desprotegidos com a Portaria 1.129 do Ministério do Trabalho, que, na prática, reduz o flagrante aos casos em que o trabalhador é impedido de ir e vir, o que é bem diferente do conceito de escravidão moderna nas grandes cidades, que atinge principalmente imigrantes pobres.

A portaria do Ministério do Trabalho significa retrocesso em um cenário que era de avanço desde 1995, quando o Brasil reconheceu oficialmente à OIT a existência de trabalho análogo à escravidão em seu território e, desde então, vinha avançando no combate à exploração de trabalhadores, esforço que foi reconhecido pela OIT, ao classificar o país como exemplo nesse propósito, que não pode ser jogado fora.

Por esse motivo, apresentei Projeto de Decreto Legislativo (PDC), com pedido urgência, para revogar a Portaria 1.129, que está na contramão de todas as recomendações internacionais sobre o assunto e abriu uma crise dentro do próprio Ministério do Trabalho, onde há recomendações internas para que a norma não seja cumprida.

Outra situação grave criada pela portaria é a concentração de poder na pessoa do ministro Ronaldo Nogueira para autorizar a divulgação da lista suja do trabalho escravo no Brasil, algo absolutamente inadmissível. Não se pode condenar um crime e poupar a figura do criminoso.

O presidente Michel Temer, já que não faz o que prometeu quando disse que demitiria os ministros denunciados por corrupção, e já são nove até agora, poderia pelo menos demitir os incompetentes, como Ronaldo Nogueira, que nesse caso, voltaria à Câmara, onde é deputado.

* Arnaldo Jordy é deputado federal, líder do PPS na Câmara