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Luiz Carlos Azedo: Tudo ou nada na Câmara

Arthur Lira tenta montar uma espécie de rolo compressor, já integrado por 205 deputados, para atropelar Maia, que ainda não tem candidato à própria sucessão

Troca de farpas pelas redes sociais e depois, um bate-boca na antessala do presidente Jair Bolsonaro, derrubaram antes da hora o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, e podem resultar também no deslocamento do general Luiz Ramos, que sai desgastado do episódio, da Secretaria de Governo, ou seja, do cargo de articulador político do governo. A trombada entre ambos foi um efeito colateral das articulações de Ramos para fortalecer a candidatura do deputado Arthur Lira (PP-AL) a presidente da Câmara, da qual também faz parte a reforma ministerial em discussão no Palácio do Planalto. Marcelo Álvaro Antônio é ligado aos filhos de Bolsonaro, que vivem às turras com os militares do governo.

Ramos teria colocado o Ministério do Turismo na mesa de negociações com o Centrão, convidando para o cargo o deputado Roberto Lucena (Podemos-SP). O ministro ficou sabendo e partiu pra cima do general, acabou demitido por Bolsonaro. O presidente da Embratur, Gilson Machado, assumiu interinamente a pasta. Agora, cogita-se que Ramos vá para Secretaria-Geral da Presidência, entregando a Secretaria de Governo para o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PP),um dissidente do PP e aliado de Rodrigo Maia, que passaria a ser o novo articulador político do governo. Bolsonaro está indo para uma espécie de tudo ou nada no Congresso, que pretende controlar. Contava com a reeleição de Alcolumbre, mas o veto do Supremo Tribunal Federal (STF) à recondução atrapalhou seus planos; em contrapartida, a candidatura de Arthur Lira na Câmara está de vento em popa.

Não foi à toa que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM—RJ), que ainda não tem candidato à própria sucessão, acusou Bolsonaro de estar “desesperado” para controlar o Congresso. A pauta da Câmara é o ponto de partida para a agenda de Bolsonaro, cujo eixo é o desmonte da legislação relativa aos direitos humanos e ao meio-ambiente, e dos instrumentos de controle institucional da sociedade sobre o Executivo. Para levar adiante muitas de suas propostas, o presidente da República precisa do apoio do presidente da Câmara. Quando Maia diz que o Palácio do Planalto está jogando pesado, isso significa que não está economizando cargos e verbas para obter apoio parlamentar, o tradicional toma lá dá cá.

Rolo compressor

Arthur Lira anunciou sua candidatura ontem com apoio dos 135 deputados do Centrão — PL (41)), PP (40), PSD (33), Solidariedade (13) e Avante (8). De imediato, recebeu apoio do PL (41), do PTB (11), do PROS (10), do PSC (9) e do Patriota (6), ou seja, teoricamente, de mais 77 deputados. Tenta montar uma espécie de rolo compressor, já integrado por 205 deputados, aproveitando o fato de que a liderança de Maia se enfraquece, porque ainda não tem um candidato que atraia os votos da oposição e seu mandato está terminando. A expectativa de poder que Lira oferece não é a ocupação de espaços na própria Câmara, moeda de troca com a qual Maia não conta mais, são os cargos e verbas do governo federal, com os quais o presidente da Câmara aí é que não conta mesmo.

Para um presidente da República que chegou ao poder com uma narrativa antissistêmicas, que renegava o jogo parlamentar e o chamado presidencialismo de coalizão, a mudança de rumo só tem uma explicação: o fracasso na implementação da agenda de governo. As reformas de Bolsonaro não foram adiante , com exceção da previdenciária, que já estava com meio caminho andado no governo de seu antecessor, Michel Temer. Ontem, Maia chegou a ironizar o atraso na aprovação da PEC Emergencial, cuja tramitação o governo resolveu iniciar pelo Senado. Disse que vai encomendar um bolo para comemorar um ano de atraso da proposta do governo, que está parada até hoje.

Não se sabe ainda o custo das articulações para garantir a vitória de Lira, as negociações para isso são feitas no âmbito da pequena política, com todos os riscos que isso oferece do ponto de vista republicano. Na grande política, o governo Bolsonaro perdeu completamente o rumo, ninguém sabe em que direção pretende ir. A base que montou no Congresso tem um viés conservador nos costumes e populista na economia, o que vai complicar o enfrentamento da crise.

A propósito, ontem, o Banco Central (BC) manteve a taxa Selic em 2%, apesar da alta da inflação, interrompendo as especulações do mercado. Atribuiu a alta de preços ao impacto do dólar nas exportações e avaliou que a situação é sazonal, ou seja, os preços vão cair. No mercado, porém, as maiores preocupações são com a dívida pública, que chegará a R$ 1 trilhão, e com a segunda onda da pandemia, cujo impacto nas atividades econômicas vai depender da efetividade da campanha de vacinação contra o novo coronavírus.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-tudo-ou-nada-na-camara/

Ricardo Noblat: O Supremo Tribunal salva-se do vexame de rasgar a Constituição

Menos mal, mas nada a celebrar

Nada a comemorar quando o Supremo Tribunal Federal decide que os atuais presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado não poderão ser reeleitos. Por maioria de votos, os ministros do Supremo limitaram-se apenas a respeitar o que está escrito no parágrafo 4 do artigo 57 da Constituição que diz:

“Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”.

A atual legislatura começou em fevereiro de 2019 com a eleição de David Alcolumbre (DEM-AP) para presidente do Senado, e a reeleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) para presidente da Câmara. E se estenderá até fevereiro de 2023. Logo, eles não poderiam permanecer onde estão a partir de fevereiro próximo.

O que espanta é que até a semana passada houvesse no Supremo uma maioria de votos para favorecer os dois e, na prática, rasgar a Constituição. Ministros que acabaram votando contra, como Luiz Fux, por exemplo, presidente do tribunal, admitiam votar a favor com a intenção de barrar o avanço de Bolsonaro no Congresso.

O presidente da República queria a recondução de Alcolumbre, seu aliado, mas não a de Maia a quem considera um desafeto e aliado do governador João Doria (PSDB-SP) que deseja concorrer com ele na eleição de 2022. Agora, para que Bolsonaro consiga o que quer, precisaria aprovar uma emenda à Constituição. Mas como?

Emendar a Constituição requer dois terços dos 513 votos possíveis na Câmara e dos 81 no Senado. Bolsonaro não conta com mais do que 200 na Câmara, e menos da metade necessária no Senado. Resta-lhe trabalhar para que os sucessores de Alcolumbre e Maia sejam nomes pelo menos simpáticos ao seu governo.

Na Câmara, esse nome seria o do deputado Arthur Lira (PP-AL). Acontece que Lira é alvo de denúncias de corrupção e Maia se opõe à sua escolha. A parada para Bolsonaro poderá ser menos difícil no Senado onde são muitos os que desejam seu aval para se eleger. Muita água ainda rolará por debaixo da ponte até lá.

O Supremo salvou-se da vergonha de se meter onde não deveria e fechar os olhos ao que manda a Constituição – menos mal. Mas só o fez, é bom reconhecer, porque foi grande e unânime a reação da opinião pública. Pena que tenha sido acima de tudo por isso. O episódio não engrandeceu a toga.