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Revista online | A leniência por trás das manifestações de bolsonaristas radicais
Cleomar Almeida*, especial para a revista Política Democrática online (49ª edição: novembro/2022)
Em frente ao Quartel-Geral do Exército em Brasília, as manifestações bolsonaristas mudaram de caráter. Não são mais como antes, com famílias, mulheres, crianças e idosos com a bandeira do Brasil. Em sua maior parte, são formadas por homens violentos e armados, a maioria encapuzados, instigando métodos terroristas por não aceitarem a derrota do presidente Jair Bolsonaro (PL) nas urnas. Acampamentos antidemocráticos são patrocinados por multiplicidade de agentes.
A reportagem da Política Democrática online esteve no local, sem se identificar. Por todos os lados do acampamento, os apoiadores de Bolsonaro estimulam uns aos outros a fazerem ataques, aumentando o clima de tensão. “Se Bolsonaro sair da presidência, vai ter tiros, rojões e explosão aqui em Brasília”, disse um homem, encostado em sua motocicleta de luxo. Tudo se repete sob o silêncio absoluto do presidente.
No acampamento, os bolsonaristas radicais fazem orações, repetem gestos semelhantes aos de seita, planejam arruaça e dizem que não vão embora. Mergulham em alucinação. “Estamos recebendo comunicado de Ustra dizendo que não podemos sair daqui”, afirmou outro homem em um grupo. Exaltado por Bolsonaro e seus seguidores, o coronel do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra foi o primeiro torturador condenado, em 2008, pela Justiça brasileira.
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Na aglomeração dos bolsonaristas, eles também lembram atos antidemocráticos registrados no Brasil, compartilhados ao mesmo tempo pelas redes sociais, com apenas um clique no celular. No último dia 7 de novembro, manifestantes espalhados pelo país reagiram a ações de desbloqueio da polícia, jogaram pedras e cadeiras e lançaram rojões nas viaturas. Tiros também foram disparados.
Entre os crimes investigados, estão tentativas de homicídio contra agentes da polícia e a resistência ao cumprimento da decisão judicial que ordenava o desbloqueio da BR-163, em Novo Progresso (PA). Atentados também foram registrados à base da concessionária Rota do Oeste, perto da cidade de Lucas do Rio Verde (MT). “A polícia está atacando os patriotas”, disse um simpatizante.
Em Brasília, tudo é lembrado com exaltação em frente ao QG do Exército. E não somente isso. Com cartazes pedindo intervenção militar, que é inconstitucional, os bolsonaristas ameaçam “acabar com tudo, a qualquer custo”, alegando que houve fraude nas eleições. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), porém, já provou que as eleições foram realizadas sem qualquer irregularidade, e o resultado das urnas foi reconhecido por líderes internacionais.
“Temos algo mais importante que a própria vida, que é a nossa liberdade”, afirmou outro apoiador de Bolsonaro, repetindo uma frase frequentemente dita pelo líder da extrema direita. “Fomos roubados, não vamos aceitar isso jamais. É lutar ou morrer, não há outra saída”, gritou um homem, no meio do grupo bolsonarista.
A iminência de explosão de ataques ganha força diante do silêncio do presidente. Ele ainda não agiu para pacificar os ânimos e ir para uma transição democrática de poder. Por isso, juristas dizem que a escalada da delinquência bolsonarista aumenta o desafio de se enquadrar a violência da extrema direita, que atenta contra a democracia e representa risco para a institucionalidade brasileira, em caso de impunidade.
Doutor em Direito e Ciência Política e professor de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Conrado Hübner Mendes, disse que os acampamentos são financiados. “Há militares, policiais, o próprio presidente da República e seu entorno e grupos que se mobilizam. [Os acampamentos] são financiados. Portanto, há também empresários”, disse.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinou ao Banco Central o bloqueio das contas bancárias de 43 empresários e empresas suspeitos de financiarem atos antidemocráticos realizados na última semana. A decisão foi proferida no último dia 12.
O ministro chamou de inautêntico e coordenado o deslocamento de mais de 100 caminhões para Brasília, em frente ao QG do Exército. A Polícia Rodoviária Federal (PRF) informou que empresários oferecem refeições, banheiros e barracas aos manifestantes. Além disso, segundo a PRF, o potencial danoso das manifestações ilícitas aumenta, considerando o financiamento que o bolsonarismo recebe por parte de empresários investigados.
De acordo com Mendes, há total leniência do governo e do Exército em relação aos acampados em frente aos quartéis. “O Estado de Direito está diante de um desafio histórico de dar algumas respostas, ainda que não perfeitas e completas, a um programa político e governamental estruturado em torno da violação à lei. Violação como método de governo. Apostaram que um volume imenso de ilegalidades não seria possível controlar”, afirmou.
Para a responsabilização dos culpados, as investigações devem separar quem tem prerrogativa de foro, que é o direito de determinados ocupantes de cargos e funções públicas de serem julgados por juízos ou tribunais específicos por causa do que exercem.
Bolsonaro, por exemplo, poderá ser investigado por associação criminosa, incitação ao crime e crime de favorecimento pessoal, que é o ato de ocultar pessoas para não serem processadas. Isto porque a pessoa que favorece outra para impedir que seja investigada é partícipe também. Diversos manifestantes foram recebidos no Palácio da Alvorada para não serem vistos pela polícia.
Veja, a seguir, galeria:
Com as manifestações espalhadas pelo país, o presidente e outras autoridades aliadas tentam equilibrar dois pratos, segundo o professor da USP. “De um lado, precisam alimentar uma turma ensandecida a praticar crimes efetivamente, a violar a lei. De outro, precisam se proteger individualmente porque sabem que podem se dar mal e sofrer um conjunto de investigações. De um lado, dizem falas apaziguadoras, acenam para pacificação, pedem para liberar estradas. De outro, apelam para palavras abstratas e distorcidas”, acentua.
De acordo com o jornalista Bernardo Mello Franco, colunista do Globo e da CBN, “o golpismo que hoje está em porta de quartel, defendendo golpe militar, intervenção, não vai desaparecer da noite para o dia”. “Vai continuar presente na sociedade. Esse cenário é completamente diferente de 20 anos atrás. Lula não deve enfrentar apenas adversários, vai passar a enfrentar inimigos. E esses inimigos já mostraram que sabem jogar inclusive fora das regras do jogo para tentar atrapalhar a vida de quem está do outro lado”, disse em podcast.
A leniência com atos antidemocráticos aprofunda o risco de essas práticas serem normalizadas no Brasil. Nos Estados Unidos, o ex-presidente Donald Trump ainda não pagou qualquer preço pela invasão do Capitólio, em janeiro de 2021, mas o departamento de Justiça americano prendeu cerca de 900 pessoas em quase todos os estados. Mais de 300 pessoas foram julgadas, e quase 200 pessoas, condenadas à prisão. Alguma coisa já está acontecendo por lá.
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