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Bruno Boghossian: Clã Bolsonaro tem alívio nos tribunais, mas 'rachadinha' já é uma marca política
País já conhece depósitos fracionados, dinheiro vivo e cheques na conta da primeira-dama
O clã Bolsonaro fez o diabo para fugir do fantasma da "rachadinha". Flávio foi ao STF para tirar o caso da Justiça do Rio. O Planalto organizou uma reunião com o chefe da Abin em busca de brechas para anular as investigações. E o presidente tentou intimidar investigadores ao lançar suspeitas de tráfico de drogas contra o filho de um promotor.
As apurações que cercavam a família presidencial meteram medo em Jair e companhia. Não à toa, a prisão de Fabrício Queiroz, em junho de 2020, é considerada uma linha divisória: logo depois que o operador do esquema passou um tempo na cadeia, o presidente baixou as armas contra o Supremo e foi ao altar com o centrão, em busca de blindagem.
Bolsonaro está perto de se livrar desse pesadelo no campo judicial. A decisão do Superior Tribunal de Justiça de anular a quebra de sigilo de Flávio e outros 94 investigados, nesta terça (23), obriga a investigação a voltar uma dezena de casas no tabuleiro e pode livrar a família de responder pelas acusações de desvio de dinheiro em seus gabinetes.
O caso pode ser praticamente enterrado na próxima semana, quando o STJ deve decidir se invalida também os relatórios financeiros que deram origem à apuração. A defesa das duas anulações tem como porta-voz o ministro João Otávio de Noronha, por quem Bolsonaro já disse ter sentido "amor à primeira vista".
Apesar do provável alívio nos tribunais, Queiroz e a "rachadinha" já são uma marca política do clã, mesmo que as provas não sejam usadas em processos. Os depósitos fracionados, a fortuna gasta pelo filho do presidente em dinheiro vivo e os cheques na conta da primeira-dama contaram uma história que Bolsonaro gostaria de esconder.
A fantasia do discurso anticorrupção já havia ficado pelo caminho antes que o presidente chegasse ao Planalto. Ainda que consiga contornar o cerco judicial com base em aspectos técnicos, Bolsonaro pagará o preço político dessas suspeitas. Agora, o país conhece os métodos da família em décadas de vida pública.
Ricardo Noblat: Um caso de amor correspondido livra Flávio Bolsonaro do pior
Dois anos de suplício e de muita galhardia
Em 29 de abril último, ao dar posse a André Mendonça, o sucessor do ex-juiz Sergio Moro no Ministério da Justiça, o presidente Jair Bolsonaro assim referiu-se a João Otávio de Noronha, presidente do Superior Tribunal de Justiça, presente à cerimônia:
– Prezado Noronha. Eu confesso que a primeira vez que o vi foi um amor à primeira vista. Me simpatizei com Vossa Excelência.
Menos de três meses depois, Noronha aproveitou as férias do Judiciário para soltar Fabrício Queiroz. Mandou-o para prisão domiciliar. Para não parecer pouco, estendeu o benefício à mulher de Queiroz, que havia fugido. A ela caberia cuidar do marido.
O caso de amor à primeira vista entre o presidente e o juiz culminou com a decisão tomada pela Quinta Turma do tribunal de anular a quebra do sigilo fiscal e bancário do senador Flávio Bolsonaro (Patriotas), acusado de desvio de dinheiro público.
Noronha foi o primeiro dos quatro votos favoráveis ao filho mais velho de Bolsonaro. O voto do relator da ação foi contra. Flávio celebrou a decisão ao lado do seu advogado, Frederico Wassef, em cuja casa, no interior de São Paulo, Queiroz fora preso.
Em seu voto, que deixou eufórico o presidente da República, Noronha acusou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão vinculado ao Banco Central, de promover “indevida intromissão na devida intimidade e privacidade” de Flávio.
O Coaf monitora atividades financeiras consideradas suspeitas. Foi com base num relatório seu que o Ministério Público do Rio denunciou Flávio por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Um esquema que lhe rendeu 6 milhões de reais.
O mutirão para tirar Flávio do sufoco envolveu muita gente dos três Poderes da República. A saída de Moro do governo deveu-se à interferência de Bolsonaro na Polícia Federal, segundo o ex-ministro. A Agência Brasileira de Inteligência deu uma mão.
A Receita Federal foi pressionada para que não criasse problemas. O Conselho de Ética do Senado ficou desativado para não ter que examinar pedidos de abertura de processos contra Flávio por quebra de decoro. Até o Supremo Tribunal Federal ajudou.
Em setembro próximo, com a aposentadoria de Marco Aurélio Mello, será aberta uma vaga de ministro no Supremo. Noronha sonha com ela, mas também Mendonça, Augusto Aras, Procurador-Geral da República, e outros nomes menos cotados.
Aras já tem quem o substitua na Procuradoria-Geral: Lindôra Araújo, a procuradora que com muito orgulho não esconde os telefonemas que recebe de Bolsonaro. Ela liderou a investigação que resultou na queda de Wilson Witzel, governador do Rio.
O Superior Tribunal de Justiça voltará a julgar a partir da próxima terça-feira novas ações movidas pela defesa de Flávio. A tendência é aceitar todas. E assim será posto um ponto final no suplício de dois anos vivido com galhardia pela família presidencial brasileira.
Lucrar com a divulgação de informações falsas é pecado mortal
A imprensa e o seu labirinto
Se foi por descuido, um descuido grave, os jornais que publicaram o informe publicitário deveriam reconhecer o erro e devolver o dinheiro. Se foi porque entenderam que era expressão de pensamento, desataram um debate que não lhes dará razão.
Um grupo chamado Médicos pela Vida publicou nos principais jornais impressos do país um manifesto em defesa do “tratamento precoce” contra a Covid-19. O texto usa informações falsas ao citar hidroxicloroquina, azitromicina, ivermectina e outras drogas.
Segundo o informe, haveria evidências científicas que comprovam os benefícios do uso desses remédios, mas não há qualquer estudo de metodologia rigorosa que tenha chegado a essa conclusão. É isso que a mídia brasileira e mundial tem dito com rara insistência.
Como é possível criticar dia sim, e o outro também, o governo e quem mais recomenda um ineficaz tratamento precoce à base de drogas receitadas para outras doenças e, na contramão dos fatos, lucrar com a publicação de um informe mentiroso?
Com a palavra, os jornais. Em seu site, o grupo Médicos pela Vida se define como um movimento civil apartidário que luta contra o aborto e divulga fotos de manifestações políticas promovidas na Avenida Paulista, em São Paulo.