Primeira Turma

O Estado de S. Paulo: Primeira Turma entende que restrição do foro também se aplica a ministros de Estado

Entendimento foi firmado pelos ministros em julgamento que decidiu enviar para a primeira instância da Justiça inquérito contra o ministro da Agricultura e senador licenciado Blairo Maggi

Por Amanda Pupo e Rafael Moraes Moura, de O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA – A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão nesta terça-feira (12), entendeu que a restrição do foro por prerrogativa também vale para ministros de Estado, julgados pela Suprema Corte. O entendimento foi firmado ao decidirem enviar para a primeira instância da Justiça inquérito contra o ministro da Agricultura e senador licenciado Blairo Maggi, a partir de uma questão de ordem apresentada pelo ministro Luiz Fux.

Blairo e Sérgio Ricardo de Almeida, que é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso, foram denunciados por supostos crimes cometidos enquanto os dois ocupavam, respectivamente, os cargos governador e deputado estadual. “O elemento persuasivo não decorre das partes, mas dos elementos crimes cometidos no cargo em razão do cargo. Não cabe cogitar manter (o inquérito no STF) uma vez que hoje o senador e ministro de estado não praticou crimes em razão dos cargos”, afirmou Fux, aplicando o entendimento definido pelo plenário no início de maio, quando restringiram o foro para parlamentares federais.

No caso analisado hoje, a restrição também se estendeu ao caso de conselheiros de tribunal de contas de Estados, que são julgados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

“A razão de decidir do julgamento (da questão de ordem que restringiu o foro para parlamentares federais) se aplica indistintamente em relação a qualquer hipótese de prerrogativa de função”, também disse Fux, enviando a denúncia para a Justiça Estadual do Mato Grosso, acompanhado por Rosa, Barroso e Marco Aurélio.

Como o caso foi decidido na Primeira Turma, e não no plenário, e com a particularidade de Maggi ser senador licenciado, é possível que o plenário da Corte ainda tenha que se manifestar sobre os outros casos de ministros de Estado investigados no STF.

Conselheiro. No julgamento, ficou vencido o ministro Alexandre de Moraes, que entendeu que ainda não há previsão de restrição do foro para o caso de conselheiros de tribunal de contas de estado. Ao falar sobre a questão, Barroso avaliou que o STF iria se pronunciar caso a caso, oportunidade que surgiu durante a sessão da Primeira Turma.

“Nós nos pronunciamos apenas sobre parlamentares, e ficou subentendido que analisaríamos as outras hipóteses na medida em que surgissem os outros casos, como aconteceu agora com o conselheiro de tribunal de contas de estado”, afirmou Barroso.

Os ministros acabaram acompanhando o entendimento da Procuradoria-geral da República (PGR), que durante a sessão se manifestou para que o inquérito fosse encaminhado para a primeira instância da justiça.

COM A PALAVRA, FÁBIO MEDINA, QUE DEFENDE BLAIRO

“O ministro Blairo já havia decidido há muito tempo largar a vida política. E defende o fim da prerrogativa de foro. Logo, entende que nenhuma autoridade neste país deve gozar desse privilégio. Nem mesmo os juízes. Aceita com total tranquilidade a decisão do STF e as questões técnicas estão a cargo de seus advogados”.

 

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Luiz Carlos Azedo: As lições de Tuchman

Uma decisão do Senado hoje desautorizando a Primeira Turma pode desacreditar o Supremo e talvez até provocar uma reação contrária às expectativas quanto à decisão do plenário da Corte, o que nos levaria ao limiar de uma crise institucional

A escritora norte-americana Barbara Tuchman (1912-1989), historiadora autodidata, ficou famosa com a publicação do livro Canhões de agosto, em 1962, com o qual ganhou o Prêmio Pulitzer de não ficção, ao relatar os antecedentes e o primeiro mês da Primeira Guerra Mundial, desnudando o despreparo e a arrogância dos líderes políticos que protagonizaram o conflito. A carnificina custou 10 milhões de mortos, 30 milhões de feridos, arrasou indústrias e campos agrícolas, gerando prejuízos econômicos e dívidas impagáveis. Um mês de guerra foi o suficiente para desmoralizar e desacreditar governos, entre os quais a autocracia dos Romanov, cuja deposição resultou na Revolução Russa de 1917.

Seu livro mais conhecido, porém, é a A marcha da insensatez, lançado em 1984 nos Estados Unidos e publicado logo no ano seguinte no Brasil, pela Editora José Olympio. Teve grande repercussão por aqui, porque foi um raio de luz num momento decisivo da transição à democracia. Nele, Tuchman traça um paralelo entre momentos decisivos da História, entre os quais a Guerra de Troia, a Reforma Protestante, a Independência dos Estados Unidos e a Guerra do Vietnã, para tipificar o desgoverno provocado pela tirania, pela ambição, pela insensatez e pela decadência. Retrata a loucura política de governantes que adotam políticas contrárias aos seus próprios interesses, mesmo quando as evidências do fracasso se avultam e escolhas acertadas seriam possíveis.

Não faltam exemplos na política brasileira sobre isso, mas parece que estamos novamente num desses momentos em que as lideranças não medem as consequências dos seus atos. O presidente do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB-CE), ao sair do encontro de ontem com a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, anunciou que a sessão marcada para apreciar a decisão da Primeira Turma do STF que decidiu afastar do mandato o senador Aécio Neves (MG), presidente licenciado do PSDB, está mantida para hoje. E que a revogação da decisão está na pauta de votação, mesmo que o recurso impetrado pelo PSDB contra a decisão esteja para ser julgado pelo plenário da Supremo em 11 de outubro.

Desde sexta-feira, nos bastidores do Judiciário, comentava-se que a decisão da Primeira Turma, protagonizada pelos ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luís Fux, contra os votos do relator Marco Aurélio Mello e do ministro Alexandre de Moraes, seria revista pela maioria do Supremo. Supostamente, somente o ministro-relator da Lava-Jato, Edson Fachin, da Segunda Turma, estaria solidário com a decisão. Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski seriam a favor de rever as “medidas cautelares”. Caberia ao decano Celso de Mello e à presidente da Corte, Cármen Lúcia, consolidar ou reverter essa maioria. Talvez fosse mais prudente e elegante o Senado esperar o próprio Supremo rever a decisão da Primeira Turma em vez de reiterar o poder de dispor dos mandatos de seus membros. Daria aos demais integrantes da Corte a oportunidade de rever os atos de três de seus pares.

Um velho poema
É muita ingenuidade — para não dizer insensatez — acreditar que a ordem dos fatores não altera seu resultado. Uma decisão do Senado hoje desautorizando a Primeira Turma pode desacreditar o Supremo e talvez até provocar uma reação contrária às expectativas quanto à decisão do plenário da Corte, o que nos levaria ao limiar de uma crise institucional. O aviso veio de um dos ministros vencidos na Primeira Turma: “No dia 11, o Supremo dará a última palavra. Temos que cumprir a Constituição. A última palavra e interpretação constitucional é do STF. A partir do dia 11, qualquer desrespeito a partir da decisão do STF poderá resultar em crise institucional”, admitiu Alexandre de Moraes.

A situação é realmente delicada, ainda mais porque a Câmara inicia a discussão de outro contencioso: a segunda denúncia contra o presidente Michel Temer, que pode ser rejeitada pela base governista. São dois episódios que tensionam a relação entre os poderes da República, ambos em razão das investigações da Operação Lava-Jato. As forças no poder destituíram a presidente Dilma Rousseff em razão dos anseios da sociedade organizada em rede, que não permanece nas ruas, mas continua sendo uma variável a ser levada em conta. Os políticos entrincheirados no governo e os agentes econômicos também não têm os mesmos interesses, ainda que a sobrevivência do patrimonialismo nos processos de modernização, historicamente, faça parte da nossa tradição ibérica.

A crise política somente se resolverá nas eleições de 2018, nas quais vale a advertência de quem retratou a formação do patriarcado brasileiro, Gilberto Freyre, autor de Casa grande & senzala, no velho poema de 1926: “Eu ouço as vozes/eu vejo as cores/eu sinto os passos/ de outro Brasil que vem aí”.