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Ricardo Noblat: Baleia Rossi será o candidato de Maia a presidente da Câmara

Falta o PT decidir se o apoiará desde já ou só mais adiante

Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi, ou apenas Baleia Rossi como prefere que o chamem, 48 anos de idade, deputado federal no seu segundo mandato, ex-deputado estadual e ex-vereador de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, atual presidente nacional do MDB, será anunciado amanhã como o candidato do grupo montado por Rodrigo Maia (DEM-RJ) para disputar a presidência da Câmara.

O grupo é formado por 11 partidos – PT, PSL, MDB, PSB, PSDB, DEM, PDT, Cidadania, PV, PC do B e Rede. Juntos, eles somam 269 votos de um total de 513. Para eleger o presidente em primeiro turno são necessários 257 votos. Ao grupo ainda poderão se juntar o NOVO (8 deputados) e o PSOL (10 deputados). A disputa será contra o candidato de Bolsonaro, o deputado Arthur Lira (PP-AL)

Lira conta com o apoio do PP, PL, PSD, Republicanos, Solidariedade, PTB, Pros, PSC, Avante e Patriota que, juntos, somam 204 votos. Ou seja: 65 votos a menos do que tem hoje o grupo de Maia, o atual presidente da Câmara. O Podemos (10 deputados) deverá aderir a Lira. A eleição será realizada em 1º de fevereiro e, como o voto é secreto, haverá traições nos dois lados.

O PT decidirá hoje se apresentará um pré-candidato à presidência da Câmara só para marcar posição ou se declarará desde já apoio a Rossi. Já foi maior a resistência ao nome de Rossi dentro do PT. Em carta enviada, ontem, aos seus colegas de bancada, o deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ) defendeu o apoio do partido ao candidato de oposição ao governo Bolsonaro.

No último sábado, por mais de duas horas, Maia e Rossi conversaram em São Paulo sobre a sucessão na Câmara com o ex-presidente Michel Temer (MDB). Até aquele momento, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) ainda era uma opção ao nome de Rossi. Deixou de ser porque seu partido, por larga maioria de votos, apoiará Lira. A conversa de Maia com Temer sacramentou a escolha de Rossi.

Levou-se em conta também a pretensão do deputado Fábio Ramalho (MDB-MG) de ser candidato à presidência da Câmara. Ramalho já foi vice-presidente, é famoso pelos magníficos almoços e jantares que oferece no seu apartamento em Brasília, e calcula-se que possa atrair de 50 a 60 votos caso concorra. Mas dificilmente concorrerá contra o presidente do seu próprio partido.

A candidatura de Rossi reduzirá as chances de que seja lançado um nome do MDB para presidente do Senado. Dois nomes despontavam até então: Fernando Bezerra Coelho (PE), líder do governo no Senado, o que agradaria Bolsonaro, e Eduardo Braga (AM). Rara é a vez, como acontece agora no caso do DEM, de um partido presidir ao mesmo tempo a Câmara e o Senado.


Celso Rocha de Barros: Apoio da esquerda ao grupo de Maia foi uma decisão acertada

Aliança multipartidária é reação correta à escalada autoritária bolsonarista

Os partidos de esquerda estão de parabéns por terem decidido apoiar o grupo de Rodrigo Maia na eleição para presidente da Câmara dos Deputados. A aliança recebeu o nome de União da Democracia e da Liberdade.

A esquerda brasileira tem diferenças legítimas com o centro e a direita. Os últimos cinco anos, em especial, causaram feridas profundas, que vão exigir tempo e diálogo para cicatrizar.

Mas a esquerda não é mais o PT dos anos 1980, uma voz de protesto sem acesso ao poder. Depois de 13 anos na Presidência, a esquerda é um dos pilares da democracia brasileira, uma das forças responsáveis por sua preservação.

Tem grandes partidos, grandes lideranças, um legado —do SUS ao Bolsa Família, passando pelos direitos LGBT e pelas cotas para negros e negras nas universidades, da preservação da Amazônia aos sucessos educacionais de Ceará e Pernambuco.

A esquerda é grande o suficiente para fazer diferença na hora de recolocar a democracia de pé. É do interesse dos trabalhadores que ela seja recolocada de pé.

E o outro cara é o Jair.

O Jair é o Brasil sem vacina, com 180 mil famílias brasileiras de luto. É o risco permanente de golpe, é a guerra contra a liberdade, é o ódio às mulheres, aos negros e aos LGBT, é o elogio a Ustra no dia do impeachment, é o palhaço da Fundação Palmares ofendendo Zumbi, Marina e Benedita, é o cara que demitiu dois ministros da Saúde durante a pandemia, que desmoralizou os militares, que fez do Brasil um pária entre as nações.

As diferenças programáticas entre os membros da aliança continuam existindo, mas atenção: deixar Bolsonaro vencer no Congresso não trancará as pautas econômicas liberais, mas destrancará as autoritárias.

A aliança é a reação correta à escalada autoritária bolsonarista, ao contrário da manobra desastrada para permitir a reeleição de Maia e Alcolumbre, felizmente derrotada.

Nos dois casos, a preocupação era a mesma: a certeza generalizada de que Jair é golpista. A turma pode fingir que não, mas todo mundo viu Bolsonaro tentando o autogolpe em 2020. Mesmo assim, driblar a Constituição teria sido fazer o jogo de Bolsonaro.

Reunir os democratas, por outro lado, é injetar na democracia brasileira a marra de que ela anda precisando.

Resta saber o que os bolsonaristas vão fazer diante da nova frente. A única certeza é que, seja o que for que fizerem, vai ser sujo. Nos próximos meses, o Orçamento público será para o centrão como água benta da porta da igreja: quem for chegando, vai passando a mão.

Bolsonaro também deve ressuscitar a retórica do “eu contra o sistema” para reagir à união dos democratas. Era mais fácil quando não era “eu e o centrão contra o sistema”, mas talvez alguém acredite.

Também deve atacar a turma do Maia por se aliar à esquerda, deve chamar todos os homens de pedófilos, todas as mulheres de putas, aquele stand up que bolsonarista faz em vez de comprar vacina.

A aliança formada para a eleição da Câmara será permanente? Não. Tem chances de se converter em aliança eleitoral em primeiro turno em 2022? Não. Isso importa? Não. A luta programática continuará daí em diante, cada um do seu lado, democraticamente.

Por outro lado, a aliança aumenta a probabilidade de Bolsonaro perder a eleição no segundo turno em 2022? Sim. Repita esse “sim” em voz alta para você ver que beleza, que coisa linda.

*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).


Dora Kramer: Recuo estratégico

Realista, a esquerda prefere negociar a marcar posição na Câmara

Coisa rara, a esquerda em geral e o PT em particular imbuíram-se de realismo na atual disputa pela presidência da Câmara. Outras raridades cercam esse que é o principal movimento na política nacional no momento. Ele dará o tom de estabilidade ou de instabilidade no Congresso daqui em diante e norteará o início das articulações dos grupos postulantes à sucessão de Jair Bolsonaro, muito embora os acertos de agora no Parlamento não valham para a presidencial de 2022.

É a primeira vez desde a redemocratização que a esquerda não apresenta candidatura ao comando da Câmara. O PSOL ainda insiste, mas está sendo convencido a desistir sob o argumento de que é hora de deixar a adolescência e entrar da idade adulta, abandonando veleidades de caráter quixotesco.

Isso porque também é a primeira vez que esse campo, sendo como diz um petista, “irritantemente minoritário”, é tão decisivo para a definição de vitória ou derrota dos grupos em disputa. Ambos, um mais outro menos identificado com Bolsonaro, residentes no espectro direito (do centro ao extremo) da cena política.

Dada essa equivalência no terreno da doutrina, prevalece na esquerda o entendimento de que não se pode perder a oportunidade de conquistar espaço no andamento dos trabalhos legislativos. Vale dizer, lugar na mesa diretora, influência na pauta de votações e participação relevante nas comissões permanentes e especiais da Casa.

Nada disso se consegue com candidaturas destinadas só a marcar posição, pois o gesto se esgota no dia da eleição. Aqui pesa também a avaliação de que o resultado sairá no primeiro turno, não havendo uma segunda chance para negociar compromissos e posições. A opção preferencial pelo pragmatismo, no entanto, não significa que haja unidade entre as legendas marcadamente de oposição. Muitíssimo ao contrário. Hoje prepondera a divisão interna nos partidos, com cada ala procurando vencer a guerra da comunicação de acordo com o respectivo interesse. Há apoios significativos tanto a Arthur Lira, do PP, apoiado por Bolsonaro, quanto ao oponente respaldado pelo atual presidente, Rodrigo Maia.

Embora a imposição de uma derrota a Bolsonaro seja uma variável do jogo e muito usada para inibir publicamente os apoios a Lira, a esse argumento se contrapõe o seguinte raciocínio: seja quem for o eleito, não terá condições de atuar em consonância absoluta com os interesses do Planalto, pois não teria o respaldo do conjunto dos parlamentares hoje convencidos das vantagens da autonomia experimentada nos últimos dois anos. Tanto para os ideológicos quanto para os fisiológicos.

Portanto, o essencial para a esquerda serão os compromissos firmados pelos antagonistas do centro à direita, a avaliação sobre o grau de firmeza de cada qual na palavra empenhada e a consciência de que na Câmara dissidência em eleição não dá camisa a ninguém.

Publicado em VEJA de 23 de dezembro de 2020, edição nº 2718