pec da impunidade

Roberto Romano: O Congresso como pandemia

Mercenários? Há muitos por lá. Subornos? Ora... Preocupados com o bem público? Poucos

"Já passou a hora de pôr um fim à sua presença neste lugar que perdeu a honra pelo desprezo de todas as virtudes, contaminado por todos os vícios. Os senhores não passam de uma facção inimiga de todo bom governo, pois formam um bando de miseráveis mercenários. Seu gosto é como o de Esaú: vender seu país por um guisado e, como Judas, trair Deus por moedas. Existe uma única virtude entre os senhores e algum vício que não possuam? (...). Qual dos senhores deixou de trocar a consciência por subornos? Existiria um homem entre os senhores preocupado com o bem da Comunidade? Prostitutas sórdidas! Os senhores não infectaram este lugar sagrado e fizeram do templo divino um covil de ladrões por seus princípios imorais e práticas iníquas? Os senhores se tornaram odiosos para toda a nação pois foram postos aqui, pelo povo, para reparar suas queixas, mas se tornaram a fonte da maior queixa. Logo, o seu país apela-me para limpar esta estrebaria de Augias, pondo um ponto final nos procedimentos iníquos desta Assembleia. Com ajuda de Deus e a força que ele me deu, efetivo tal missão. Ordeno, com perigo das suas vidas, que os senhores saiam imediatamente deste lugar. Escravos venais, vão embora! Em nome de Deus, vão!"

Deixei sem aspas o trecho acima para que os informados sobre a história dos parlamentos tenham o prazer melancólico de identificar semelhanças entre o que teria ocorrido na Inglaterra do Rump Parliament e os dias de hoje, no Brasil. Cromwell, a quem se atribui a fala mencionada, se estivesse na porta do Congresso brasileiro, informado das manobras para tornar os parlamentares isentos das leis que eles mesmos devem manter, diria as mesmas palavras do parágrafo anterior. Nada falta para a similaridade entre a situação parlamentar na terra de Shakespeare (“existe algo podre no reino...”) e o Brasil de agora.

Mercenários? Existem muitos no Parlamento nacional. Praticantes de subornos? Ora... Preocupados com o bem público? Poucos.

Naqueles dias como hoje, o ambiente onde são feitas as leis ficou sujo como as estrebarias de Augias. Naquele espaço a equidade é expulsa dia a dia. Falta apenas a figura do ditador que expulsa, relho na mão, deputados que o apoiaram a preço de ouro e dos quais ele conhece a venalidade. Ele conhece seus interesses financeiros, próprios de mercadores de leis. A diferença fica por conta do personagem que fecha o Parlamento.

Cromwell assume, pelo menos de fachada, a ética protestante em seu florescer. Aqui, com muita probabilidade, o chicote nas costas dos deputados será movido por alguém sem ética ou respeito pelo bem público.

Elias Canetti em página memorável enuncia que, ao contrário da vida social marcada pela guerra de todos contra todos, no Parlamento “não deve haver mais mortos. Esta intenção é expressa (...) na imunidade parlamentar, que tem um duplo aspecto: fora, em relação ao governo e aos seus órgãos; dentro, entre os seus pares”. O sistema democrático funciona se a imunidade for garantida. O Parlamento tem como alvo criar, no meio da batalha perene da sociedade, um espaço de paz e segurança. O Legislativo é sagrado porque nele reside a única esperança de algum diálogo, algum respeito. Nele, o instrumento relevante é o voto dos representantes. As cédulas de votação (hoje, o painel eletrônico) atenuam a morte coletiva. Quem usa de modo sacrílego tais cédulas “confessa suas próprias sangrentas intenções”. Assim, cada voto pode gerar vida ou trazer morte.

“O deputado é um eleitor concentrado”, resume Canetti. Se o Legislativo age em causa própria, perverte o sistema das cédulas. O Parlamento é feito para trazer esperança ao coletivo. Se legisla em próprio benefício, sua existência perde a razão de ser. Se decidem sem ouvir os representados, os parlamentares abreviam sua própria extinção. Tomo o inimigo do sistema parlamentar, Carl Schmitt. Se por várias razões “os representantes podem decidir em vez do povo, com certeza um representante único poderia decidir em nome de todo o povo. Sem deixar de ser democrático, o argumento justifica um antiparlamentarismo”. Tal senda prepara a ditadura do “representante único”.

A humanidade sofre ameaça inédita e no Brasil os campos da morte se espalham sem controle. Seria preciso esperar do Parlamento maior zelo pela vida coletiva. Não é o que vemos.

Em clara parceria com um presidente isento de prudência e de respeito aos governados, o Congresso coloca antes e acima de medidas para preservar a saúde pública os seus privilégios e prerrogativas. E usa como desculpa a prisão de um deputado que ousa exigir o fechamento do STF e do próprio Congresso, a retomada do nefasto Ato Institucional número 5.

Quos Deus vult perdere prius dementat – aqueles a quem o divino quer desgraçar, primeiro enlouquece. Talvez seja esta a pandemia maior nas instituições brasileiras, a começar com os frangalhos do Poder Legislativo. E para tal desgraça não existe vacina, salvo a repulsa máxima da cidadania que ainda resta em nossa pátria.

 *Professor da Unicamp, é autor de ‘razões de estado e outros estados da razão’ (Perspectiva)


Catarina Rochamonte: Danilo Gentili e o autoritarismo da Câmara

Imputar saudosismo de ditadura a Gentili é assombrosa aleivosia

Em atitude abusiva, covarde e persecutória, o presidente da Câmara e sua turma acionaram o STF com um pedido de prisão em flagrante contra o humorista Danilo Gentili. O motivo da estapafúrdia peça jurídica, enviada pelo ministro Alexandre de Moraes para apreciação da PGR, foi uma postagem de Twitter na qual o apresentador vale-se de expressão hiperbólica para tecer sua crítica aos deputados que apoiavam aquela que ficou conhecida como "PEC da impunidade."

Augusto Aras se manifestou junto ao STF dizendo não existir, "por ora", motivos para a prisão, mas propôs incluí-lo no inquérito dos atos antidemocráticos e recomendou seu banimento do Twitter. Outras medidas de cerceamento contra as liberdades de Gentili foram propostas, como a proibição de sair da cidade onde vive ou se aproximar a menos de um quilômetro da Câmara.

A Câmara justificou seu arroubo autoritário com a necessidade de "tolher a seiva autoritária" dos "saudosistas da nossa assombrosa experiência ditatorial". Ora, imputar saudosismo de ditadura a Gentili é assombrosa aleivosia. A mensagem que motivou tal empenho retaliatório quis antes atacar a trama autoritária dirigida pela Mesa da Câmara, que, com urgência oportunista, tentou fazer passar a indecorosa PEC que tornava os parlamentares praticamente inimputáveis.

O comediante já foi às redes sociais para se justificar e dizer que sempre defendeu as instituições democráticas. O que, apesar de suas ácidas críticas disparadas a torto e a direito, é substancialmente verdade. O humor de Danilo é fundamentalmente antiautoritário.

A frase que gerou a celeuma é inconveniente, merecendo um pito. Que por causa dela tenha a Câmara pedido a prisão do autor e que a PGR queira que um humorista seja censurado e banido das redes sociais é uma piada que nem o talentoso Danilo faria igual. Entretanto, é preciso que os cidadãos fiquem alertas para não permitir que tal piada se transforme em jurisprudência.


Carlos Andreazza: Um modo de privatizar

O Parlamento esteve paralisado — por mais de semana — em decorrência do caso Daniel Silveira; escada para que Arthur Lira pusesse em marcha o trator que pretendeu alargar a câmara de blindagem que distingue a casta política brasileira. Afinal, a PEC da Impunidade não prosperaria. Mas foi a agenda legislativa do Brasil — ainda sem Orçamento para 2021, ainda sem solução para a volta do auxílio emergencial — na semana em que o país bateu o recorde de mortos pela peste em um só dia.

Nada mais se moveu no Congresso, desde a prisão do deputado, senão a tentativa corporativista de subverter o princípio da imunidade parlamentar para que crimes como o de Silveira — contra a ordem democrática — restassem autorizados. O Parlamento, à cata de escudar seus investigados por corrupção, quase aceitou dar guarida à fábrica de conflitos que ataca a própria democracia representativa. Exemplo perfeito do que produz a sociedade entre bolsonarismo e Centrão. Exemplo também de por que a natureza — para o golpismo — da base social que elegeu Bolsonaro contamina e interdita qualquer pauta reformista.

Avalie-se a constituição da persona do presidente e do fenômeno reacionário que encarna — exercício que mostra como sempre foi improvável crer que um seu governo pudesse reformar o Estado. Um sujeito cuja ignorância econômica forjou-se na segunda metade da década de 1970; péssimo militar cujos rudimentos sobre economia beberam do fetiche de um Brasil Grande induzido pelo governo central.

O apego ao tamanho da superfície estatal aumentaria com a chegada a Brasília. No curso de três décadas, Bolsonaro — aboletado nas bordas fartas (aquelas recheadas de catupiry) da pizza do establishment — se estabeleceria como bem-sucedido líder classista, agente contra qualquer esboço de diminuição do território em que ergueu frutífera (sim, laranjas) empresa familiar.

Um tipo que, para acrescentar complexidade ao reformismo impossível, tornou-se competitivo nacionalmente ao incorporar a demanda de ressentimentos variados contra o sistema de que sempre foi parte, eleito presidente associado a (e dependente de) um ímpeto por ruptura institucional, movimento desestabilizador em essência, que tem personificação em Daniel Silveira e efeito materializado na revolução dos caminhoneiros que travou o país em 2018.

Um presidente — com cabeça de sub-Geisel, que, agora desde o Planalto, orienta-se em função dos interesses dos mesmos grupos de pressão (armados, não raro amotinados) de quando era vereador — que é o próprio núcleo provedor da instabilidade avessa ao mais mínimo programa de reformas do Estado. Isso, claro, se houvesse projetos para reformar o Estado. Não há. Porque a Bolsonaro se juntou — para compor este raro espetáculo de estelionato eleitoral — um ministro da Economia incompetente como gestor público e que, politicamente autoritário, apaixonou-se pelo populista autocrata que o chefe é. Reformas?

Não se iluda mais, amigo liberal. Daqui até 2022, com algumas migalhas para as viúvas de um Guedes de fantasia, a parceria entre iguais — Bolsonaro e Lira — trabalhará por proteção e reeleição; o que significará mais Estado, contida na ideia de proteção a defesa das mamas em que os presidentes da República e da Câmara engordam há décadas. (Mas você pode acreditar que os estudos modais para a capitalização da Eletrobras avançarão celeremente até que a operação esteja pronta, a ser realizada à véspera ou no próprio ano eleitoral.)

Veja-se a maneira como vai humilhada a tal PEC Emergencial, prioridade de Paulo Palestra. Um projeto que se tentou requentar socado como contrapartida à retomada do auxílio; transformado, porém, numa frondosa árvore de jabutis perversos, a ponto de se haver condicionado a retomada urgente do auxílio ao fim dos pisos constitucionais para Saúde e Educação. Uma aberração. Que não prosperará — felizmente. Mas de cujo impasse se insinua, tocado pela pressa, o improviso. Tem método. O bolsonarismo depende de volubilidades.

O ciclo da fortuna bolsonarista, beneficiado e acelerado pela peste, consiste em prolongar — pela inação calculada — a circulação do vírus, provocar o caos (pela falta de vacinação em massa), atribuir responsabilidades a inimigos artificiais (governadores) e colher créditos extraordinários, para os gastos populistas que financiarão 2022, liberados pela urgência em enfrentar problemas deliberadamente gerados pelo governo Bolsonaro.

Porque o auxílio voltará — sempre se soube, mesmo quando se apregoava a mentira de que o vírus cedia, e a economia se recuperava em V. E a PEC Emergencial avançará, tudo indica, como síntese do liberalismo do amanhã de Guedes; minguando no Senado até resultar num corpo de compensações fiscais desprovidas de impacto imediato. Isso se o auxílio não regressar sem o estabelecimento de qualquer resposta fiscal — nem mesmo as empurradas ao futuro. A pandemia — que é sustentada no Brasil — desculpa e justifica. Reaja-se.

É o que querem Bolsonaro e seus parceiros do Centrão: um cheque especial, à margem do teto de gastos, para investir em popularidade e apaniguados — e que se dane a dívida pública. O minion Guedes topa. O presidente informa que as privatizações devem ficar para 2023. Não mente. A autocracia é um modo de privatizar. Guedes fica. Sabe bem ao que serve.


Catarina Rochamonte: O privilégio da impunidade

Arthur Lira tentou aprovar a toque de caixa proposta para adulterar a imunidade parlamentar

Devido à forte rejeição da opinião pública e oposição firme de alguns poucos parlamentares, foi momentaneamente frustrada a trama conduzida pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, para aprovar a toque de caixa —e atropelando os ritos processuais— uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC 3/2021) para adulterar a imunidade parlamentar já assegurada pela Constituição.

No seu teor original, a indecorosa proposta —apelidada de PEC da Impunidade e PEC da blindagem—, dentre outras extravagâncias, limita o alcance da Lei de Ficha Limpa, restringe a prisão em flagrante de parlamentar e dispõe que ações judiciais contra eles ficam condicionadas à decisão do plenário do Supremo. Além disso, o deputado ou senador preso em flagrante ficará sob custódia do próprio Poder Legislativo esperando decisão dos colegas acerca do seu futuro. Em suma, a PEC 3/2021 tem o claro propósito de dificultar ao extremo a ação do Judiciário sobre os parlamentares, tornando-os, na prática, inimputáveis.

Em discurso na Alesp, Janaína Paschoal caracterizou a proposta como retrocesso no combate ao crime, ao peculato e ao abuso de poder: “Eles estão criando um arcabouço para proteger os maus”, asseverou a deputada. É, de fato, espantoso que, no pior momento de uma devastadora pandemia, deputados adotem a atitude corporativista, indecente e imoral de legislar em causa própria no intuito de se colocarem acima da lei.

A PEC da Impunidade, porém, não é um ponto fora da curva; faz parte de um processo de acumulação de privilégios no Parlamento. Recorde-se que, durante a presidência de Rodrigo Maia na Câmara, além dos privilégios tradicionais, prosperaram as novas benesses financeiras do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral.

São muitos os privilégios dos nobres parlamentares, mas o privilégio da impunidade é o mais valioso, porque garante os demais. É isso o que muitos deputados —vários deles na mira da Justiça— buscam sofregamente por meio da PEC 3/2021.


Bernardo Mello Franco: Impunidade parlamentar - Lira recuou, mas não desistiu

Por duas semanas seguidas, os deputados esticaram o trabalho e se reuniram para votar numa sexta-feira. O surto de produtividade nada teve a ver com a pandemia. O objetivo era despachar o aloprado Daniel Silveira e evitar novas prisões de parlamentares.

Assim que a cabeça do bolsonarista foi entregue, a Câmara passou a discutir a chamada PEC da Imunidade. A proposta muda a Constituição para reforçar a blindagem de deputados e senadores. Com a regra atual, prender um congressista é muito difícil. Com a nova, passaria a ser uma missão impossível.

O articulador da ideia foi o novo presidente da Câmara, Arthur Lira. Em defesa da mudança, ele disse que “proteger o mandato é garantir que os parlamentares possam enfrentar interesses econômicos poderosos ou votar leis contra organizações criminosas perigosas”.

O deputado não é conhecido por contrariar empresários ou combater quadrilhas. Ele responde a duas ações no Supremo, por corrupção passiva e organização criminosa.

Discípulo de Eduardo Cunha, Lira se inspirou no mestre e tramou uma aprovação a toque de caixa. Na terça, seus aliados começaram a recolher assinaturas para apresentar a proposta; na quinta, o texto estava pronto para votação em plenário.

Pelo rito tradicional, toda PEC precisa passar pela Comissão de Constituição e Justiça e por uma comissão especial. O presidente da Câmara pulou as duas etapas, mas não conseguiu consumar o tratoraço.

Na sexta, o deputado admitiu, a contragosto, que não tinha os 308 votos necessários para mudar a Constituição. Ele se disse “muito triste e preocupado”, com as críticas à emenda. “Essa não merece ser chamada PEC da Imunidade. Deveria ser chamada PEC da Democracia”, reclamou. Lira foi generoso com a própria obra. Outros parlamentares preferiram acrescentar um P, rebatizando-a de PEC da Impunidade.

O chefe do Centrão usou um argumento fajuto para proteger os colegas na mira da polícia. A Constituição afirma que os congressistas são invioláveis por “opiniões, palavras e votos”. O texto foi redigido para defender a democracia e o livre exercício dos mandatos. Não pode ser usado como escudo para a prática de crimes.

Se a proposta de Lira já estivesse em vigor, o deputado Daniel Silveira não teria sido preso e a deputada Flordelis não teria sido afastada por ordem da Justiça. Ela é acusada de mandar matar o marido, executado com 30 tiros em Niterói.

A pastora foi denunciada por homicídio triplamente qualificado, associação criminosa, falsidade ideológica, uso de documento falso e tentativa de homicídio por envenenamento. Ela se tornou ré há seis meses, mas escapou da prisão preventiva graças à imunidade parlamentar.

O marido de Flordelis foi assassinado em junho de 2019. O Conselho de Ética da Câmara só instalou um processo disciplinar contra ela na terça passada, como parte do teatro para justificar a votação da PEC. Lira foi obrigado a recuar, mas já deixou claro que não desistiu.


Folha de S. Paulo: Sob pressão, Câmara freia votação a jato de blindagem a deputados e impõe revés a Lira

Presidente da Casa tentou acelerar tramitação da proposta, mas reação da opinião pública e desconforto no STF provocaram adiamento

Danielle Brant , Gustavo Uribe , Matheus Teixeira , Renato Machado e Daniel Carvalho, Folha de S. Paulo

Apesar da tentativa de tratorar opositores para acelerar a votação da PEC da imunidade parlamentar, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sofreu um revés nesta quinta-feira (25) com o adiamento da votação da proposta no plenário da Casa.

As dificuldades de costurar um acordo para diminuir a oposição ao texto fizeram com que a sessão se arrastasse por seis horas.

O tempo, no entanto, foi insuficiente para vencer a resistência dos congressistas contrários à proposta, que teve uma repercussão negativa perante a opinião pública e também desagradou a ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).

A proposta de emenda à Constituição teve uma tramitação a jato na Câmara, o que gerou críticas de parlamentares.

A PEC foi agilizada pela Câmara como resposta à prisão em flagrante do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), determinada pelo ministro Alexandre de Moraes e ratificada pelos plenários do Supremo e da própria Câmara na semana passada.

A decisão da prisão teve como base a publicação de um vídeo de Silveira com ataques aos ministros da corte e defesa ao AI-5 (Ato Institucional nº 5), que deu início ao período mais autoritário da ditadura.

Em linhas gerais, o texto amplia a blindagem de deputados e senadores e reduz as possibilidade de prisão em flagrante dos parlamentares.

A proposta prevê, por exemplo, punição disciplinar no conselho de ética a deputados que fizerem discursos que possam ser considerados excessivos e impede afastamento judicial cautelar de congressistas, colocando também o parlamentar preso em flagrante por crime inafiançável sob custódia da Câmara ou do Senado, e não da Polícia Federal, como no caso de Silveira.

Lira anunciou a criação de uma comissão pluripartidária sobre a PEC na sexta-feira (19) passada, antes da sessão convocada para apreciar a prisão de Silveira.

A pressa para votar a PEC gerou reclamação de deputados, que diziam não ter tido acesso ao texto final e contestavam a tramitação acelerada da proposta e o impacto que isso geraria perante a sociedade, principalmente pela avaliação de que a proposição blinda os congressistas.

Como comparação, a PEC do Orçamento de Guerra, idealizada no ano passado para munir o Executivo de ferramentas para combater a pandemia de Covid-19 e que tinha acordo entre todos os líderes partidários, foi aprovada em dois dias.

A PEC da imunidade parlamentar está longe de ter o mesmo consenso e teria a mesma tramitação expressa —foi apresentada na terça-feira.

A admissibilidade da proposta, que avalia se o texto segue preceitos constitucionais, recebeu o aval de 304 deputados, enquanto 154 votaram contra. Por regra, uma PEC precisa de 308 votos para ser aprovada na Câmara, em votação em dois turnos, antes de seguir para o Senado.1 9

Sem conseguir apoio suficiente para avançar a proposição, coube ao presidente da sessão, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), a decisão de adiar a votação, sob risco de derrota no plenário. Uma nova tentativa deve ser feita nesta sexta-feira (26), às 10h. ​

Lira afirmou que a regra é necessária para que o STF não tenha “que recorrer a uma lei de segurança nacional” pelo fato de o Congresso não ter esclarecido os limites da imunidade parlamentar.

“Eu respeito os ministros, respeito o Supremo. O Legislativo, da mesma forma, merece todo respeito na sua atuação primordial, que é legislar. E nesse aspecto de uma regulamentação de um artigo constitucional, eu não vejo onde o Legislativo esteja ofendendo ou agredindo outro Poder”, disse.

Para tentar diminuir a resistência dos colegas, a relatora, deputada Margarete Coelho (PP-PI), retirou do texto os dispositivos que não diziam respeito ao artigo de imunidade parlamentar, como o que tratava de ficha limpa e das competências do STF e do STJ (Superior Tribunal de Justiça).

A delimitação proposta busca regulamentar a imunidade parlamentar. O dispositivo foi idealizado para proteger os deputados, de forma que possam votar e discursar sem temor de quaisquer retaliações.

A crítica que se faz, inclusive no caso de Daniel Silveira, é que essa garantia acabou sendo usada para blindar congressistas de punição, dando a prerrogativa de praticar crimes usando a liberdade de expressão como escudo.

Em seu parecer sobre o texto, Margarete Coelho negou que a proposta amplie a imunidade material ou proteja congressistas. "Além de não modificar a jurisprudência do STF sobre a temática, a proposta não cria qualquer blindagem normativa aos congressistas”, escreveu.

Mais cedo, questionado sobre a relevância da medida, Lira se esquivou. "A minha opinião é irrelevante", disse.

Apesar disso, a proposta não teve apoio suficiente dos deputados. Ao final da primeira sessão, Margarete Coelho acenou com um acordo voltado a convencer o PT a votar a favor da proposição.

A deputada acatou uma alteração no artigo 53, para retirar o trecho que previa a punição ético-disciplinar a congressistas —há críticas de que o dispositivo restringiria a possibilidade de ingressar com processos por ofensas cometidas por parlamentares em discursos em tribuna.

A deputada Alice Portugal (PC do B-BA) defendeu a PEC e afirmou que a proposta era fundamental para proteger os parlamentares.

"Nós, do PC do B, que sabemos o que é a falta de liberdade, o que é perder uma bancada inteira por quebra do manto da imunidade. Nós que sabemos o que é a prisão, o cárcere, a morte de líderes, nós não abrimos mão desse instituto", disse.

Líder do Cidadania, Alex Manente (SP) criticou a tramitação acelerada da proposta. "Nós estamos fazendo de maneira rápida, de maneira afobada uma mudança que tem um grande impacto, especialmente diante daquilo que passamos e votamos na semana passada", afirmou.

A PEC ratifica o que já é contemplado no regimento interno da Câmara: parlamentares que quebrarem o decoro parlamentar estão sujeitos a responsabilização ético-disciplinar.

Segundo a proposta, os congressistas poderão ser presos em flagrante por crimes inafiançáveis previstos em lei —uma mudança em relação ao texto original, que previa apenas crimes inafiançáveis determinados pela Constituição.

A seguir, porém, o deputado ou senador ficaria sob responsabilidade de sua respectiva Casa, em vez de ficar sob custódia da Polícia Federal, explica Moroni Costa, sócio do Bichara Advogados.

A PEC veda o afastamento judicial do deputado ou senador. "O Congresso está delimitando a fronteira com o Judiciário", diz. "O mandato vem do povo, não do Judiciário. Agora quem vai decidir efetivamente quanto à custódia vai ser o Congresso."

A interpretação de ministros do STF, no entanto, é de que inúmeros trechos da PEC são inconstitucionais e, se forem contestados, devem ser derrubados pelo Supremo.

A aposta deles, no entanto, é que a Câmara colocou em pauta uma proposta com proteções exageradas para se ter margem de negociação e, ao final, aprovar uma emenda que preserve parte das imunidades inicialmente previstas.

Assim, mesmo que não conquistem tudo o que pretendiam, os deputados irão garantir maior proteção.

Um dos pontos de maior preocupação no STF é a previsão de que as prisões em flagrante de parlamentares só possam ser decretadas por decisão colegiada. Os ministros entendem que a medida é inviável e que praticamente inviabilizaria a detenção de congressistas.

No entendimento de ao menos dois ministros do Supremo, a norma afronta a separação de Poderes, pois afetaria a organização interna dos trabalhos da corte.

Para o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), todos devem respeitar o "senso de urgência" da Câmara em relação à PEC da Imunidade.

"Foi entendido pelo presidente Arthur Lira e pela Câmara como algo necessário, diante especialmente do episódio havido com o deputado federal Daniel Silveira", disse o presidente do Senado.

Pacheco evitou fazer previsões sobre o ritmo de tramitação da proposta no Senado.

Nesta quinta, em sua live semanal, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse não ter nada a ver com a PEC e que, por se tratar de emenda à Constituição, ela é promulgada, não cabendo nem possibilidade de veto presidencial.

"Eu não tenho conhecimento dessa PEC [...] Se eu não me engano, deve ter uns 30 mil projetos, no mínimo, tramitando no Congresso Nacional. Eu não tenho como saber de tudo o que acontece lá", disse Bolsonaro.

"E, obviamente, essa PEC, uma vez tramitando, ela tem a ver com a imunidade parlamentar, não tem nada a ver comigo, como chefe do Executivo. Daí o pessoal começa já a tirar, falar que eu vou ter proveito próprio, a família vai ter proveito próprio em cima disso. São críticas que realmente deixam a gente chateado, dada a ignorância de quem critica sem saber o que está falando", disse o presidente na transmissão. ​