PEC 186

Foto: Khaled Elfiqi/EFE

PEC da Transição será protocolada até terça (29) no Senado, diz relator do Orçamento

Cristiane Sampaio*, Brasil de Fato

O relator-geral do Orçamento de 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI), afirmou, nesta quinta-feira (24), que o texto da “PEC da Transição” será protocolado no Congresso Nacional até a próxima terça-feira (29). A medida traz a previsão de gastos não projetados na proposta de orçamento enviada pela gestão Bolsonaro ao Legislativo para o ano que vem.

“Os dois grandes desafios que temos para que o país continue funcionando são a aprovação da PEC do Bolsa Família e o orçamento do próximo ano. Para que possamos focar na elaboração do orçamento, precisamos que a PEC seja aprovada no Senado e na Câmara até 10 de dezembro. Portanto, até a próxima terça irei protocolar o texto da PEC para darmos celeridade à aprovação da matéria nas duas Casas e garantirmos a continuidade do pagamento dos R$ 600 reais do Bolsa Família e mais R$ 150 reais por criança de até 6 anos de idade”, disse, em nota.

A proposta tem terreno fértil na Câmara dos Deputados, mas ainda é alvo de divergências no Senado, casa por onde deve iniciar a tramitação do texto. “Estamos fazendo as conversas no Congresso Nacional, no Senado. Eu aposto muito na solução política, como disse o presidente [Lula], que o Congresso Nacional tem responsabilidade para com o povo brasileiro. Obviamente que, se isso não for possível, vamos buscar outras saídas”, disse nesta quinta a coordenadora de articulação política da transição de governo e presidenta do PT, Gleisi Hoffmann.

Questionada sobre as dificuldades em torno do texto, Gleisi também negou a afirmação dada mais cedo pelo senador Jaques Wagner (PT-BA) de que estaria faltando a indicação do futuro ministro da Fazenda para a equipe de Lula conseguir destravar as negociações no Senado.

“Não vejo isso. eu acho que a articulação política se dá no Congresso, independe de quem é ministro. Eu acho que a gente tem que respeitar o tempo do presidente Lula de avaliar quem ele quer nos ministérios, até porque isso é uma responsabilidade muito grande. Se você colocar um ministro, não pode tirar logo em seguida, então, acho que tem que ser avaliado.”

A presidenta também creditou o embaraço da pauta ao modo como as costuras vêm sendo feitas e sugeriu que falta habilidade no processo conduzido pelos correligionários. “Está faltando articulação política no Senado, por isso que eu acho que nós travamos na PEC. [Foi] a forma como foi iniciado o processo, sem falar ou sem formatar uma base mais forte de governo. Não é falta de ministro”.

*Texto publicado no site Brasil de Fato


Ribamar Oliveira: É facultativo, pero no mucho

Estado ou município que não fizer ajuste não terá aval da União

Muitos analistas e mesmo parlamentares reclamaram de um artigo da PEC 186, em votação no Senado ontem, que torna facultativo o acionamento de medidas de ajuste quando as despesas de um Estado ou de um município superarem 95% de suas receitas correntes. A conclusão de muitos é que, se o ajuste é facultativo, nenhum governador ou prefeito vai disparar os gatilhos das medidas, todas impopulares. O artigo pode se tornar, portanto, letra morta.

Há, no entanto, um detalhe que pode ter passado despercebido. A PEC estabelece que, se um Estado ou município estiver com suas despesas correntes superiores a 95% de suas receitas correntes, não poderá receber garantias da União ou de outro ente da federação ou fazer operação de crédito com a União ou outro ente da federação. Estão ressalvados somente os financiamentos destinados a projetos específicos, celebrados na forma de operações típicas das agências financeiras oficiais de fomento.

A proibição vai durar até que todas as medidas de ajuste elencadas na PEC 186 tenham sido adotadas, de acordo com declaração do respectivo Tribunal de Contas. As medidas abrangem proibição de concessão de aumento, reajuste, vantagem ou adequação de remuneração de servidor, criação de cargo ou função, realização de concurso público, alteração de estrutura de carreira, criação de despesa obrigatória e adoção de medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação.

O governador ou o prefeito que estiver gerindo um Estado ou um município em situação pré-falimentar poderá até não adotar medidas de ajuste, como, aliás, tem sido uma prática usual no Brasil. Mas, a partir da aprovação da PEC 186, ele não terá mais garantia da União para fazer operação de crédito. E não existe investimento público sem financiamento.

O comando que está sendo colocado na Constituição obriga, de forma indireta, o governador ou prefeito a ajustar suas contas, sob pena de nunca mais ter direito a aval da União ou de outro ente da federação para obter financiamento. E, sem o aval, eles não conseguem crédito no mercado ou, quando o fazem, é com taxa de juros proibitiva. Assim, acionar os gatilhos é facultativo, pero no mucho - para usar uma expressão dos hermanos argentinos e uruguaios.

O Tesouro Nacional utiliza a relação entre despesa corrente e receita corrente, entre outros indicadores, para calcular a capacidade de pagamento de Estados e municípios. De acordo com a análise da capacidade de pagamento (Capag) realizada pelo Tesouro em 2019, apenas 11 Estados possuiam nota A ou B, as quais permitem que o ente receba garantia da União para novos empréstimos.

O Boletim de Finanças dos Entes Subnacionais, relativo a 2019, mostra que em 12 Estados as despesas correntes superavam 95% das receitas correntes. Ou seja, estes são os candidatos a acionarem os gatilhos das medidas de ajuste fiscal, caso a PEC 186 seja aprovada. Os Estados de Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul tinham, em 2019, despesas correntes superiores a 100% de suas receitas correntes, de acordo com o Tesouro. Isto significa que os governadores não tinham receita suficiente para quitar suas contas e estavam atrasando pagamentos.

Ao inscrever no texto da Constituição a proibição de que Estados em situação pré-falimentar recebam aval da União, a PEC 186 evita o que ocorreu em passado recente, quando a ex-presidente Dilma Rousseff autorizou empréstimos para Estados com Capag indicando nota C e D. Na época, o governo disse que a intenção era permitir que os Estados aumentassem os seus investimentos. O resultado dessa política, no entanto, foi uma ampliação das despesas com os servidores.

Como a proibição estará no texto constitucional, os Estados não terão condições de pressionar o presidente da República, por meio de senadores e deputados, para obter aval para empréstimos ou financiamentos de bancos públicos, como aconteceu no passado. Esta mudança não é pequena. E poderá ser decisiva como estímulo para que governadores e prefeitos de Estados e municípios em situação pré-falimentar façam o dever de casa, ou seja, ajustem as contas.

Há na PEC um limite prudencial para os Estados e os municípios. Toda vez que as despesas correntes ultrapassarem 85% das receitas correntes, o governador ou o prefeito poderá adotar medidas de ajuste. Mas, para isso, terá que submetê-las ao Legislativo. Os deputados estaduais ou os vereadores terão um prazo de 180 dias para se pronunciar sobre as medidas. Se elas forem rejeitadas ou não apreciadas no período, elas perderão eficácia, mas os atos praticados terão validade durante o período em que vigoraram. Algo parecido com o que ocorre, atualmente, com as medidas provisórias, editadas pelo presidente a República.

Numerosas sugestões

A PEC 186 veda a vinculação de todas as receitas públicas a órgão, fundo ou despesa pública. Mas abre numerosas exceções. Foram excluídas as taxas, contribuições, doações, empréstimos compulsórios, repartição de receitas com Estados e municípios, receitas vinculadas ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS), prestação de garantias na contratação de operações de crédito por antecipação de receita e receita destinada por legislação específica ao pagamento de dívida pública.

A nota técnica 7/2021, da Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados, explica que as taxas, contribuições e empréstimos compulsórios são vinculadas por sua natureza jurídica, assim como a repartição de receitas com entes federados. A nota, de autoria dos consultores José Cosentino Tavares, Eugênio Greggianin e Ricardo Volpe, estima que, após todas as exclusões, o governo vai poder liberar R$ 72,9 bilhões.

Esta desvinculação vai ser, certamente, de grande ajuda para o governo administrar a dívida pública neste ano. Os recursos desvinculados dos Fundos, que ficam no caixa único do Tesouro no Banco Central, poderão ser usados no pagamento da dívida pública.