Paris

Primeiro voo há 115 anos: Santos Dumont aliou invenções à ciência

Gênio brasileiro conquistou a dirigibilidade, criou balões e avião

Luiz Claudio Ferreira / Agência Brasil

O voo do brasileiro Alberto Santos Dumont, em uma distância de 60 metros com o 14-Bis, no Campo de Bagatelle, em Paris, marcou historicamente aquele 23 de outubro de 1906 e consagrou ainda mais o inventor. O aparelho subiu 2 metros de altura e foi o bastante para a humanidade olhar para cima e para o futuro de forma diferente.

O feito inédito que completa 115 anos neste sábado (23), porém, é "apenas" a parte mais famosa das conquistas, segundo apontam os pesquisadores da vida e das obras daquele mineiro que ficou conhecido como o Pai da Aviação.

Santos Dumont em seu 14-Bis
Santos Dumont em seu 14-Bis - Domínio Público

Até aquela data (e depois também), o enredo é de uma história de coragem, perspicácia, generosidade e divulgação científica como rotina de vida. Característica, aliás, de um período de fascínio pela tecnologia e pelas descobertas. Autor de quatro livros sobre Santos Dumont, o físico Henrique Lins de Barros, especialista na história do gênio inventor, destaca que feitos anteriores foram fundamentais para que as atividades aéreas se consolidassem.

Ele cita que o brasileiro inventou e patenteou o motor a combustão para aviões, em 1898, o que viabilizou o sonho de um dia decolar. Uma característica de Santos Dumont é que ele criava, patenteava e liberava a utilização para quem quisesse. Três anos depois do motor, a conquista da dirigibilidade, também por parte de Dumont, foi uma ação revolucionária.  

"Ele aprendeu a voar de balão, fez os primeiros dirigíveis. Todos eles, até o número 6, têm inovações impressionantes, com mudanças conceituais. Ele sofreu diversos acidentes, mas aprendeu a voar. Foi assim que ele descobriu quais eram os problemas de um voo controlado.  Quando ele ganhou o Prêmio Deutsch, em 1901 [com o dirigível número 5], ele tinha domínio total. Em 1902, ele já tinha os dirigíveis até o número 10 construídos".

“Ele tem uma produção, em dez anos, em que ele idealiza, constrói, experimenta mais de 20 inventos. Todos revolucionários. Ele tem intuição para o caminho certo e criatividade para ir adiante. Os colegas deles inventores diziam que ele fazia em uma semana o que os outros demoravam três meses”, afirma Henrique Lins de Barros.

 

Voo sob controle

De acordo com o escritor Fernando Jorge, biógrafo de Santos Dumont, a descoberta da dirigibilidade, por parte do brasileiro, foi um marco decisivo para o que ocorreria depois. "Entendo que foi um momento supremo e culminante para a história da aeronáutica mundial."

Para o arquivista Rodrigo Moura Visoni, pesquisador dos inventores brasileiros e autor de livro sobre Santos Dumont, as fotos mostram detalhes da emoção que tomou conta das pessoas quando houve a conquista da dirigibilidade. "Santos Dumont foi convidado para rodar o mundo. Foi, sem dúvida, um grande feito. Para se ter uma ideia, o número de notícias sobre a conquista do Prêmio Deutsch supera a do primeiro voo [cinco anos depois]. Isso é explicado porque a busca pela dirigibilidade já tinha 118 anos. Ele resolve um problema secular. Além disso, a descoberta permitiu a era das navegações aéreas", afirma.

Segundo o que Visoni pesquisou, Alberto Santos Dumont disse, em várias entrevistas, inclusive pouco antes de morrer, que a maior felicidade dentre todas as emoções foi a conquista da dirigibilidade. "Isso é muito curioso. Ele dizia que o dia mais feliz não foi o dia em que ele faz a prova do Prêmio Deutsch, nem o 23 de outubro ou o 12 novembro de 1906 [em que ele faz o voo de 220 metros pela Federação Aeronáutica Internacional]. O dia mais feliz teria sido o 12 de julho de 1901, quando ele percebeu que resolveu o problema de dirigibilidade aérea. Foi uma demonstração impressionante. Ele vai aonde ele quer. Ele estava totalmente integrado ao dirigível."   

Ouça reportagem da Radioagência Nacional sobre o tema

O Prêmio Deutsch (no valor de 100 mil francos) foi conferido a Santos Dumont por ele ter conseguido circular a Torre Eiffel em julho. Mas os juízes garantiram a vitória ao brasileiro somente em novembro daquele ano. Os 120 anos da dirigibilidade, assim, devem ser celebrados no mês que vem.

Na ocasião, o dinheiro foi distribuído para a equipe do aviador e para pessoas pobres da capital francesa. "Ele era um homem muito generoso", afirma o biógrafo Fernando Jorge. 

"Tomem cuidado!"

A série de demonstrações públicas que ele faz dos seus inventos devia sempre ser acompanhada da presença de repórteres. "Os jornalistas registravam e Santos Dumont publicava o que ele estava fazendo. Essa é uma característica impressionante. Ele divulga tudo. Tanto o que ele acerta como o que ele erra. Essa é uma característica impressionante dele. Quando ele erra, ele descreve e alerta: 'Tomem cuidado!'. Ele estava maduro na arte dos balões", afirma Lins de Barros. 

População francesa assiste ao voo do 14-Bis
População francesa assiste ao voo do 14-Bis - 1906- Domínio público

A postura de Santos Dumont não era apenas a de um inventor, mas a de um divulgador científico, explicam os pesquisadores. "Ele foi um divulgador honesto."

Entre 1901 e 1906,  Santos Dumont passou a entender o que era o voo do avião. "O 14-Bis ele fez em pouquíssimo tempo, pouco mais de um mês. Em setembro, por exemplo, ele experimenta e faz vários testes com o aparelho."

Em 23 de outubro, ele, após quatro tentativas, consegue voar os 60 metros. Assim ele mostra para todos os aviadores da época que era possível voar com o mais pesado que o ar. Uma revolução. A vitória significou o Prêmio ArchdeaconBastaria voar 25 metros. Santos Dumont fez um percurso de mais que o dobro.

Demoiselle, a primeira de uma série

Depois do voo, outros inventores entenderam quais eram os problemas. Em 1907, Santos Dumont apresenta o Demoiselle (invenção número 20), um ultraleve. "No ano seguinte, Santos Dumont publica em uma revista popular o plano detalhado do Demoiselle para quem quisesse construir. Esse modelo passa a ser o primeiro produzido em série na aviação", explica Lins de Barros. O modelo foi vendido para um pioneiro da aviação na França, Roland Garros.

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Foto reprodução Iara Venanzi/Itaú Cultural

Santos Dumont x irmãos Wright

Nessa época, também, surge uma polêmica com dois norte-americanos, os irmãos Wright (Wilbur e Orville), que alegam terem sido os pioneiros do voo. Os pesquisadores explicam que os aviadores não têm registros de voos, com decolagem, dirigibilidade e pouso antes de 1906 sem uso de catapultas (que impulsionavam os aparelhos para o ar).

Em 1908, Santos Dumont, acometido por esclerose, abandonou o voo. O registro é de que ele se suicidou em 1932, em um hotel no Guarujá (SP). O biógrafo do aviador, Fernando Jorge, lamenta que o final da vida do genial brasileiro tenha sido de martírio diante da doença e da depressão. "Ele era um homem tímido e que revelava que não queria casar porque não queria deixar a esposa viúva. De toda forma, o que sempre me impressionou na personalidade dele foi a combinação impressionante da tenacidade, da coragem e da perseverança. Foi um gênio da humanidade."

Fonte: Agência Brasil
https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2021-10/primeiro-voo-ha-115-anos-santos-dumont-aliou-invencoes-ciencia


Política Democrática: André Amado estabelece ‘difícil diálogo com Roland Barthes’

Íntegra do artigo em primeira pessoa pode ser conferido na quinta edição da revista Política Democrática online

Cleomar Almeida

O diretor da revista Política Democrática online, André Amado, que também é embaixador aposentado e escritor, leva ao público um artigo em primeira pessoa, no qual estabelece um diálogo com o filósofo francês Roland Barthes, considerado o pop-star do pensamento parisiense dos anos 1960. Confira trechos abaixo:

Há alguns meses, comentei com um amigo – agora ex-amigo, e vocês entenderão porquê – meu projeto de fazer um doutorado em literatura. Reconheci, de antemão, imensa insegurança quanto aos fundamentos da teoria literária e pedi ajuda.

Sem hesitar, ele sugeriu-me ler, entre outros, o Mimesis, de Erich Auerbach, e um artigo de Roland Barthes, “L ́effect de réel” (“O efeito de real”). Não quis discutir, quem sou para questionar um Barthes?, mas, no meu francês, deveria ser “L ́effect de réel” e não “de”. Deixei passar. Compensava a expectativa de que, em se tratando de um artigo, seria, como de fato logo comprovei, curto.

» Acesse a íntegra do artigo na edição de fevereiro da revista Política Democrática online

Mergulhei na leitura. Não entendi coisa alguma, além de registrar a existência de um barômetro no meio da sala da sra. Aubain, cena retirada de um livro de Gustave Flaubert. Uma certeza eu tinha: a insignificância da minha conclusão ofendia a grandeza do afamado pensador francês. Decidi compartilhar a perplexidade com meu amigo. De novo sem hesitar, ele respondeu, Ora, André, se você cogita de fazer um doutorado em literatura tem de começar entendendo Roland Barthes, e desligou. Aceitei o argumento, mas, nem por isso, mantive A amizade.

Tempos depois, envolvido em preparar a projetada tese, tropeço num texto de um cholar americano, Dennis Foster1, e leio: “Roland Barthes defendeu que detalhes descritivos, como o barômetro da sra. Aubain – que resistiu a todas as tentativas de enquadramento em uma teoria de uma dada ordem de obra simbólica – não significava nada mais do que a realidade... Trata-se de um expediente comum em bons autores para distrair a atenção do leitor com pistas falsas e, bem assim, retardar a decifração do enigma central da história”.

 

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Conheça as semelhanças entre cinco modelos de gestão descentralizada pelo mundo

De São Paulo a Londres, de Viena a Paris, diferentes e importantes cidades mundo afora já adotam modelos de gestão municipal descentralizados. Divididas em subprefeituras, ou em “comunas”, como são conhecidas em Buenos Aires, elas adotam estruturas administrativas bastante parecidas.

Na capital paulista, os quase 12 milhões de habitantes contam com 32 subprefeituras, criadas sob sob lei a partir de 2002. São elas as responsáveis, por exemplo, por atender as demandas locais da população, receber reclamações, realizar pequenas obras.

De acordo com o diretor da Escola de Governo, Mauricio Piragino, o Xixo, quando se aborda a atual gestão das subprefeituras é preciso, antes, falar sobre o modelo de governança da cidade. “No que diz respeito à subprefeitura, à maneira em que se governa localmente, ainda estamos numa situação muito complicada porque não existe identificação do subprefeito com a população local”, pontua.

Atualmente, a escolha de cada subprefeito acontece por indicação, não por votação direta. Cobiçados, esses cargos costumam ser disputados por partidos e vereadores da Câmara Municipal.

Para o coordenador geral da Rede Nossa São Paulo, Oded Grajew, o modelo ideal de descentralização pressupõe a participação da sociedade e a autonomia das subprefeituras. “Em São Paulo, é preciso incentivar ainda mais o engajamento dos cidadãos na gestão local e valorizar os canais existentes para isso, como os conselhos participativos. Além disso, é fundamental que haja descentralização total também dos recursos do município, não apenas de uma pequena parcela do orçamento. Os investimentos devem ser proporcionais às necessidades de cada região. Esse é o ideal”.

Um estudo lançado este ano pelo GT DP (Grupo de Trabalho Democracia Participativa), que reúne entidades e cidadãos, comparou os modelos de descentralização de algumas cidades do mundo, como Buenos Aires, Paris, Viena e Londres.

De acordo com a pesquisa, esses modelos, reconhecidos internacionalmente, são interessantes por apresentam mecanismos de participação, transparência e controle social para a descentralização. Outro aspecto, destaca o estudo, é a forma como são divididas, em subprefeituras ou em estruturas de administrativas parecidas, além de contar, inclusive, com conselhos locais que atuam e se articulam à proposta de descentralização.

Comunas

Capital da Argentina, a cidade de Buenos Aires, possui 15 comunas (ou subprefeituras), determinadas por lei em 2005. A maioria delas contempla apenas um bairro. Descentralizadas política e administrativamente, elas são responsáveis por fiscalizar o uso do espaço público, cuidar da arborização e do asfalto, como promover iniciativas legislativas para o desenvolvimento do seu orçamento e programa de governo.

Assim como em São Paulo, a cidade portenha conta com um “órgão colegiado”, mais conhecido como “conselho da comunidade”, formado por sete membros eleitos pela votação popular. Ao contrário do modelo brasileiro, o “presidente” do conselho — que seria equivalente ao nosso subprefeito — é também escolhido pela população local, com mandato de quatro anos.

Cada comuna de Buenos Aires também conta com a participação de representantes dos bairros, entidades não-governamentais, partidos políticos, meios de comunicações, entre outros “conselheiros”, que compõe o conselho consultivo.

Conselhos Distritos

Chamados de Conselhos Distritos, as subprefeituras de Viena, capital da Áustria com quase dois milhões de habitantes, são constituídas por voto popular. Por lá, cada “subprefeitura” é composta por entre 40 e 60 membros.

São eles que elegem o presidente distrital (figura que equivale ao nosso subprefeito), responsável por atuar em ações externas, em contato com o prefeito. Outro cargo é o de “diretor distrital”, uma espécie de “vice”, que assume o cargo quando presidente distrital se ausenta.

Ainda em Viena, é o conselho distrital quem incide sobre os orçamentamentos e as contas, e ainda quem zela e realiza obras, localmente.

Conselhos de Departamentos

De acordo com o estudo do Grupo de Trabalho Democracia Participativa, em terras francesas, ainda que difícil de simplificar, atualmente o modelo parisiense de descentralização acontece da seguinte maneira: por duas autoridades: uma municipal e uma por departamento.

A divisão administrativa é formada por 20 departamentos. Cada um deles, conta com Conselho de Departamento (órgão deliberativo, eleito pelo voto popular dos moradores em cada departamento). Os 20 conselhos têm um total de 364 eleitos. Desses conselheiros, 20 serão eleitos subprefeitos e outros serão adjuntos do subprefeito.

Em resumo, a população elege os conselheiros distritais (364 no total), e esses conselheiros elegem os subprefeitos (20, no máximo) que compõem o corpo dos conselheiros e os adjuntos para cada subprefeito (163 no total). O Conselho Municipal de Paris é constituído pelos primeiros mais votados de cada lista política nos 20 distritos.

Conselhos de bairros

Já em Londres, desde 1965 a capital inglesa é dividida em 32 conselhos de bairro (correspondente às nossas subprefeituras e aos conselhos participativos), incluindo a “cidade de Londres”, a “região central” ou a “City de Londres”.

São os bairros (e a City de Londres) os responsáveis por executar a maior parte dos serviços. Para isso, são gastos, anualmente mais de 12 bilhões de euros, dos quais 7 bilhões são destinados a serviços para crianças, da qual faz parte a educação, e dois bilhões em serviços sociais para adultos.

Além disso, cada um dos 32 bairros de Londres é dividido em alas (o que equivaleria a nossos distritos). Cada ala é representada por três conselheiros eleitos, a partir de eleições a cada quatro anos.

O desafio da metrópole

Segundo Xixo, é fundamental que todo cidadão consiga repensar o atual modelo de governança de São Paulo. “Não é possível continuar com a centralidade tão grande, com uma população que equivale a cidades médias brasileiras”, afirma.

De acordo com o último senso do IBGE (2010), 20 milhões de pessoas moram na região metropolitana de São Paulo. “É necessário uma mudança constitucional na qual o saneamento e a poluição devam ser tratados de maneira metropolitana. A cidade de São Paulo sendo a maior, enfrenta a maior parte dos problemas”, finaliza.

Por: Vagner de Alencar, do site 32xSP

Matéria publicada no site 32xSP.


Fonte: cidadessustentaveis.org.br