oi

O Globo: Huawei e China Mobile - Aliança chinesa de olho na compra da Oi e na expansão do 5G

As duas gigantes asiáticas se aproximam da tele em crise, num movimento que antecipa efeitos da guerra comercial

SÃO PAULO - Duas gigantes chinesas — Huawei e China Mobile — unem esforços para entrar na disputa pela Oi, a maior operadora de telefonia fixa do país que está em recuperação judicial desde 2016. Elas têm a perspectiva de um salto no volume de negócios quando o país começar a instalar redes de telefonia móvel da quinta geração (5G).

E este movimento se une ao lobby da Huawei para demarcar território e evitar que a guerra comercial travada entre as duas maiores potências globais afete seus negócios no Brasil.

Uma maior presença chinesa no setor é parte da estratégia comercial da Huawei, que já enfrenta restrições em países como Austrália, Nova Zelândia e Estados Unidos, acusada de espionagem com seus produtos. Uma aquisição da Oi resolveria também um grande nó empresarial brasileiro: a segunda maior recuperação judicial no país. E para a China Mobile, seria a chance de entrar no mercado brasileiro.

Há dois anos, a China Mobile já havia manifestado interesse pela Oi e chegou até a fazer uma due diligence (amplo levantamento de dados que engloba a avaliação de oportunidades, perspectivas para o negócio e riscos da operação). O negócio, no entanto, não foi adiante.

Entre os entraves, os chineses citavam precondições como a aprovação da nova Lei Geral de Telecomunicações, o novo Plano Geral de Metas de Universalização e regras mais claras sobre créditos tributários. Com aspectos regulatórios já resolvidos e incentivada pela Huawei, a China Mobile volta à carga.

Xadrez geopolítico

Para a Huawei, fornecedora de telecomunicações da Oi e das rivais, o que está em jogo é a garantia de fornecimento de material para as redes de 5G. A Oi conta com uma rede de fibra óptica de 360 mil quilômetros, a maior do país, um ativo atraente diante da perspectiva de instalação do 5G.

Além disso, a aproximação marca mais uma etapa do xadrez geopolítico deflagrado pela guerra comercial. Os chineses tentam evitar que seus produtos se tornem alvo de qualquer tipo de restrição no país, considerada um risco diante da proximidade do presidente Jair Bolsonaro do governo de Donald Trump.

Uma das saídas seria evitar que a Oi fique nas mãos de uma empresa americana. A lógica é que, se a Huawei aumentar sua presença no Brasil por meio da maior operadora de telefonia fixa do país, ela pode se tornar grande demais para sofrer restrições.

Na lista de empresas que já manifestaram interesse pela Oi constam não só a TIM e a Telefônica, como a AT&T. Uma vitória da americana multiplicaria os riscos para a Huawei. A Oi já é uma das grandes compradoras de insumos da chinesa, e as duas têm um projeto piloto de 5G em conjunto em Búzios, no Rio.

Não está clara, no entanto, qual seria a modelagem do negócio, ou seja, ainda não se sabe se as empresas atuariam em parceria (joint venture) ou se trabalhariam juntas no financiamento da operação ou se fechariam apenas um acordo para fornecimento de insumos.

O anúncio de uma fábrica de US$ 800 milhões (R$ 3,2 bilhões) da Huawei para fabricação de celulares no Estado de São Paulo faria parte da estratégia chinesa de mostrar às autoridades brasileiras real disposição de entrar e investir no mercado local. A Huawei é a segunda maior fabricante de celulares do mundo, atrás apenas da Samsung e à frente da Apple. Este projeto, previsto para começar no ano que vem, ampliaria ainda mais os laços da empresa com o Brasil.

Os americanos acusam a Huawei e a também chinesa ZTE de utilizarem seus equipamentos para obter dados dos clientes, em um caso de espionagem negado pelas empresas asiáticas, que rebatem Washington, afirmando que há interesses protecionistas na restrição às companhias.

Lobby chinês
A gigante chinesa de tecnologia tem feito um forte lobby para mostrar que é confiável. No momento, cinco senadores brasileiros estão visitando a China para conhecer o país e a fábrica da Huawei.

— A empresa chinesa, juntamente com suecas e finlandesas, pode fornecer a tecnologia 5G de ponta a ponta. Visitamos a empresa e vimos que eles estão dispostos a nos oferecer uma parceria, com transferência de tecnologia — afirmou o senador Irajá Abreu (PSD-TO), que participa da viagem promovida por Pequim.

O senador Rogério Carvalho (PT-SE), que também compõe a comitiva, comparou o episódio aos caças suecos Gripen, da Saab:

— O Brasil tem que saber como explorar as opções. Poderemos ter com a China, na questão do 5G, uma transferência de tecnologia similar à que estamos tendo com os caças suecos.

Para especialistas, a lei brasileira garante boas regras de confiabilidade de dados e interconectividade entre companhias. A avaliação é que as companhias chinesas poderiam ser punidas caso de fato cometessem aqui as infrações das quais são acusadas nos EUA. Além disso, avaliam que há espaço para a entrada de novas empresas:

— O que queremos é que o leilão de 5G seja o mais rápido possível, para o país não ficar para trás. Não se trata apenas de ver vídeos ou jogos em uma velocidade superior, mas sim de criar um novo ambiente de negócios com a tecnologia, inclusive com a internet das coisas — explicou ao GLOBO Thiago Camargo, presidente do Movimento Brasil Digital.

Enquanto o Brasil não realiza o leilão, a guerra pelo fornecimento de tecnologia 5G se acirra. A Huawei informou, na semana passada, ter fechado 50 contratos pelo mundo, superando os 48 contratos da Nokia, que até então liderava esse movimento. Em terceiro lugar está a Ericsson, com 24 contratos.

Os interesses em jogo:

A gigante chinesa Huawei
A empresa ultrapassou Nokia e Ericsson no fornecimento de tecnologia 5G no mundo. O Brasil é mercado importante para a asiática, e o lobby para evitar sanções aqui passa pelo anúncio de fábrica em São Paulo e até viagens de senadores à China. A associação com a China Mobile é fundamental nessa estratégia.

A americana AT&T
A gigante americana, segundo fontes do mercado, avalia a possibilidade de entrar com força no mercado brasileiro de celulares. O impasse sobre o futuro da Oi pode representar uma oportunidade para a companhia, que se beneficiaria também da aproximação entre os governos de Brasil e EUA.

A ‘supertele’ em crise
A “supertele” brasileira, que ganhou fôlego durante os governos petistas, entrou em recuperação judicial em 2016, com dívidas estimadas à época em R$ 65 bilhões. É a maior operadora de telefonia fixa do país, com presença também na telefonia móvel e banda larga.

Leilão do 5G
O mercado espera a realização do primeiro leilão de 5G em 2020, mas a Agência Nacional de Telecomunicações ainda não divulgou o edital. Entre as primeiras aplicações do 5G no país, espera-se a ampliação da rede de banda larga fixa sem fio, além da chamada “internet das coisas”.


Míriam Leitão: Chamada de risco

Solução para a Oi não pode envolver recurso público. Qualquer solução para a Oi que signifique colocar dinheiro público ou vantagens especiais no pagamento de dívidas com credores estatais é inaceitável. A empresa tem no seu DNA o intervencionismo estatal e isso é parte do problema. Apesar de a companhia estar arruinada, salários e bônus de diretores superam os de concorrentes mais saudáveis. Sua dívida é tal que estoura qualquer limite aceitável.

O assunto se arrasta. A quem interessa tanta demora? Nos formulários que a companhia entrega à CVM há alguns indícios. Os ocupantes das três diretorias estatutárias receberão neste ano R$ 45,8 milhões, incluídos aí R$ 21,6 mi em bônus. Levarão para casa 50% a mais do que no ano passado, quando a Oi registrou prejuízo líquido de R$ 7 bilhões. A Telefonica, dona da líder Vivo, pagará bem menos, R$ 10,9 mi. Uma mudança na gestão da Oi é uma medida tão urgente quanto o acordo com credores.

A dívida é astronômica: R$ 64,5 bilhões contando os cerca de R$ 20 bi devidos a bancos públicos e à Anatel. Para honrar os compromissos, a companhia precisa de 10 anos de geração operacional de caixa, que está em R$ 6,5 bi, nos números da consultoria Economatica. Em empresas saudáveis, a relação entre dívida e Ebitda chega a, no máximo, três vezes.

Ontem, credores contestaram os termos do acordo apresentado. O plano é que um grupo, que detém R$ 32,5 bi em dívidas da Oi, troque seus títulos por ações. Se a proposta prosperar, o grupo terá que aportar R$ 3,5 bi para investimentos, e os atuais acionistas investiriam apenas R$ 2,5 bi. A crítica é que, desse modo, os acionistas atuais seriam beneficiados. A assembleia decidirá sobre a proposta dia 23. Se aprová-la, os que detém ações serão diluídos. Nesse grupo está a BNDESPar, que ainda mantém 4,6% do capital da operadora. O BNDES, o BB e a Caixa tinham créditos de R$ 10 bi com a Oi no início da recuperação judicial; a empresa responde por 17,8% de todo o saldo inadimplente no banco de fomento. Um movimento de acionistas pressiona o Planalto para transformar as multas de R$ 11 bi com a Anatel em investimentos. A Advocacia Geral da União diz que nenhuma hipótese foi descartada, nem a intervenção. Fundos acompanham o caso.

O uso de dinheiro público seria mais uma vez para proveito privado. Tem sido assim na longa história de erros da Oi. Ela começou apelidada de “Telegangue” quando foi arrematada no leilão por um consórcio formado às pressas por empreiteiras e empresas que não eram do ramo. Depois, no governo Lula houve um esforço direto para transformá-la na grande tele brasileira. Foi o pior erro. Em 2008, o governo mudou a lei que impedia a concentração e empurrou bancos públicos para financiar a compra da Brasil Telecom. Em 2010, a Portugal Telecom comprou parte da companhia e levou seus próprios problemas para dentro da Oi. A dívida continuou a crescer e no ano passado foi feito o pedido de recuperação judicial, o maior da história do Brasil.

— A reestruturação não deve se resumir à dívida. A Oi precisa melhorar sua operação. Hoje, ela é uma fábrica de prejuízos. A demora no acordo faz a dívida aumentar e deixa o plano de recuperação ainda mais caro — diz Luiz Alberto de Paiva, da Corporate Consulting.

Uma das possibilidades seria a venda de ativos, de partes da Oi. A lei de recuperação judicial, inclusive, prevê que “unidades produtivas isoladas” possam ser negociadas no processo, sem carregar as dívidas trabalhistas e tributárias da empresa em apuros. Mas nada parecido foi proposto até agora.

— Ao menos dessa vez, a solução tem que passar longe do dinheiro público. Ajuda do governo já não é recomendável em tempos de bonança. Hoje não há sequer espaço fiscal — alerta Sergio Lazzarini, do Insper.

A empresa ainda é grande, mas tem perdido participação no mercado e é campeã de reclamações. Perdeu a liderança na rede fixa para a Vivo. Em São Paulo, tinha 17% das linhas móveis e agora tem 12,5%. Mesmo assim a companhia é relevante em vários mercados. Entre as 10 maiores capitais, a Oi é líder na telefonia móvel em Salvador, Fortaleza e Recife. Pelo interior, há centenas de cidades só atendidas por sua rede. Mas a crise ameaça a qualidade do serviço. Na tecnologia moderna de internet móvel, a 4G, a Oi atende a apenas 284 cidades, pouco mais de 10% da líder TIM. Em um mercado tão competitivo, a necessidade de investimento é intensa. E a empresa está parada no tempo.