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Partidos precisam encontrar narrativas e práticas mais próximas da sociedade, diz FHC

Os partidos precisam encontrar uma narrativa e uma prática que contemplem os anseios de uma nova sociedade ou ficarão falando apenas para si mesmos, ficarão inúteis frente à dinâmica da vida. A afirmação foi feita pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Em palestra do seminário Desafios Políticos de um Mundo em Intensa Transformação, ele argumentou que, ao contrário do que ocorria na era moderna, a sociedade contemporânea não está dividida em classes, mas fragmentada por questões ligadas à identidade, como gênero, raça e interesses comuns.

“Hoje as comunidades se formam pela internet. As pessoas não estão mais ligadas face a face, mas estão conectadas, vivendo dentro do mesmo espírito. São tribos que cortam a sociedade espacialmente, mas que não se limitam às relações de classe”, afirmou. “Temos um computador no bolso. Os jovens têm um computador na alma também. Mas os partidos envelheceram. Não se adaptaram a esses novos instrumentais de comunicação.”

Fernando Henrique reforçou que os partidos ainda estão na era moderna, quando de fato foram criados, porque ainda expressam a grande questão da época, que era a luta de classes. “As novas questões da sociedade estão a toda hora nas novelas, por exemplo, mas os partidos fingem que não veem e se recusam a debater isso”, completou.

Segundo o ex-presidente, a prática partidária precisa assumir que já existe um sentimento de que o progresso virá com mais respeito à diversidade. Entretanto, isso tem que tem que ser dito de forma mais contemporânea. “Senão não seremos ouvidos”, concluiu.


Marco Aurélio Nogueira: A guerra suja das “narrativas”

Boa parte dos conflitos sociais e das lutas de classes assume hoje a forma de “guerras discursivas” e disputas de narrativas. Dizer isso é reiterar uma espécie de cláusula dos estudos sociais, nos quais a linguagem ganhou posto de honra.

Numa sociedade estruturada em redes sociais ativas e influentes, tudo o que se passa nelas reflete o que circula à boca pequena, e vice-versa. Nem tudo, porém, presta ou tem mérito. Suspeita-se mesmo que parte importante das “narrativas” é composta de lixo, dejetos e fragmentos de verdade, que vão sendo despejados sobre uma multidão de pessoas nem sempre preparadas para processar o que recebem. A oferta é abundante, mas de má qualidade.

Muitas narrativas são construídas à base de mentiras, meias-verdades e desinformação. Na luta política, elas são feitas para persuadir emocionalmente, ou seja, mobilizar, normalmente contra e não a favor. Para sustentar, por exemplo, que o projeto de terceirização aprovado pela Câmara é contrário aos interesses dos trabalhadores, faz-se um exercício de demonização apoiado em duas premissas: (a) a medida seria “contra todos” e (b) estaria destinada a acabar com certas conquistas sociais importantes, como, por exemplo, 13.º salário, férias, seguro-desemprego, verbas rescisórias e licença à gestante, terminando por se chocar com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Trata-se de uma mentira. Ela insufla os ânimos e faz com que muitas pessoas se mobilizem para “lutar por direitos”, sem nem sequer se dar ao trabalho de avaliar se eles estão de fato sob ameaça. Não analisam o texto em questão, nem consideram que ele ainda não foi convertido em lei, que o presidente poderá alterá-lo, suavizando-o ou não, e assim por diante.

A atitude de disseminar falsidades tem um duplo vetor. Por um lado, mobiliza, mas mediante exageros e distorções. Por outro, em decorrência, cria falsas expectativas nas pessoas e reforça a ignorância delas. Tem, também, uma dimensão crua, rasteira, passional, e uma dimensão mais sofisticada, escudada em estudos acadêmicos, pesquisas e números que, devidamente esmerilhados, provariam qualquer coisa.

Os que se valem desta atitude, por sua vez, alegam estar combatendo mentiras disseminadas pelo governo, como por exemplo a que estabeleceria a tese (falsa) de que a terceirização criará empregos, como num passe de mágica.

O “terrorismo verbal” de um polo alimenta o “terrorismo verbal” do outro. Sem a terceirização, não teremos crescimento, diz um; com a terceirização, diz outro, a “precarização” será inevitável.

Com isso, a noite desce sobre todos, tenebrosa, espalhando suas sombras de medo, insegurança e incerteza.

Desaparecem as mediações, inclusive de sentido. Perde a democracia, que requer cidadãos politicamente esclarecidos, e o conflito social fica sem potência positiva, diluindo-se em choques inconsequentes. A impressão é de tensão crescente, mas no fundo tudo não vai além de escaramuças sem maiores efeitos.

Os ativistas das redes sociais caem facilmente nessa esparrela. Seja porque não têm tempo para pensar e vão ao embalo das provocações, seja porque gostam de “causar” sem medir as consequências, seja porque estão dispostos a contribuir para o embrutecimento geral por acreditarem que com ele farão a luta avançar. Ou simplesmente porque aceitam tudo o que leem desde que venham de fontes que legitimam ou tragam certas palavras simbólicas reconhecíveis de um jato.

Deveríamos limpar o terreno e melhorar o desempenho das “narrativas”, no mínimo fazendo com que elas não se descolem demais do bom senso e da realidade factual. Quando mais dramático o tema, quanto mais importante for para vida das pessoas comuns, mais cuidado e seriedade deveria haver na argumentação.

Ganharíamos todos.

*Marco Aurélio Nogueira é professor de teoria política da Unesp
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Fonte: http://gilvanmelo.blogspot.com.br/2017/04/a-guerra-suja-das-narrativas-marco.html