movimento sindical

Antonio Fausto: Ascensão e crise do movimento sindical no Brasil

A organização dos trabalhadores brasileiros, em Sindicatos, tem início nos primeiros anos do Século XX, derivada do movimento anarquista, trazido pelos imigrantes, que durante meio século (1880/1930) chegaram a quatro milhões de pessoas, a maioria estabelecida no Estado de São Paulo, de onde saíram muitos militantes e dirigentes socialistas revolucionários, influenciados pela revolução russa de 1917.

A produção em bases capitalistas, no Basil, começou no último quartel do século XIX com o surgimento  do mercado de trabalho assalariado,  possibilitado pela abolição da escravatura e a deterioração das estruturas tradicionais. A fabricação têxtil foi durante muitos anos o principal ramo da indústria nacional, que cresce e se diversifica em várias regiões do País.

Três séculos e meio de dominio do escravismo e de outros sistemas arcaicos,  exploração sem limites legais e  opressão social das camadas despossuídas, escravos e pobres livres  foram mutilados moral e fisicamente. A falta de instrução mínima, analfabetismo mesmo,  tradições e costumes primitivos foram obstáculos à exploração da mão-de-obra existente. Daí que os fazendeiros de café e os industriais principiantes preferissem contratar operários-imigrantes.

A primeira etapa da formação do sistema foi concluída ao fim da Primeira Guerra Mundial e com ele se consolida a organização dos trabalhadores em entidades sindicais. Já em 1903, no Rio de Janeiro, ocorrem duas grandes greves, com a participação de cerca de 25 mil operários. Em 1908, foi criada a Confederação Operária Brasileira-COB, a primeira Central Sindical nacional, de influência anarco-sindicalista. Em São Paulo (1917/1919), duas greves gerais (foto acima, greve em 1917), abrangendo cem empresas industriais e milhares de trabalhadores.

Durante quarenta anos, a organização sindical do proletariado brasileiro ocorre no quadro da República oligárquica (1889/1930), cujo traço profundamente repressivo norteou a relação do Estado com as classes subalternas da Sociedade. Desde o início da República, até os anos 20 do Século passado, leis de exceção foram eliminando progressivamente as liberdades previstas na Constituição de 1891, a primeira do regime republicano.

"O desterrro será um instrumento largamente utilizado para reprimir as classes subordinadas, a revolta contra a vacina, de 1904, as lutas contra a carestia, as greves dos anos dez e as rebeliões tenentistas a partir dos anos vinte.

O Código Penal de 1890  considerava reincidente o "vadio ou vagabundo" que não encontrasse ocupação dentro de quinze dias a partir da pena, e o infrator seria recolhido a colônias penitenciárias em ilhas marítimas, nas fronteiras do território nacional ou em presídios militares. Se fosse estrangeiro seria deportado. Entre 1907 e 1915, 342 (trezentas e quarenta e dois) deportações, grande parte de militantes operários. O desterrro será um instrumento largamente utilizado para reprimir as classes subordinadas, a revolta contra a vacina, de 1904, as lutas contra a carestia, as greves dos anos dez e as rebeliões tenentistas a partir dos anos vinte.

Também houve conquistas sociais, formuladas em lei, tais como definição da jornada de trabalho, descanso semanal, regulamentação do trabalho feminino, férias remuneradas e previdência social, estabilidade no emprego dos dirigentes sindicais, ainda que aplicadas parcialmente ou desconsideradas na maior parte do  País e somente efetivadas a partir da Revolução de 1930, acrescidas do salário mínimo e de outros benefícios, enfeixados na Consolidação das Leis do Trabalho-CLT,  em favor somente dos trabalhadores urbanos.

No período de 1930/1945, uma ditadura,  o governo dirigido pelo presidente Getúlio Vargas (foto acima. Arquivo Nacional) alternou benefícios sociais e trabalhistas com violações da liberdade e autonomia sindical, utilizando o Ministério do Trabalho  e uma legislação intervencionista. Ao fim da Segunda Guerra Mundial, retorno ao Estado de direito, uma Constituição de muitas disposições democráticas, e do próprio presidente Vargas, por via eleitoral direta, em 1950, substituindo um remanescente do Estado Novo, que arrochou salários e reprimiu violentamente as manifestações dos trabalhadores e de suas organizações sindicais. Em Maio de 1954, o salário mínimo, congelado desde 1943, foi dobrado pelo Presidente,  ao preço de uma crise político-militar provocada pelo Manifesto dos Coronéis das Forças Armadas, contrários à medida, resultando na queda do então Ministro do Trabalho, João Goulart.

A partir de meados da década de cinquenta, no governo Kubitschek (1956/1960), intensificou-se a presença do capital estrangeiro. Indústria automobilística, construção naval e demais ramos manufatureiros datam dessa época, ao abrigo da Instrução 113 da Superintendência da Moeda e do Crédito-SUMOC, embrião do Banco Central, com ampla disponibilização de privilégios aos capitais dos países desenvolvidos. Aumentaram igualmente os  investimentos estatais, construção de Brasília, de autoestradas, modernização dos portos e ferrovias, centrais elétricas e siderúrgicas. Recrudescimento da inflação, da espiral preços/salários e da dívida externa.

A industrialização acelerada gerou muitos empregos, também o agravamento da situação material de grande parte da população, bastante aumentada pela migração interna  campo/cidade, a par do desemprego urbano resultante das novas tecnologias. A grande conquista social do período foi a lei 3807/60, 26/08/1960, Lei Orgânica da Previdência Social, que consolidou e deu mais consistência jurídica á legislação previdenciária existente.

Em Setembro de 1961, chega ao poder o governo João Goulart (foto acima. Arquivo Nacional), como desfecho de uma crise político-militar de enormes proporções que, por muito pouco, nao levou o País a uma guerra civil. Desde o início da era Kubitschek e em decorrência dos grandes investimentos acima relatados, a economia ganhou escala e com ela o movimento sindical e associativo das massas populares, agora em clima de orientação nacionalista, democrática, liberdade e autonomia - frente ao Estado - das organizações dos trabalhadores, mais na prática que inscritas em leis.  Surgem novas categorias profissionais, crescem as já existentes, despontam o sindicalismo rural, as associações de camponeses pobres, de profissionais liberais e de funcionários públicos.

A concentração e o verticalismo ministerialista perdem terreno, com o surgimento de entidades horizontais, conselhos estaduais de categorias estratégicas, mais enraizamento nos locais de trabalho. Até mesmo uma central sindical bastante representativa, o Comando Geral dos Trabalhadores-CGT, embora ao arrepio da legislação vigente. Greves e manifestações se multiplicaram, algumas abusivas, prejudicando a população. Também os excessos e postulações utópicas, peculiares a todo movimento de massas, que desgastavam o governo democrático e incentivavam o golpismo civil-militar, vindo a efetivar-se em Março/Abril de 1964. Além de correções salariais mais ou menos favoráveis aos trabalhadores, destacou-se como conquista trabalhista a criação do Décimo Terceiro Salário.


REFORMA DA ESTRUTURA SINDICAL, DIREITOS SOCIAIS CONSTITUCIONALIZADOS E SINDICALISMO DE ESTADO

As forças político-militares, que assumiram o poder em Abril de 1964, desencadearam repressões em massa contra seus adversários,  cassação dos direitos políticos de centenas de personalidades, milhares de pessoas foram presas e demitidas do serviço público civil e militar. Grande número de sindicatos foi colocado sob  intervenção  do Ministério do Trabalho. Foram proibidas as greves. Elevaram-se as tarifas dos serviços essenciais, eliminados subsídios para importação do trigo e aumento  dos impostos indiretos, reduzindo de imediato o poder aquisitivo dos salários. De 1964 a 1967 o salário mínimo diminuiu vinte por cento em termos reais, vindo a ser aumentado somente em 1975. Ainda assim, foi trinta e nove por cento inferior ao  de Janeiro de 1963, no governo deposto. O regime militar também registrou êxitos econômicos e crescimento que não se revelaram sustentáveis e conduziram a seu esgotamento e retorno ao Estado de direito democrático.

A partir de 1978, os trabalhadores organizados em Sindicatos retornaram á cena política. A greve numa fábrica de automóveis em São Paulo abrangeu, rapidamente,  toda a indústria metal-mecânica do Estado, com mais de duzentos mil operários. No ano seguinte, incorporaram-se ao movimento categorias do funcionalismo público e dos assalariados agrícolas. No período de 1978/1980, houve mais de quatrocentas paralisações, o direito de greve foi reconquistado na prática e prosseguiu pelas décadas seguintes. Aumentou a filiação sindical, atingindo contingente significativo da população  economicamente ativa.

A organização em sindicatos expandiu-se bastante, difundiu-se largamente pelo meio rural, diversificou-se, incorporando amplos setores das classes médias urbanas e de profissionais liberais. Os anos oitenta viram nascer legalmente as centrais sindicais. Houve mudanças legislativas, com abolição do estatuto padrão, que subordinava inteiramente o movimento laborativo ao Estado. A Constituição de 1988 foi o corolário desse processo de democratização e reforma, também de continuidade da subordinação aos Poderes do Estado, Executivo, Legislativo e Judiciário.  Desde sempre, a necessidade de reconhecimento oficial pelo aparelho de Estado é o elo fundamental da estrutura sindical, a unicidade, as contribuições dos trabalhadores e a tutela da Justiça do Trabalho.

Os anos oitenta, a década perdida, foram marcados pela estagnação do crescimento, pela instabilidade das políticas econômicas do governo,  das regras de correção salarial e dos mecanismos de controle da inflação, que redundaram na queda do poder aquisitivo dos salários, no crescimento  da terceirização das relações de trabalho, informalidade e  trabalho precário, superando largamente o contrato  formal e o asseguramento dos direitos sociais.

"Persistência do peleguismo e do sindicalismo de negócios, que embora tenham perdido a direção das entidades mais importantes, ainda controlam a esmagadora maioria dos sindicatos oficiais."

O sindicalismo de Estado, no Brasil, nasceu com os primeiros governos populistas, a partir da Revolução de 1930 e da ditadura do Estado Novo. A Constituição de 1988 consagrou a liberdade e autonomia sindical e os próprios direitos sociais foram elevados á condição de normas constitucionais, um avanço sem precedentes no ordenamento jurídico vigente no País, embora com exclusão de mais da metade da força de trabalho.

Uma nova onda de populismo e atrelamento ao Estado ressurge com os governos petistas, a partir de 2003, culminando na destinação de parte expressiva do ainda existente Imposto Sindical às Centrais Sindicais, que evoluiram para perto de uma dezena, com intensa proliferação de sindicatos de "carimbo", levando um presidente da CUT a declarar ser mais fácil fundar um sindicato que uma pequena empresa, e mais lucrativo.

Em agosto de 1981, em Praia Grande, Estado de São Paulo, realizou-se a I Conferência Nacional da Classe Trabalhadora - CONCLAT. Presentes 1091 entidades sindicais e 5036 delegados. O meio rural participa com 348 sindicatos, 17 federações e uma Confederação, a CONTAG. Em 1983 é fundada a CUT, em 1984, a CGT, as duas primeiras centrais sindicais nacionais, legalmente constituídas, pelo menos no plano político, ante o esgotamento do regime militar e o retorno ao Estado de direito, no ano seguinte.

Em que pesem todos os avanços, o movimento sindical  continuou a conviver com antigas e novas distorções. Baixo índice de sindicalização e de organização nos locais de trabalho, à exceção de algumas poucas categorias, manipulação política na distribuição de cartas sindicais pelo governo, forte instrumentação do assistencialismo, continuismo e prorrogação de mandatos,  adiamento de eleições,  mediante alterações estatutárias, aparelhamento partidário e  formação de clientelas eleitorais. Persistência do peleguismo e do sindicalismo de negócios, que embora tenham perdido a direção das entidades mais importantes, ainda controlam a esmagadora maioria dos sindicatos oficiais.

Convivência submissa com o baixo grau de escolaridade dos trabalhadores, em torno de cinco anos, excessiva rotatividade,  conduzindo ao achatamento dos salários, desigualdade social e crescente pobreza de massas, burla da legislação trabalhista e previdenciária com a pejotização dos titulares de remunerações mais elevadas. Rebaixamento de grande parte das aposentadorias e pensões  para um salário mínimo e seu entorno, obrigando a maioria dos beneficiários a continuarem no mercado de trabalho, realimentando o desemprego das novas gerações de trabalhadores.

Foto: Altemar Alcantara/Semcom/Manaus

A pandemia do Coronavirus há quase um ano,já ultrapassando mais de duzentos mil mortos, a maioria de idosos, agravou todas as contradições da Sociedade.  O desemprego, incluídos os desalentados, atinge vinte milhões de trabalhadores, um quinto da força de trabalho, somente atingido na Grande Depressão dos Anos Trinta do século passado. Com tendência de alta em face das novas tecnologias, que automatizam e simplificam processos e subutilizam instalações físicas.

O fim do auxílio emergencial e as pressões inflacionárias remetem à pobreza e indigência milhões de trabalhadores, que poderão corresponder a 30,8%  da população, segundo pesquisador da Uerj. O movimento sindical e associativo dos trabalhadores brasileiros tem um peso político, na Sociedade, que deve ser exercitado no sentido de agilizar a vacinação em massa da população, negligenciada pelo governo, o restabelecimento de alguma forma de ajuda aos desempregados e informais e a retomada do crescimento da economia, com investimentos públicos e privados e reformas estruturais.

*Antonio Fausto é administrador e ex-dirigente sindical

Obras de referência: 1) Estratégias da Ilusão - Paulo Sérgio Pinheiro - Companhia das Letras - 1991. 2) Brasil, Passado e Presente do Capitalismo Periférico -  A. Karavaev - Edições Progresso - 1987. 3) O Sindicalismo Brasileiro Nos Anos 80 - Armando Boito Jr. (org) - Editora Paz e Terra - 1991 4) Brasil: Uma Biografia - Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Starling - Companhia das Letras - 2015.