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Nas entrelinhas: Rosa Weber é a mulher certa, no lugar certo, na hora certa

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

Perdão pelo lugar comum, mas o perfil da nova presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) é esse mesmo que intitula a coluna. A ministra Rosa Weber assumiu a presidência da Corte no final de sua longa carreira na magistratura, coroando uma trajetória de coerência no exercício dos diversos cargos que ocupou, em todos os níveis do Judiciário, o que faz muita diferença numa conjuntura como a que estamos vivendo, na qual a Corte constitucional sofre fortes pressões do presidente Jair Bolsonaro, que não compareceu à solenidade de posse. Alegou agenda de campanha, logo ele, que não perde uma formatura de cadetes nas escolas militares ou desfile castrense.

Na verdade, a ausência de Bolsonaro se deve ao fato de que o discurso da ministra Rosa Weber seria, como de fato foi, uma reafirmação de que o Supremo, sob sua liderança, exercerá o papel de Poder Moderador da República, dando a palavra final sobre toda e qualquer polêmica acerca da Constituição de 1988. Trocando em miúdos, esse foi o recado político mais importante da solenidade, à qual compareceram os presidentes do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG); e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Destaque para a presença do ex-presidente José Sarney.

“Vivemos tempos particularmente difíceis da vida institucional do país. Tempos verdadeiramente perturbadores, de maniqueísmos indesejáveis. O Supremo Tribunal Federal não pode desconhecer esta realidade. Até porque tem sido alvo de ataques injustos e reiterados, inclusive, sob a pecha de um mal compreendido ativismo judicial por parte de quem, a mais das vezes, desconhece o texto constitucional e ignora as atribuições cometidas a essa Suprema Corte pela Constituição. Constituição que nós, juízes e juízas, juramos obedecer”, disse Rosa Weber.

Foi um recado que não deve ter agradado muito ao procurador-geral da República, Augusto Aras, que ouviu o discurso de corpo presente. Aras anda às turras com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, a quem acusa de usurpar poderes do Ministério Público Federal. Nos bastidores, também é quem mais acusa o Supremo de usurpar atribuições dos demais Poderes, junto ao presidente Jair Bolsonaro e ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), principalmente.

Rosa Weber conclamou os ministros do Supremo se manterem unidos em torno da defesa do Estado democrático de direito e seus postulados e não deixou dúvidas quanto ao apoio que pretende dar ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na condução das eleições deste ano: “Nosso tribunal da democracia, que neste ano de 2022, sob comando firme do ministro Alexandre de Moraes, e em estrada competentemente pavimentada pelo ministro Edson Fachin, mais uma vez garantirá a regularidade do processo eleitoral, a certeza e a legitimidade dos resultados das urnas e o primado da vontade soberana do povo”.

Eleições

Este é o ponto. Rosa Weber terá o desafio de enfrentar a conjuntura política mais dramática que o país já viveu, desde a redemocratização, face aos ataques que as urnas eletrônicas, a Justiça Eleitoral e o próprio Supremo vêm sofrendo por parte do presidente Jair Bolsonaro e seus aliados. Presidirá o Supremo por pouco mais de um ano, pois deverá se aposentar até outubro de 2023, quando completará 75 anos, a idade máxima para ser ministra. É a terceira mulher a ocupar o cargo. As outras foram Ellen Grace, cuja vaga hoje ocupa, e Cármen Lúcia, que presidiu a Corte de 2016 a 2018.

O ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, que não compareceu à posse, bem que tentou se posicionar como uma espécie de “fiador” da inviolabilidade das urnas eletrônicas, o que na prática seria restaurar a velha tutela militar sobre o processo político brasileiro, que tantas vezes já se manifestou desde a Proclamação da República, em 1889. O discurso de Rosa Weber foi uma espécie de “não passarão”.

Gaúcha, uma de suas características é a firmeza: outra, a discrição. Rosa Weber nunca deu entrevistas, somente se pronuncia nos autos ou durante as sessões do Supremo. A nova presidente do Supremo foi prestigiadíssima pela magistratura de seu estado, que homenageou durante o discurso. Um dos momentos mais emocionantes de seu pronunciamento foi durante as referências ao Bicentenário da Independência, que transformou numa profissão de fé na força dos cidadãos comuns:

“Presto homenagem ao povo brasileiro que não desiste da luta pela sua real independência e busca construí-la a cada dia, com garra e tenacidade, a despeito das dificuldades, da violência, da falta de segurança, da fome em patamar assustador, dos milhares de sem-teto em nossas ruas, da degradação ambiental, e da pandemia não totalmente debelada que tantas vidas ceifou. E aqui minha solidariedade sempre a todos que perderam a vida e aos parentes”, afirmou.

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Foto: reprodução

Nas entrelinhas: Perdão de Bolsonaro a Silveira confronta o Supremo

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Ao conceder perdão ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado na quarta-feira a oito anos e nove meses de prisão pelo Supremo Tribunal Federal, o presidente Jair Bolsonaro confrontou a Corte como nunca, instalando uma crise entre os Poderes da República, de consequências ainda imprevisíveis. Com base no artigo 734 do Código de Processo Penal, segundo o qual o presidente da República pode conceder “espontaneamente” a graça presidencial, em edição extraordinária do Diário Oficial, Bolsonaro livrou o deputado valentão da prisão, das multas e da cassação de mandato, sentença aprovada na quarta-feira, por acachapante maioria de 10 a 1.

A alternativa que se coloca para os ministros do Supremo é anular a decisão de Bolsonaro, para não serem desmoralizados e ficarem expostos a toda sorte de ataques. O presidente da República exorbitou no decreto, segundo juristas, porque poderia perdoar a pena de prisão, que é de natureza criminal, mas não as multas e a cassação de mandato, que extrapolam o escopo do instituto da graça individual (perdão). Como sabe disso, Bolsonaro tem plena consciência de que escalou uma crise institucional.

Os ministros do Supremo reagiram à medida com incredulidade, não esperavam que o presidente da República fosse além das críticas à Corte. Havia um estresse entre os Poderes desde o começo da semana, em razão do julgamento, mas os recursos apresentados pela defesa de Silveira e a necessidade de uma decisão do Supremo sobre a cassação automática ou não do mandato do parlamentar, pleiteada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), criavam um campo de modulação da sentença e de negociação entre os Poderes. Bolsonaro chutou o pau da barraca.

Segundo a Constituição, a graça poderá ser provocada por petição do condenado, de qualquer pessoa do povo, do Conselho Penitenciário, ou do Ministério Público, ressalvada, entretanto, ao Presidente da República, a faculdade de concedê-la espontaneamente. Juristas afirmam que o alcance do perdão, segundo a Súmula 631 do STJ, extingue os efeitos primários da condenação, mas não os efeitos penais e extrapenais secundários.

O deputado Daniel Silveira foi condenado a 8 anos e 9 meses de prisão, além da perda de mandato e de seus direitos políticos, por incitar atos de violência contra instituições democráticas e ameaçar ministros do Supremo, principalmente Alexandre de Moraes, relator do seu processo e desafeto do presidente Bolsonaro. No mesmo dia do julgamento, o presidente da Câmara solicitou que o Supremo concluísse o julgamento de um caso que trata desse assunto, mas não é diretamente ligado ao deputado Daniel Silveira: o julgamento do deputado Paulo Feijó (PR-RJ), que teve o mandato cassado. À época, era presidente da Câmara Rodrigo Maia, então no DEM, que questionou o STF dizendo que cabia à Casa a palavra final sobre seu mandato.

A decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) condenou o deputado federal Paulo Feijó (PR), a 12 anos, 6 meses e 6 dias de reclusão em regime inicial fechado, além do pagamento de mais 374 dias-multa pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O relatório da ministra Rosa Weber determinava a perda do mandato parlamentar e sua interdição para exercício de cargo ou função pública de qualquer natureza e de diretor, membro de conselho de administração ou de gerência das pessoas jurídicas citadas na lei de combate à lavagem de dinheiro, pelo dobro da pena privativa de liberdade aplicada.

Linha de fronteira

À época, por unanimidade, os ministros decidiram pela perda do mandato de Feijó com base no artigo 55, inciso III, da Constituição Federal, que prevê essa punição ao parlamentar que, em cada sessão legislativa, faltar a um terço das sessões ordinárias, exceto se estiver de licença ou em missão autorizada pelo Legislativo. Os ministros entenderam que, neste caso, em vez de ser submetida ao Plenário, a perda de mandato deve ser automaticamente declarada pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados.

Então presidente da Casa, Maia recorreu da decisão, mas seu recurso não chegou a transitar em julgado porque o mandato acabou. A Advocacia-Geral da União naquela ocasião havia se manifestado pela prerrogativa exclusiva do Parlamento para decidir sobre a perda de mandato de congressista condenado criminalmente, no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 511, que discute se cabe ao Legislativo ou ao Judiciário a última palavra nessas situações. Lira quer que a Corte conclua o julgamento sobre a questão.

Ainda há divergências entre os ministros do Supremo sobre a perda do mandato ser automática ou depender também de votação na Câmara. Uma ala defende a perda imediata; outra, não. Antes do recesso, o Supremo deveria tomar uma posição sobre essa questão, mas agora terá que agir mais rápido e tratar diretamente do caso Silveira, que estressa as relações entre os Poderes, mas é paradigmático em razão dos frequentes ataques do presidente Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal (STF).

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