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Míriam Leitão: Supremo tem semana decisiva para o país

Supremo Tribunal Federal (STF) estará diante de quatro caminhos que farão completa diferença na vida do país e da Operação Lava-Jato

Na semana em que o ex-presidente Lula deve ser solto, para cumprir o resto da pena em casa, o Supremo Tribunal Federal (STF) estará diante de quatro caminhos que farão completa diferença na vida do país. O dilema da ordem em que devem ser feitas as alegações finais nos casos em que há delação premiada deixou o país em suspenso. É o fim da Lava-Jato? Ela está sendo abatida por uma filigrana jurídica ou o que está se discutindo é a garantia fundamental do direito de defesa? No Supremo há quem considere que se encontrará uma solução intermediária.

O STF poderá decidir que tudo o que foi feito até agora está anulado, dado que não foi observada a ordem de que o delatado é o último a falar. Essa posição extrema tem seus defensores, mas é difícil de se sustentar, até pelo fato de que o que está sendo levantado não está na lei. É apenas uma interpretação. “Uma interpretação importante”, pondera um ministro da Corte.

O caminho proposto pelo ministro Luiz Roberto Barroso é de que só se aplique aos casos que forem julgados futuramente. É difícil que seja seguido. A terceira saída sugerida pela ministra Cármen Lúcia é de rever caso a caso. A tese é de que isso dá mais trabalho, mas que em direito penal não se pode “passar a régua”, nem se pode descuidar, um milímetro que seja, do respeito ao direito de defesa. E há a proposta do ministro Alexandre de Moraes que é a de serem considerados apenas os casos em que, durante o processo, o réu pediu para ser ouvido por último e se disse prejudicado. Portanto, não há um tudo ou nada, segundo a explicação que ouvi dos juristas do Supremo, mas sim algumas alternativas em cima das mesas do Tribunal, que podem atenuar o cenário mais radical.

As alegações finais não são apenas um formalismo porque se fossem não existiria um prazo diferente para defesa e acusação, argumenta um ministro. Não podem ser acrescentados fatos novos nessa etapa do processo, quando quase tudo já aconteceu. Porém são a última chance de um lado e de outro. No caso do delator, é a derradeira possibilidade de ele provar a eficiência da delação e, portanto, ter o prêmio que buscou ao confessar. Contudo, houve uma diferença entre os dois casos julgados até agora.

O advogado do ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine, inventor dessa tese, é o astuto criminalista Alberto Toron. Ele, durante a apresentação das alegações finais, reclamou que seu cliente estava sendo prejudicado. Pediu a inversão da ordem e não foi atendido. Foi, portanto, ao Supremo argumentando que o delator, mesmo sendo réu, está em situação diferente, portanto, integra a acusação. Tem que falar antes do réu que ele delatou. Ganhou.

O caso de Márcio de Almeida Ferreira foi bem diferente. Ele apresentou suas alegações finais depois do delator, ainda que não tenha tido um prazo estipulado. E mais, o juiz determinou uma diligência e deu novo prazo, e o advogado dele sequer compareceu. Reclama agora do quê? Mesmo assim, teve maioria a seu favor. Isso fará nos dois casos julgados que se volte à primeira instância. Ouvi ministro que diz que isso apenas atrasará um pouco o processo, e ouvi quem tema que isso produza uma sucessão de recursos protelatórios até a prescrição.

Essa nova tese — não escrita, é bom repetir — cai em terreno fértil porque a Lava-Jato enfrenta sua pior crise de imagem. Um dos ministros acha que esse recuo dará mais legitimidade a todo o processo porque mostrará que, mesmo quando é difícil, reconhece-se o erro e volta-se uma etapa do processo. “Isso é um freio de arrumação. Neste momento em que a democracia corre riscos, precisamos reafirmar princípios democráticos que a civilização acata”, afirma um dos magistrados.

Por outro lado, o Brasil conhece o Brasil. Todos os acusados poderosos, pegos em corrupção ou crime do colarinho branco, acabaram impunes usando filigranas jurídicas. A Justiça sempre foi seletiva no Brasil, quando chega à elite. E há neste momento, na Justiça e no governo, uma série de decisões e atos que está conduzindo ao risco de que seja abandonado o esforço de combate à corrupção.

Lula cumpriu sua pena e vai para a casa “de cabeça erguida”, diz um dos seus amigos. Preferia sair com uma anulação do processo. O problema maior são os acusados que permanecem impunes.


Míriam Leitão: Como perder os 100 primeiros dias

Governo se desgastou porque quis e perdeu o melhor período com brigas inúteis, crise com possíveis aliados e cruzadas ideológicas

Nestes 100 dias, o pior inimigo do governo Bolsonaro foi o governo Bolsonaro. O melhor da lua de mel de qualquer administração foi queimado num processo que deixou como saldo queda de popularidade e um grande estoque de brigas inúteis e energia desperdiçada. Na área econômica, trabalha-se com foco em objetivos concretos, que vão além da reforma da Previdência. Mesmo assim, perdeu-se tempo. De todos os erros, o pior foi na Educação que, não por acaso, no 99º dia teve troca de comando. Infelizmente não houve mudança de ideias.

Desde os primeiros dias ficou claro que o ministro Vélez Rodriguez era a escolha errada. O presidente deixou o ministério sangrando por um trimestre, com paralisia e brigas de facções entre os assessores de Vélez. O novo ministro Abraham Weintraub tem, como os que chegam, o benefício da dúvida. Se comandar o MEC com as ideias que defendeu em palestras e vídeos nas redes sociais, é certo que o diversionismo continuará na área mais importante do país. Se ele continuar a cruzada ideológica, perderemos o ano letivo.

Os erros na educação foram tão ruidosos que outros pontos de desacertos tiveram menos atenção que o necessário. No Itamaraty, o ministro Ernesto Araújo tem os sintomas do mesmo tipo de delírio que o ex-ministro Vélez Rodriguez. Enquanto nos expõe ao ridículo diante do mundo, vai desmontando a Casa de Rio Branco.

No Ministério do Meio Ambiente, o ministro Ricardo Salles fez pouco e causou muito dano. Logo no começo da gestão falou que criaria um sistema de monitoramento de desmatamento. O Brasil já tem. É feito pelo Inpe, instituição de excelência científica, do Estado brasileiro, que faz o monitoramento desde 1988. O ministro teve atuação pífia diante do desastre de Brumadinho e antes que se termine a avaliação das perdas humanas e ambientais ele já propõe que a Vale faça uma conversão das multas. Ele demitiu os 27 superintendentes do Ibama. O órgão desconsiderou o parecer dos técnicos e autorizou o licenciamento para exploração de petróleo em áreas de alto risco. Salles não está dando nova orientação à pasta. Está destruindo o arcabouço institucional de proteção da biodiversidade. É o ministro do desmonte ambiental.

O governo Bolsonaro se desgastou porque quis. Atacou os partidos como se eles fossem sinônimos de corrupção, ignorando que com 52 deputados não se consegue maioria num colégio de 512. E sem maioria não se aprovam projetos, nem se governa. E mesmo esses 52 do partido do presidente já se dividiram e tiveram até brigas públicas.

Uma pesquisa com parlamentares, divulgada ontem pela XP, mostra que subiu de 12% para 55% os deputados que consideram ruim ou péssima a relação da Câmara com o Planalto. No começo do ano legislativo, 57% achavam que o relacionamento era bom ou ótimo. Agora, apenas 16% fazem avaliação favorável. O presidente espalhou a impressão, por suas declarações, de que desta forma está evitando a corrupção. Confunde o ato político de dialogar com as práticas ilegais. Melhor faria se explicasse o que aconteceu com o laranjal do ministro do Turismo ou com os depósitos estranhos dos funcionários do gabinete do agora senador Flávio Bolsonaro.

A área econômica, uma das poucas que se salva, errou quando aceitou fazer um projeto de Previdência novo. Poderia ter aproveitado a emenda do governo anterior que já estava tramitando. Com uma emenda aglutinativa poderia melhorar o projeto. Até no governo admite-se que isso foi um erro. Com os canais de diálogo com o Congresso entupidos, o governo tem que cumprir passos que já haviam sido dados na reforma da Previdência. Ontem o projeto ainda batia a cabeça na CCJ. E há outras reformas que precisarão de boa negociação com o Congresso.

O presidente e seus filhos continuaram a artilharia nas redes sociais mirando os adversários ou supostos oponentes. Estão atingindo o próprio governo. Perderam tempo e energia que deveriam dedicar à busca de solução para os problemas do país. Em alguns casos cometeram crime de divulgar notícias falsas. O que de fato o governo ganhou com isso foi a confirmação da crítica de que o presidente Jair Bolsonaro não estava preparado para governar. Ganhou um mandato, já pensa no próximo e ainda não sabe o que fazer para administrar o país.