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O Estado de S. Paulo: Ramos articula apoio a Lira e oferece emendas

Ministro recebe deputados em gabinete e acena a siglas da oposição, como PSB e PDT, por votos no candidato do Planalto à presidência da Câmara que se opõe a Maia

Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - É no gabinete do ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, no 4.º andar do Palácio do Planalto, que deputados têm participado de reuniões para ouvir os argumentos do governo em defesa da eleição do deputado Arthur Lira (Progressistas-AL) para a presidência da Câmara. De lá, saem com promessas de emendas parlamentares, algumas além daquelas a que já têm direito, e de cargos a preencher em seus redutos eleitorais.

Estadão apurou que ao PDT, por exemplo, teria sido oferecido um “extra” de R$ 5 milhões em emendas para cada deputado, que poderá indicar como o dinheiro será aplicado em seu reduto eleitoral. Além disso, um grupo do PSB foi chamado na quarta-feira, 9, à sala do general Ramos. O deputado Felipe Carreras (PSB-PE) participou do encontro. À tarde, foi um dos que puxaram o pedido de apoio a Lira na reunião interna do partido, que tem 31 deputados.

O Palácio do Planalto entrou em campo para angariar apoio à candidatura de Lira. A articulação política do presidente Jair Bolsonaro avança sobre partidos da oposição, numa tentativa de enfraquecer as conversas do grupo do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que está disposto a apoiar a candidatura do deputado Aguinaldo Ribeiro (Progressistas-PB).

Na segunda-feira, Bolsonaro recebeu Lira e o senador Ciro Nogueira (PI), presidente do Progressistas, para uma conversa reservada, no Planalto. O encontro não constava da agenda oficial. Dois dias depois, a candidatura de Lira, chefe do Centrão, foi oficializada.

Ramos, por sua vez, passou a receber deputados de esquerda e a discutir o pagamento de emendas. Os 133 votos de partidos da oposição são o fiel da balança na eleição para a Câmara, marcada para 1.º de fevereiro de 2021. Os gabinetes da equipe de Ramos e do próprio ministro foram abertos a nomes do PSB e do PDT, em conversas que tratavam da destinação de recursos.

Circula entre integrantes da cúpula da Câmara a informação de que a oferta vai além da liberação de emendas individuais impositivas, que costumam ser reservadas em maior volume no fim do ano. O Planalto teria também acenado com recursos do orçamento de ministérios, que passariam a ser aplicados por indicação de deputados. Trata-se das chamadas “emendas extraorçamentárias”. O valor, para cada parlamentar, seria de R$ 5 milhões. O governo e os parlamentares negam.

Felipe Carreras confirmou que esteve anteontem no Planalto. Disse que foi tratar de “assuntos do interesse de seu Estado”, mas, questionado duas vezes com que se encontrou, se recusou a dizer. Carreras confirmou ter a intenção de apoiar Lira, mas negou que tenha tratado do assunto em sua visita. “Estive tratando de assunto de interesse do governo”, disse.

A deputada Lisiane Bayer (PSB-RS) também confirmou que esteve no fim da tarde de anteontem no Planalto, acompanhada de Carreras. Ao Estadão, disse que se encontrou “por acaso” com Ramos. “Não falamos sobre emendas. Nós nos cumprimentamos e só”, afirmou, ressalvando que aguarda a decisão do partido sobre quem apoia na disputa.

O presidente do PDT, Carlos Lupi, disse desconhecer qualquer negociação com o governo. “Não tenho conhecimento disso e também não concordo em apoiar candidatos do Planalto”, afirmou.

Bolsonaro foi eleito com discurso radical contra a troca de benesses. Desde quarta-feira, um grupo de ex-aliados fez circular nas redes sociais um vídeo de campanha em que o então deputado prometia combater o fisiologismo. “O nosso maior problema é o político. São as indicações políticas. É o ‘toma lá dá cá’ e as consequências desse tipo de fazer política são a ineficiência do Estado e a corrupção. Tem que jogar pesado nessa questão, valorizar a sua Polícia Federal, valorizar o seu Ministério Público, os homens que realmente vão atrás desses que teimam em roubar a Nação”, dizia Bolsonaro.

Nos bastidores do Planalto, a atuação de Ramos em prol de Lira é vista também como uma estratégia do general para se manter na articulação política do governo. O ministro está cotado para assumir a Secretaria-Geral da Presidência, no lugar de Jorge Oliveira, que deixará o Executivo no próximo dia 31 para assumir uma vaga no Tribunal de Contas da União (TCU). Embora seja homem da confiança de Bolsonaro, Ramos enfrenta desgaste no governo.

Na quarta, Marcelo Álvaro Antônio foi demitido do Ministério do Turismo após dizer em um grupo de WhatsApp de ministros que Ramos havia oferecido o seu cargo ao Centrão para influenciar na eleição da Câmara. Em sua defesa, o general costuma dizer que apenas cumpre ordens do presidente, servindo de escudo para ele.

Desde a última semana, passaram pela Secretaria de Governo Felipe Rigoni (ES), Felipe Carreras e Ricardo Silva, todos do PSB. Além deles, estiveram lá cinco nomes do PDT – Alex Santana (BA), Gil Cutrim (MA), Flávio Nogueira (PI), Mauro Benevides Filho (CE) e Eduardo Bismarck (CE) – este último, inclusive, acompanhado de um assessor especialista em Orçamento. As conversas constam na agenda de Ramos.

Bismarck disse que foi conversar sobre o Orçamento e recursos para o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, mas negou que tenha tratado de eleição. Santana observou que esteve no Planalto para discutir emendas individuais impositivas. “Se eu tivesse que falar sobre eleição na Câmara, a conversa não era com Jonathas (Jônathas Castro, secretário executivo do ministro), mas com o ministro Ramos.”

Lira declarou que tem mantido diálogos de campanha. “Como candidato, tenho a obrigação de conversar com todos os líderes e partidos. Não há qualquer tratativa em relação a indicação de cargos”, afirmou.

Ministério afirma que cumpre ‘papel institucional’

Em nota, a Secretaria de Governo (Segov), comandada pelo ministro Luiz Eduardo Ramos, afirmou que é “missão institucional e legal” do ministério receber parlamentares e realizar a interlocução do Palácio do Planalto com o Congresso.

“Isso ocorre ao longo de todo ano, com os parlamentares sendo recebidos na Segov, especialmente nos dias em que têm agenda em Brasília”, diz trecho da nota. “A retomada mais intensa das votações no Congresso e a maior presença dos parlamentares em Brasília, com maior frequência após eleições municipais, faz com que seja necessário a Segov exercer seu papel institucional de receber parlamentares e servir como elo com os demais ministérios, bem como dialogar e informar a posição do governo quanto as pautas em discussão no Congresso.”

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Fernando Schüler: O recado das urnas

Ganha força o espectro de um centro político que pode se mover a meia distância da esquerda e do bolsonarismo

O ministro Luiz Eduardo Ramos disse que os aliados do governo venceram as eleições. Mencionou o crescimento de prefeituras do DEM, PP e PSD, bem como o encolhimento do PT e concluiu: a turma que segue as “pautas e ideias” de Bolsonaro ganhou o jogo.

Há vários problemas aí. O primeiro é saber exatamente quais são as pautas e ideias do governo. Por vezes o suporte do governo, e em particular do presidente, à sua própria agenda de reformas se parece com o apoio de Bolsonaro ao prefeito Crivella: “Se não quiser não vota, tranquilo”.

É verdade que os partidos tradicionais foram vencedores. A Folha identificou uma tendência significativa de deslocamento à direita dos novos prefeitos. Há muitos significados nisso. Um deles diz simplesmente que esta foi uma eleição de baixa propensão a risco. É a tese levantada pelo professor Carlos Pereira: diante da pandemia e do espectro da morte, o eleitor tende a recuar da lógica do confronto e se afastar das “saídas polares”.

Há uma explicação mais pragmática: DEM, PP e PSD trabalharam forte e foram os partidos que mais cresceram com o troca-troca partidário entre as eleições. Só o DEM passou de 272 para 456 prefeitos, já antes das eleições, basicamente puxados por governadores eleitos pelo partido, em 2018. O resultado obtido agora é em boa medida uma consequência disso.

O ponto é que a interpretação dada pelo ministro Ramos põe um detalhe para baixo do tapete: o bolsonarismo virtualmente não apareceu nessas eleições. É evidente que há candidatos identificados com Bolsonaro, alguns com relativo sucesso. Nas 18 capitais com segundo turno há no mínimo cinco com candidaturas claramente identificadas com o presidente e seu estilo. Mas, cá entre nós, frente ao que vimos há dois anos, é muito pouco.

O próprio bolsonarismo reconhece isso. Filipe Martins, assessor internacional de Bolsonaro e geralmente visto como ideólogo do grupo, pediu “autocrítica” aos conservadores e conclamou a turma a “recuperar os ideais e bandeiras de 2018”.

Vai aí o problema. O que a eleição revela é que os tais princípios de 2018 talvez não tenham lá grande profundidade. O conservadorismo de Bolsonaro nunca produziu muita coisa, no governo, e o que se anunciava como sua agenda no Congresso (escola sem partido, redução da maioridade penal, liberação do porte de armas) nunca andou.

No Brasil recente, se confundiu conservadorismo com palavras de ordem do tradicionalismo de costumes (não raro misturado com religião). Vem daí o completo desinteresse de Bolsonaro em criar a Aliança pelo Brasil e sua acomodação junto aos partidos do centrão.

O mesmo vale para a agenda econômica. Paulo Guedes pode ser um histórico do liberalismo brasileiro e de algum modo ainda funciona como fiador da pauta de reformas junto ao mercado, mas vamos convir: terminamos o ano com menos consenso sobre reforma tributária do que parecíamos ter antes da pandemia; a reforma administrativa, além de tímida, se arrasta, e as privatizações, dois anos depois, quando muito prosseguem como um “ideal” do governo.

Em meio a este quadro, Bolsonaro resolveu improvisar. Bem a seu estilo, mencionou alguns candidatos, em suas lives, fez escolhas erradas, desconsiderou aliados políticos no Congresso e colheu um resultado melancólico.

O que estas eleições fizeram foi acender uma luz amarela no Planalto. A avaliação positiva de Bolsonaro caiu entre 15% e 20% desde o início da campanha, a agenda de reformas está parada e não há sinal sobre o que o governo fará com o auxílio emergencial a partir de janeiro.

Talvez o governo se dê conta disso e comece a trabalhar com algum senso de urgência no Congresso. O recado das urnas parece claro: ganha força o espectro de um centro político que, sabendo capturar a agenda reformista, pode começar a se mover por conta própria e produzir uma alternativa para 2022, distante simultaneamente da esquerda e do bolsonarismo.

Para Bolsonaro, que depende da lógica da polarização para sobreviver, este é o principal recado que surge das urnas. ​

*Fernando Schüler, professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo.