mercado financeiro
Quem tem medo do mercado?
Sérgio C. Buarque, publicado originalmente na Revista Será?
A forte desvalorização do Real em relação à moeda norte-americana, nos últimos meses, tem causas externas, mas reflete diretamente a desconfiança dos agentes econômicos na disposição do governo em conter a expansão das despesas públicas. Desconfiança que cresceu com as tímidas medidas de corte de gastos, combinadas com a trapalhada do anúncio da esperada redução de receita por conta da isenção de Imposto de Renda para quem ganha até cinco mil reais. E que se intensificou com o desgaste político do ministro Fernando Haddad, que transmitia segurança aos agentes econômicos na gestão das finanças, quando ficou patente que ele não conseguia convencer o presidente da República a adotar medidas mais robustas para deter a inércia de expansão dos gastos públicos.
Entretanto, demonstrando que não entenderam nada, os líderes do governo e do partido do presidente insistem em transferir as responsabilidades pelas próprias dificuldades, e se apresentarem como vítimas da conspiração dos inimigos do povo. Segundo vários pronunciamentos de aliados do presidente, o mercado está conspirando para desmoralizar o governo Lula e enfraquecer a sua candidatura à reeleição. O professor Luiz Gonzaga Belluzzo, um dos mais conceituados economistas do Brasil, chegou à insanidade de dizer que o mercado é “uma força política” que vai fazer o possível para inviabilizar o governo do presidente Lula.
Não sabem, ou não querem saber, o que é mercado, confundindo com uma entidade, quase um partido político. Belluzzo sabe que o mercado não é uma entidade, um ator social ou político, mas prefere confundir a opinião pública usando o seu prestígio (e arranhando sua reputação) para difundir uma informação falsa, que espera encobrir o fracasso do governo. Para explicar o fracasso da política econômica que leva a desequilíbrios nos ativos financeiros, o governo e seus ideólogos se apressam em vender a ideia do mercado como inimigo do “pai dos pobres”.
Não é de agora que o presidente Lula da Silva fala do mercado como se fosse uma pessoa poderosa, rica e voluntarista, com interesses próprios e, além do mais, atuando para desestabilizar o Brasil. “O mercado é um dinossauro voraz – disse Lula. Ele quer tudo para ele e nada para o povo. Será que o mercado não tem pena das pessoas que passam fome?”. Não, presidente, o mercado não é uma entidade e não tem vontade ou propósitos políticos, não é um partido político e nem sequer uma associação corporativa. O mercado é o ambiente no qual múltiplos agentes econômicos negociam ativos financeiros, compram e vendem ações de empresas, títulos da dívida pública, Certificados de Depósitos, contratos futuros de commodities e moedas estrangeiras, de acordo com a expectativa de retorno futuro da aplicação das poupanças.
No mercado, estes ativos são intercambiáveis entre poupadores e tomadores, pequenos ou grandes, diretamente ou através de fundos e corretoras, movem seus recursos entre eles de acordo com as expectativas de retorno que, em última instância, depende dos indicadores macroeconômicos. Estes ativos têm valor porque correspondem a poupanças acumuladas por milhões de pessoas, que podem ser transferidas para os milhares de investidores que demandam financiamento para os seus projetos, incluindo o Estado, que financia seus déficits com a venda de títulos públicos. O valor das transações depende das negociações entre eles no mercado – o espaço no qual são negociados – o que se reflete no movimento diário da bolsa de valores, do mercado de câmbio, de títulos da dívida e de contratos de commodities. Milhões de pessoas dos dois lados do “balcão” negociando, com seus diferentes ativos e interesses dispersos, vão gerando o resultado das cotações. Bancos, fundos de investimentos e corretoras são apenas intermediários do mercado financeiro, juntando poupanças e prometendo retornos decorrentes da análise de risco e potencial dos ativos. E como os negócios estão sempre voltados para as expectativas de um retorno futuro, e não para a fruição imediata de um produto, as cotações são muito sensíveis ao que os agentes econômicos esperam do comportamento da economia, e do resultado futuro esperado pela alocação da sua poupança na forma de dividendos, juros, variação cambial, etc. Desta forma, o mercado é muito sensível às decisões da política econômica e aos seus prováveis desdobramentos sobre os retornos financeiros e à flutuação de valores dos diferentes ativos.
A movimentação no mercado pode até acentuar desequilíbrios financeiros, especialmente quando leva a estouro de bolhas financeiras. Mas é importante ressaltar que a instabilidade do mercado pode beneficiar alguns agentes econômicos, mas prejudicar outros. O atual ciclo de desvalorização cambial pressiona a inflação que prejudica a todos, principalmente os mais pobres, é muito positivo para os exportadores, mas provoca prejuízos nas empresas que devem em dólar e que têm ativos em reais.
Cada um dos agentes econômicos deve ter visão política, nem sempre convergente, e muitos podem não gostar do PT e do presidente Lula, mas não pensam em política quando negociam no mercado. A FIESP é uma entidade que representa as empresas industriais, a FEBRABAN é uma entidade que representa os bancos e instituições financeiras, organizações que defendem os interesses econômicos e políticos e podem até conspirar contra governos. Mas não se pode confundir estas instituições com o mercado.
Não sendo uma entidade ou organização política e, portanto, não tendo vontade nem interesses, o mercado não pode ter a sensibilidade social cobrada por Lula; nenhum mercado, nem a feira do bairro, nem o comércio, nem a Bolsa de Valores negociam com a intenção de combater a pobreza. Quem tem que promover o bem-estar da sociedade e a redução das desigualdades sociais é o Estado, os governos, com os investimentos públicos e os projetos de desenvolvimento social. Mas, para isso, o Estado precisa que o mercado financeiro organize as poupanças da sociedade de modo a financiar os investimentos privados, que geram emprego e renda, e financiar o próprio governo com seus títulos da dívida. Difundir a ideia de um mercado conspirador é uma falsificação da realidade econômica e uma manobra para esconder as dificuldades do governo. E só aumenta a desconfiança dos agentes econômicos.
Revista online | Editorial: O caminho da democracia
Como esperado, o segundo turno da eleição presidencial resultou na vitória do candidato do campo democrático sobre o candidato da situação, por uma margem consideravelmente inferior, contudo, à previsão inicial. Na verdade, o leque de recursos financeiros e políticos mobilizados pelo governo, de legalidade ao menos duvidosa, mostrou alguma eficácia, da liberação indiscriminada de verbas e créditos novos às operações de restrição da mobilidade dos eleitores no dia do pleito.
Em condições de normalidade democrática, a disputa estaria encerrada, e todos ficariam em situação de vencedores e vencidos, engajados, de forma aberta e cooperativa, no processo de transição. Ocorre que no último quadriênio, como sabemos, não houve normalidade democrática no país. Em consequência, o governo reconheceu sua derrota de forma ambígua e tardia, ao tempo em que encorajou a mobilização de partidários seus na frente dos quarteis, em protesto contra o resultado eleitoral, em favor de intervenção militar, com a finalidade declarada de inverter a vontade manifesta dos cidadãos e declarar a minoria como se maioria fosse.
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A permanência de militantes governistas nas ruas, com a complacência dos responsáveis pela manutenção da ordem e o apoio financeiro cotidiano de redes de empresários golpistas, constitui um desafio aberto à democracia brasileira, desafio que deverá ser enfrentado de forma permanente, por todos nós, a partir do primeiro dia do novo governo.
Hoje, contudo, a tarefa imediata dos democratas é sua articulação firme e mobilização ampla contra as manifestações golpistas, que configuram um crime contra o estado democrático de direito, assim como contra a propaganda favorável a elas, que caracteriza uma atitude de apologia a esse crime. Urge assegurar, depois da vitória eleitoral, a diplomação e a posse dos eleitos, os degraus posteriores da sequência prevista na regra eleitoral.
Apenas a partir da posse poderá ter início o processo efetivo de metamorfose da frente ampla eleitoral que se formou entre o primeiro e o segundo turno das eleições em frente ampla política e programática. Esse não será, claro está, um processo simples. Seu sucesso dependerá em boa medida da capacidade de os participantes construírem as convergências necessárias e manter, simultaneamente, a manifestação aberta e transparente de suas diferenças para informação e julgamento da opinião pública.
As tarefas não são fáceis, mas o caminho a ser trilhado está claro: contra toda tentativa de subverter o resultado das urnas; todo apoio ao processo de transição; pela diplomação e posse dos eleitos; pela constituição de um governo de ampla frente democrática, com a participação de todas as forças contrárias ao projeto autoritário e retrógrado do governo que se encerra!
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El País: Queda dos PIBs de EUA e Alemanha prenunciam tombo da economia brasileira
Pessimismo tomou conta das principais bolsas globais nesta quinta. Mercado financeiro estima um recuo de 5,77% da atividade no Brasil neste ano. FMI calcula recuo de mais de 9%
Heloísa Mendonça, do El País
O tamanho do impacto econômico inicial causado pela pandemia do coronavírus começa pouco a pouco a emergir, e os números não são alentadores. A economia dos Estados Unidos, a maior do mundo, encolheu a uma taxa anualizada de 32,9% entre abril e junho, a maior contração desde a Grande Depressão, na década de 1930, segundo dados divulgados pelo Departamento de Comércio na manhã desta quinta-feira. Um colapso da economia sem precedentes. Os efeitos da paralisia da atividade também são sentidos em outros indicadores. A onda de demissões causada pela crise sanitária continuou a avançar nos EUA, onde novos pedidos de seguro-desemprego aumentaram pela segunda semana consecutiva.
Na Alemanha, a maior potência econômica da Europa, o tombo da economia também foi histórico. O Produto Interno Bruto (PIB) alemão de abril a junho recuou 10,1% em relação ao trimestre anterior, de acordo com a agência de estatística do governo federal. É a queda trimestral mais acentuada desde 1970, quando os registros começaram. Se comparado ao mesmo período do ano passado, o recuo foi de 11,7%. Diante dos números divulgados, o pessimismo tomou conta das principais bolsas globais que operaram com perdas. O dia também foi de resultados negativos de balanços de empresas importantes, como o banco Lloyds, a AirBus e a Volkswagen. No Brasil, chamou a atenção a queda de 40% do lucro do banco Bradesco no segundo trimestre.
Os dados do PIB brasileiro de abril a junho ― período em que grande parte das atividades foi paralisada para conter a disseminação do coronavírus ― só serão divulgados no início do setembro, quando a extensão da crise gerada pela pandemia no país começará a se materializar em números. Mostrará um retrovisor do provável pior trimestre de 2020, segundo analistas. Por enquanto, as previsões sobre o tamanho do tombo da economia variam. A projeção do boletim Focus, desta semana, fala em um recuo de 5,77% no fim de 2020, enquanto o Fundo Monetário Internacional (FMI) calcula que o PIB brasileiro irá despencar mais de 9%.
“Há ainda muita divergência sobre o que acontecerá até o fim do ano, porque não há certezas sobre como será de fato a retomada econômica e como irá evoluir o enfrentamento ao coronavírus no país. O que temos de fato agora é uma quebradeira muito grande das empresas no Brasil”, afirma o economista Mauro Rochlin, da FGV. Desde que a pandemia do novo coronavírus chegou ao Brasil, 716.000 empresas fecharam as portas, de acordo com a Pesquisa Pulso Empresa: Impacto da Covid-19 nas Empresas, realizada pelo IBGE e publicada neste mês.
“Nos Estados Unidos, vimos uma leve melhora com a abertura das atividades, mas alguns Estados americanos começaram a ter que fechar parte das atividades e as empresas outra vez com o avanço de novos casos”, diz Rochlin. Os EUA registravam nesta quinta-feira 4,4 milhões de casos de coronavírus e mais de 151.000 mortes pela doença. Embora as piores perdas econômicas tenham se concentrado em abril, a ameaça de pausas na reabertura reduz as esperanças de uma recuperação mais robusta da maior economia do mundo. “Como os EUA são o segundo parceiro comercial do Brasil, essa retomada mais lenta da economia americana pode chegar a comprometer as nossas exportações e ainda mais o PIB brasileiro”, diz o professor.
Na avaliação do economista André Perfeito, da corretora Necton, a ação de enfrentamento à covid-19 por parte do presidente Jair Bolsonaro e governadores não foi suficiente para frear o coronavírus e fez com que as próprias reaberturas das atividades econômicas também fossem menos eficientes. “Não basta liberar a abertura da economia, porque as pessoas estão constrangidas e inseguras. Em vários locais os casos estão aumentando. Países que foram mais duros na quarentena, estão colhendo mais louros, com famílias mais confiantes em sair e consumir”, diz. Para Perfeito, nem a política liberal do ministro Paulo Guedes, que aposta no investimento privado para a retomada da economia, nem reformas, como a tributária que começa a tomar forma, serão capazes de gerar um efeito no curto prazo. “Infelizmente não temos uma evidência de melhora, por isso ainda projeto uma queda de cerca de 7%, 7,5%”.PUBLICIDADE
Também pessimista é a projeção da Comissão Econômica da Organização das Nações Unidas para América Latina e Caribe (Cepal) para a economia da região: um tombo de 9,1% com desemprego e pobreza aumentando. A expectativa da Cepal é de que o número de pessoas desempregadas aumente de 18 milhões para 44 milhões em toda a região, enquanto a pobreza deve subir 7 pontos percentuais, alcançando mais 45 milhões de pessoas.
Míriam Leitão: PIB do segundo trimestre deve ficar próximo de zero
O mercado financeiro tem melhorado as projeções do PIB do segundo trimestre, que o IBGE vai divulgar amanhã. Antes, era praticamente consenso um número negativo, e agora as previsões são de resultado em torno de zero ou ligeiramente positivo. Há entre empresários e economistas um certo otimismo para 2018, mas dizem que tudo dependerá das pesquisas de intenção de voto das eleições.
O economista-chefe do banco UBS no Brasil, Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central, estima que o PIB do segundo trimestre terá crescimento de 0,2% sobre o primeiro tri. Se acontecer, será o segundo trimestre de resultado positivo, após o país encolher por oito trimestres consecutivos, entre 2015 e 2016. Para o ano que vem, ele prevê alta de 3,1%, uma das maiores estimativas do mercado. Volpon, que assumiu a diretoria internacional do BC no início do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, diz que há uma série de efeitos favoráveis “contratados” para a economia no próximo ano. O problema, explica, é que tudo depende da campanha eleitoral. O temor é a vitória de um candidato contrário às reformas econômicas.
— Os juros vão cair para a casa de 7% este ano, a inflação baixa vai ajudar na recuperação da renda. O processo de desalavancagem das famílias e das empresas vai estimular consumo e investimentos, e o cenário externo é favorável. Tudo isso é muito positivo. Mas 2018 vai depender se teremos ou não uma candidatura reformista forte — explicou.
Na opinião dele, a economia tanto pode crescer forte em 2018 quanto voltar à recessão, porque o mercado traz “a valor presente” riscos e oportunidades. Se o cenário for favorável às reformas, o risco-país cai mais, a confiança sobe, e os investimentos saem da gaveta. O contrário, porém, é a disparada do dólar, o encarecimento do crédito e a volta da insegurança. De fato, o país está numa situação delicada na área fiscal e de dívida. Uma administração que amplie os gastos em vez de mudar a estrutura das despesas será um risco.
Na segunda-feira, o Boletim Focus revisou para 7,25% a estimativa do mercado financeiro para a taxa Selic este ano, e Volpon aposta que já na reunião da semana que vem os juros cairão para 8,25%, com um novo corte de um ponto. O barateamento do crédito, em um primeiro momento, vai acelerar a redução do endividamento, com a troca da dívida mais cara por outra mais barata.
— Vários resultados surpreenderam: comércio, serviços, indústria, renda e emprego. O resultado das empresas no segundo trimestre ficou acima do esperado. O PIB não deve crescer tanto quanto no primeiro trimestre, que foi 1%, concentrado na agricultura, mas deve ser mais espalhado — completou Fábio Ramos, economista também do UBS.
O economista-chefe da Truxt Investimentos, André Duarte, explica que a massa salarial real, a soma de todos os salários pagos, aumentou nos últimos meses, com a queda da inflação, e isso ajudou o comércio. Apesar da queda lenta do desemprego, qualquer melhora reduz o endividamento e estimula o consumo. Ele também avalia que 2018 será decidido pelas pesquisas de intenção de voto.
— A partir de abril, quando faltarem seis meses para as eleições, o mercado vai começar a se decidir para que lado vai. Infelizmente, o ano que vem será uma espécie de “vai ou racha” na economia — explicou.
Na economia real, a sensação é de que o pior já passou, mas a retomada ainda é difícil. O presidente da WEG, multinacional brasileira de máquinas e motores, Harry Schmelzer, diz que se sair um resultado positivo no PIB amanhã será importante para a confiança.
— Na WEG, enfrentamos a crise buscando o mercado externo e ampliamos novos negócios, como no setor de energia eólica. Hoje, 57% da nossa receita vêm de fora do Brasil. Aqui, cortamos vagas, na China, contratamos. Para voltar a contratar no Brasil, só em 2019, dependendo do resultado das eleições — afirmou.
Schmelzer elogia a equipe econômica, mas lamenta que o governo ainda não tenha conseguido votar a reforma da Previdência, crucial para reequilibrar as contas públicas. Acha que o combate à corrupção e a agenda de privatizações vão ajudar a diminuir o patrimonialismo, e isso fortalece o capitalismo no país.
As melhoras econômicas que ocorrem na visão de empresários ou economistas dos bancos dependem do rumo da política para continuar.