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Mary Zaidan: Nada cheira bem

Bolsonaro protagoniza um carnaval de conflitos

Há algo estranho no ar. Um indisfarçável cheiro de perigo, perceptível até por aqueles que se inebriaram com as promessas de novos aromas. Às narinas que pretendiam enterrar a podridão do petismo, o governo do presidente Jair Bolsonaro tem ofertado outro tipo de droga, também com efeitos devastadores.

O governo derrapa, quase não anda. Não raro move-se para trás – a fila de 1,3 milhão do INSS e de 3,5 milhões à espera do Bolsa Família que o digam -, e achincalha aqueles que poderiam ajudá-lo a seguir para frente.

O comportamento do presidente segue um padrão. Faz de desentendido quando convém – quem não se lembra do inocente “o que é golden shower?” depois de divulgar um vídeo da cena como se fosse prática carnavalesca. E adora a persona do “sincerão”, não raro associada a agressões à imprensa, para delírio da claque no gramado externo do Palácio do Alvorada.

Além de ultrajar a instituição da Presidência da República com sua avalanche cotidiana de impropérios, Bolsonaro autoriza e estimula a incivilidade. Algo já grave na pauta de costumes, por reforçar toda sorte de preconceitos, que se torna gravíssimo ao encorajar guerras institucionais, desobediência civil, o caos.

A tomada de partido pró-motim de parte da polícia do estado do Ceará é um exemplo dessa insanidade. Diante da ação tresloucada e criminosa do ex-governador e senador Cid Gomes, baleado ao tentar entrar com uma retroescavadeira em uma unidade tomada por PMs grevistas, Bolsonaro não condenou ambos os lados, como caberia a um presidente. Deu razão aos amotinados – posição replicada pelo filho Flávio nas redes –, acendendo o rastilho de bombas prestes a estourar em outros 11 estados nos quais as polícias reivindicam reajustes salariais.

Aplaudiu métodos que desafiam a Constituição, a hierarquia das polícias e a autoridade dos governadores, tão legitimados pelo voto quanto o presidente. Misturou-se ainda mais com as milícias ao aprovar policiais mascarados que obrigam fechamento de comércio, sequestram e incendeiam carros. Sem meias palavras, incita o caos.

Deliberadamente, Bolsonaro protagoniza um carnaval de conflitos. Tal como lança-perfume, pode até extasiar muitos, mas é incapaz de produzir fragrância duradoura.

No plano institucional, o governo asperge fedor. Faz questão de cultivar inimigos.

Captado por microfones do canal governista, o general Augusto Heleno, ministro do GSI, acusou o Congresso de fazer chantagem, disparando um “foda-se”, rapidamente transformado em mote para convocar bolsonaristas para um ato no dia 15 de março. Isso depois de a assessoria do presidente ter plantado que Bolsonaro havia demovido Heleno da ideia de chamar o povo às ruas contra o Parlamento.

Maior protagonista da aprovação da reforma da Previdência, a única que o governo conseguiu lograr a despeito do esforço zero do presidente, a Câmara é acusada de querer controlar o orçamento. Não dizem que o quinhão fora previamente acordado com o governo que, depois de negociar, voltou atrás.

Pode-se criticar os valores, mas o sistema de emendas impositivas aprovado pelos parlamentares é o mais eficaz para acabar de vez com a prática do toma lá dá cá. Com ele, nem deputados podem vender votos para liberar verbas nem o governo pode oferecer recursos em troca de votos. Em suma, reduz o poder de barganha de ambos. Mas o Executivo, acostumado a ser o dono único da bola, perde mais – e grita.

À rixa com o Congresso somam-se os disparates de Bolsonaro contra os governadores, os inimigos da vez. Primeiro, o capitão mirou nos nordestinos, os “paraíbas”, depois nos da região amazônica, excluídos do novo Conselho da Amazônia. Não satisfeito, atacou genericamente todos os governantes estaduais ao desafiá-los a reduzir impostos sobre a gasolina. Em seguida, culpou o governador da Bahia, o petista Rui Costa, pela morte do miliciano Adriano da Nóbrega, caso que parece perturbar em demasia o chefe da nação e sua prole.

Difícil crer que nada há por trás da “coincidência” de jogar governadores na fogueira ao mesmo tempo que dá incentivo incendiário a corporações armadas.

Nada cheira bem.

*Mary Zaidan é jornalista


Mary Zaidan: Populismo em rede

Bolsonaro aposta tudo

A mistura de política com entretenimento não é novidade. Era assídua nas marchinhas de carnaval, na música popular, e continua arrancando gargalhadas nos programas humorísticos de TV. Artistas sempre foram bons cabos eleitorais e showmícios faziam parte das campanhas até serem proibidos pelo Supremo, em 2006. Tudo para lá de inocente perto do que se vê nas redes sociais, ambiente em que a política virou um reality show sob medida para o populismo de ocasião.

Nele, o presidente Jair Bolsonaro tem se mostrado imbatível. Na última quinta-feira, movimentou o Facebook com uma enquete sobre como deveria agir quanto ao fundo eleitoral de R$ 2 bilhões proposto pelo seu governo e aprovado pelo Congresso. Vetar e correr o risco de um impeachment ou sancionar, provocou.

De duas, as duas. Mentiu ao delegar a escolha para a galera e tratou uma decisão presidencial como bacalhau que se joga na plateia. (Que o genial Chacrinha me perdoe pela citação.)

Nada que cause espanto em um governo que define políticas públicas por likes no Facebook, retweets e coraçõezinhos de aprovação.

Ministros como Abraham Weintraub, da Educação, Damares Alves, da Mulher, Família e Direitos Humanos, e Ernesto Araújo, das Relações Exteriores, parecem que se ocupam mais das redes do que das tarefas para as quais foram nomeados. Pelo volume de posts diários e lives semanais, que duram em média uma hora, o próprio presidente dá a entender que agradar fãs no Facebook e no Twitter é determinante. Importa mais que a governança, que o país.

No primeiro ano de governo foi a temperatura nas redes que determinou as idas e vindas do presidente. Seja para amenizar o projeto original da Previdência ou adiar privatizações, voltar atrás na mudança da Embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém ou na indicação de seu filho Eduardo para a Embaixada dos Estados Unidos.

Antes de o ano virar voltou da Bahia para Brasília depois de ser duramente criticado no Facebook e no Twitter por preferir ver a chegada de 2020 longe da mulher e, pior, no momento em que ela passaria por uma cirurgia, mesmo sob alegação de risco zero. Erro fatal para quem se diz um feroz defensor da família sobre todas as coisas. Nem os fanáticos seguidores perdoaram.

As redes servem ainda para a prática da tergiversação.

Com estratagemas diversos – acusações à imprensa, falsas notícias, exageros ou impropérios inadmissíveis para qualquer um, quanto mais para alguém que deveria servir de exemplo -, Bolsonaro usa as redes para tirar o foco dos imbróglios em que seus filhos se metem. Basta uma investigação chegar perto de algum deles para que o presidente fale ou escreva um post desaforado que suplante a notícia incômoda.

Serve ainda para testar a (im)popularidade de medidas como o retorno da CPMF, que espertamente Bolsonaro terceirizou para a equipe de Paulo Guedes. Aí o presidente chega ao cúmulo de conversar com o ministro no Planalto pela manhã e deixá-lo sem tapete depois do almoço no primeiro post da tarde.

Uma prática repetida amiúde com o ministro Sérgio Moro, desautorizado por diversas vezes em todas as mídias – ao vivo, gravado, em entrevistas distribuídas em atacado nas redes. Na seara de ser contestado publicamente pelo chefe ninguém suplanta Moro, o que, imaginam alguns dos fiéis do ex-juiz, poderá ser utilizado a favor de uma eventual candidatura dele à Presidência.

Sonhos de 2022 que, diga-se, têm adeptos a rodo na mesma web em que Bolsonaro brilha.

Ainda que a performática atuação dê a impressão de que Bolsonaro está bombando, sua aprovação entre os brasileiros é inferior à do também populista Fernando Collor, o caçador de marajás. Collor foi eleito pela TV e deposto pelas ruas, canal que ele duvidava que poderia ser mais forte do que a audiência eletrônica que ele tão bem dominava.

Bolsonaro aposta tudo nas redes. Seu governo se dá por meio delas. Sua popularidade, ainda que tenha sofrido forte queda, se mantém por arrobas fiéis. Resta saber se o país se renderá à audiência digital e a plebiscitos populistas baratos.

*Mary Zaidan é jornalista


Mary Zaidan: O nome do jogo

PT comemorou como gol de placa a absolvição da presidente do partido, Gleisi Hoffmann

Com o dono do time na cadeia e sem qualquer notícia boa para incentivar a torcida, o PT comemorou como gol de placa a absolvição da presidente do partido, Gleisi Hoffmann, e de seu marido, Paulo Bernardo, ex-ministro de Lula e Dilma Rousseff, das acusações de corrupção. Na terça-feira, 19, a segunda turma do STF foi ainda mais longe: deu um pito na PGR por basear denúncias exclusivamente em delações.

A galera petista vibrou.

Mais do que livrar Gleisi, o PT viu nisso a possibilidade de inverter o jogo e colher um placar favorável ao ex-presidente preso na sessão marcada para o dia 26 pela mesma segunda turma, um dia antes do último jogo do Brasil na primeira fase da Copa da Rússia. Muitos chegaram a apostar que Lula poderia ver os jogos seguintes em casa, solto. Ou, pelo menos, com tornozeleira eletrônica.

O revertério começou já na quarta-feira, 20, quando o plenário do STF decidiu, por 10 x 1, pela legalidade das delações firmadas pela Polícia Federal, que, ao contrário do Ministério Público, enxerga nelas não a denúncia em si, mas o instrumento para investigações. Diga-se, uma posição mais apropriada e, consequentemente, mais efetiva quando se pretende apurar um crime.

Na manhã da sexta-feira, pouco depois de a primeira vitória da seleção poupar as sobras das unhas dos brasileiros, o PT se viu atropelado por reveses tão acachapantes como os 3 x 0 que a Argentina amargou no jogo contra a Croácia. Ou mais.

Antonio Palocci, o ex-todo poderoso ministro da Fazenda de Lula e chefe da Casa Civil de Dilma, teve sua delação homologada pelo Tribunal Federal de Recursos da Quarta Região (TRF-4). Foi o primeiro a se beneficiar do novo entendimento do STF.

O que ele disse à PF continua sob sigilo, mas só pelo conteúdo já antecipado na carta de desfiliação ao PT sabe-se do poder de fogo da sua fala, um arsenal pronto para detonar ex-companheiros de farra, políticos ou não.

Mais tarde, outro baque: a revisão da pena de Lula foi retirada da agenda do Supremo depois que o TRF-4 decidiu negar o recurso extraordinário da defesa.

Pelo menos por enquanto o ex continuará vendo os jogos na TV instalada na cela especial da PF de Curitiba, regalia autorizada por Sérgio Moro, juiz que Lula xinga e diz ser seu algoz.

O ex sempre adorou misturar futebol e política. Antes de se ver enredado no mensalão, elegeu o também condenado José Dirceu como “capitão do time”. Mantida a alegoria futebolística, a cadeia era tão inimaginável para ele quanto os 7 x 1 que a Alemanha impôs ao Brasil em 2014, ano em que sua sucessora começou a lançar o país na maior recessão da história.

Hoje, Lula joga com um time milionário de advogados para multiplicar recursos pós recursos. Mais do que um árbitro de vídeo, quer que a defesa tenha mando de campo. Se assim for, derrota o Brasil. Não o da Rússia, mas o que aqui está.

* Mary Zaidan é jornalista.


Mary Zaidan: O Brasil refém do STF

Dilma continua a distribuir estragos.

Em 2008, sem conseguir avançar na ideia da trieleição, Lula, hoje preso por corrupção e lavagem de dinheiro, inventou Dilma Rousseff e, com ela, um tormento sem fim. A presidente deposta foi um pesadelo para o país – e para seu padrinho – durante os cinco anos e meio de mandato. E continua a distribuir estragos.

Não só além das fronteiras, em viagens pagas pelo governo, portanto pelos impostos dos brasileiros, para denegrir as instituições nacionais, incluindo o STF, que com ela foi para lá de generoso. Mas também internamente.

Desta vez, em Minas Gerais, domicílio que escolheu para disputar uma vaga ao Senado. Novamente, garante ela, ungida por Lula antes de ele iniciar o cumprimento de sua pena de 12 anos e um mês.

A candidatura da ex caiu como bomba por lá, detonando a aliança já acertada entre o PT e o MDB em torno da reeleição do governador petista Fernando Pimentel – seu amigo do peito. Como a composição reserva ao MDB as vagas ao Senado, simplesmente não cabe Dilma.

Tê-la na disputa foi o estopim para que o presidente da Assembleia mineira, o emedebista Adalclever Lopes, abrisse o processo de impeachment de Pimentel, que, em dezembro, já havia se tornado réu no STJ. Mesmo que não avance, o pedido de cassação revigora as baterias da oposição cinco meses antes do pleito.

Eleita com a popularidade do padrinho e os milhões acumulados em propinas – o marqueteiro João Santana e agora o ex-ministro Antonio Palocci que o digam -, Dilma age como se fosse imbatível e imprescindível ao partido que preferia não ter de lidar com ela.

No máximo, o PT imagina que ela poderia puxar votos como candidata a deputada. Ainda assim, com o incomodo de ter de explicar seus anos de desgoverno e o estado calamitoso em que deixou o país.

O pepino Dilma faz parte da decisão kafkiana de cassar o mandato e não penalizar o deposto com a inelegibilidade de oito anos prevista na Constituição. Uma trama urdida pelos então presidentes do STF, Ricardo Lewandowski, e do Senado, Renan Calheiros.

Um caso sui generis em que, com o aval da Suprema Corte, se alterou a Constituição sem os dois terços exigidos nas duas casas legislativas em dois turnos.

É o que ocorre quando o STF age por decisão monocrática, como a que devolveu elegibilidade ao senador cassado Demóstenes Torres, ou de colegiado reduzido, como o da trinca da Segunda Turma, que decidiu retirar da Lava-Jato os trechos da delação da Odebrecht que têm a ver com Lula.

No caso do político goiano, o STF passou por cima da decisão e da prerrogativa do Senado de cassar e punir seus integrantes. No outro, operou no sentido de obstruir a justiça, em absoluto contrassenso.

Absurdos assim dão ânimo às Dilmas da vida, embalam esperanças de corruptos e povoam os sonhos dos que estão na cadeia – Lula à frente.

* Mary Zaidan é jornalista.