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Marco Aurélio Nogueira: Os podres da República e a sorte de Moro
*Marco Aurélio Nogueira
Bastou a prisão de Eduardo Cunha para que as nuvens ficassem mais carregadas e os dilemas da República se agigantassem.
Já se sabia de tudo, mas a prisão trouxe à tona uma trajetória que chama atenção pela longevidade, pela desfaçatez e pelo tamanho das ilicitudes. Cunha tem peso próprio, não é um qualquer quando se trata de exploração das brechas existentes na legalidade e na cultura político-administrativa do Estado brasileiro. É um profissional. As acusações contra ele abrangem um leque impressionante de fraudes, negócios escusos, abusos e irregularidades. Vêm lá de trás, mais ou menos do final dos anos 1980. Como foi possível sobreviver durante tanto tempo e seguir uma carreira ascendente que poderia tê-lo levado à Presidência da República? O sistema assistiu impassível à performance, que teria continuado se não houvesse a Lava Jato.
No mínimo por isso, o juiz Sergio Moro merece aplausos. Ele está a desnudar os podres de nossa vida estatal, valendo-se de uma obstinação que o tem ajudado a resistir a intempéries mil, ainda que o levando em certos momentos ao limite da temperança e da moderação.
As vozes mais sensatas e certeiras da República afirmam que a pressão sobre Moro aumentará terrivelmente. A prisão de Cunha fará um tsunami desabar sobre o juiz, impulsionado tanto pelos ventos que sopram do lado dos que não desejam o prosseguimento da Lava Jato, quanto pelos vagalhões produzidos por aqueles que não gostam do estilo de Moro e o veem como autoritário. No governo Temer, no Congresso e na oposição, quem tem o rabo preso está suando frio. A lógica das coisas aponta na direção deles. Decaído o chefe, é de esperar que o restante dos dominós caia também, ou seja ao menos ameaçado. Sobretudo se Cunha der com a língua nos dentes, contar o que sabe, com quem tramou, por que o fez, quanto ganhou e quanto distribuiu. Nitroglicerina pura, que será por ele usada com inteligência estratégica e instinto de sobrevivência, atributos que não lhe faltam.
No day after da prisão, não faltou quem fizesse a ilação apressada: Cunha derrubará Temer ou lhe roubará as bases de apoio a ponto de levar seu governo à asfixia. Setores da direita e sebastianistas de esquerda deram-se as mãos, desavergonhadamente, para atacar as detenções preventivas decretadas por Moro. Alegaram que elas ferem o Estado de Direito, que a prisão de Cunha não passaria de pretexto para prender Lula, que a Lava Jato teria criado a imagem da “corrupção sistêmica” só para justificar o arbítrio da república de Curitiba e “criminalizar o PT”. Cunha seria mais uma vítima desse procedimento judicial que fere a justiça, abusa da autoridade e desrespeita direitos.
Moro respondeu quase de imediato. Em palestra feita em Curitiba para desembargadores e juízes do Paraná, reiterou que a “aplicação vigorosa da lei” é o único meio de conter casos de “corrupção sistêmica”. As detenções cautelares seriam indispensáveis, até para deixar estabelecido que “processos não podem ser um faz de conta”. E explicou: “Jamais e em qualquer momento se defendeu qualquer solução extravagante da lei na decretação das prisões preventivas”. Seria preciso manter viva a “fé das pessoas para que a democracia funcione”, ou seja, impedir que se perca a “fé maior, de que a lei vale para todos”.
Evidenciou-se assim que o juiz sabe que a pressão sobre ele continuará a crescer. A coisa toda, no fundo, pode ser vista de forma mais simples.
Quando gente de direita e de esquerda se une para atacar um juiz, é porque há algo de muito errado no xadrez político. A causa, no mínimo, torna-se suspeita de antemão, especialmente quando estruturada para proteger pessoas que estão a ser investigadas há tempo, com provas que se superpõem e se acumulam.
Um juiz tende a ter atrás de si todo o sistema da Justiça: outros juízes, promotores, procuradores, tribunais, leis, jurisprudências, ritos consagrados, policiais federais. Moro não é, evidentemente, uma unanimidade entre seus pares e há muito conflito entre os órgãos e os aparatos de investigação e penalização. Mas, de algum modo, atacar hoje um juiz como ele pode significar um ataque ao conjunto do sistema.
Afinal, tudo parece indicar que a “corrupção sistêmica” está aí e atingiu níveis graves, que precisam ser contidos não só por uma questão de justiça, mas também por uma questão operacional: o sistema enfartará se não for “purificado” e esvaziado de trambiques e sujeira. Se é assim, em maior ou menor grau, Moro tem razão quando fala que “a condição necessária para superar a corrupção sistêmica é o funcionamento da Justiça”. Não haveria por que propor alguma espécie de “solução autoritária”, mas é preciso que se tenha vontade para que os processos cheguem a bom termo.
Ações judiciais na esfera política são acompanhadas com interesse pela sociedade, especialmente numa época de informações intensivas e protagonismo das opiniões. O cidadão assiste àquilo como parte de uma “limpeza” que ele gostaria de ver realizada. Muitas vezes joga o bebê fora junto com a água do banho: condena todos os políticos sem se esforçar para perceber que há diferenças entre eles, raciocina com o fígado e bate em todos como se fossem farinha do mesmo saco.
Se uma sociedade rejeita a corrupção sistêmica, o enriquecimento ilícito e os políticos “sujos”, com seus empresários a tiracolo, então não será o ataque a um juiz que vai convencê-la do contrário. Tal ataque, porém, se bem-sucedido, poderá fazer com que ela não se mobilize.
Até prova em contrário, se a sociedade assim quiser e souber se manifestar, Moro seguirá em frente, contra o sistema político que deseja seu silêncio, contra o governo e a oposição, contra o histrionismo da direita e as lágrimas de crocodilo da esquerda.
*Professor titular de teoria política e coordenador do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais da Unesp
Fonte: opiniao.estadao.com.br
Roberto Freire: A esquerda é muito maior que o PT
Não só no Brasil, mas em todo o mundo democrático, vivemos um momento de ebulição no campo das forças de esquerda, com uma profunda discussão em torno do papel dos partidos que compõem esse espectro ideológico e os seus desafios nos dias de hoje. No caso brasileiro, é evidente que o retumbante fracasso moral dos governos de Lula e Dilma Rousseff gerou um forte impacto sobre os grupos mais progressistas, como se a esquerda se resumisse ao PT e seus aliados. Trata-se, evidentemente, de uma tese falaciosa e desprovida de qualquer sentido.
O desastre lulopetista, que chegou ao fim por meio do impeachment da ex-presidente da República, deixou marcas indeléveis no PT, no país e nas esquerdas – associadas, indistintamente, ao desmantelo e à corrupção que afundaram o Brasil. O que temos acompanhado, com tristeza e preocupação, é um sentimento crescente de repulsa em relação aos políticos e partidos que possuem uma visão mais igualitária, humanista e voltada ao social, enquanto, por outro lado, se fortalecem discursos de ódio, intolerância, preconceito ou de conteúdo xenófobo e até mesmo fascista em determinados momentos, frutos de um reacionarismo cada vez mais exacerbado.
Uma das consequências desse fenômeno é o retorno de um anticomunismo anacrônico e descabido, como se ainda fizesse sentido se manifestar contra algo que é página virada na história. Basta conhecer minimamente a política brasileira para constatar, sem muito esforço, que o PT não é e nunca foi comunista. As raríssimas experiências comunistas que ainda se mantêm em pé, entre as quais Cuba e Coreia do Norte, não significam nada de relevante nem oferecem qualquer perspectiva de futuro – o regime norte-coreano, comandado por um bizarro ditador, se assemelha a uma dinastia imperial. Há também a China, que mantém um sistema político ditatorial, mas há muito tempo abriu sua economia para o capitalismo.
Do início ao fim, os governos de Lula e Dilma sempre estiveram afinados com os interesses da banca financeira, que nunca obteve lucros tão fabulosos quanto no período lulopetista. Nos últimos 13 anos, a educação e a saúde continuaram sofrendo com um declínio de qualidade vergonhoso. As famílias brasileiras se endividaram em decorrência do incentivo desenfreado ao consumo. Como resultado de tamanha irresponsabilidade e de uma série de equívocos cometidos na política econômica, o Brasil amarga uma recessão de proporções nunca antes vistas em nossa história, com mais de 12 milhões de desempregados. Como se tudo isso não bastasse, a tão prometida reforma agrária não saiu do papel e o déficit habitacional só se agravou. É a população mais pobre, fundamentalmente, quem mais sofre com o descalabro produzido pelo PT – cuja cartilha seguida enquanto governo nada teve a ver com uma política minimamente de esquerda.
É importante entender que o campo ideológico progressista no Brasil, formado por um amplo leque de partidos com visões de mundo distintas, não se restringe ao próprio PT. Isso ficou evidenciado no processo de impeachment de Dilma, em que as legendas que representam a esquerda democrática brasileira – o Partido Popular Socialista (PPS), o Partido Socialista Brasileiro (PSB) e o Partido Verde (PV) – votaram unidas pelo afastamento da então presidente.
A esquerda mais avançada, conectada ao século XXI e ao mundo do futuro, defende, neste exato momento, o ajuste econômico e a responsabilidade fiscal propostos pelo governo de Michel Temer para tirar o Brasil do buraco. Apoiar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241/2016, que busca racionalizar os gastos públicos, não é uma bandeira empunhada por esquerda ou direita – mas por todos os que temos compromisso com um país mais justo, sustentável e digno para os seus cidadãos. E esse é apenas um dos exemplos que evidenciam a diferença entre uma esquerda autoritária, arcaica e dogmática e aquela mais democrática, dinâmica e plural.
Essa esquerda tem história, dignidade, honradez e jamais se enxovalhou com a corrupção desenfreada de mensalões ou petrolões. Essa esquerda oferece ao país não um projeto de poder, mas um projeto de desenvolvimento para todos os brasileiros.
Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS
Fonte: pps.org.br
Luiz Carlos Azedo: Os laços da perdição
Pela primeira vez, a esquerda no poder promoveu uma política de concentração e internacionalização de capital nunca vista, com os chamados “campeões nacionais”
A discussão sobre capitalismo de laços no Brasil não é nenhuma novidade, assim como a tentativa de reinventar o capitalismo de Estado. Por R$ 100 é possível comprar pela internet dois livros de Sérgio Lazzarini sobre o assunto. Professor do Insper, o economista é um estudioso das imbricadas relações empresa-Estado no Brasil e do modelo político adotado pelo PT e que entrou em colapso com o escândalo da Petrobras, uma espécie de fusão das operações ilícitas envolvendo empresários, gestores públicos e políticos investigados pela Operação Lava-Jato com os mecanismos de intervenção do governo na economia, durante os mandatos de Lula e de Dilma.
Não se pode atribuir ao PT tudo o que aconteceu, até porque as estruturas do Estado e do capitalismo brasileiros foram historicamente constituídas. O problema é que, ao assumir o poder, o partido foi abduzido pelos laços perversos do sistema, ao conquistar a chave do cofre e assumir as redes da política. O transformismo petista, porém, é mascarado pela retórica neopopulista de amplos setores da esquerda, na qual o nacional desenvolvimentismo ainda serve de biombo ideológico. Encaixa-se como luva na velha doutrina dos movimentos de libertação nacional durante a guerra fria: aliança com a burguesia nacional contra o imperialismo, num esquema em que a emergência da China na economia globalizada e o jogo duro da Rússia de Putin contra os Estados Unidos na Ucrânia e no Oriente Médio substituíram a antiga União Soviética e os ex-aliados da Cortina de Ferro. Os sindicatos e a esquerda europeia se encarregaram de dar ressonância internacional ao projeto.
Lazzarini notou que, nos processos de licitação, formavam-se consórcios com atores conhecidos, com a participação do governo e seus agentes, mesmo depois do período de privatizações. O Estado já não tinha controle total sobre grandes empresas, com exceção das Petrobras; havia diluído sua participação em algumas empresas (privatizadas ou não) para atuar em uma rede muito maior de organizações. Com isso, ao lado da ofertas públicas de ações (IPOs – Initial Public Offerings) nas empresas estatais a novos investidores nacionais e internacionais, o Estado permanecia forte e presente em muitos setores.
O Estado não se afastou de atividades econômicas por meio da privatização e da abertura econômica. Pelo contrário, adotou um modelo de maior capilaridade, aumentando o número de empresas que contam com a participação do BNDES e dos fundos de pensão de estatais, que têm laços políticos com o governo. E essa ramificação do Estado é tão ou talvez mais poderosa do que o modelo anterior, concentrado em grandes empresas. Além disso, os mesmos proprietários e grupos, com laços cruzados, estavam em muitas empresas. Com isso, grupos privilegiados pelo governo, em troca de propina, passaram a ter uma grande presença transversal na economia.
Pela primeira vez, a esquerda no poder promoveu uma política de concentração e internacionalização de capital nunca vista, os chamados “campeões nacionais”, cuja consequência foi a criação de um ambiente econômico degenerado e pouco competitivo. Ao contrário do que apregoa o discurso de defesa da “engenharia nacional” e da reserva de mercado para a inovação e tecnologia nacionais, quando as empreiteiras formaram o cartel que controlava todos os grandes projetos do governo, da construção de plataformas de petróleo a estádios de futebol, puxaram para baixo a competitividade, a inovação, a qualidade e a produtividade no país.
Caso de polícia
As conexões internacionais do modelo são parte de um esquema de reprodução do projeto de poder, no qual o BNDES entrava como fonte financiadora. A maioria dos empréstimos camaradas tem prazo em torno de 12 a 15 anos, embora alguns contratos com Cuba destoem por terem até 25 anos. As taxas de juros estão entre 3% e 6% ao ano, em dólar. O financiamento desses contratos se dá via Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que recebe, nesses casos, remuneração atrelada a taxas internacionais. Mas essas são muito mais baixas do que o custo que o próprio governo consegue captar, aqui ou no exterior. E o próprio Tesouro tem coberto rombos no FAT.
Pois bem, quando um dos maiores fornecedores da Petrobras, com contratos no valor de R$ 25 bilhões, o estaleiro Keppel Fels, reconhece na Bolsa de Cingapura, onde fica a sua sede, que os pagamentos feitos a seu representante no Brasil “podem ser suspeitos”, desnuda os laços mais perversos e conexões internacionais desse modelo, que virou caso de polícia. Seu representante no Brasil é o lobista e engenheiro Zwi Skornicki, preso pela Operação Lava-Jato, que já disse que pagou US$ 4,5 milhões (R$ 14,4 milhões, em valores atuais) ao marqueteiro João Santana, que cuidou das campanhas de Lula (2006) e de Dilma Rousseff (2010 e 2014). A mulher e sócia de Santana, Mônica Moura, confessou que recebeu os US$ 4,5 milhões numa conta na Suíça, uma dívida da campanha de 2010. Os ataques ao juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba, não salvarão o modelo fracassado. A crise fiscal do país exige do Estado e da sociedade uma mudança de paradigma.
Fonte: pps.org.br
Ferreira Gullar: Não basta ter razão
Não tem cabimento demonizar o populismo, ainda que ele contenha inevitavelmente contradições que podem levá-lo ao impasse. É inegável, porém, que ele parte da constatação de que a sociedade é, sem dúvida alguma, desigual.
Há uma minoria rica, uma classe média de alguns recursos e –particularmente em países com o nosso– uma maioria que vive ao nível da necessidade, mal tendo como sustentar e educar os filhos.
Eleger como objetivo de governo a melhoria das condições de vida dos mais pobres é indiscutivelmente um propósito louvável. Mas não basta ter razão para estar certo.
O problema é que esse populismo é ideológico e, por isso, faz do propósito de ajuda aos mais pobres um projeto de governo. Ao contar com o apoio dessa maioria carente, transforma-se em um modo de permanecer indefinidamente no poder.
Hugo Chávez, por exemplo, chegou a fazer aprovar uma lei que permitiria que ele fosse reeleito indefinidamente pelo resto da vida. Para enganar o povo, inventou um outro que daria à maioria o direito de depor o governante se ele traísse o interesse popular.
Se digo que o populismo latino-americano é ideológico, é que ele surgiu em decorrência da revolução cubana – que provocou um surto de guerrilhas no continente– como alternativa, após o fim dos regimes comunistas em quase todo o mundo.
De qualquer modo, o sonho da revolução proletária se desfez. O populismo troca a luta de operários contra a burguesia pela luta de pobres contra ricos. Assim, se o populismo não se assume comunista, procura em compensação se apresentar como anticapitalista.
Como não nasce de uma revolução que elimina da sociedade a classe capitalista, vale-se do governo para usar os recursos públicos na tarefa de dar casa, comida, escola e outros confortos até então fora de seu alcance, para assim, ao mesmo tempo, conquistar os votos dessa maioria da população.
Mas, para fazer isso, tem que contar com o apoio do capitalismo, como ocorreu na Argentina, na Venezuela e no Brasil.
Essa aliança inevitável compromete, de certo modo, o caráter anticapitalista que o populismo necessita ostentar. Para superar a contradição, é levado a adotar medidas e atitudes que aparentem sua hostilidade ao capitalismo, como dificultar as relações políticas com os norte-americanos e adotar exigências nos contratos com grandes empresas. Isso termina por reduzir –como no caso do Brasil– o comércio exterior e, internamente, leva ao fracasso projetos econômicos que necessitam de capital privado.
Somado isso às despesas com os programas sociais que beneficiam milhões de pessoas, é inevitável que a crise econômica termine por se instalar no país.
Para que se veja com clareza a diferença entre um governo não populista e um governo populista, tomo como exemplo os programas sociais do governo Fernando Henrique Cardoso e o do governo Lula.
FHC criou os programas Bolsa Escola, Bolsa Alimentação e Luz no Campo, que Lula criticou, acusando o presidente do PSDB de estar dando esmola aos trabalhadores e a suas famílias.
Quando assumiu o governo, porém, adotou os mesmos programas, trocando os nomes para Bolsa Família e Luz para Todos, aumentando em vários milhões o número dos beneficiados.
O resultado foi que a fusão dos programas e esse aumento de milhões de pessoas tornaram quase impossível a sua fiscalização, o que induziu muita gente a largar seu emprego para viver da ajuda do governo. Há mesmo exemplo de pequenos municípios em que quase todos vivem do Bolsa Família.
É que o populismo, na melhor das intenções, parte de que o problema da desigualdade social se resolve com o dispêndio do dinheiro público. Trata-se de uma ilusão. Não há mágica capaz de resolver problema tão complexo, do dia para a noite, às custas do Tesouro Nacional.
A solução efetiva desse problema exige que os mais pobres tenham condições efetivas de criarem seus filhos, educá-los e dar-lhes qualificação profissional. E temos que tomar isso a peito, sem demagogia. (Folha de S. Paulo – 09/10/2016)
Fonte: pps.org.br
Maurício Huertas: O “sobe e desce” da política partidária
Se as urnas demonstram que há um esgotamento da paciência da maioria dos cidadãos brasileiros com o atual sistema político-partidário, vide o número recorde de ausências, votos brancos e nulos em todo o país, também é verdade que, enquanto houver a obrigatoriedade de filiação a partidos políticos para se concorrer às eleições, o jogo a ser jogado é dentro das 35 siglas existentes (e outras que ainda estejam por vir).
Parece ser consenso que novas mudanças na legislação partidária e eleitoral são necessárias, muito além do puxadinho chamado de reforma que ocorreu para as eleições municipais de 2016. Correção de distorções à parte e avanços que talvez os atuais mandatários não tenham vontade política de encarar, o fato é que o cenário para 2018 começa a se desenhar a partir da correlação de forças demonstradas neste 2 de outubro.
Todas as análises apontam para o PT como grande derrotado em 2016 e, pelo resultado massacrante e surpreendente em São Paulo, o epicentro político das últimas décadas, Geraldo Alckmin (PSDB) desponta como a liderança política com mais força para a sucessão presidencial. Pensando em números e tratando a política como ciência exata, seria por aí. Mas é claro que há outras variáveis incontroláveis. De todo modo, precisamos partir de um ponto concreto para fazer o mapeamento político nacional.
Pois o que se viu foi Alckmin, padrinho do “não-político” João Doria, que ganhou a Prefeitura de São Paulo no 1º turno com 53% dos votos, impor ao PT (com os 16,7% de votos para Haddad) a maior derrota da sua história. Lembrando que em 1985, quando disputou a sua primeira eleição municipal com Eduardo Suplicy como candidato a prefeito, o PT teve 19,75% dos votos, ficando atrás do vencedor Jânio Quadros, com 37,53% e Fernando Henrique, com 34,16%. Na eleição seguinte, em 1988, ganhou Luiza Erundina (que tinha sido candidata a vice em 1985), e a partir daí o PT sempre esteve na disputa polarizada pela Prefeitura, primeiro contra o malufismo: Maluf (92), Pitta (96) e Maluf (2000); depois contra os tucanos ou seus satélites: Serra (2004), Kassab (2008), Serra (2012) e João Doria (2016). Venceu três vezes, em 1988, 2000 e 2012.
Portanto, nessa balança dos dois pólos mais tradicionais da política atual, que se traduz também desde 1994 nas eleições presidenciais, é inegável que o “lado azul” desponta com amplo favoritismo contra o “lado vermelho” para 2018, sendo que Alckmin se firma como potencial candidato tucano. Dos seus concorrentes internos, José Serra perdeu espaço (a não ser que migre para o PMDB ou se contente com a eleição para o governo do Estado) e Aécio Neves segue com o controle da máquina nacional partidária mas precisa cuidar da franquia mineira (afinal, a sua derrota em Minas, na eleição presidencial de 2014, foi determinante para a vitória de Dilma).
Embora direita e esquerda sejam conceitos cada vez mais anacrônicos, na parcela mais conservadora do eleitorado, à direita do PSDB, destacam-se figuras como Bolsonaro, que não vão vencer eleição majoritária nenhuma, mas indicam um volume crescente do eleitorado mais retrógrado. Ao centro, o PMDB permanece como uma federação de caciques e coronéis locais, agora alçado à Presidência da República para uma transição ainda indefinida.
Partidos como DEM, PSC, PSD, PP, PR e PRB também seguem crescendo ou (re)conquistando municípios importantes. A liderança jovem e mais bem sucedida é ACM Neto, eleito prefeito de Salvador com 74%. Já é nome forte para ser candidato ao Governo da Bahia ou a vice-presidente da República.
À esquerda, o PSOL vai tomando eleitores desiludidos com o PT. A Rede Sustentabilidade de Marina Silva sai da eleição enfraquecida e em crise de identidade. O PT vive um dilema na sucessão da liderança de Lula (às vésperas de se tornar ficha suja na Operação Lava Jato). O próprio Fernando Haddad, apesar da derrota fragorosa, e Eduardo Suplicy, com a votação recorde para vereador, são nomes cotados para um aggiornamento petista, que tem ainda em Ciro Gomes, hoje no PDT, uma alternativa para sobreviver a 2018.
Resta a chamada esquerda democrática, fundamentalmente representada por PPS, PV e PSB, que até pode se aliar pontualmente ao PSDB, mas que trabalha para superar a polarização tradicional e definitivamente se diferencia das práticas e dos conceitos da velha esquerda que não resistiu à queda do muro de Berlim. Está aí nesses partidos, e no que aflorar da Rede, o caminho que pode reaproximar a boa política das novas demandas da sociedade. Aguardemos.
Mauricio Huertas, jornalista, é secretário de Comunicação do PPS/SP, diretor-executivo da FAP e apresentador do #ProgramaDiferente
Fonte: pps.org.br
Luiz Werneck Vianna: De quando é bom ter uma pinguela segura
Agora não resta solução senão a de atravessar, pé ante pé, essa estreita que se tem à frente...
Para um observador desavisado, inexperiente de como aqui se vivem as coisas da política, diante do cenário que aí está, nada de estapafúrdio que se lhe dê na telha a ideia de estarmos na iminência de uma revolução.
Nas salas de aula das universidades os estudantes exibem adesivos estampando um “fora Temer”, professores das escolas de ensino médio cumprimentam seus alunos com o mesmo bordão, artistas e cantores populares não começam seus espetáculos sem ele, também presente nas salas de cinema e nos teatros. Uma ex-presidente da República que teve seu mandato cassado, num trâmite que passou pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, que decretou o seu impeachment, em julgamento presidido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, participa de comícios eleitorais de candidatos às eleições municipais, quando se declara vítima de um golpe, todos são sinais que levam nosso observador a ruminar suas impressões.
Contudo se ele resolver testá-las, levantando a vista para a sociedade inteira, logo reconhecerá o despropósito da sua fabulação. No Congresso, em suas duas Casas, o governo detém folgada maioria, couraça sem a qual não há Executivo que se mantenha, fato ilustrado pela nossa experiência, contundentemente confirmada por recentes episódios. Nas chamadas classes fundamentais, fora a agitação de sempre que lhes é própria, não se percebem outras movimentações que não sejam as da defesa de seus interesses e direitos. No mundo agrário, tradicional calcanhar de Aquiles da política brasileira, sopram os mesmos ventos.
Faltaria, ainda, consultar o que se passa nas eleições municipais, termômetro confiável para o registro dos sentimentos da população, e nos quartéis, cuja importância na tradição republicana brasileira dispensa comentários. Nestes últimos reina, há tempos, a reverência ao culto constitucional e ao exercício dos seus papéis profissionais; nas eleições, que transcorrem em clima morno, se valem as pesquisas – e tudo indica que valem –, as candidaturas que se deixaram embair pelo bordão “fora Temer”, principalmente nas grandes capitais, estão longe de obter votações que as levem à vitória. E, como sempre entre nós, não há melhor detergente em horas de crise política do que um processo eleitoral.
Feito esse balanço, nosso observador admite que se equivocou no diagnóstico. Mas se não é de revolução, do que se trata, que bicho é esse que nos aturde com sua presença? A frase é velha, mas nem por isso perde validade: o passado não mais ilumina o futuro, que ainda não começou a nascer. A hora é de transição, de lusco-fusco, não é mais noite e o dia tarda a aparecer, mas a sociedade se inquieta e começa despertar sem saber o que a espera em meio às ruínas que sobraram dos partidos e, em geral, das nossas instituições políticas.
Ela mudou em meio às poderosas transformações demográficas, sociais e ocupacionais que desfiguraram a paisagem reinante em meados do século passado. Encontramo-nos em terra nova, como se estrangeiros a ela, agarrados a um passado que nos foi familiar, com as relações entre gerações, entre gêneros, sobretudo entre as classes sociais e sistema de crenças girando em gonzos fora do nosso controle e da nossa imediata percepção. A sociedade modernizou-se por cima, sujeita a experimentos saídos das pranchetas de uma tecnocracia ilustrada, impostos a ferro e fogo – exemplo mais recente, o da colonização da Amazônia.
Entre nós, a obra dessa modernização persistiu por décadas, ora por vias duramente repressivas, como no Estado Novo de Vargas e no regime militar, ora de forma doce, como nos governos de Juscelino – que criou no centro geográfico do Brasil, nos ermos do Cerrado, uma nova capital para o País – e nos de Lula e Dilma.
Fora de dúvidas que tais esforços em favor da aceleração da modernização foram bem-sucedidos, em que pesem os altos custos políticos e sociais envolvidos, não só pelo aprofundamento das desigualdades já existentes, como pela condenação da sociedade a um estatuto de minoridade sobre a qual deveria incidir a ação modernizadora do Estado. Não à toa as lutas pela democratização do País trouxeram consigo a denúncia dessa modelagem, filha de nossa longa tradição de autoritarismo político, do que foi exemplar a publicação de São Paulo 1975 – Crescimento e Pobreza, sob a iniciativa do cardeal Paulo Evaristo Arns, obra coordenada por Lucio Kovarick e Vinicius Caldeira Brant.
Essa nova agenda, nos anos 1980, encontrou no PT uma de suas mais importantes vocalizações. Com efeito, dele vieram críticas contundentes ao nacional-desenvolvimentismo e à cultura política que enlaçava a sociedade civil ao Estado e às suas agências, como no caso do sindicalismo, objeto de feroz crítica das emergentes lideranças sindicais dos metalúrgicos do ABC, Lula à frente, como seu principal porta-voz. O PT nasceu e cresceu em nome de uma representação da sociedade civil que aspirava por autonomia diante da onipotência de um Estado que fazia dela base passiva para sua manipulação.
Como se sabe, esse partido, por fas ou nefas, se converteu às práticas que combatia; e levou-as à exaustão depois de um curto período de fastígio no seu uso, culminando no episódio melancólico do impeachment do mandato presidencial de Dilma Rousseff sob a acusação de ter atentado contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, cuja inspiração oculta, ao impor limites ao decisionismo do Executivo, consistiu precisamente em interditar caminhos ao processo de modernização autoritária vigente por décadas no País.
Agora, não resta outra solução que não a de atravessar, pé ante pé, a pinguela estreita que se tem à frente, de que falou em entrevista o ex-presidente Fernando Henrique, travessia perigosa que, para ser segura, está a exigir outra bibliografia e uma imaginação bem diversa da que nos trouxe até aqui.
Luiz Werneck Vianna: Sociólogo, PUC-RJ
Fonte: opiniao.estadao.com.br
Dora Kramer: Uma eleição sem derrotas nem derrotados
À exceção do já previsto desastre petista, não houve derrotas nem derrotados fragorosos na eleição de ontem. Tampouco ocorreram vitórias ou se registraram vitoriosos absolutos na escolha de prefeitos e vereadores nas capitais do País. Foi tudo meio morno. Portanto, de baixa intensidade também foi o impacto sobre os preparativos para 2018. É tradição se tomar o desempenho de cada partido no pleito municipal como uma espécie de ensaio para a disputa presidencial dali a dois anos, embora tal versão quase nunca corresponda aos fatos. Desta vez, podemos dispensar o “quase” e assumir na totalidade a negativa.
Não haverá correspondência alguma entre as duas eleições, notadamente pela peculiaridade de ambas. A de agora, realizada com regras até então inéditas, em ambiente de crises, escândalos, prisões, delações, reações algo desesperadas e um altíssimo grau de rejeição aos políticos. O paradoxo é que o interesse pela política cresceu na proporção inversa. O sumiço dos caciques partidários das campanhas deu-se justamente porque não há quem possa dizer que esteja bem na fotografia no momento. Fernando Henrique e Aécio Neves fizeram aparições fortuitas em prol do candidato do PSDB a prefeito de São Paulo, João Doria, e ainda assim só depois de ele dar sinais de saúde eleitoral.
O ex-presidente Lula bem que tentou. Apareceu aqui e ali, no Nordeste e em São Paulo, para ter o desgosto de ver candidatos nordestinos dispensando sua presença e Fernando Haddad desistindo de apresentá- lo no horário eleitoral depois de as pesquisas qualitativas o apontarem como fator de perda de votos. O presidente Michel Temer não deu o ar da graça. Verdade que ele havia anunciado distância a fim de não provocar atritos entre partidos dos quais depende de votos no Congresso. Mas é fato também que não se viu ninguém no PMDB e área de influência a clamar por sua presença.
Por esses e outros motivos, não se pode enxergar em 2016 um ensaio para 2018, quando o esperado e o inesperado cuidarão de proporcionar cada qual a respectiva surpresa. Nada está garantido e a obra do futuro com desfecho em aberto. Mesmo o desempenho surpreendente de João Doria em São Paulo não representa um passaporte para o governador Geraldo Alckmin na disputa presidencial. Entre outros motivos, porque nossa história recente demonstra que criaturas nem sempre fazem bem aos criadores. (O Estado de S. Paulo – 03/10/2016)
Fonte: pps.org.br
Roberto Freire: Lula no banco dos réus
O recebimento, pelo juiz Sérgio Moro, da denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que se torna réu pela segunda vez na Operação Lava Jato, agora pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, é um marco e pode representar um divisor de águas nas investigações do maior escândalo da história da República.
Segundo Moro, estão “presentes indícios suficientes de autoria e materialidade” para o acolhimento da denúncia contra Lula, a ex-primeira-dama Marisa Letícia, o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto, e ex-dirigentes e executivos da OAS. O MPF aponta que o ex-presidente teria sido o beneficiário direto de quase R$ 4 milhões em propina paga pela empreiteira e proveniente de contratos da Petrobras. O dinheiro teria sido destinado à reforma de um tríplex no Guarujá (SP), além do transporte e armazenamento de bens pessoais de Lula após o encerramento de seu governo.
Ao fim e ao cabo, ao contrário do que alguns mais precipitados imaginavam, a denúncia formulada pelo MPF foi minuciosa e estritamente fundamentada em provas e indícios que permitiram aos procuradores, além de denunciar Lula por corrupção e lavagem de dinheiro, apontá-lo como o “comandante máximo” de uma engrenagem didaticamente batizada de “propinocracia”. Os investigadores concluíram, em suma, que o grande líder do PT teria chefiado a organização criminosa que assaltou a Petrobras nos últimos 13 anos.
O MPF não foi “midiático”, “espetaculoso” nem apelou à “pirotecnia”. É preciso compreender a dimensão do acontecimento político em curso: tratou-se de uma denúncia contra um ex-presidente da República, o que por si só justifica a decisão dos procuradores de explicar detalhadamente à sociedade o que se passava. A força-tarefa da Lava Jato não poderia apresentar a denúncia como algo de menor importância, simplesmente seguindo o protocolo-padrão. Como pano de fundo, afinal, há uma disputa que é também política e um embate no campo da comunicação – e é preciso enfrentá-lo sem que se deixe de seguir todos os ritos processuais e a legislação.
A presença de Lula no banco dos réus em Curitiba – ele também responde na Justiça Federal de Brasília pela suposta tentativa de obstruir as investigações da Lava Jato – passa a integrar aquilo que venho chamando de marcha da sensatez em curso no Brasil nos últimos meses. Entre as conquistas desse período, estão o impeachment de Dilma Rousseff por crimes de responsabilidade, a posse do presidente Michel Temer em respeito ao que determina a Constituição e a cassação de Eduardo Cunha pela Câmara dos Deputados.
Nesta caminhada em direção a um país mais ético, o Congresso ainda se debruçará sobre as dez medidas contra a corrupção apresentadas pelo MPF em forma de um projeto de lei que conta com o apoio dos brasileiros. É importante rechaçar qualquer tentativa de anista ao crime de caixa 2 eleitoral, como chegou a se especular em decorrência da desastrada tentativa de votação, pela Câmara, de um substitutivo ao PL 1210/2007 nesta semana. A tipificação penal do caixa 2 já consta daquele conjunto de medidas e certamente será votada. Não há, no horizonte, nenhuma perspectiva de aprovação de qualquer anistia.
Voltando a Lula, cabe a todos nós acompanharmos o desenrolar do inquérito que comprovará se a “alma mais honesta” do país – como o próprio chegou a se autodefinir recentemente – praticou os crimes de que é acusado. Os indícios e elementos presentes na peça acusatória aceita por Sérgio Moro são consistentes. Independentemente do desfecho do processo, os brasileiros têm muito a comemorar, especialmente quanto à vitalidade e o bom funcionamento de instituições como o Ministério Público, a Polícia Federal, o Poder Judiciário, além de uma imprensa livre e independente. Neste novo Brasil, felizmente, ninguém está acima da lei. Nem aquele que sempre se julgou inimputável, mas teve de descer do palanque direto para o banco dos réus. (Diário do Poder – 23/09/2016)
Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS
Fonte: pps.org.br
Ricardo Noblat: À beira do precipício
“Chiste que caiu na internet: “El “comandante máximo”, todavia, soy yo!”
De Fidel Castro para Lula
Exagero se disser que o mundo quase desabou sobre a minha cabeça quando escrevi, em 2005, tão logo José Dirceu foi apontado como chefe do esquema do mensalão, que a denúncia contra ele carecia de provas convincentes. Apanhei feio dos leitores do meu blog. Amparava-me na opinião de meia dúzia de juristas que consultara — um deles o atual ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal.
DIRCEU FOI condenado como mensaleiro, mas absolvido da acusação de chefiar o esquema que subornou deputados para que votassem como o governo mandava. Passou quase um ano preso na penitenciária da Papuda, em Brasília. Foi preso novamente e condenado pelo juiz Sérgio Moro a 23 anos de cadeia por beneficiar- se do dinheiro desviado da Petrobras que enriqueceu empreiteiros e políticos.
UM ANO ANTES, ele havia profetizado em conversa com amigos: “De que serve toda a covardia que o Lula e a Dilma fizeram na ação penal 470 (a do mensalão) e estão repetindo na Lava-Jato? Agora estamos no mesmo saco, eu, o Lula, a Dilma”. Embora não cogite delatar, Dirceu valeu-se de recados nos últimos 11 anos para dizer que, se o mensalão e o petrolão tiveram um chefe, não foi ele.
AO JORNAL “O Estado de S.Paulo”, afirmou: “Nunca fiz nada que Lula não soubesse”. Ouvi dele antes do julgamento do mensalão: “Lula se disse traído, mas traído por quem? Por mim? Por Delúbio Soares (extesoureiro do PT)? Todo mundo sabe que Delúbio sempre foi muito mais ligado a Lula do que a mim. É homem dele, não meu”. Delúbio foi condenado a oito anos e 11 meses de prisão.
MAL LULA SE elegeu presidente pela primeira vez, batizou Dirceu de “capitão do time” que montara para governar. Mal o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) detonou o escândalo do mensalão poupando ele, mas acusando Dirceu, Lula tratou de livrar- se do “capitão”. Despejou-o do governo. Quis convencê-lo a não assumir o mandato de deputado federal. Dirceu assumiu e foi cassado.
“LULA É UM político conservador, sempre foi. Mas seria o único meio que as esquerdas tinham de chegar ao poder ou de se aproximar dele. Acabou decepcionando a todos”, revelou-me Dirceu. “Ele deveria ter defendido o governo dele dizendo que o governo não era corrupto. Errou ao falar de traição. (…) É um indeciso. Não comanda, é levado. Só decide sob pressão”.
NEM SEMPRE é mal só decidir sob pressão. Atribui-se ao ex-presidente José Sarney uma frase que ele não disse: “Cinquenta por cento dos problemas não têm solução. E os outros cinquenta por cento se resolvem sozinho”. Sob pressão ou não, o mal está em decidir errado. Lula decidiu certo ao entregar a cabeça de Dirceu para salvar a sua. Reelegeu-se, elegeu Dilma e reelegeu-a.
DECIDIU ERRADO ao imaginar que só haveria um meio de manter o poder: deixando que roubassem e usufruindo do roubo. Seus comparsas reagiram com fúria aos procuradores da Lava-Jato que o nomearam “o presidente máximo, o general, o comandante” da organização criminosa responsável pelo mensalão e pelo petrolão, que não passaram de uma coisa só.
PARECEM ESQUECER que algo do mesmo tipo já fora dito por Rodrigo Janot, procurador-geral da República, em denúncia contra Lula e Dilma por obstrução da Justiça encaminhada ao Supremo Tribunal Federal em maio último. Janot afirma que Lula teve “papel central” na trama para tentar barrar a Lava-Jato. Se não fosse culpado, por que procederia assim? (O Globo – 19/09/2016)
Fonte: pps.org.br
Luiz Carlos Azedo: “Rouba, mas faz!”
O ex-presidente Lula e seus aliados acreditam que suas convicções estão acima do bem e do mal
Fui buscar na estante de casa, empoeirado, o velho Dicionário Universal de Citações, de Paulo Rónai, de 1985 (Editora Nova Fronteira). Minha curiosidade era saber se o famoso bordão “Rouba, mas faz!”, de Ademar de Barros, constava do verbete corrupção. Foi uma frustração, a citação mais recente era dos tempos do Império, nas Máximas do Marques de Maricá (1773-1848): “um povo corrompido não pode tolerar governo que não seja corruptor”.
Havia outras citações mais antigas: “Ah, se as propriedades e títulos e cargos/ Não fossem fruto da corrupção! E se as altas honrarias / Se adquirissem só pelo mérito de quem as detém / Quantos, então, não estariam hoje melhor do que estão? / Quantos, que comandam não estariam, entre os comandados?”, de Shakespeare (1564-1616), no Mercador de Veneza. “A corrupção do melhor é a pior das corrupções”, de São Gregório, o Grande (540-604), nas Considerações Morais. E “Em Roma tudo está à venda”, de Salústio (86?-35 a.C.), na Guerra de Jugurta.
Nenhuma delas se equipara à máxima de Ademar de Barros, uma síntese da velha tradição patrimonialista da política brasileira no regime republicano. Apadrinhado do chefe de polícia de Getúlio Vargas, Filinto Müller, foi nomeado interventor de São Paulo, em abril de 1938, logo após a implantação da ditadura do Estado Novo. Médico, cultivou a imagem de administrador competente, realizador de grandes obras públicas e político de preocupação social. Construiu as rodovias Anchieta, iniciada em 1939, e Anhanguera, em 1940, e do Hospital das Clínicas, que começou em 1938. O Aeroporto de Congonhas foi iniciado em 1936, mas passou como se fosse de sua iniciativa.
Denúncias de peculato e enriquecimento ilícito, porém, levaram Vargas a afastá-lo da interventoria em junho de 1941, mas as suspeitas não impediram que fosse eleito governador, em 1947, cargo que exerceu até 1951. Uma série de reportagens intitulada “O meu destino é o Catete”, de autoria do jornalista Paulo Duarte, tornou famoso o “rouba, mas faz!”, frase atribuída ao próprio Ademar. Em 1949, teria comprado em benefício próprio, com dinheiro público, 11 automóveis e 20 caminhões da General Motors. O Ministério Público abriu um processo e pediu sua prisão preventiva. Em março de 1956, Ademar foi condenado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo a dois anos de reclusão e perdeu os direitos políticos por cinco anos. Mas, em maio do mesmo ano, foi absolvido por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal.
Ética na política
Livre das denúncias, Ademar foi eleito prefeito de São Paulo em 1957. Em três eleições — prefeitura de São Paulo (1953), governo do estado (1955) e Presidência da República (1960) —, foi vencido por Jânio Quadros (1917-1992), seu maior rival político. Perdeu para Juscelino Kubitschek (1902-1976) na disputa pela Presidência, em 1955. Em 1962, finalmente, Ademar superou Jânio, que havia renunciado à Presidência, na eleição para o governo do estado. Em 1969, a ex-presidente Dilma Rousseff planejou e participou do roubo do cofre de Ademar de Barros, numa mansão de Santa Tereza, no Rio de Janeiro, onde vivia a ex-amante do político, Ana Capriglioni, uma ação armada da Var Palmares, organização guerrilheira liderada pelo ex-deputado Carlos Araújo, seu ex-marido.
É impossível não resgatar a memória de Ademar de Barros, em razão de um trecho do discurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na quinta-feira em São Paulo, quando se defendeu das acusações dos procuradores da Operação Lava-Jato. “A profissão mais honesta que existe é a de político, sabe por quê? Porque, por mais ladrão que ele seja, de 4 em 4 anos, ele está suando e pedindo voto, o concursado não! O concursado faz a faculdade, passa num concurso e tem o seu emprego pelo resto da vida, sem precisar se preocupar”. A frase pode não ser digna do dicionário de Rónai, mas é uma pérola. Mostra uma concepção de governo na qual o Estado foi tomado de assalto e saqueado, verbalizada por quem ocupou a Presidência por 8 anos.
Lula quis agradar os políticos que querem acabar com a Operação Lava-Jato e anistiar todos os envolvidos no escândalo da Petrobras, mas essa esperteza choca os cidadãos e os servidores públicos concursados, principalmente a alta burocracia federal. Max Weber, em sua famosa palestra A política como vocação (Munique, em 1919), foi enfático ao destacar a tensão entre a ética da responsabilidade e a ética das convicções. A Operação Lava-Jato é uma síntese disso: enquanto auditores, corregedores, delegados, promotores e juízes zelam pela legitimidade dos meios empregados na política, o ex-presidente Lula e seus aliados acreditam que suas convicções estão acima do bem e do mal. (Correio Braziliense – 18/09/2016)
Fonte: pps.org.br
Merval Pereira: O Comandante
Mais importante, a longo prazo, que as denúncias pontuais feitas ontem ao ex-presidente Lula pela Operação Lava-Jato é a caracterização dele como “o comandante máximo do esquema de corrupção da Petrobras” ou “o verdadeiro maestro dessa orquestra criminosa”, palavras duras usadas pelo procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa de Curitiba.
As denúncias podem levar, a curto prazo, à condenação de Lula por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, mas é a acusação explícita de que ele é o chefe do esquema de corrupção que foi montado em seu governo desde o mensalão até o petrolão que o atinge politicamente de maneira quase letal, ao mesmo tempo que gerará a maior pena, caso seja aceita quando apresentada.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que está a cargo do processo-chave sobre o esquema de corrupção, já disse em alguns despachos que Lula é o chefe do grupo criminoso. Como já escrevi aqui, a Justiça brasileira levou quase dez anos para ter condições políticas de denunciar o ex-presidente Lula como chefe da quadrilha, que todo mundo sabia que era desde o início, no mensalão.
Agora ficou demonstrado que mensalão e petrolão são a mesma coisa — um segmento do mesmo esquema de corrupção montado pelo PT no Palácio do Planalto, que não poderia funcionar sem que Lula fosse o chefe, como sublinhou Dallagnol ontem. A denúncia dos procuradores de Curitiba foi contextualizada dentro de um esquema de corrupção que teria três objetivos: montar uma base política no Congresso, a perpetuação no poder, e o enriquecimento ilícito de lideranças políticas.
O apartamento tríplex no Guarujá e o armazenamento de pertences pessoais de Lula por cinco anos, a cargo da empreiteira OAS, são apenas parte desse último ramo do esquema, e não apenas eles. Lula ainda está sendo investigado pelo pagamento de palestras que os investigadores desconfiam que foram superfaturadas, e em alguns casos nem existiram; pelo lobby a favor de empreiteiras em países amigos; e pelo sítio em Atibaia, que também teve outra empreiteira, a Odebrecht, a fazer reformas e melhorias.
Essas e outras denúncias serão reforçadas pelas delações premiadas de Leo Pinheiro, da OAS, e Marcelo Odebrecht. Pinheiro já disse na delação que foi anulada por Janot que o tríplex foi abatido da propina devida ao PT. A obstrução da Justiça, para evitar a delação de Nestor Cerveró, é outra investigação que está em progresso.
Juntando-se as vantagens pessoais com o esquema de corrupção montado a partir da sua chegada ao Planalto para comprar apoio político e manter o PT no poder o maior tempo possível, temos um retrato de um grupo político criminoso que tomou de assalto as instituições do país. E que pode ter cometido crimes antes mesmo de chegar ao poder central.
A Lava-Jato está também exumando outro fato escabroso, os aspectos políticos do assassinato do exprefeito Celso Daniel, de Santo André. O publicitário Marcos Valério confirmou ao juiz Sérgio Moro que foi procurado para resolver uma questão financeira envolvendo uma chantagem do empresário Ronan Maria Pinto contra os líderes do PT José Dirceu e Gilberto Carvalho.
Ele confirmou que o empréstimo do banco Schahin foi para pagar essa chantagem, e em troca o banco ganhou uma encomenda bilionária da Petrobras para compra de sondas. Valério, no entanto, recusou- se a revelar a razão da chantagem, assumidamente por receio de ser alvo de represálias.
“O senhor não pode garantir a minha vida”, disse a Moro. Bruno, irmão de Celso Daniel, e outros parentes do ex-prefeito de Santo André consideram que foi crime político; ele teria sido assassinado para evitar que denunciasse esquemas de corrupção em financiamento de campanhas petistas e de aliados.
O conjunto da obra não é nada favorável àquele que já foi o maior líder político deste país. (O Globo – 15/09/2016)
Fonte: pps.org.br
No dia seguinte da denúncia à Justiça, Lula contra-ataca com lágrimas, ironia e duras críticas à Lava Jato, além de apelo ao orgulho petista
Um dia após ser denunciado à Justiça pelo Ministério Público Federal e ser apontado pela força-tarefa da Operação Lava Jato como o "comandante máximo do esquema de corrupção" no governo federal, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva convocou a imprensa para atacar os procuradores e dizer que "construíram uma mentira como um enredo de novela". O #ProgramaDiferente acompanhou. Assista matéria especial. É mais um capítulo da "narrativa do golpe", com Lula e seus coadjuvantes.
O petista afirmou que anda de "cabeça erguida" e que irá a pé para a prisão se alguém provar que ele é corrupto."Conquistei o direito de andar de cabeça erguida neste país. Provem uma corrupção minha, que eu irei a pé para ser preso", disse Lula em tom emotivo durante pronunciamento que durou mais de uma hora no auditório do segundo subsolo do Novotel Jaraguá, no centro de São Paulo.
"Eles construíram uma mentira, construíram uma inverdade, como se fosse um enredo de uma novela e está chegando o fim do prazo. Afinal de contas, já cassaram o Cunha, já elegeram o Temer pela via indireta, com o golpe, já cassaram a Dilma. Agora, precisa concluir a novela. Quem é o bandido e quem é o mocinho? Vamos agora dar o fecho, acabar com a vida política do Lula", afirmou o próprio.
O Ministério Público Federal e a Justiça Federal do Paraná, que integram a força-tarefa da Operação Lava Jato, disseram que não comentariam as declarações de Lula. O ex-presidente foi denunciado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso que envolve um tríplex em Guarujá, no litoral de São Paulo. A ação chegou nesta quinta-feira, 15 de setembro, às mãos do juiz federal Sérgio Moro, responsável pelos processos da Lava Jato na primeira instância.
O pronunciamento de Lula foi marcado por lágrimas, num discurso emocional interrompido por gritos de "guerreiro do povo brasileiro". Ele estava rodeado por militantes, líderes de movimentos sociais e centrais sindicais, além de parlamentares, políticos do PT e de partidos aliados. Sua mulher, Marisa Letícia, não participou do evento.
Ele começou sua fala com duras críticas à entrevista coletiva dada na véspera, quarta-feira, 14 de setembro, pela força-tarefa da Lava Jato. "Eu não vou fazer um show de pirotecnia, como fizeram ontem; não vou me comportar como ex-presidente da República; não quero me comportar como um cara perseguido, como se estivesse reivindicando algum favor", disse.
"Minha declaração é de um cidadão indignado com as coisas que aconteceram e que estão acontecendo. Neste país, tem pouca gente com a vida mais pública, mais fiscalizada do que a minha", afirmou.
O petista relembrou a sua trajetória política desde a época que era líder sindical até o momento atual, no qual declarou que, se quiserem derrotá-lo, que seja "nas ruas". Contou que passou fome, que foi o primeiro de oito irmãos a conquistar um diploma e declarou que tem orgulho de ter criado "o mais importante partido de esquerda da América Latina".
"Tenho consciência de que o meu fracasso teria agradado os meus adversários, o meu fracasso não teria despertado tanto ódio contra o PT. O que despertou essa ira foi o sucesso do nosso partido", afirmou, ao defender que os petistas saiam às ruas de camisa vermelha, orgulhosos, assim como ele e o presidente nacional do PT, Rui Falcão, vestiam na entrevista.
Em tom indignado, Lula voltou a negar ser dono do tríplex em Guarujá e do sítio em Atibaia (SP). Segundo as investigações, os dois imóveis foram reformados para o uso de Lula e de sua família, por empreiteiras investigadas pela Lava Jato, com dinheiro desviado da Petrobras.
"Eu tenho a consciência tranquila. Mantenho o bom humor porque eu me conheço, sei de onde eu vim, sei para onde vou. Sei quem me ajudou a chegar onde cheguei. Sei quem quer que eu saia e quem quer que eu volte", garantiu.
Emocionado, Lula chorou várias vezes: ao falar sobre a denúncia, sobre as buscas que a Polícia Federal fez em sua residência, nas casas de seus filhos e na sede do Instituto Lula em março deste ano, e ao mencionar o nome de sua mulher, que também foi denunciada pelo Ministério Público Federal.
Não faltaram declarações polêmicas e provocações, como ao se comparar a Jesus Cristo, ou ainda ao associar o caso da apreensão de um helicóptero com drogas aos adversários. Ele ironizou: "Viram cocaína: tinham provas, mas não tinham convicção". Era uma referência nada sutil à declaração atribuída aos procuradores, como estratégia da defesa petista (mas não foi bem isso que eles disseram). Vamos acompanhar o desenrolar dos fatos.