Luiz Eduardo Soares

'Precisamos de coalizão para enfrentar governança das polícias', diz Luiz Eduardo Soares

Em entrevista à Política Democrática Online, ex-secretário Nacional de Segurança Pública afirma que ditadura reordenou instituições

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Ex-secretário Nacional de Segurança Pública, Luiz Eduardo Soares diz que polícias militares são refratárias à democracia, em entrevista exclusiva à revista Política Democrática Online de novembro, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília. “Nós precisaríamos de uma grande coalizão e entender a necessidade de enfrentar a questão da governança das polícias e do que eu chamei um enclave institucional, alterando posturas do Ministério Público, da Justiça”, disse.

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Todos os conteúdos da revista são disponibilizados, gratuitamente, no site da FAP. Soares é um dos 579 alvos de um dossiê elaborado pelo Ministério da Justiça do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), a partir do monitoramento secreto de um grupo descrito como “militantes antifascistas”. O entrevistado também é escritor, dramaturgo, antropólogo, cientista político e pós-doutor em Filosofia Política.

Soares tem proposto debates sobre segurança pública, polícias e justiça criminal no Brasil há mais de 30 anos. Na opinião dele, a transição para a democracia no Brasil não foi completa porque as polícias militares mantiveram-se no tempo da ditadura e são agentes na desigualdade e no racismo estrutural que ainda assola o país, diariamente.

De acordo com a entrevista concedida à revista Política Democrática Online, há um legado à democracia de estruturas organizacionais forjadas na ditadura. “A ditadura não inventou a violência policial, as práticas conhecidas e nem as instituições como as conhecemos, mas as reordenou, reorganizou e qualificou”, disse. ‘Qualificar aqui tem sentido negativo e problemático. Essas instituições reformadas, reorganizadas e retemperadas pela ditadura, instituições muito problemáticas que têm passado obscurantista, autoritário, que dialogam com o pior da nossa tradição escravagista, foram legadas pela ditadura acriticamente, por assim dizer”, lamentou.

Soares tem vinte livros publicados, como “Elite da Tropa” (com André Batista e Rodrigo Pimentel), editado em 2006 pela Objetiva, “Elite da Tropa II” (com os mesmos coautores e Claudio Ferraz), publicado pela Nova Fronteira, em 2010, “Espírito Santo” (com Rodney Miranda e Carlos Eduardo Ribeiro Lemos), editado pela Objetiva, em 2008, além de “Rio de Janeiro; histórias de vida e morte”, publicado em 2015 pela Cia. das Letras, e os romances “Experimento de Avelar”, premiado pela Associação de Críticos Brasileiros em 1996, e “Meu Casaco de General”, este, finalista do Prêmio Jabuti em 2000. Foi professor da Unicamp e do IUPERJ, além de visiting scholar em Harvard, University of Virginia, University of Pittsburgh e Columbia University.

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Política Democrática Online destaca coalizão para reforma estrutural nas polícias

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Política Democrática Online destaca coalizão para reforma estrutural nas polícias

Com análises sobre política, economia e cultura, edição de novembro foi lançada nesta quinta-feira (12)

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Necessidade de coalizão para se enfrentar a questão da governança das polícias, embate entre favoráveis e contrários à volta às aulas presenciais e a união de forças progressistas e de centro que levaram à derrota da Donald Trump são os principais destaques da revista Política Democrática Online de novembro. Lançada nesta quinta-feira (12), a publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que disponibiliza todos os conteúdos em seu site, gratuitamente.

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No editorial, a publicação diz que “o país ingressou na reta final de uma campanha eleitoral atípica”. Segundo o texto, tudo indica que prevaleceu no eleitorado a tendência ao pragmatismo, à separação prudente das esferas nacional e municipal da política. “Nessa conjuntura, cabe às forças de oposição prosseguir na convergência programática, no fortalecimento de um amplo leque de alianças para o segundo turno das eleições, em torno do eixo político hoje fundamental: defesa da saúde, da vida e da democracia”, afirma, em um trecho.

Na entrevista exclusiva concedida à Política Democrática Online, o antropólogo e filósofo Luiz Eduardo Soares, defensor da desmilitarização das polícias militares, avalia que somente uma coalizão pode dar ao país as condições políticas para que se faça uma reforma estrutural nessas corporações policiais. "Só uma coalizão pode proteger os governos que se disponham a agir, e não adianta pensar nas forças armadas como uma solução mágica, porque se não o Rio já teria resolvido, por exemplo, o problema com as milícias", diz.

A reportagem especial destaca os efeitos da segunda onda da Covid-19 na Europa sobre a decisão de governadores para retorno, ou não, às aulas presenciais nas redes públicas de ensino no país. Oito meses após o fechamento das escolas por causa da pandemia do coronavírus, em março deste ano, 16 redes públicas estaduais de ensino retomaram parte das aulas presenciais ou têm previsão de retorno às salas de aula, ainda em 2020. Em outros oito Estados, governadores já se posicionaram pela volta dessas atividades somente no ano que vem, diante do risco de a nova onda do coronavírus na Europa aumentar ainda mais o número de casos no Brasil.

Em seu artigo, o diplomata aposentado Rubens Ricupero aponta os principais reflexos das eleições nos Estados Unidos. “Na esfera interna, não será fácil, sem controlar o Senado, aumentar impostos das corporações, aprovar pacote trilionário de estímulo, alterar a ideologia da Suprema Corte”, diz. “Já na área externa, Biden terá mais latitude para voltar ao Acordo de Paris, converter o meio ambiente em prioridade central, liderar a busca de vacina na OMS, convocar a prometida Cúpula em favor da Democracia, restituir à diplomacia e ao multilateral o papel central na política externa. Se não fizer mais nada, já terá transformado a agenda mundial de modo decisivo”.

Além desses assuntos, a revista Política Democrática Online também tem análises sobre economia, cultura e nova composição do STF (Supremo Tribunal Federal). A publicação é dirigida pelo embaixador aposentado André Amado e tem o conselho editorial formado por Alberto Aggio, Caetano Araújo, Francisco Almeida, Luiz Sérgio Henriques e Maria Alice Resende de Carvalho.

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Luiz Eduardo Soares: 'Recriar o SNI da ditadura deixou de ser o sonho de Bolsonaro para se tornar um pesadelo da sociedade'

Antropólogo alvo de dossiê feito pelo Ministério da Justiça diz que monitoramento "é apenas mais um elo na corrente que nos arrasta para o abismo"

Afonso Benites, El País

Um dos 579 alvos de um dossiê elaborado pelo Ministério da Justiça a partir do monitoramento secreto de um grupo descrito como “militantes antifascistas”, o renomado antropólogo brasileiro Luiz Eduardo Soares afirma que, com ações do tipo, o presidente Jair Bolsonaro “recria” um dos braços da polícia política brasileira durante a ditadura militar, o Serviço Nacional de Informações (SNI). “A recriação do velho SNI deixou de ser o sonho de Bolsonaro para se tornar o pesadelo da sociedade brasileira”, declarou ao EL PAÍS. O dossiê, revelado pelo portal UOL, foi elaborado pela Secretaria de Operações Integradas (Seopi) da pasta e acendeu os alarmes dos que temem o uso de aparato do Estado para a vigilância ou investigação de opositores políticos do Planalto.

“A investigação clandestina contra cidadãos contrários ao fascismo é apenas mais um elo na corrente que nos arrasta para o abismo”, diz Soares, para quem as ameaças à democracia têm sido cometidas pelo Governo Bolsonaro rotineiramente. “A infiltração do fascismo se dá por toda parte, corroendo os pilares da democracia.”

O antropólogo, que foi secretário nacional de Segurança Pública durante o início do Governo Lula da Silva (PT) e é um dos fundadores do partido Rede Sustentabilidade —do qual se desfiliou, diz que já adotou os trâmites judiciais para questionar o Planalto sobre a investigação informal, conduzida pela Seopi, uma das cinco secretarias subordinadas ao ministro da Justiça, André Mendonça. As atividades não têm acompanhamento judicial.

Além de Soares, também foram monitorados os professores universitários Paulo Sérgio Pinheiro (relator da ONU e ex-secretário Nacional de Direitos Humanos), Ricardo Balestreri (secretário de Segurança Pública no Pará) e Alex Agra Ramos, que leciona na Bahia. Entre os policiais monitorados, estão os que participam do movimento autodenominado Policiais Antifascismo. Por causa das revelações, partidos de oposição ao Governo Bolsonaro também recorreram ao Judiciário para questionar as atividades. Também apresentaram requerimentos de convocação do ministro da Justiça para que ele explicasse o caso no Congresso Nacional. O Ministério Público Federal também solicitou protestaram.

Em notas emitidas desde que o caso veio à tona, no dia 24 de julho, o ministério não negou a existência do dossiê. Disse que a atividade da Seopi integra o Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin) e que as “ações especializadas” desenvolvidas pelo órgão tem o objetivo de “subsidiar decisões que visem ações de prevenção, neutralização e repressão de atos criminosos de qualquer natureza que atentem contra a ordem pública, a incolumidade das pessoas e o patrimônio”. Não detalhou, contudo, quais são os supostos atos criminosos cometidos por esse grupo. Neste domingo, em entrevista ao canal Globonews, o ministro André Mendonça foi questionado sobre o tema e disse que não poderia confirmar nem negar a existência do dossiê. “A lei prevê que relatórios, dados e informações de inteligência sejam divulgados de forma distinta. Não posso confirmar, nem negar, a existência de um relatório de inteligência”, disse o ministro, que afirmou ainda ter ordenado uma sindicância para apurar “eventuais faltas ou fatos na produção de qualquer relatório”.

Leia a seguir, a entrevista por Luiz Eduardo Soares, por email. O antropólogo é autor de dezenas de livros, entre eles Elite da Tropa, que deu origem ao filme Tropa de Elite, e Desmilitarizar - direitos humanos e segurança pública, lançado em 2019.

P. Como recebeu a notícia de que o senhor e outras centenas de pessoas estavam sendo monitoradas por uma secretaria do Ministério da Justiça?

R. Recebi com perplexidade e revolta, embora nada mais devesse nos surpreender, vindo do atual Governo. A recriação do velho SNI deixou de ser o sonho de Bolsonaro para se tornar o pesadelo da sociedade brasileira.

P. O senhor suspeitava que vinha sendo monitorado? Se sim, em que momento desconfiou que isso passou a acontecer? Por que acha que é um dos alvos?

R. Não suspeitava, mas a suspeita não mudaria meu comportamento. Como os alvos são políticos, qualquer adversário do Governo corre o risco de ser tratado como inimigo do Estado. Talvez haja interesse especial em me atingir porque dialogo com policiais e escrevo sobre segurança pública, terreno prioritário para o bolsonarismo, como sabemos. Ajudei a elaborar a PEC-51, principal bandeira dos policiais antifascismo, e publiquei, ano passado, o livro Desmilitarizar; direitos humanos e segurança pública, em que defendo a legalização das drogas e analiso criticamente as milícias, a violência policial e a política armamentista do presidente.

P. O presidente disse em algumas ocasiões que antifascistas são terroristas. Primeiro, o senhor é antifascista? Considera esse grupo terrorista?Alguém conhece algum país do mundo em que a maioria seja terrorista?

R. Segundo recente pesquisa Datafolha, a maioria da população brasileira defende a democracia. Como quem defende a democracia, por definição, não pode ser a favor do fascismo, podemos afirmar que a maioria é contra o fascismo. Alguém conhece algum país do mundo em que a maioria seja terrorista? Isso faz algum sentido?

P. Em sua avaliação, esse monitoramento de cidadãos comuns é um crime? Qual é a gravidade do caso? Acha que ele seria mais grave do que qualquer outra investigação que corre contra o Governo ou seus militantes, como o inquérito das fake news e dos atos antidemocráticos ou a apuração sobre a interferência do presidente na Polícia Federal?

R. A abertura de um inquérito é procedimento previsto, legalmente, supervisionado pelo Ministério Público, o qual, considerando-o suficientemente instruído, tem a prerrogativa de converter a acusação em denúncia, instaurando um processo judicial. Nada disso aconteceu. Não há inquérito policial aberto, não há acusação formal, não há crime, o Ministério Público não teve qualquer participação, menos ainda o Judiciário. Trata-se de operação clandestina, absolutamente extemporânea, conduzida à margem da Lei e do Estado de Direito.

P. O senhor pretende adotar alguma medida judicial?

R. Já está em curso.

P. Há analistas que entendem que o Governo reduziu o poder das instituições de controle, como PF e Ministério Público. Como avalia a atuação da gestão Bolsonaro nesta área? Por que o presidente está enfraquecendo essas organizações?A infiltração do fascismo se dá por toda parte, corroendo os pilares da democracia.

R. O Governo Bolsonaro é um desastre, não só na segurança pública. Pelo que fez, pelo que deixou de fazer e pelas sinalizações, às quais se pode atribuir, por exemplo, o aumento da brutalidade policial letal, no Rio, em São Paulo, no país aforaA flexibilização do acesso às armas bastaria para demonstrar a magnitude do retrocesso. Quanto a reduzir o poder das instituições de controle, não creio que se possa afirmá-lo, uma vez que a Polícia Federal e o Ministério Público são instituições independentes, a despeito das pressões. Claro que as pressões provocam efeitos negativos, sobretudo em se considerando que os conflitos internos são permanentes. A infiltração do fascismo se dá por toda parte, corroendo os pilares da democracia.

P. Levantamento recente do TCU mostra que há ao menos 6.000 militares em cargos de confiança na gestão federal. Qual é o impacto dessa militarização do Executivo?

R. Esse tipo de aparelhamento faz tão mal à sociedade quanto às próprias Forças Armadas, que recuperaram imagem positiva ao longo de todo o período democrático, mantendo-se distante das disputas políticas e respeitando a Constituição. O risco de que a imagem das Forças Armadas se confunda com o Governo é gigantesco, porque a história julgará com severidade os crimes contra a humanidade acumulados pela gestão federal.

P. Acredita que a democracia está em risco? Por que?

R. Não se trata de acreditar ou não. As ameaças têm sido feitas à luz do dia, em praça pública, nas redes sociais, em atos e omissões governamentais. A investigação clandestina contra cidadãos contrários ao fascismo é apenas mais um elo na corrente que nos arrasta para o abismo.