limites morais

Bruno Boghossian: Combustíveis devem ser mais um foco de atrito entre Bolsonaro e governadores

Presidente quer reforçar visão de que age no front econômico enquanto governos restringem atividades

Jair Bolsonaro fez uma jogada dupla ao zerar tributos sobre o diesel e o botijão de gás. Ainda que o efeito sobre o preço final seja modesto, o presidente vai mobilizar a máquina de propaganda do governo para colher benefícios com a medida. De quebra, ele deve reabrir uma disputa com governadores e tentar fustigar aqueles que atualmente são seus principais adversários políticos.

O Planalto vai fazer o possível para mudar de assunto na fase crítica de mortes por Covid-19 que o país voltou a enfrentar. Uma medida econômica com impacto sobre os caminhoneiros da base bolsonarista e milhões de brasileiros que usam botijões de gás já começou a ser explorada como válvula de escape.

Bolsonaro prepara um pronunciamento na TV para tirar proveito da redução. Segundo auxiliares, ele deve citar ações ligadas à compra de vacinas, mas também vai aproveitar o espaço para citar o corte de tributos. A ideia é reforçar a visão de que o Planalto age no front econômico no momento em que governos locais restringem as atividades para conter o colapso da rede hospitalar.

A opção de dobrar a aposta no negacionismo e atacar as medidas de redução da circulação vem acoplada a uma disputa econômica com os governadores. Num momento de escalada da tensão entre o Planalto e os estados, Bolsonaro tenta pintar seus rivais como alguns dos principais vilões dos combustíveis caros.

Ao comentar a redução dos tributos nesta terça (2), o presidente destacou que cartazes deverão discriminar a composição do que é cobrado dos consumidores, “para a gente começar a apurar os verdadeiros responsáveis pelo preço alto dos combustíveis”. Ele citou as distribuidoras, os postos e os estados.

Essa batalha é antiga. No ano passado, Bolsonaro desafiou governadores a zerar o ICMS para baratear os combustíveis. Ninguém topou, já que o tributo é uma fonte de receita importante nos estados. Num país que bate recordes diários de mortes, o presidente só trabalha com afinco para alimentar desavenças políticas.


Ruy Castro: Sem limites morais ou humanos

Bolsonaro segue uma estratégia já vitoriosa no passado --a de Mao Tsé-tung na China

Na sexta-feira última (26), Jair Bolsonaro foi na mosca ao escolher o Ceará para cometer novos crimes contra a vida, induzindo o país a ignorar o isolamento, aglomerar-se nas ruas e não usar máscara. O Ceará é um dos estados em escuro no mapa, em que a taxa de ocupação das UTIs passa de 90%. Significa que muitos de seus apoiadores cearenses —ou os pais ou mães deles—, eventualmente apanhados pela Covid, podem estar morrendo na porta do hospital por falta de leito.

Vindo de um presidente da República, tal atitude só seria natural num irresponsável. Mas Bolsonaro sabe o que faz —o que tem a ganhar com isso é mais importante. Suponha que tal convite à insubordinação, assim como suas mentiras, seu poder corruptor e sua truculência, faça parte de uma estratégia anterior a ele, já provada vitoriosa.

Há mais de 50 anos, outro governante rompeu com seu partido, traiu os aliados e dedicou-se a desmoralizar o Congresso, o Judiciário e até as Forças Armadas. Esvaziou também a ciência, o ensino, a segurança pública e a própria administração e exortou seus seguidores a exercer a chamada democracia direta, através de grupos paramilitares livres para atuar. Esse governante —o "mito" que garantia tamanho caos— se chamava Mao Tsé-tung. E essa política foi a Revolução Cultural, que, enquanto durou, de 1966 a 1976, praticou toda espécie de violência em nome da "verdade".

Bolsonaro está cumprindo à risca esse plano, que não conhece limites morais ou humanos. Seu objetivo é o poder absoluto, e, para isso, corrompe e paga bem os que lhe são úteis --enquanto lhe são úteis. Virada a página, Bolsonaro os abate e abandona na estrada, donde os de farda, terno ou toga que se julgam seus aliados por ideologia preparem-se para surpresas. O poder só é poder se absoluto.

Mao morreu em 1976, aos 82 anos, e a Revolução Cultural acabou. Nem o poder absoluto é eterno.