Lava-Jato

Luiz Carlos Azedo: No fio do bigode

Há meses, Lira vem negociando individualmente com as bancadas de oposição; além de verbas e cargos, oferece para cada grupo de interesse uma pauta específica

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), anunciou, ontem, o nome do candidato do seu bloco político ao comando da Casa, o deputado Baleia Rossi (MDB-SP), o jovem presidente do maior partido do país e líder de sua bancada federal, com 34 deputados. Rossi conseguiu reverter as resistências da maioria dos deputados do bloco de esquerda, o que levou o deputado Aguinaldo Ribeiro (PB), um dissidente do PP, a desistir de disputar a indicação no grupo de Maia. Formalmente, juntos, os dois blocos somam 282 deputados, número mais do que suficiente para ganhar a disputa com o candidato governista, Arthur Lira (PP-AL), mas isso é apenas uma projeção otimista. A disputa será no corpo a corpo, voto a voto.

É aí que entra a história do bigode. Quando houve a fusão dos antigos esta dos do Rio de Janeiro e Guanabara, em 1975, o brigadeiro Faria Lima, interventor federal, fez um acordo com o ex-governador Chagas Freitas, cacique do MDB da antiga Guanabara, para que fosse possível formar uma maioria que aprovasse a Constituição do novo estado. Para chegar ao acordo, teve que atropelar a líder do governo, deputada Sandra Cavalcanti (Arena), e entregar a relatoria da nova Constituição a um deputado “chaguista”, José Maria Duarte (MDB). Originário do antigo PSP, Chagas era um político populista, dono dos jornais O Dia e A Notícia.

Duarte era amigo do lendário distribuidor de cinema Luiz Severiano Ribeiro, que o chamava para ver os filmes antes da estreia e sugerir a tradução dos títulos, que muitas vezes não tinha nada a ver com o nome original, como em “A morte não manda recado” (The Ballad of Cable Hogue), “Os brutos também amam” (Shane), clássicos do faroeste norte-americano, ou “Django não perdoa…mata” (L’Uomo, L’Orgloglio, La vendetta), o western italiano inspirado na ópera Carmem, de George Bisset. Frasista de primeira, chamava o anteprojeto de Constituição de “boneca” e mantinha segredo absoluto sobre os acordos envolvendo o interventor Faria Lima, Chagas Freitas e o senador Amaral Peixoto (MDB), velho cacique pessedista, que era o líder da oposição no antigo Estado do Rio.

Nessa época, o time de jornalistas que fazia a cobertura da Constituinte da fusão era de primeira linha: Mauricio Dias, Marcelo Pontes, André Luiz Azevedo, Rogério Coelho Neto, Carlos Vinhais e Dácio Malta, entre outros. Mesmo assim, a crise no dispositivo parlamentar do interventor era mantida em sigilo, até que Sandra Cavalcanti resolveu chutar o balde. Nessa época, o antigo Diário de Notícias ainda era o jornal dos professores e dos militares. Graças a isso, fui escolhido por Sandra Cavalcanti para uma entrevista exclusiva, na qual denunciou o acordo e renunciou à liderança, em caráter irrevogável. Foi então que resolvi perguntar ao líder do MDB, Cláudio Moacir, deputado eleito por Macaé, homem ligado a Amaral Peixoto, se a oposição pretendia formar a nova base do governo. Em off, para minha surpresa, respondeu: “Não, nós vamos ficar como bigode: na boca, mas do lado de fora”.

Traições
Esse é o problema de Baleia Rossi. O Palácio do Planalto está jogando muito pesado para eleger Arthur Lira, o principal líder do Centrão, que articulou a nova base governista na Câmara e sempre teve o apoio dos deputados do baixo clero. Tece sua candidatura com a promessa de liberação de verbas e cargos no governo, acenando com uma reforma ministerial que estaria prevista para o começo do próximo ano. Arthur Lira anunciou sua candidatura com apoio dos 135 deputados do Centrão — PL (41), PP (40), PSD (33), Solidariedade (13) e Avante (8). De imediato, recebeu apoio do PL (41), do PTB (11), do Pros (10), do PSC (9) e do Patriota (6), ou seja, teoricamente, de mais 77 deputados. Tenta montar uma espécie de rolo compressor, já integrado por 212 deputados, que avança nos bastidores para seduzir os deputados de oposição.

O grupo de Maia soma 158 deputados, dos seguintes partidos: DEM (28), MDB (34), PSDB (31), PSL (53), Cidadania (8) e PV (4). O PT, com 54 deputados, lidera a oposição, que soma 124 deputados, com as bancadas do PSB (31), do PDT (28), do PSol (10) e da Rede (1). Esse acordo de bancada precisa ser confirmado por cada deputado, que negocia no fio do bigode; porém, como o voto é secreto, a palavra empenhada não pode ser cobrada depois. Como dizia Tancredo Neves, a vontade de trair é muito grande na cabine de votação.

Ninguém sabe o que vai, de fato, acontecer. Lira vem negociando individualmente há meses, inclusive com as bancadas de oposição, com uma agenda que não pode ser subestimada, porque além de verbas e cargos, oferece pra cada grupo de interesse uma pauta específica. Aos evangélicos, promete levar adiante a agenda dos costumes; aos ruralistas, desmontar a legislação ambiental; aos sindicalistas, a volta do imposto sindical; aos enrolados na Lava-Jato, blindagem contra o Ministério Público Federal (MPF) e a flexibilização da contagem do tempo de ilegibilidade da Lei da Ficha Limpa, na linha da liminar do novo ministro do Supremo Tribunal federal (STF) Kassio Nunes Marques, indicado por Bolsonaro. Muitos estão comprometidos com Lira.

Em tempo, feliz Natal!

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Reinaldo Azevedo: O juiz Moro já teria mandado prender o empresário Moro

É preciso que se apure eventual corrupção passiva do agora sócio de consultoria

Segundo os critérios com que o então juiz Sergio Moro conduziu a Lava Jato —e ele a conduziu, não é mesmo?—, o agora "sócio-diretor" da Alvarez & Marsal estaria em prisão preventiva, que seria decretada no mesmo dia em que se efetuaria um espalhafatoso mandado de busca e apreensão em seus endereços, devidamente acompanhado por ao menos uma equipe de televisão, previamente avisada. Tudo combinado com os parças do MPF.

Homens de preto invadiriam a sua casa. Com algum requinte, um helicóptero sobrevoaria a residência para indicar a periculosidade da pessoa sob investigação. Ato contínuo, haveria uma entrevista dos procuradores e do delegado federal encarregados da operação. Nessa oportunidade, então, acusações novas se fariam, ausentes do despacho do juiz que autorizou o espetáculo. E pronto! A defesa não teria o que dizer porque sem acesso aos autos.

No dia seguinte, um repórter farejador de procuradores e delegados vazaria uma informação exclusiva contra o preso.

Moro mandaria prender Moro com base em que fundamento? "Garantia da ordem econômica e conveniência da instrução criminal", conforme estabelece o artigo 312 do Código de Processo Penal, uma vez que o suposto crime investigado é grave: corrupção passiva, segundo dispõe o artigo 317 do Código Penal.

Lá está escrito: "Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena "“ reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa". Mas Moro fez isso?

"Calma, senhores!", diria o diligente juiz morista. As decisões foram tomadas "em regime de cognição sumária" apenas. É que não existe circo sem espetáculo. Como diria o ministro Luiz Fux, o amigão de Adriana Ancelmo, não podemos permitir "que a Lava Jato seja desconstruída", com o que concorda o punitivismo dedicado de Edson Fachin e Cármen Lúcia, por exemplo.

Depois de ter ajudado a quebrar a indústria de construção pesada no país, inclusive a Odebrecht, Moro se torna "sócio-diretor" da empresa que comanda a recuperação judicial do grupo. A A & M já recebeu R$ 17,6 milhões pelo serviço. Fez o mesmo com a OAS e tem ainda como clientes a Queiroz Galvão e a Sete Brasil, todas elas vitimadas pela dita "maior operação de combate à corrupção da Terra".

O então juiz homologou os benefícios da delação concedidos a diretores de empresas que caíram na teia da Lava Jato e gerenciou as facilidades dos acordos de leniência. Os beneficiários de sua ação são agora clientes da empresa que vai enriquecê-lo. Ganha o pão onde comeu a carne. No terreno moral, o conflito de interesses é óbvio, a menos que o observador já tenha se despedido de tais pruridos. Mas isso é pouco. É preciso que se apure a eventual ocorrência de crime de corrupção passiva.

Como repudio os métodos de Moro e do morismo, não defendo que o ex-juiz e agora empresário seja preso antes de eventual condenação, se condenado for, sempre de olho no 312 do CPP. Ele tem de ter direito àquilo que sempre negou às suas vítimas: as garantias de um Estado democrático e de Direito. Mas, para tanto, precisa ser investigado. Augusto Aras, no entanto, deve se acoelhar.

Aqui e ali, os passadores de pano afirmam que a investigação constituiria uma soma de vinganças: do PT e de Bolsonaro. Assim, mais uma vez, Moro pode se colocar acima da lei e da moralidade, protegido pela mesma esfera de inimputabilidade que levou a Lava Jato a destruir o devido processo legal no país, jogando-nos no buraco do bolsonarismo.

Para arrematar: o juiz Moro rejeitou relatórios da A & M, de que agora o empresário Moro é sócio, segundo os quais o tal tríplex de Guarujá pertencia à OAS, não a Lula. Até o objeto do processo que levou o ex-presidente à cadeia era fraudulento. Faz sentido. O líder petista já estava condenado antes de qualquer investigação, como deixou claro a Vaza Jato.

Por ato falho ou desconhecimento da I & B (Inculta e Bela), a A&M informou nesta quarta que Moro vai se ocupar do "desenvolvimento de políticas antifraude e corrupção".

Bingo!


Bernardo Mello Franco: Os interesses de Sergio Moro

O juiz que comandou a Lava-Jato virou sócio de uma consultoria que socorre empresas falidas na operação. O novo emprego de Sergio Moro tem levantado discussões sobre ética e conflito de interesses. Não é a primeira vez que acontece com ele.

Em 2018, Moro mandou prender o candidato que liderava a corrida presidencial. A decisão abriu caminho para Jair Bolsonaro, que ocupava o segundo lugar nas pesquisas. Sete meses depois, o juiz pendurou a toga para se juntar à tropa do capitão.

O convite para integrar o governo foi feito durante a campanha, segundo o próprio Moro. O pacote incluía uma vaga no Supremo Tribunal Federal, mas ele rompeu com o chefe antes de selar a nomeação.

Agora a zona cinzenta se deslocou da política para o mundo dos negócios. Moro será sócio-diretor da consultoria americana Alvarez & Marsal, especializada em recuperar empresas quebradas. Entre seus clientes, estão quatro alvos da Lava-Jato: Odebrecht, OAS, Queiroz Galvão e Sete Brasil.

Em nota, o ex-ministro disse que pretende “ajudar as empresas a fazer coisa certa”. “Não é advocacia, nem atuarei em casos de potencial conflito de interesses”, afirmou. A A&M o apresentou como um especialista em “liderar investigações anticorrupção” e “aconselhar clientes sobre estratégia e conformidade regulatória proativa”. Já se sabia que Moro aconselhava procuradores, falta saber o que ele dirá aos réus.

O ex-juiz selou o destino das quatro empresas atendidas pela A&M. Analisou informações confidenciais, condenou executivos e assinou acordos de delação e leniência. No caso da Odebrecht, ele fixou o pagamento de US$ 2,6 bilhões em multas. Agora virou sócio da consultoria que toca a recuperação judicial da empreiteira.

“Moro está emprestando o patrimônio da Lava-Jato a uma empresa que lucra com os resultados dela. A meu ver, isso põe muitos processos que ele julgou em suspeição”, afirma o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz. O ex-ministro poderá responder a um processo disciplinar na Ordem. Nas mãos do juiz Moro, o consultor Sergio estaria em apuros.


Luiz Carlos Azedo: A competência à prova

Nem nos governos militares houve tantos oficiais de alta patente em posições que normalmente seriam ocupadas por servidores civis na Esplanada dos Ministérios

Desde a criação do Dasp, em 1938, no Estado Novo, por Getúlio Vargas, no auge de seu período ditatorial, houve um grande esforço no Brasil para a criação e a manutenção de uma burocracia capaz de garantir a “racionalidade” e neutralizar a “irracionalidade” da política na administração federal. A ideia era formar um quadro de servidores civis capazes de operar uma máquina pública moderna, num país que iniciava a sua transição do agrarismo para a industrialização e que, consequentemente, ingressava num processo de urbanização acelerada.

Mesmo durante o regime militar, essa preocupação foi mantida, consolidando alguns centros de excelência que se formaram ao longo dos anos, como o Itamaraty, a Receita Federal, o Banco Central, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea); e alguns órgãos de pesquisas científicas, como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), além de empresas estatais como a Petrobras e o Banco do Brasil. Sem desconsiderar outras áreas técnicas do governo, esses exemplos ilustram o raciocínio.

Obviamente, as Forças Armadas fazem parte desse universo dos centros de excelência, sobretudo após o governo do general Ernesto Geisel, que acabou com a bagunça na hierarquia militar, implantando efetivamente regras que haviam sido concebidas já no governo do general Castelo Branco, o que possibilitou a efetiva profissionalização e renovação da carreira militar. Foi o desfecho de uma disputa com seu ministro do Exército, Sílvio Frota, exonerado do cargo por liderar a “linha dura” contrária à “abertura política” e tentar impor sua candidatura à Presidência, como o fizera o general Costa e Silva com Castelo Branco.

Esses setores radicais viriam, mais tarde, a praticar atentados terroristas contra civis, no governo do general João Batista Figueiredo, como foram os casos dos atentados contra a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que matou a secretária da instituição, Lida Monteiro da Silva, e o frustrado atentado do Rio Centro, cuja bomba explodiu no colo do sargento Guilherme Pereira do Rosário, que morreu, e feriu gravemente o capitão Wilson Luís Chaves Machado, lotados no DOI-Code do I Exército. O próprio presidente Jair Bolsonaro foi afastado da tropa por indisciplina, suspeito de planejar atentados contra quartéis na Escola Superior de Aperfeiçoamento de Oficiais (Esao), em 1987.

Disfunções
Para profissionalizar as Forças Armadas e entregar o poder de volta aos civis, era fundamental a existência de uma burocracia concursada, capacitada e eficiente. Com a redemocratização, as regras do jogo foram estabelecidas pela Constituição de 1988: os militares voltaram para os quartéis, dedicando-se às suas atribuições constitucionais; os políticos voltaram a exercer o poder; e a burocracia de carreira ficou encarregada de zelar pela legitimidade dos meios por eles utilizados para alcançar seus fins. Quando o trem descarrilou no Executivo, o Congresso entrou em ação (impeachment dos presidentes Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff) e o Judiciário acionou os órgãos de controle do Estado (Mensalão e Lava-Jato).

De certa forma, a eleição do presidente Jair Bolsonaro fez parte desse processo de correção de rumos, pelo voto popular, mas não exatamente na direção em que está indo na Presidência. Político sem compromisso partidário nem quadros técnicos para ocupar o poder, recorreu aos militares para administrar o país, nomeando-os para postos-chave no Palácio do Planalto, na Esplanada dos Ministérios e em dezenas de órgãos federais e nas estatais. Nem nos governos militares houve tantos oficiais de alta patente em posições que normalmente seriam ocupadas por servidores civis. Despreparados para as novas funções que exercem, mesmo assim trocaram as rodas da administração federal com o carro em movimento; porém, não entendem de mecânica para resolver os problemas quando a engrenagem administrativa enguiça.

Também não estão livres das disfunções da burocracia: “incapacidade treinada”, a transposição mecânica de rotinas; “psicose ocupacional”, as preferências e antipatias pessoais; e “deformação profissional”, a obediência incondicional, em detrimento da ética da responsabilidade. Trocando em miúdos, a competência dos militares está sendo posta à prova num governo errático, como nos ministérios da Saúde, onde milhões de testes da covid-19 estocados estão em vias de serem jogados fora, por vencimento do prazo de validade; e de Minas e Energia, devido ao espantoso “apagão” no Amapá, que já vai para a terceira semana. São pastas comandadas, respectivamente, por um especialista em logística, o general de divisão Eduardo Pazuello, e o ex-diretor do audacioso e bem-sucedido programa nuclear da Marinha almirante de esquadra Bento Albuquerque.

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Luiz Carlos Azedo: Dinheiro na cueca pode?

A verdade pode ser distorcida para obter vantagem política, aproveitar o momento mais conveniente, obter a resposta desejada, favorecer pessoas, priorizar fatos e reescrever a História

Coluna boi com abóbora, como diria meu querido Noca da Portela, rende polêmicas inesperadas. Foi o que aconteceu na sexta-feira, comigo, por causa da grana na cueca do senador Chico Rodrigues (DEM-RR), flagrado pela Polícia Federal, supostamente, tentando ocultar provas e obstruir a ação da Justiça durante uma operação de busca e apreensão em sua residência, em Boa Vista. Vice-líder do governo Bolsonaro no Senado, a notícia se espalhou pelo mundo e virou meme nas redes sociais, porque o parlamentar governista tentara esconder R$ 33,1 mil no calção do pijama, uma parte nas nádegas, dentro da cueca. Havia pedido para ir ao banheiro, e o delegado desconfiou do grande volume dentro do pijama. A versão vazada era de que o senador se borrou todo, nervoso, quando sofreu a revista íntima.

Diz um velho jargão das redações: um homem ser mordido por um cachorro não é notícia (não é bem assim), ela só existe quando o homem morde o cachorro, fato que nunca vi registrado nos jornais. Já vi atirar ou espancar um animal. Era óbvio que a história do senador Chico Rodrigues seria o assunto político do dia, a ponto de ofuscar o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) do polêmico habeas corpus do traficante André de Oliveira Macedo, o André do Rap, que havia sido concedido pelo ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), e fora suspenso pelo presidente daquela Corte, ministro Luiz Fux. Como vinha acompanhando o julgamento, tive de tratar dos dois assuntos na mesma coluna, intitulada “O traficante e o senador”.

O julgamento do caso de André do Rap terminou 9 a 1, a favor da excepcionalidade da suspensão do habeas corpus, mas gerou muita discussão entre os ministros sobre: a) o poder de Fux no comando do tribunal para sustar liminares dos pares, contestado pela maioria; b) as fragilidades do sistema de distribuição de processos (o advogado entrou com nove habeas corpus sucessivos e os retirava sempre que julgava que o ministro escolhido não o concederia, até ser distribuído para Marco Aurélio, que já havia concedido mais de 70 liminares com a mesma interpretação literal da lei); c) a sucessão de omissões da Justiça, do Ministério Público e das autoridades policiais quanto ao caso de André do Rap; e d) a libertação automática dos presos preventivamente, caso o juiz não faça a revisão a cada 90 dias, que, no entendimento da maioria, com exceção de Marco Aurélio, não deve ocorrer mais.

Toda a confusão deu-se por causa da exegese do artigo 316 do Código de Processo Penal, que diz, em seu parágrafo único: “Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal”. Marco Aurélio Mello interpretava ao pé da letra o citado artigo e mandava soltar todos os presos nessa situação, cujos casos fossem parar em suas mãos, inclusive, André do Rap, segundo o princípio do direito germânico-romano, predominante na legislação brasileira, de que a lei precede o fato, não importa o “paciente” nem as consequências. É o que os advogados chamam de “bom direito”.

Ombudsman
Voltemos ao dinheiro na cueca, que entrou para o nosso folclore político mais escatológico. Ao ler a coluna de sexta-feira, um querido amigo, em mensagem pela mesma rede social pela qual havia lhe enviado a coluna, indagou: “Mas o crime é carregar dinheiro na cueca?”. Dei-me conta de que estava diante de um questionamento ético, uma discussão muito séria. Tentei explicar: ocultação de prova e obstrução da justiça. E arrematei: vai acabar cassado e preso, por causa do desvio do dinheiro das emendas. Aí veio o questionamento definitivo: “Aí, sim. Mas levar dinheiro na cueca, eu fiz muitas vezes, quando viajava sem cartão de crédito. Mas a manchete tem sido: ‘Dinheiro na cueca’. Pois é. Não é crime. É bullying! ”

Meu ombudsman acidental tem razão. Não é crime mesmo, quem já não viajou com dinheiro e documentos numa pochete sob as vestes para evitar furtos? Eis a questão, estamos diante de uma situação em que a notícia não é o crime, a investigação ainda tem de provar a origem ilícita do dinheiro. Penso que isso acabará acontecendo, mas, quem acha vive se perdendo, advertia Noel Rosa. O parlamentar já foi lançado ao mar pelo presidente Jair Bolsonaro, de quem era próximo, e não será surpresa se seu mandato for cassado por seus pares no Senado, como já aconteceu outras vezes, porque a situação é muito desmoralizante para a vetusta instituição. Tanto que o ministro Luís Roberto Barroso, sem pestanejar, afastou-o do mandato por 90 dias, decisão monocrática que causou mal-estar entre os políticos. A cúpula do Congresso tem ojeriza a isso, porém, não reage, para não afrontar a opinião pública.

Os fatos ocorrem e são registrados como História, os meios de comunicação têm um papel fundamental nisso. Entretanto, como já advertiu Hanna Arendt, a verdade desses eventos pode ser distorcida para justificar uma ação política particular, garantir a revelação dos fatos num momento mais conveniente, assegurar a resposta desejada em determinados momentos e reescrever a história para favorecer certas pessoas ou priorizar certos fatos. A ação policial na casa do senador Chico Rodrigues foi documentada e está anexada aos autos do processo, mas os vídeos da revista íntima foram mantidos em sigilo de Justiça, trancados num cofre, por determinação do ministro Barroso. A divulgação de que o senador estava com dinheiro nas nádegas, o que, por si, não é crime, como já foi dito, fez da operação de busca e apreensão um fenômeno midiático mundial. Entretanto, se não for comprovada a origem ilícita do dinheiro, nada poderá ser feito contra ele, além de exigir o pagamento do Imposto de Renda. Quem se desgasta com a tese de que a polícia prende e a justiça solta, como no caso de André do Rap? O Supremo.

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Luiz Carlos Azedo: A toga justa no Supremo

Só quando lei fosse omissa o juiz deveria decidir de acordo com analogia, costumes e os princípios de direito. Muitas decisões do Supremo já alteraram esse entendimento

Hoje, será um dia quente no Supremo Tribunal Federal (STF), arrastado para o olho de um furacão por seus próprios integrantes, não pelo Executivo ou pelo Legislativo, embora alguns possam atribuir a crise de imagem em que se encontra à modificação do Código de Processo Penal (CPP), aprovada pelo Congresso, e ao fato de o presidente Jair Bolsonaro, supostamente, não ter cumprido um acordo com o Senado para vetá-lo. No juridiquês, trata-se da exegese do artigo 316 do CPP, que diz, em seu parágrafo único: “Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal”.

O ministro Marco Aurélio Mello interpretou ao pé da letra o citado artigo e mandou soltar o traficante André de Oliveira Macedo, o André do Rap, sem levar em conta que ele estava condenado a 25 anos de prisão em outros dois processos e é um dos chefões da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). Diante das críticas, disse que processo não tem capa e sustentou sua decisão, igual a mais de 70 sentenças com a mesma interpretação que já lavrou. O presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, a pedido do Ministério Público Federal (MPF), sustou a decisão e pôs a questão na pauta da sessão plenária do Supremo de hoje. Marco Aurélio estrilou por causa da invertida que levou de Fux, mas é jogo jogado.

A Corte terá de firmar uma nova jurisprudência sobre o dispositivo incluído no Código de Processo Penal durante a aprovação do chamado pacote anticrime, em dezembro passado. Há dúvidas quanto à eficácia da mudança feita para acelerar os julgamentos de presos em prisão preventiva sem condenação e reduzir a população carcerária. Muitos avaliam que o dispositivo beneficia, sobretudo, os autores de crimes de colarinho-branco, com recursos financeiros para contratar bons advogados, e grandes criminosos, como chefões do tráfico de drogas e doleiros. Esse tipo de leitura predomina na opinião pública e pressiona o Supremo.

No Congresso Nacional, um grupo de deputados quer revogar o artigo 316 e outro, tentar garantir a votação da proposta de emenda constitucional (PEC) que permite a volta da prisão após a condenação em segunda instância. André do Rap já tem condenação em segunda instância, mas está recorrendo da decisão. O deputado Alex Manente (Cidadania-SP) negocia com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a retomada dos trabalhos da comissão que analisa a PEC da prisão após condenação em segunda instância. Maia criticou a decisão de Marco Aurélio. Autor do projeto, Manente quer aprovar a PEC ainda neste ano.

Jurisprudência
A toga justa no Supremo, porém, será a oportunidade de um grande debate jurídico, protagonizado pelo novo presidente da Corte, o ministro Fux, e o novo decano, o ministro Marco Aurélio. Há um choque de concepções jurídicas na Corte, que vem se manifestando há muito tempo, principalmente por causa da Operação Lava-Jato, mas que, agora, será tratado a propósito de um processo criminal sem o ingrediente da ética na política. No fundo, nosso sistema jurídico está ganhando características híbridas.

O modelo Civil Law, adotado pelo Brasil, pertence à grande família romano-germânica, que valoriza a letra da lei — que surge antes, para regular as condutas sociais. Na Common Law, de origem anglo-saxã, observado na Inglaterra, nos Estados Unidos e em outros países de língua inglesa, o direito é criado não pelo legislador, mas pelos juízes. Seu objetivo é dar solução a um processo, desta decisão surge o precedente, nos quais se fundamentará a jurisprudência. Há polêmicas nos dois casos, as principais envolvem a segurança jurídica e a duração dos processos. Enquanto a lei garante maior confiabilidade e segurança, a jurisprudência, por meio dos precedentes, agiliza a conclusão dos processos.

No Brasil, só quando lei fosse omissa o juiz deveria decidir o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Mas isso nem sempre acontece. Muitas decisões do Supremo já alteraram esse entendimento. A polêmica sobre a execução da pena após condenação em segunda instância, por exemplo. O Supremo adotou esse procedimento, contrariando o princípio legal do trânsito em julgado, depois, voltou atrás. Agora, o assunto retorna à pauta no Congresso, para se tornar lei. O choque entre ministros “garantistas” e “punitivistas” tem tudo a ver com essa contradição. Por ironia, o tema da prisão preventiva está sendo revisitado pela Corte no caso de um traficante e não de um colarinho-branco, mas a lei é para todos.

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Luiz Carlos Azedo: Lava-Jato, morte e ressurreição

O presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, surpreendeu ao esvaziar o poder das duas turmas no julgamento de ações penais e inquéritos criminais, que voltarão a ser analisados em plenário

Em cerimônia no Palácio do Planalto, ontem, bem ao seu estilo, o presidente Jair Bolsonaro disparou: “Queria dizer a essa imprensa maravilhosa nossa que eu não quero acabar com a Lava-Jato… eu acabei com a Lava-Jato”. Entretanto, relativizou: “porque não tem mais corrupção no governo”. Bolsonaro endossou a avaliação feita pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL) de que seu grande legado será o “desmonte” da operação, que já teria ocorrido em razão de mudanças no Coaf, na Receita Federal, na Polícia Federal, no Ministério Público Federal (MPF) e estaria em vias de ocorrer no Supremo Tribunal Federal (STF), com a indicação do desembargador federal Kassio Marques para a vaga do decano Celso de Mello, que está se despedindo da Corte.

Mas pode não ser bem assim, porque o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, ontem, surpreendeu a maioria dos pares ao propor a mudança do regimento da Corte e esvaziar o poder das suas turmas no julgamento de ações penais e inquéritos criminais, que voltarão a ser analisados em plenário. A proposta foi aprovada por unanimidade. Desde 2014, depois do processo do mensalão, essas matérias eram apreciadas nas turmas, cada qual com cinco ministros. Agora, serão apreciadas por 11 ministros, inclusive o presidente do Supremo, que não vota nas turmas. A mudança fortalece o ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato, que estava perdendo quase todas as votações na Segunda Turma, presidida pelo ministro Gilmar Mendes.

O argumento utilizado para a mudança foi o fato de que a decisão de atribuir os julgamentos às turmas fora uma decorrência do acúmulo de processos no STF, o que não ocorreria mais. A proposta de Fux pegou os chamados “garantistas” de surpresa. De certa forma, dará uma sobrevida para a Lava-Jato no caso dos processos relatados pelo ministro Fachin, cujas investigações estão concluídas. Os casos que ainda estão sendo investigados pelo Ministério Público Federal (MPF) são outra história: vão depender das medidas adotadas pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, para enquadrar e centralizar a atuação dos procuradores das forças-tarefas no Paraná, no Rio de Janeiro, no Distrito Federal e em São Paulo.

Simbolismo
Renan tem razão quando assinala que o cerco à Lava-Jato se fechou, com as medidas adotadas por Bolsonaro. Entretanto, no plano simbólico, tudo o que é feito contra a operação tem repercussão negativa na opinião pública. A operação continua sendo um vetor importante nas eleições municipais em curso e, provavelmente, o será nas de 2022, mas sem o mesmo efeito catalisador que teve nas eleições passadas. As pesquisas eleitorais em muitas cidades estão mostrando cautela dos eleitores com candidatos desconhecidos e certa tendência à reeleição, bem como preferências por políticos ficha limpa já conhecidos.

Além disso, houve de fato um descolamento de Bolsonaro da Lava-Jato, assumido publicamente ontem, que começou com a demissão do ex-juiz Sergio Moro do Ministério da Justiça. Esse afastamento se consolidou com a aliança do presidente com o chamado Centrão, cujos partidos são liderados por políticos tradicionais, quase todos enrolados na operação. Isso significa que Bolsonaro abdicou completamente da bandeira da ética? Obviamente não. A atuação da Polícia Federal nos escândalos envolvendo a Saúde, em diversos estados, mostra exatamente o contrário. O que há é uma separação entre o combate à corrupção e a Lava-Jato. E a suspeita de que haveria manipulação política nessas ações, mas esse costuma sempre ser o argumento de defesa dos políticos investigados.

Na verdade, o desgaste ético de Bolsonaro ocorre em razão do caso Fabrício Queiroz, no inquérito que investiga as rachadinhas nos gabinetes dos deputados da Assembleia Legislativa fluminense, no qual familiares do presidente são investigados, sobretudo o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), seu filho mais velho. A mudança de rota do Palácio do Planalto tem muito a ver com isso, pois as investigações forçaram Bolsonaro a articular uma base de apoio mais consistente no Congresso, que não quer nem ouvir falar em Lava-Jato, e promover uma aproximação com Supremo. Estava tudo dominado por Bolsonaro na Segunda Turma, na qual tramita o caso de Flávio, mas a decisão de ontem de levar os processos para o plenário da Corte embaralhou o jogo. Faltou combinar com os russos, isto é, com o presidente do Supremo, Luiz Fux, que não tem vocação para rainha da Inglaterra.

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Luiz Carlos Azedo: Política no novo normal

Não é preciso estar atrás das cortinas do Supremo para perceber que a Corte passa por mudança de composição que favorece os “garantistas”, entre os quais Mendes, Toffoli e Moraes

O maniqueísmo na política quase sempre impede uma avaliação correta da situação. É o caso da indicação do desembargador Kassio Marques para o Supremo Tribunal Federal (STF) pelo presidente Jair Bolsonaro. Não vou entrar no mérito do perfil do indicado, que será sabatinado no Senado tanto pelos que defendem sua indicação como por aqueles que o consideram sem as qualificações necessárias para integrar a Corte. São regras do jogo: vagou um cargo de ministro no Supremo, o presidente da República tem a prerrogativa de indicar um nome para o cargo, que precisa ter aprovação do Senado para ser efetivado.

É óbvio que a saída de um jurista do naipe do decano da Corte, ministro Celso de Mello, torna inevitável a comparação entre ambos, mas acontece que a escolha é política, não é técnica, como muitos gostariam. Desse ponto de vista, salta aos olhos que Bolsonaro tenha feito concessões aos políticos enrolados do Centrão que articulam sua base no Senado e aos ministros do Supremo que integram o grupo identificado como “garantista”. Bolsonaro fez política com os demais Poderes da República, o que consolida uma mudança, se considerarmos que, há alguns meses, estava em rota de colisão com o Congresso e o Supremo, isto é, com o Estado de direito democrático.

Não é preciso estar atrás das cortinas do Supremo para perceber que a Corte passa por uma mudança na sua composição que favorece os “garantistas”, entre os quais Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes têm mais cancha política, em termos de vivência nos bastidores do Poder Executivo, por terem sido ministros dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Michel Temer, respectivamente. Uma análise fria da nova composição das duas turmas do Supremo mostra essa alteração, ainda que o presidente do STF, ministro Luiz Fux, integre a chamada ala ”punitivista”, na qual despontam o relator da Lava-Jato, ministro Edson Fachin, e o ministro Luís Roberto Barroso, atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Falar em alas no STF, registre-se, é uma maneira perigosa e esquemática de identificar as tendências na Corte, talvez até maniqueísta, porque cada ministro é dono do seu pedaço, tem muito poder sobre os processos e toma decisões solitárias, a ponto de alguns analistas afirmarem que não existe um, mas onze Supremos. A Primeira Turma, que os advogados criminalistas apelidaram de “câmara de gás”, sob a presidência da ministra Rosa Weber, mudou de perfil com a substituição de Fux, que assumiu a Presidência da Corte, por Toffoli. Seus demais integrantes são os ministros Marco Aurélio Mello, Alexandre de Moraes e Barroso. Com a saída de Celso de Mello, que às vezes fazia papel de “tertius”na Segunda Turma, embora fosse considerado um “garantista”, abriu-se a vaga que, em tese, pode ser ocupada por Kassio Marques, se não for pleiteada por um ministro mais antigo que queira trocar de turma. Presidida por Gilmar Mendes, essa turma foi apelidada de “Jardim do Éden”, sendo integrada ainda por Ricardo Lewandowiski, Cármen Lúcia e Edson Fachin, o relator da Lava-Jato.

As pizzas
Tanto os processos da Lava-Jato como os de Flávio Bolsonaro transitam pela Segunda Turma, daí a grita da oposição, por causa da indicação de Kassio Marques, que é apontado como “garantista”. Bolsonaro preferia pôr alguém “terrivelmente evangélico” no cargo, como o ministro da Justiça, André Mendonça, ou o secretário-geral da Presidência, ministro Jorge Oliveira, indicado para o Tribunal de Contas da União (TCU). Ambos foram preteridos, o presidente da República optou por um nome que tivesse mais aceitação no Senado — Kassio Marques é católico e piauense, foi indicado pelo senador Ciro Nogueira (PI), presidente do PP e réu na Lava-Jato — e também boa aceitação entre os ministros da Segunda Turmas. Ou seja, sem julgamentos morais, respeitou as contingências da política.

Onde entra o novo normal? Quando examinamos a “pizzaiada” do fim de semana na casa do ministro Dias Toffoli, à qual compareceu o presidente Jair Bolsonaro e o seu indicado, além de outras autoridades, como o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), a pretexto de assistirem o jogo do Palmeiras. Terminar a noite comendo pizza parece piada feita, mas foi o que aconteceu. O encontro foi considerado “promíscuo” por muitos, mas marca uma mudança de comportamento do presidente Bolsonaro em relação ao Supremo, que desnorteou seus aliados e adversários.

Há alguns meses, o Supremo Tribunal Federal STF) teve que barrar os arroubos autoritários de Bolsonaro e reagir duramente aos ataques que sofria dos bolsonaristas, que ocupavam a Praça dos Três poderes e ameaçavam até mesmo invadir a Corte. Havia uma ampla maioria, tanto na Corte como no Congresso, que temia uma crise institucional, com desfecho imprevisível, mas a reação firme —que uniu “garantistas”e “punitivistas”— barrou a escalada. Esse é o lado que todos consideram positivo. Entretanto, o mesmo não se pode dizer quanto à Operação Lava-Jato. Não foi à toa que o novo presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, deixou claro ontem que o STF não vai participar de nenhum pacto político com os demais Poderes, quer preservar sua independência.

Falar em alas no STF, registre-se, é uma maneira perigosa e esquemática de identificar as tendências na Corte, talvez até maniqueísta, porque cada ministro é dono do seu pedaço, tem muito poder sobre os processos e toma decisões solitárias, a ponto de alguns analistas afirmarem que não existe um, mas onze Supremos. A Primeira Turma, que os advogados criminalistas apelidaram de “câmara de gás”, sob a presidência da ministra Rosa Weber, mudou de perfil com a substituição de Fux, que assumiu a Presidência da Corte, por Toffoli. Seus demais integrantes são os ministros Marco Aurélio Mello, Alexandre de Moraes e Barroso. Com a saída de Celso de Mello, que às vezes fazia papel de “tertius”na Segunda Turma, embora fosse considerado um “garantista”, abriu-se a vaga que, em tese, pode ser ocupada por Kassio Marques, se não for pleiteada por um ministro mais antigo que queira trocar de turma. Presidida por Gilmar Mendes, essa turma foi apelidada de “Jardim do Éden”, sendo integrada ainda por Ricardo Lewandowiski, Cármen Lúcia e Edson Fachin, o relator da Lava-Jato.

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Luiz Carlos Azedo: O melhor negócio do mundo

A venda de refinarias servirá para reduzir o endividamento da Petrobras, que consome 35% do caixa gerado por suas operações. Em juros, isso equivale a um sistema completo de exploração

O famoso magnata norte-americano John Davison Rockefeller começou a trabalhar com 16 anos, em 1855, como contabilista de um armazém de retalhos. De família modesta e religiosa, quando completou 19 anos, pediu demissão e partiu para seu próprio negócio: abastecer o Exército da União. Durante a Guerra Civil americana (1861-1865), vendeu uniformes, farinha, sal, sementes e carne de porco, concorrendo com o antigo patrão. Com o fim da guerra, mudou de ramo e comprou uma refinaria de petróleo, na qual fabricava querosene para iluminação. Em 1985, fundou a Standart Oil Company.

Chegou a controlar 90% das refinarias dos Estados Unidos, mas a Suprema Corte, em 1911, resolveu acabar com o monopólio da empresa e ordenou a criação de mais 30 companhias petrolíferas, origem das gigantes Exxon, Chevron, Atlantic, Mobil e Amoco, que continuaram sob seu controle acionário. Nessa época, Rockefeller era o homem mais rico do mundo, com uma fortuna pessoal de US$ 318 bilhões, transformando-se num mecenas das artes e patrono da educação e da pesquisa. Criou a Universidade de Chicago, museus, bibliotecas e um instituto de pesquisas médicas que leva seu nome. É dele a frase “o melhor negócio do mundo é uma empresa de petróleo bem administrada; o segundo melhor negócio, uma empresa de petróleo mal administrada”.

A Petrobras, durante o governo Lula, conseguiu transformar uma refinaria de petróleo num péssimo negócio, com a compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, segundo depoimento da ex-presidente da empresa Maria das Graças Foster, no Senado, quando a operação virou mais um caso do escândalo do petrolão. A ex-presidente Dilma Rousseff, que presidia o Conselho de Administração da Petrobras por ocasião da compra, alegou que aprovou a decisão sem saber dos anexos do contrato, com cláusulas muito desvantajosas para o comprador, negociadas pelo então diretor Nestor Cerveró, um dos condenados na Lava-Jato.

Ontem, o Supremo Tribunal Federal (STF), por seis votos a quatro, rejeitou um pedido de suspensão da venda de oito refinarias e ativos da Petrobras a partir da criação de empresas subsidiárias. A iniciativa fora questionada pelo Congresso, que embargou a venda das refinarias de Landulfo Alves (BA), Presidente Getúlio Vargas (PR), Abreu e Lima (PE), Alberto Pasqualini (RS), Gabriel Passos (MG), Isaac Sabbá (AM), Lubnor (CE) e a Unidade de Industrialização de Xisto (PR), com o argumento de que Petrobras estava descumprindo um entendimento do próprio STF ao desmembrar a empresa-mãe para, em seguida, vender esses ativos sem autorização do Legislativo.

Endividamento
O relator do caso, ministro Édson Fachin, votou para conceder a liminar ao Congresso e suspender a venda dos ativos, porém, a maioria dos ministros do STF discordou. Seis ministros avaliaram que o entendimento da Corte não foi descumprido, e que as operações representam um desinvestimento por parte da estatal — e não uma fraude para repassar o controle acionário ao setor privado. A decisão é uma mudança de paradigma, comemorado pelo presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, que foi indicado para o cargo pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, com a tarefa de mudar o perfil da empresa, que passará a se dedicar à exploração de petróleo, deixando as áreas de refino e distribuição para o setor privado.

Se a máxima de Rockefeller ainda vale, a venda das refinarias será um novo alento para Guedes, que, na quarta-feira, estava acusando o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, de boicotar as privatizações. A decisão ainda será apreciada no mérito, mas a maioria que se formou no Supremo, dificilmente, mudará de orientação. Votaram a favor da venda das refinarias os ministros Alexandre de Moraes, que contestou o relator; Luís Barroso; Dias Toffoli; Cármen Lúcia; Gilmar Mendes; e o presidente do Supremo, Luiz Fux. Votaram com o ministro Édson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello.

A venda das refinarias, segundo a direção da Petrobras, servirá para reduzir o endividamento da empresa, que consome 35% do caixa gerado por suas operações. Somente em juros, essa dívida equivale a um sistema completo de produção, com plataformas, sistemas submarinos e poços, capaz de produzir 150 mil barris de petróleo por dia, com receita anual de US$ 3 bilhões. O objetivo de Castello Branco é obter mais recursos para concentrar as atividades da Petrobras na exploração de petróleo leve do pré-sal, antes que o óleo extraído em águas profundas e ultraprofundas deixe de ser um negócio rentável, por causa dos custos de exploração e da mudança de modelo energético em curso no mundo, principalmente no setor automotivo.

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Luiz Carlos Azedo: Todos os homens de Bolsonaro

O presidente só pensa na reeleição, que parece ao alcance das mãos. O que acontecerá com a democracia brasileira se controlar o Judiciário e passar o rodo no Congresso, em 2022?

Para quem leu Todos os Homens do Kremlin (Editora Vestígio), de Mikhail Zygar, ex-editor-chefe da única emissora de TV independente da Rússia, a TV Rain (Dozhd), o paralelo com o presidente Jair Bolsonaro e sua atuação no poder é inevitável, resguardadas, é óbvio, as diferenças de contexto histórico e nacional. Como Vladimir Putin, Bolsonaro tornou-se presidente porque soube aproveitar a oportunidade, bafejado pela sorte. Diferentemente do presidente russo, porém, não era um candidato do sistema: o homem certo na hora certa para o então presidente Boris Yeltsin, o político carismático, beberrão e imprevisível, que implodiu a antiga União Soviética, destronando Mikhail Gorbatchev, e liderou a transição selvagem para o capitalismo na Federação Russa. Bolsonaro foi um candidato antisistema, que surfou o tsunami eleitoral de 2018, na onda de insatisfação popular com os políticos gerada pela Operação Lava-Jato.

As semelhanças são maiores quando levamos em conta que Putin não tinha uma estratégia de poder –– foi administrando as circunstâncias para mantê-lo. Ex-chefe da FSB, usou a força do Estado para afastar aliados indesejáveis, proteger os amigos de São Petersburgo e da antiga KGB, seduzir os militares e liquidar os adversários. Os instrumentos de coerção do Estado –– os serviços de inteligência, a polícia, o Ministério Público e o Judiciário –– foram fundamentais para a consolidação de sua longa permanência no poder, depenando oligarcas que se apoderaram das estatais russas, favorecendo os empresários amigos e eliminando possíveis concorrentes eleitorais. Putin acreditou que seria bem recebido pelos líderes das grandes potências ocidentais, mas logo se viu frustrado por Angela Merkel, a primeira-ministra alemã; Nicolas Sarkozy, o presidente francês; e, principalmente, Barack Obama, o presidente negro dos Estados Unidos.

Arreganhou os dentes quando chegou à conclusão de que todos queriam enfraquecer a Federação Russa e afastá-la das antigas repúblicas soviéticas. E de que o menosprezavam, tratando-o como um personagem menor na cena internacional. Esse sentimento de rejeição somente aumentou ao longo dos anos, mas teve como resposta o endurecimento da política externa russa em relação às ex-repúblicas soviéticas da Geórgia e da Ucrânia, e ao Oriente Médio. A decisão estratégica de manter o ditador da Síria, Bashar al-Assad, no poder a qualquer preço, e assim preservar sua base naval no Mediterrâneo, foi uma demonstração de força. Da mesma forma, a divisão da Ucrânia, com a anexação da Criméia como uma república autônoma da Federação Russa, com o propósito de manter a grande base naval da frota do Mar Negro. Por último, o apoio econômico e militar a Nicolás Maduro, na Venezuela.

Reeleição
No terceiro mandato de presidente, a relação de Putin com o ex-presidente liberal Dmitri Medvedev, com quem também se revezou no cargo de primeiro-ministro, hoje é de estranhamento. Na verdade, sempre foi tensa, como a de Bolsonaro com o vice-presidente Hamilton Mourão, um general de quatro estrelas. Putin afastou todos os aliados com política própria ou a lhe fazer sombra. Bolsonaro fez a mesma coisa. Começou com o general Santos Cruz, ministro da Secretaria de Governo, hoje ocupada pelo general Luiz Ramos, principal articulador político do governo, e o advogado Gustavo Bebiano, secretário-geral da Presidência, já falecido, defenestrado para dar lugar a um ex-assessor parlamentar de inteira confiança, Jorge Oliveira. O ex-deputado Onyx Lorenzoni foi deslocado da Casa Civil para o Ministério da Cidadania, para dar lugar ao general Braga Netto. Os ministros da Justiça, Sergio Moro, e da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, no auge do prestígio, também foram defenestrados, sendo substituídos pelo advogado da União André Mendonça e outro general, Eduardo Pazuello, respectivamente, dois bem-mandados.

Deputado ligado ao baixo clero durante toda a sua trajetória, para neutralizar qualquer tentativa de impeachment, Bolsonaro montou uma base parlamentar com os partidos do Centrão, cujos líderes — Gilberto Kassab (PSD-SP), Roberto Jefferson (PTB-RJ), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Ciro Nogueira (PP-PI) — apoiam qualquer governo. Trocou os desastrados deputados de extrema direita, que defendiam o seu governo no Congresso, por raposas moderadas do Parlamento: Ricardo Barros (PP-PR), na Câmara, Fernando Bezerra (MDB-PE), no Senado, e Eduardo Gomes (MDB-TO), no Congresso. E está fritando o ministro da Economia, Paulo Guedes, um economista ultraliberal, cada vez mais isolado no governo.

Qual foi a estratégia de Putin para manter sua popularidade ao longo de duas décadas? Domar o Parlamento, controlar o Judiciário, estreitar a aliança com a Igreja Ortodoxa, estimular o nacionalismo russo e o conservadorismo machista e homofóbico. Putin transformou a jovem democracia russa numa ditadura da maioria, no qual assume um papel cada vez mais autocrático. Mais populista do que nunca, Bolsonaro recuperou a popularidade, apesar da pandemia, e só pensa na reeleição, que parece ao alcance das mãos. O que acontecerá com a democracia brasileira se Bolsonaro controlar o Judiciário e passar o rodo no Congresso, em 2022, como deseja?

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Luiz Carlos Azedo: Mais mulheres e negros no pleito

A maior distribuição de recursos do fundo eleitoral para as mulheres e os negros deve aumentar a participação feminina nos espaços de poder e combater o “racismo estrutural”

Não existe tradição política mais forte no Brasil do que as eleições de vereadores. Elas antecederam tudo o que existe institucionalizado em nosso país, a partir da formação da primeira Câmara Municipal, em 1532, na Vi-
la de São Vicente. Vêm de uma tradição medieval portuguesa, que foi fundamental para a consolidação de seu império colo- nial, da conquista de Ceuta (1415) à devolução de Macau à China (1999), ao lado das beneficências e santas casas. No caso de São Vicente, foi a alternativa encontrada por Martim Afonso para sedimentar a presença portuguesa, depois do fracasso de suas expedições à bacia do Prata por terra, na qual desapareceram 70 homens, e por mar. Ele próprio naufragou num baixio, frustrando o objetivo de subir o Rio Paraná e penetrar no continente, como o rei Dom João III ordenara.

Depois que Martim Afonso voltou a Portugal,a vila de São Vicente ficou completamente abandonada por duas décadas. Era um povoado formado por náufragos, degradados e marinheiros, o isolamento fez com que seus moradores adotassem os costumes indígenas e a língua franca tupi-guarani, sem a qual seria impossível o escambo serra acima, em conexão com os caciques Tibiriça, Caiubi e Piquerobi, todos tupi, e os náufragos João Ramalho e Antônio Rodrigues, que comandavam um exército de 20 mil homens pelo sertão adentro, a partir da localidade de Piratininga, às margens do rio Anhembi (Tietê). Tibiriça e os genros transfeririam-se para o campo de São Bento, onde se instalou o Colégio São Paulo, catequizados pelo jesuíta Manoel da Nóbrega, para fundar a maior cidade do país, São Paulo.

Conta-nos Jorge Caldeira, em História da Riqueza no Brasil (Estação Brasil), que um único ritual das Ordenações do Reino foi preservado na vila de São Vicente: “As autoridades eleitas governaram, distribuíram títulos mal escritos pelos raríssimos alfabetizados, prenderam, multaram e julgaram. Passados os três anos dos mandatos regulares, os vereadores convocaram eleições, os eleitos tomaram posse, aqueles que deixaram o governo voltaram para a condição de simples governados, os novos governantes passaram a exercer a autoridade.” Quase todos analfabetos, genros de índios, renderam-se à autoridade dos governos dos costumes, eleita e provisória, competente na busca do consenso, com a vida doméstica organizada em torno da linhagem feminina. Eis “o milagre da multiplicação das eleições e do governo cuja autoridade derivava da escolha dos governados.”

É dessa tradição que as atuais eleições municipais herdariam o voto uninominal, que a competência de Assis Brasil canalizou para os partidos com a adoção do sistema proporcional. A propósito, há três grandes novidades nas eleições municipais deste ano: a primeira é o fim das coligações proporcionais, que obrigou os partidos a concorrerem com a chapa completa, o que aumentou muito o número de candidatos a prefeito e, principalmente, a vereador; a segunda, a destinação dos 30% dos fundos eleitorais para candidatas mulheres, o que as tornou mais competitivas e estimulou o lançamento de candidaturas majoritárias femininas; a terceira, a recente deci- são do ministro Ricardo Lewandowski, que determinou a distribuição proporcional dos recursos do fundo eleitoral entre candidatos negros e brancos, de ambos os sexos (mérito do movimento negro, da deputada Benedita da Silva, do PT-RJ, e do PSol, que recorreram à justiça).

Fusões e incorporações
A melhor distribuição de recursos do fundo eleitoral para incluir as mulheres e os negros, que já cobram maior fiscalização para evitar o/as laranjas (candidatos inscritos regularmente, mas que não fazem campanha e repassam os recursos do fundo, ilegalmente, para os caciques partidários), deve contribuir para aumentar a participação feminina nos espaços de poder e combater o “racismo estrutural”. O benefício deveria ser estendido ou pleiteado pelos candidatos indígenas, que em muitos municípios são sub-representados e sofrem grande discriminação.

Nas eleições passadas, o tsunami eleitoral que levou Jair Bolsonaro à Presidência elegeu grande número de candidatos militares, policiais e evangélicos, que reproduziram na campanha eleitoral sua narrativa contra a esquerda e disseminaram ideias conservadoras e reacionárias que pautam o atuam governo, em relação à cultura, aos costumes, à educação, ao meio ambiente e à segurança pública. Entretanto, o que pesou mesmo na eleição foi a linha divisória traçada pela Operação Lava-Jato entre a ética na política e a corrupção, o patrimonialismo e o fisiologismo, que foram associados à esquerda de um modo geral.

Muito provavelmente, essa linha divisória da ética se manterá nas eleições municipais deste ano, acrescida do desempenho dos prefeitos durante a pandemia, mas será menos ideológica e mais “fulanizada”. As pesquisas estão mostrando que a oferta de emprego está mais presente nas aspirações dos eleitores do que, por exemplo, a segurança e a educação, que compõem com a saúde, tradicionalmente, a tríade de prioridades da maioria da população. É muito provável que os candidatos majoritários, na maioria dos municípios, procurem estabelecer vínculos políticos com governadores e o presidente Bolsonaro, principalmente nas cidades onde houver segundo turno.

A tendência de fragmentação partidária nas eleições municipais, em decorrência do grande número de candidatos majoritários e proporcionais, porém, é apenas aparente, temporária. Após as eleições, haverá um processo de fusões e incorporações entre os partidos cujos resultados eleitorais revelarem pouca representatividade para ultrapassar a cláusula de barreira em 2022. Segundo estimativas do ex- deputado Saulo Queiroz, uma velha raposa política, estudioso do assunto, com as regras atuais, o espectro partidário deverá se reduzir a sete ou oito partidos. Até mesmo o PSDB, o MDB, o PSD, o PP, o DEM e o PR que, somados, elegeram 3.417 prefeitos nas eleições passadas, se nada fizerem, correm risco de desaparecer.

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Luiz Carlos Azedo: Supremo cidadão

Fux criticou os grupos políticos que “não desejam arcar com as consequências de suas próprias decisões” e permitem a transferência de conflitos para o Poder Judiciário

O ministro Luiz Fux assumiu, ontem, a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) com um discurso emocionado, que traduziu sua trajetória de magistrado de carreira que chegou ao topo do Judiciário. Claramente, reposicionou a Corte: manterá distância regulamentar da política propriamente dita e não hesitará na defesa da ordem democrática e dos direitos dos cidadãos. Fux substituiu o ministro Dias Toffoli, cuja atuação à frente do STF foi marcada por intenso protagonismo político; vista em perspectiva, sob seu comando, a Corte atravessou um dos períodos mais turbulentos e tensos de sua história. Entretanto, Toffoli deixou ao seu sucessor um ambiente de mais respeito entre os Poderes, que andaram à beira de uma ruptura institucional, principalmente em razão dos ataques do presidente Jair Bolsonaro ao Supremo. A ministra Rosa Weber é a nova vice-presidente do STF. Coube ao novo decano da Corte, Márcio Aurélio Mello, fazer a saudação dos pares ao novo presidente do Supremo. Aproveitou para alfinetar o presidente Bolsonaro: “Vossa excelência foi eleito com 57 milhões de votos. Mas é presidente de todos os brasileiros”.

No discurso de posse, Fux chorou duas vezes. Não faltaram referências emotivas aos parentes, aos amigos artistas e aos mestres de jiu-jitsu, arte marcial da qual é faixa-preta. Arrancou aplausos dos pares, demais autoridades e convidados ao falar do pedido de seu pai, o advogado Mendel Fux, já falecido, para que não deixasse o Brasil em razão de uma excelente proposta de emprego no exterior e, assim, retribuísse a acolhida recebida pela sua família de refugiados do nazismo. Criado na Andaraí e ex-aluno do Colégio Pedro II, Fux é filho de judeus romenos. Foi enfático ao dizer que “a interpretação da Constituição deve refletir e justapor, sem paixões, os valores que formam a cultura política e a identidade do povo brasileiro. Judicatura requer a consciência de que a autoridade de nós, juízes, repousa na crença de cada cidadão brasileiro de que as decisões judiciais decorrem de um exercício imparcial e despolitizado de alteridade.”

Cinco eixos
Fux definiu os principais eixos de autuação do Supremo sob seu comando: proteção dos direitos humanos e do meio ambiente; garantia da segurança jurídica conducente à otimização do ambiente de negócios no Brasil; combate à corrupção, ao crime organizado e à lavagem de dinheiro, com a consequente recuperação de ativos; incentivo ao acesso à justiça digital; e fortalecimento da vocação constitucional do Supremo Tribunal Federal. Destacou, porém, duas questões: primeiro, o combate à corrupção; segundo, o distanciamento do chamado “ativismo político” ou neoconstitucionalismo.

“Como no mito da caverna de Platão, a sociedade brasileira não aceita mais o retrocesso à escuridão e, nessa perspectiva, não admitiremos qualquer recuo no enfrentamento da criminalidade organizada, da lavagem de dinheiro e da corrupção. Aqueles que apostam na desonestidade como meio de vida não encontrarão em mim qualquer condescendência, tolerância ou mesmo uma criativa exegese do Direito”, declarou o novo presidente do STF. A assunção de Fux fortalece o ministro relator da Lava-Jato, Edson Fachin; em contrapartida, a provável ida do ministro Dias Toffoli para a 2ª Turma do Supremo, na qual tramitam os processos da Lava-Jato, mantém uma maioria “garantista”, formada ainda pelos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. Fachin conta com o apoio da ministra Carmen Lúcia, mas não incondicional.

Por outro lado, Fux criticou os grupos políticos que “não desejam arcar com as consequências de suas próprias decisões” e permitem a “transferência voluntária e prematura de conflitos” para o Poder Judiciário. “A cláusula pétrea de que nenhuma lesão ou ameaça deva escapar à apreciação judicial, erigiu uma zona de conforto para os agentes políticos”, disse. “Essa prática tem exposto o Poder Judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal, a um protagonismo deletério, corroendo a credibilidade dos tribunais. Essa disfuncionalidade desconhece que o Supremo Tribunal Federal não detém o monopólio das respostas – nem é o legítimo oráculo – para todos os dilemas morais, políticos e econômicos de uma nação”, completou.

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