Kassio Nunes Marques

Fausto Macedo: Após liminar de Kassio, ‘fichas sujas’ vão ao TSE

Decisão do ministro Nunes Marques que esvaziou Lei da Ficha Limpa provoca corrida de condenados que tentam assumir mandatos em janeiro

Rafael Moraes Moura, O Estado de S. Paulo

A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Kassio Nunes Marques, esvaziando a Lei da Ficha Limpa, provocou uma corrida de candidatos a prefeito e vereador no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Depois que o magistrado concedeu uma liminar reduzindo o período de inelegibilidade de políticos condenados criminalmente, ao menos cinco candidatos já acionaram o TSE para conseguir ser diplomados e assumir o cargo, em janeiro de 2021.

Os pedidos aguardam uma decisão do presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, responsável pelo exame de processos considerados urgentes durante o recesso do tribunal. Até agora, quatro candidatos a prefeito – de Pinhalzinho (SP), Pesqueira (PE), Angélica (MS) e Bom Jesus de Goiás (GO) – e um a vereador, de Belo Horizonte (MG), recorreram ao TSE para garantir a diplomação.

O entendimento de Nunes Marques vale apenas para políticos que ainda estão com processo de registro de candidatura, neste ano, pendente de julgamento no TSE e no próprio Supremo. A indefinição pode levar presidentes de Câmaras Municipais a assumir o cargo no lugar de prefeitos eleitos pelo voto popular.

Condenado por delito contra o patrimônio público em segunda instância, há 11 anos, o prefeito eleito de Bom Jesus de Goiás, Adair Henriques (DEM), obteve 50,62% dos votos válidos nas urnas. Teve o registro da candidatura autorizado pelo Tribunal Regional Eleitoral goiano, mas perdeu no TSE, onde um recurso está pendente de análise.

“Se não houver diplomação do candidato eleito para o cargo de prefeito, o presidente da Câmara Municipal exercerá a chefia do Executivo, não obstante não tenha se candidatado nem tenha sido votado e eleito para o posto”, argumentou a advogada e ex-ministra do TSE Luciana Lóssio, defensora de Adair.

Após a decisão do Supremo, o líder comunitário Júlio Fessô (Rede), que disputou no mês passado uma vaga de vereador em Belo Horizonte, também acionou o TSE. O tribunal mineiro havia considerado inelegível o candidato, que foi condenado à prisão em 2006, por tráfico de drogas, e cumpriu pena até 2011. Agora, com base na decisão do Supremo, Fessô busca o aval da Justiça Eleitoral para ocupar a cadeira na Câmara Municipal.

Outro candidato que aguarda uma decisão do TSE é Cacique Marquinhos (Republicanos), vitorioso na disputa pela prefeitura de Pesqueira, no agreste pernambucano, com 51,60% dos votos válidos. Marquinhos, no entanto, foi enquadrado na Lei da Ficha Limpa por causa de uma condenação pelo crime de incêndio, em 2015. O registro da candidatura foi negado pelo TRE pernambucano, o que levou o caso ao tribunal superior. O TSE informou que não vai se manifestar sobre o assunto porque “o tema está pendente de decisão definitiva do STF”.

No sábado, Nunes Marques atendeu a um pedido do PDT e considerou inconstitucional um trecho da Lei da Ficha Limpa, que fazia com que pessoas condenadas por certos crimes – contra o meio ambiente e a administração pública, além da lavagem de dinheiro, por exemplo – ficassem inelegíveis por mais oito anos, após o cumprimento das penas. Logo depois, a Procuradoria-Geral da República entrou com recurso contra a decisão.

Em entrevista à TV Justiça na última quarta-feira (23), o presidente do STF, Luiz Fux, disse que cabe a Nunes Marques analisar o recurso da PGR contra a decisão. “O presidente do Supremo pode muito, mas não pode tudo”, disse Fux, ao fazer o aceno ao colega.

Para a PGR, a decisão levou à quebra da isonomia no mesmo processo eleitoral, já que o afastamento da Lei da Ficha Limpa vale apenas para os candidatos com registro ainda pendentes de análise no TSE e no STF.

“A decisão criou, no último dia do calendário forense, dois regimes jurídicos distintos numa mesma eleição, mantendo a aplicação do enunciado do Tribunal Superior Eleitoral aos candidatos cujos processos de registros de candidatura já se encerraram. Cria-se, com isso, um indesejado e injustificado discrímen, em prejuízo ao livre exercício do voto popular”, criticou o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques.


Folha de S. Paulo: Kassio se isola na defesa de pautas de Bolsonaro no STF e cumpre expectativa garantista

Em julgamentos importantes, indicado do presidente à corte fica sozinho ao se alinhar a interesses do Planalto

Matheus Teixeira, Folha de S. Paulo

O ministro Kassio Nunes Marques se alinhou aos interesses do presidente Jair Bolsonaro nos dois julgamentos mais importantes dos quais participou desde que chegou no STF (Supremo Tribunal Federal),

Em ambas as oportunidades, o ministro ficou isolado e não foi acompanhado por nenhum colega na defesa das teses que beneficiavam os planos do chefe do Executivo.

Em uma delas, Kassio desagradou a militância bolsonarista ao defender que o Estado pode declarar obrigatória a vacina contra a Covid-19, mas agradou o presidente ao sustentar que apenas a União poderia tomar decisão nesse sentido.1 8

Na outra, Kassio se posicionou pelo veto à reeleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ), adversário do governo, na presidência da Câmara, e para liberar Davi Alcolumbre (DEM-AP) a permanecer à frente do Senado.

No fim, quatro ministros votaram a favor da recondução de ambos e outros seis foram contrários.

Em outro julgamento com interesse direto do governo, Kassio se alinhou ao ministro Marco Aurélio, conhecido por ficar vencido em diversos processos, para se opor a uma ação que contestava ato de Bolsonaro.[ x ]

Nesse caso, os outros nove ministros foram no caminho oposto e formaram maioria para derrubar decreto do chefe do Executivo que instituía a Política Nacional de Educação Especial.

Os magistrado entenderam que a medida incentiva a criação de escolas e classes especializadas para pessoas com deficiência em vez de priorizar a inclusão dos alunos, como determina a Constituição.

Marco Aurélio e Kassio, porém, afirmaram que o meio processual escolhido para contestar norma do presidente é inadequado e votaram pela manutenção da norma.

Em menos de dois meses no cargo, o magistrado também correspondeu às expectativas em relação ao anunciado perfil mais garantista em matérias criminais, com uma visão de mais respaldo às alegações dos investigados.

Um exemplo foi dado na decisão liminar (provisória) concedida no último sábado (19) para restringir o alcance da Lei da Ficha Limpa. Advogados elogiaram o despacho, mas movimentos de defesa da legislação que limita direitos políticos de condenados criticaram o entendimento fixado pelo ministro.

O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, por exemplo, disse ter visto na medida "uma articulação de forças que pretende esvaziar a lei”.

Em outro movimento que vai na contramão do que Bolsonaro defendia durante as eleições de 2018, Kassio tem sido decisivo para derrotar a Lava Jato em julgamentos na Segunda Turma do STF.

O ministro costuma se unir aos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski para derrotar a operação.

No processo mais emblemático relacionado ao tema analisado por Kassio, o ministro foi voto decisivo para rejeitar recurso da PGR (Procuradoria-Geral da República) contra decisão que excluiu a delação do ex-ministro Antonio Palocci da ação penal que investiga o petista por suposta doação ilegal de terreno para construção do Instituto Lula.

O ministro ajudou a manter o entendimento de que o ex-juiz Sergio Moro agiu politicamente ao incluir a colaboração de Palocci aos autos do processo às vésperas das eleições de 2018.

O magistrado mostrou que seria contrário aos métodos da Lava Jato já na estreia em um julgamento presencial, na sessão da Segunda Turma de 10 de novembro.

Na ocasião, ele foi voto decisivo para retirar a investigação contra o promotor Flávio Bonazza das mãos do juiz Marcelo Bretas, responsável pela operação no Rio de Janeiro.

Kassio foi indicado por Bolsonaro com o aval do ministro Gilmar Mendes, principal crítico da operação no Supremo, e tem ajudado o ministro a enterrar a operação.

No processo de escolha para a vaga de Celso de Mello, o chefe do Executivo preferiu agradar Gilmar, que é relator da ação que discute o foro especial concedido a Flavio Bolsonaro pelo TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro), em vez de estreitar a relação com o presidente da corte, Luiz Fux, que sequer foi consultado sobre a indicação.

Além deste caso, Kassio interrompeu análise de processos no plenário virtual que poderiam atingir de alguma forma Bolsonaro. O ministro pediu que os casos sejam analisados pelo plenário físico, atualmente realizado por videoconferência, e, com isso, retardou decisões que poderiam impactar o presidente.

Isso ocorreu, por exemplo, nas duas ações em que se discute se o chefe do Executivo pode bloquear seguidores nas redes sociais.

Os relatores de cada um dos processos, os ministros Marco Aurélio e Cármen Lúcia, defenderam que o presidente desbloqueie os seguidores que entraram com as ações.

Com o pedido de destaque, o caso vai para as mãos do presidente do tribunal, Luiz Fux, decidir uma data para julgamento presencial.

Kassio fez o mesmo com uma ação penal que discute a gravidade do crime da “rachadinha”.

O processo diz respeito ao deputado Silas Câmara (Republicanos-AM), mas é similar à denúncia contra o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e pode servir de parâmetro para o julgamento do filho do presidente.

Em matérias econômicas, Kassio também seguiu a linha liberal defendida pelo Executivo ao votar pela constitucionalidade do trabalho intermitente previsto na reforma Trabalhista.

O relator, ministro Edson Fachin, defendeu a anulação da norma, mas o indicado de Bolsonaro divergiu.


Folha de S. Paulo: Em um mês no STF, Kassio ajuda Bolsonaro, vota a favor de Lula e se alinha à ala contra Lava Jato

Ministro atendeu as expectativas e tem ajudado Gilmar e Lewandowski no movimento para enterrar a operação

Matheus Teixeira, Folha de S. Paulo

No primeiro mês como ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Kassio Nunes Marques ajudou o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em julgamentos importantes e foi voto decisivo contra a Lava Jato na Segunda Turma da corte.

O magistrado já votou a favor até do ex-presidente Lula (PT) para derrotar a operação e tem feito jus à fama de garantista, ou seja, com uma visão de mais respaldo às alegações dos réus.

Nesse caso, ele se juntou aos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski para rejeitar recurso da PGR (Procuradoria-Geral da República) contra decisão que excluiu a delação do ex-ministro Antonio Palocci da ação penal que investiga o petista por suposta doação ilegal de terreno para construção do Instituto Lula.

Assim, ajudou a manter o entendimento de que o ex-juiz Sergio Moro agiu politicamente ao incluir a colaboração de Palocci aos autos do processo às vésperas das eleições de 2018.

No julgamento que discutiu a reeleição para as presidências da Câmara e do Senado dentro da mesma legislatura, Kassio ficou isolado ao adotar uma posição que correspondia exatamente à pretensão do Palácio do Planalto.

Ele foi o único a defender que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), poderia seguir no cargo, mas que o chefe da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), adversário do governo, não teria esse direito porque já tinha sido reconduzido no posto. No final, a tese que permitia a reeleição, vedada pela Constituição, foi derrotada por 6 a 5.

Além deste caso, Kassio interrompeu julgamentos no plenário virtual de interesse de Bolsonaro e pediu para que sejam analisados pelo plenário físico, atualmente realizado por videoconferência. Com isso, retardou decisões que poderiam impactar o presidente.

É o caso, por exemplo, de duas ações em que se discute se o chefe do Executivo pode bloquear seguidores nas redes sociais.

Os relatores de cada um dos processos, os ministros Marco Aurélio e Cármen Lúcia, votaram para obrigar o presidente a desbloquear os seguidores que entraram com as ações.

Com o pedido de destaque, o caso vai para as mãos do presidente do tribunal, Luiz Fux, decidir uma data para julgamento presencial.

Kassio fez o mesmo com uma ação penal que discute a gravidade do crime da “rachadinha”.

O processo diz respeito ao deputado Silas Câmara (Republicanos-AM), mas é similar à denúncia contra o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e pode servir de parâmetro para o julgamento do filho do presidente.

Na análise de matérias econômicas, Kassio seguiu a linha liberal defendida pelo Executivo ao votar pela constitucionalidade do trabalho intermitente previsto na Reforma Trabalhista.

O relator, ministro Edson Fachin, defendeu a anulação da norma, mas o indicado de Bolsonaro divergiu.

Em relação à Lava Jato, o ministro mostrou que seria contrário aos métodos dos investigadores já na estreia em um julgamento presencial, na sessão da Segunda Turma de 10 de novembro.

Na ocasião, ele foi voto decisivo para retirar a investigação contra o promotor Flávio Bonazza das mãos do juiz Marcelo Bretas, responsável pela operação no Rio de Janeiro.

Kassio foi indicado por Bolsonaro com o aval do ministro Gilmar Mendes, principal crítico da operação no Supremo.

No processo de escolha para a vaga de Celso de Mello, o chefe do Executivo preferiu agradar Gilmar, que é relator da ação que discute o foro especial concedido a Flavio Bolsonaro pelo TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro), em vez de estreitar a relação com o presidente da corte, Luiz Fux, que sequer foi consultado sobre a indicação.

Kassio herdou a cadeira de Celso na Segunda Turma, que julga recursos contra decisões de instâncias inferiores da Lava Jato, e tem sido decisivo no movimento de enterrar a operação.

Kassio exerce papel de fiel da balança no colegiado, uma vez que os ministros Gilmar e Ricardo Lewandowksi praticamente sempre votam contra os interesses dos investigadores, enquanto Edson Fachin e Cármen Lúcia costumam ir na corrente contrária.

Em outro movimento para enfraquecer a operação, o ministro ajudou a fixar uma tese que pode esvaziar a pretensão de Fux de enviar ao plenário todas as ações penais da Lava Jato.

Kassio acompanhou Gilmar ao decidir que não devem ser enviados ao plenário os recursos que ainda estejam em andamento na turma. Com isso, ajudou a derrotar a iniciativa de Fachin e manteve o caso do ex-deputado Washington Reis (MDB-RJ) no colegiado.

Kassio também frustrou as expectativas de Fux no julgamento do início deste mês que discute se o crime de injúria racial pode ser equiparado ao do racismo e, portanto, se tornar imprescritível também.

Após ganhar grande repercussão o assassinato de João Alberto Freitas no Carrefour em Porto Alegre em um suposto ato de racismo de dois brancos no supermercado, o presidente da corte pautou o caso para julgamento como forma de o Supremo dar uma resposta à sociedade sobre o episódio.

Fachin, relator do tema, votou pela equiparação dos delitos, mas Kassio divergiu e afirmou que não cabe ao Judiciário decidir se um crime prescreve, mas ao Congresso, responsável por editar as leis.

Ele citou inúmeros graves delitos que têm prazo de prescrição e defendeu a separação entre os Poderes. O julgamento foi interrompido por pedido de vista de Alexandre de Moraes.

Outra característica de Kassio é a brevidade de seus votos. O ministro antecipou seu estilo logo na estreia na Segunda Turma.

"Vossas Excelências vão ter a oportunidade de perceber que eu falo muito pouco. Não sou muito fã da minha própria voz. E sou fã do poder de síntese", disse ele, após as saudações de boas-vindas dos colegas.

Kassio tomou posse em 5 de novembro. A solenidade ocorreu pouco mais de um mês após a posse de Fux na presidência, que ficou marcada pela contaminação pelo novo coronavírus poucos dias depois de ao menos oito autoridades que estiveram presentes.

No caso de Kassio, foi anunciado que a solenidade seria virtual para evitar o contágio da Covid-19.

A cerimônia, porém, contou com a presença física das principais autoridades do país, como Maia, Alcolumbre, o procurador-geral da República, Augusto Aras, o chefe da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz, e os ministros Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin.

Cinco dias depois, Moraes foi diagnosticado com a doença.

Como é praxe, o empossado não discursou na cerimônia. Apenas Fux usou a palavra, e fez elogios ao currículo de Kassio, um de seus pontos fracos durante o processo de escolha para o cargo, devido a inconsistências nos trabalhos acadêmicos apresentados.


Juan Arias: Novo ministro do Supremo de Bolsonaro surpreende com defesa do Estado laico

Magistrados como Kassio Nunes Marques devem ser terrivelmente fiéis à Constituição, sem maracutaias políticas que acabam manchando a lei

O presidente Jair Bolsonaro havia anunciado que a primeira nomeação de um novo magistrado do Supremo Tribunal Federal seria alguém “terrivelmente evangélico”, o que criou preocupação visto que o Brasil, pela Constituição, é um Estado laico. O novo ministro do STF, Kassio Nunes Marques, porém, surpreendeu, na última quarta-feira, ao defender enfaticamente a laicidade do Estado, que deve respeitar todas as confissões religiosas igualmente sem se identificar com nenhuma.

Segundo Nunes Marques, “a laicidade do Estado não significa Estado ateu, mas Estado de todas as religiões e de religião alguma”. E acrescentou que “o fato é que o Estado não deve professar religião alguma e que se manter neutro não significa manter uma postura hostil ou impeditiva da religiosidade”.

A postura impecável do novo magistrado na defesa da laicidade do Estado contrasta com a ideia quase obsessiva de Bolsonaro desde que era um simples deputado, quando defendia que o Estado brasileiro não é laico, mas cristão. “Deus acima de tudo. Não tem essa historinha de Estado laico, não”, gritou durante a campanha eleitoral, acrescentando: “o Estado é cristão e a minoria que for contra, que se mude. As minorias têm que se curvar para as maiorias”.

Não é descabido pensar que o sonho de Bolsonaro e dos pastores evangélicos, que já têm três partidos próprios no Parlamento e estão presentes em outros 16, é mudar a Constituição para eliminar sua laicidade e trocá-la pela Bíblia, para criar uma espécie de República islâmica.

E o sonho dos evangélicos, que passam de 30% da população, sempre foi ter um presidente deles. Até agora só conseguiram que um deputado, o pastor Marco Feliciano, presidisse a importante Comissão Parlamentar de Direitos Humanos. O pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, já havia profetizado que “era a vontade de Deus que um evangélico chegasse à presidência”.

Com Bolsonaro o conseguiram só pela metade, pois na verdade sempre foi católico e se fez rebatizar na Igreja Evangélica por cálculos eleitorais, já que essas igrejas poderosas movimentam milhões de votos sob o lema “o irmão vota no irmão”.

Todos os presidentes até agora nas campanhas eleitorais tiveram que se render aos evangélicos e se ajoelhar para pedir sua bênção, inclusive a candidata agnóstica Dilma Rousseff, escolhida por Lula para substituí-lo. Dilma foi obrigada, para não perder o voto dos evangélicos, a enviar-lhes uma carta se comprometendo a não tocar na lei contra o aborto durante seu mandato. Dilma foi eleita e cumpriu sua promessa.

O deputado Feliciano, que foi coroinha aos 13 anos na Igreja Católica e se converteu ao evangelismo quando conseguiu sair do mundo das drogas, hoje é um evangélico que chega a dizer que “os católicos adoram Satanás e têm seus corpos entregues à prostituição”.

No Brasil, o reino de Deus é cada vez mais deste mundo. As igrejas evangélicas e pentecostais atuam cada vez mais como um tea party à brasileira.

O pastor Feliciano, que dirige uma das igrejas mais importantes, chegou a dizer que os africanos carregam uma maldição divina desde os tempos de Noé, que faz com que vivam na miséria.

Ainda é cedo para saber se o novo ministro do Supremo, Nunes Marques, se manterá firme na defesa da Constituição e do Estado laico. E ainda é difícil saber o que Bolsonaro pensou da defesa da laicidade do Estado feita por seu magistrado. Como é cedo para saber se, em se tratando de assuntos que dizem respeito ao delicado tema das denúncias de corrupção da família Bolsonaro, o novo magistrado continuará sendo coerente com seu juramento de defender a Constituição em vez de ser um lacaio do presidente que o escolheu a dedo.

Para não cair no pessimismo, prefiro pensar que o presidente tenha ficado decepcionado com seu novo ministro e que este preferirá não sujar sua carreira de alto jurado da mais alta corte e, como acaba de fazer, seja fiel à Constituição.

Prefiro pensar que essa defesa aberta da laicidade do Estado estabelecida na Constituição continue alinhada com a independência que todo magistrado do Supremo deve ter, o que nem sempre tem sido o caso, pois levou não poucas vezes a relações espúrias entre alguns magistrados e o mundo político, ao que tantas vezes se dobraram, traindo a importante separação entre as instituições que devem ser independentes, como exige a Constituição.

Mais do que “terrivelmente evangélicos”, os magistrados do Supremo devem ser terrivelmente fiéis à Constituição, sem maracutaias políticas que acabam manchando a Carta Magna dos brasileiros.


‘Kassio Nunes não é um dos mais notáveis juristas brasileiros’, diz Murilo Gaspardo

Em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de novembro, doutor em direito pela USP mostra proximidade do novo ministro do STF com o Centrão

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Diretor da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Unesp (Universidade Estadual Paulista) Câmpus de Franca (SP), Murilo Gaspardo diz que é “controversa” o nome indicado para a escolha do substituto do ministro Celso de Mello, que se aposentou, ao STF (Supremo Tribunal Federal). “Embora Kassio Nunes preencha os requisitos constitucionais para a indicação e tenha trajetória respeitável, certamente não é um dos mais notáveis juristas brasileiros”, criticou, em artigo que produziu para a revista Política Democrática Online de novembro.

Clique aqui e acesse a revista Política Democrática Online de novembro!

Todos os conteúdos da publicação, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), podem ser acessados, gratuitamente, no site da entidade. Livre-docente em Teoria do Estado pela Unesp e doutor em Direito do Estado pela USP (Universidade de São Paulo), Gaspardo a posição política que orienta a interpretação constitucional do indicado, conservadora, não é um problema intrínseco, mas, conforme analisa, o caminho de sua escolha.

Isto porque, de acordo com o autor do artigo, a escolha de Nunes passa pela sua proximidade com o Centrão, e as especulações de que seja parte da estratégia para blindar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e seus familiares das investigações e dos processos criminais em curso não condizem com os princípios republicanos. ‘Soma-se a isso o fato de o Senado não ter exercido a contento seu papel constitucional no processo de aprovação da nomeação”, afirmou Gaspardo.

Na análise publicada na revista Política Democrática Online de novembro, o analista ressaltou que a questão não é a decisão favorável, mas, de acordo com ele, a não realização de uma arguição pública digna desse nome, que exigisse minimamente a demonstração pelo indicado de seu notável saber jurídico e de sua orientação na interpretação constitucional.

Segundo Gaspardo, é necessário aguardar o início do exercício de suas funções pelo novo ministro para saber se o fará de forma autônoma, bem como se a afirmação do presidente de acordo com a qual ele está “100% alinhado” é restrita à posição conservadora, ou também compreende um alinhamento pessoal, portanto, não republicano.

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Bernardo Mello Franco: O ministro tubaína e os descontentes

Não convém esperar muito de Kassio Nunes Marques, escolhido para substituir o decano Celso de Mello no Supremo Tribunal Federal. O desembargador foi apadrinhado por Flávio Bolsonaro e pelos próceres do centrão. Antes de passar pela sabatina no Senado, submeteu-se a um beija-mão na casa do ministro Gilmar Mendes.

O presidente Jair Bolsonaro fez questão de deixar claro: Marques deve a indicação à amizade, não ao saber jurídico. “Ele já tomou muita tubaína comigo, tá certo?”, disse, na quinta-feira. A frase não lustra a biografia do futuro ministro. Apenas sugere que o capitão conta com sua obediência no Supremo.

Até aqui, o maior trunfo do desembargador são os descontentes. Sua escolha irritou os seguidores mais radicais de Bolsonaro. Gente que despreza a democracia e esperava ver outro fanático no tribunal.

Silas Malafaia, o pastor boquirroto, considerou a indicação um “absurdo vergonhoso”. “É uma decepção geral”, resumiu. Sara Inverno, a extremista de tornozeleira, sentiu-se abandonada pelo Mito. “Não reconheço Bolsonaro. Não sei mais quem ele é”, dramatizou.

Olavo de Carvalho, o astrólogo da Virgínia, incitou sua tropa contra “o tal Kassio”. “Não tenho culpa de ser brasileiro, mas da vergonha não estou conseguindo escapar”, tuitou. Outros aliados usaram as redes do presidente para protestar.

As respostas mostraram que Bolsonaro deseja ter um pau-mandado no Supremo. Ele chegou a antecipar o voto de Marques sobre o direito das mulheres a interromper a gravidez. “Kassio é contra o aborto (votará contra a ADPF 442 caso seja pautada)”, escreveu. “Está 100% alinhado comigo”, acrescentou.

Os bolsonaristas de raiz não são os únicos insatisfeitos com o ministro tubaína. Sua indicação também decepcionou personagens que rastejavam pela vaga no Supremo. É o caso do procurador Augusto Aras, que se comporta como advogado do governo, e do ministro João Otávio de Noronha, que soltou Fabrício Queiroz. Agora os dois terão que engolir a frustração em silêncio.


Janio de Freitas: Kassio Nunes é portador de um silêncio valioso

Indicado ao STF, Kassio Nunes Marques é portador de um silêncio valioso

O melhor a dizer sobre a indicação de novo integrante do Supremo é se tratar de dupla incógnita. O desempenho no tribunal depende da combinação de fatores como saber jurídico e orientação doutrinária, experiência de vida, concepção de ordem social, e outros, todos permeados pela qualidade do caráter. E nada disso se fez conhecido, de fato, na personalidade de Kassio Nunes, o que ficou demonstrado na vaguidão dos metros de noticiário sobre o personagem inesperado.

No caso, a incógnita é menos ruim do que era conhecido e previsto. A especulação que ruiu, ao fim de meses, dividia a preferência de Bolsonaro entre André Mendonça e Jorge Oliveira. O primeiro atenderia à escolha de alguém “terrivelmente evangélico”, qualificação que sintetiza todo um conjunto de ideias planas e pedregosas anti-ideias. Ministro da Justiça, apressou-se em reavivar a ditatorial Lei de Segurança contra o articulista Hélio Schwartsman e o cartunista Aroeira. Seria, pois, um magistrado terrivelmente previsível —embora não o único.

Discreto secretário-geral da Presidência, Jorge Oliveira chegaria ao tribunal com a cicatriz indelével de membro do grupo palaciano. De um daqueles que endossam, com seu passado e seu futuro, os desmandos de Bolsonaro e suas consequências funestas. Não é incomum que ministros do Supremo aparentem despir-se de sua origem política, e alguns o façam mesmo. Metamorfose, convenhamos, que não é para qualquer um. E não era pressentida em Jorge Oliveira, ao menos de modo absoluto.

A outra incógnita na indicação de Kassio Nunes Marques é o motivo real de Bolsonaro para adotá-lo. Porque foi indicado pelo presidente do PP, para amarrar mais o centrão, como gesto de afastamento do grupo ideológico, essas e outras especulações apenas preencheram o vazio informativo.

Certo é que Bolsonaro e seu grupo têm objetivos definidos que conflitam com vários preceitos da Constituição e com inúmeras leis. Assuntos, quando não possam ser impostos como a devastação ambiental, para interferência do Supremo. E Bolsonaro tem ainda os problemas judiciais que ameaçam filhos, o próprio Bolsonaro e até a mulher, todos sob risco de chegar ao Supremo.

Com tais expectativas, conhecer um desembargador na tarde de uma quarta-feira, reencontrá-lo à noite em jantar de políticos na casa da senadora Katia Abreu e, ali mesmo, anunciá-lo como sua indicação, convenhamos, compõem um percurso inconvincente.

Mais ainda, para fazer o que seria esperável de André Mendonça, Jorge Oliveira ou João Otávio Noronha, Bolsonaro não precisaria de um neófito nas suas relações. Kassio Nunes Marques é portador de um silêncio valioso.

A SERVIÇO

Ainda antes de se refazer da acusação de tentar distorcer investigações da Lava Jato, a procuradora Lindôra Araújo confirma sua disposição. Pediu ao Supremo que rejeite a denúncia contra o deputado Arthur Lira por corrupção.

A originalidade está em que a acusação foi feita pela própria Lindôra Araújo, assegurando então que “a investigação comprovou o repasse de propina ao parlamentar”. Agora a procuradora acusa a mesma denúncia de “fragilidade probatória”. No intervalo, Lira tornou-se bolsonarista de liderança no centrão.

Se não punida por denúncia com falsa comprovação, Lindôra Araújo teria de sê-lo por retirar denúncia com comprovação verdadeira. Mas talvez nem valha o trabalho. Punição no Ministério Público Federal é ficção.

MAIS FOGUEIRAS

Discriminado por muito tempo como escritor, Paulo Coelho acabou calando os detratores, movidos a arrogância ou inveja, ou ambas. Volta a ser atacado. Livros seus são queimados por bolsonaristas nas redes, servindo à informação de que já chegamos também a esse estágio da boçalidade celebrado no nazismo. Parabéns a Paulo Coelho.

DEMOLIÇÃO

Os negócios sombrios do esquartejamento da Petrobras em mais um capítulo: agora autorizada por pequena maioria de dois votos no Supremo, a Petrobras vai vender sem licitação oito refinarias por R$ 8 bilhões. Valor que a operação dessas empresas lhe daria e seguiria rendendo. O que está óbvio na existência de pretendentes à compra.

Em paralelo à venda “para fazer caixa”, a Petrobras está na iminência de adquirir a parte da francesa Total em cinco áreas na foz do Amazonas. A Total sai porque já houve quatro recusas de licença ambiental para a exploração da área.

SEMPRE

Projeto muito interessante, mandado por Bolsonaro ao Congresso na quinta-feira (1º): tirar mais R$ 1,5 bilhão da Educação para obras.