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Merval Pereira: Projeto de poder desmontado

A prisão do agora prefeito afastado do Rio Marcelo Crivella tem efeitos políticos imediatos, e outros a médio e longo prazos. O Republicanos é o quarto nome de um mesmo partido ligado ao projeto de poder do Bispo Macedo da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD).

Nasceu como uma facção da bancada evangélica dentro do Partido Liberal (PL), mas o mensalão apanhou em cheio seus líderes envolvidos em corrupção, inclusive o bispo Carlos Rodrigues, braço direito de Macedo, que foi parar na cadeia. Para fugir desse estigma, o bispo Macedo fundou o Partido Municipalista Renovador (PMR), que foi apelidado na época pelo então prefeito do Rio Cesar Maia, de “Gospel do Crioulo Doido”: além do vice-presidente de Lula, o mineiro José Alencar, dos políticos evangélicos da seita do Bispo Macedo, como o então senador, bispo licenciado Marcelo Crivella, teve a adesão inicial intelectual Mangabeira Unger, do ex-ministro Raphael de Almeida Magalhães, entre outros.

Em 2006, o partido mudou o nome para Partido Republicano Brasileiro (PRB), e em 2019 passou a se chamar Republicanos, sempre tendo como líder e atual presidente o bispo Marcos Pereira, entre idas e vindas para ser ministro do governo Michel Temer.

A escolha do partido do Bispo Edir Macedo pelo clã Bolsonaro pode ter se esvaído diante do escândalo envolvendo Crivella, que acolheu os filhos do presidente 01, Flavio, e 02, Carlos, e a mãe deles, que não conseguiu se eleger este ano.

Pode haver também repercussão indireta na disputa da presidência da Câmara, na qual o Republicanos declarou voto a favor de Arthur Lira. Se bem que envolvimento com corrupção não seja empecilho para boa parte dos deputados.

Um dado interessante da prisão do prefeito Marcelo Crivella do ponto de vista político é que fica claro que a Igreja Universal faz parte do esquema de lavagem de dinheiro e de corrupção agora denunciado. A IURD já foi envolvida em diversos casos de lavagem de dinheiro ao longo do tempo.

Crivella era o projeto político da Universal e acabou preso. A ligação entre política e igreja não dá coisa boa. O então prefeito Crivella inaugurou na Rocinha um centro com equipamentos ultra modernos de tomografia, no terreno da Igreja Universal. Evidente que com o dinheiro do Estado, para favorecer os moradores da Rocinha em nome da Universal, e não do Estado.

Essa turma toda é muito ligada a Bolsonaro, que pediu votos para Crivella na disputa pela reeleição na Prefeitura do Rio, e a cada dia se desgasta mais com derrotas eleitorais, como a mais recente, a derrota do irmão do senador Davi Alcolumbre em Macapá.

Perde a força política, e a força moral que fingia ter. A força moral dele era proclamar nunca ter sido apanhado em corrupção, um político que combatia a corrupção, mas há dois anos estamos vendo o desmonte das ações de combate à corrupção, e diversos processos contra os filhos, e contra ele próprio, como o da interferência na Polícia Federal. Bolsonaro também empregava milicianos no gabinete, e os condecorou, numa ação coordenada com os filhos, que tinha como ponto de contato Fabricio Queiroz, também ligado a milicianos como Adriano Nóbrega. Está ficando claro que todo o esquema de rachadinha do gabinete do senador Flavio Bolsonaro é familiar, e dessa rachadinha a família progrediu financeiramente.

Detalhes
 Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que anunciaram que continuarão trabalhando no recesso - Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello - estão recebendo normalmente em seus gabinetes os processos, assim como os demais ministros, pois, no recesso, sempre os processos são distribuídos.

Alguns ministros preferem recebê-los só no início do Ano Judiciário, mas a distribuição continua. O Presidente não pode despachar em processos de outros ministros, que continuam com jurisdição.  

Em julho, na presidência de Dias Toffoli, o ministro Alexandre de Moraes manteve jurisdição, assim como Marco Aurélio, pois queriam continuar as investigações dos inquéritos. O plantão do presidente é para medidas de urgência. Se alguém recorrer da decisão de um ministro dada no período normal, volta o recurso para ele. Em regra, o presidente trabalha no recesso com Habeas-Corpus (HCs), Suspensões de Segurança, que são de sua competência exclusiva. Se um ministro no recesso decide medida urgente, pode ser questionada a sua validade por falta de jurisdição para tanto no recesso que se iniciou dia 20 de Dezembro.

Feliz Natal a todos. Volto a escrever na terça dia 29.


Demétrio Magnoli: Bispos, dinheiro e ‘africanidade’

Igreja Universal passou a ser vista, em Angola, como potencial ameaça

Há uma guerra em curso, em Angola, entre o poder terreno e o poder espiritual. Dias atrás, o governo angolano ordenou o fechamento de diversos templos da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), sob as acusações de evasão fiscal e lavagem de dinheiro. Atrás do véu das aparências, ocultam-se tensões políticas profundas, que envolvem o Brasil, além dos múltiplos usos do discurso da “africanidade”.

A Universal construiu um império com cerca de 300 templos, 500 mil fiéis e receitas anuais de US$ 80 milhões no país lusófono africano. No passado recente, a influência dos bispos de Edir Macedo não assustava o regime autoritário de José Eduardo dos Santos. A Iurd era aliada dos governos petistas — que, por sua vez, operavam como parceiros econômicos e diplomáticos do homem forte angolano, especialmente pela concessão de financiamentos do BNDES a obras da Odebrecht.

Mas tudo mudou, nos dois lados do Atlântico. Do lado de lá, João Lourenço tomou o lugar de José Eduardo dos Santos, deflagrando expurgos no MPLA, o partido dirigente, eliminando os dirigentes ligados ao antecessor. Do lado de cá, Bolsonaro substituiu o PT, rompendo a parceria com Angola. A única coisa que não mudou foi o “governismo de resultados” de Edir Macedo, que estabeleceu aliança com o presidente brasileiro de extrema-direita. Daí, a Iurd passou a ser vista, em Angola, como potencial ameaça ao sistema de poder de João Lourenço.

Regimes autoritários incomodam-se, sempre, com a presença de focos alternativos de influência. A ofensiva contra a Iurd inscreve-se nessa moldura genérica. Contudo as formas singulares que assume oferecem uma pequena aula sobre a narrativa da genuína “africanidade”.

Ano passado, sob a liderança do bispo Valente Bezerra Luiz, um vasto grupo de pastores angolanos cindiu com o comando brasileiro da Iurd, representado na África pelo bispo Honorilton Gonçalves. Os dissidentes formaram um centro dirigente local, a “comissão reformada”, e lançaram dois tipos de acusações contra a direção “universal”. De um lado, emergiu o tema do dinheiro: transferência ilegal de recursos angolanos ao Brasil. De outro, surgiu o da “africanidade”: o predomínio “racista” dos pastores brasileiros sobre os de Angola.

A igreja “universal” viu-se diante da questão nacional, uma encruzilhada que, ao longo da história, atormentou os partidos e movimentos internacionais. A guerra esquentou no fim de junho, durante a quarentena da Covid, quando os seguidores da “comissão reformada” invadiram templos vazios em quatro províncias, hasteando bandeiras angolanas nos púlpitos. Então, o grupo dissidente atacou residências de bispos brasileiros, enquanto os dirigentes oficiais organizaram uma milícia para recuperar os templos.

A cisão religiosa acompanha, como uma sombra, tanto a campanha de João Lourenço contra a facção de seu antecessor quanto o distanciamento geopolítico de Angola em relação ao Brasil. Valente e os seus ofereceram ao governo angolano os pretextos legais para deflagrar a ofensiva contra a Iurd. Repentinamente, as práticas financeiras habituais dos bispos “universais” chamaram a atenção de um regime que, antes, fingia nada saber.

O discurso da “africanidade” desempenha, mais uma vez, seu papel legitimador. Desde as independências africanas, regimes autoritários o utilizam para calar opositores, rotulados como “antiafricanos”, “imperialistas” ou “neocolonalistas”. Em nome da “africanidade”, a Aids foi ignorada por duas décadas na África do Sul e, sempre em nome dela, diversos países africanos aplicam leis de origem colonial para reprimir os LGBTs. Agora, em Angola, o argumento identitário funciona como ferramenta para uma reforma religiosa: a estatização disfarçada do neopentecostalismo.

“Todos nós fazíamos parte do sistema”, admitiu João Lourenço, referindo-se à ditadura cleptocrática de José Eduardo dos Santos, na qual ocupou o Ministério da Defesa. A Iurd fazia parte do “sistema”, que a considerava suficientemente “africana” para participar da repartição do butim. Hoje, o “sistema” mudou — e a Iurd tornou-se “estrangeira”.