instabilidade política

Joel Pinheiro da Fonseca: É o fim da década, mas a instabilidade está só começando

 Jamais voltaremos ao mundo pré-redes, e resta aos bons aprender a navegá-las

A década iniciada em 2011 e que se encerra neste fim de ano começou em clima de otimismo com a participação popular na política. Jovens árabes foram em peso para as ruas —na Tunísia, no Egito, na Síria, na Líbia e por diversos outros países árabes. Em grande medida, a mobilização e o chamado se dava pelas redes sociais. Se as redes sociais ajudaram a eleger Obama em 2008 e agora derrubavam autocratas pelo Oriente Médio, como não celebrar essa tecnologia tão obviamente do bem?

Não tardou para que o Brasil também visse sua explosão popular nas ruas, exigindo o fim da corrupção e um governo responsivo às demandas populares. Mais do que qualquer partido, eram as cores da bandeira que animavam a massa em 2013.

Poucos anos depois e o otimismo está abalado: no mundo árabe, a “voz do povo” não raro se traduziu em islamismo político e fundamentalismo, quando não em sangrentas guerras civis. No Brasil, por um tortuoso caminho —que passou pelo protesto dos caminhoneiros em 2018—, o desejo de ruptura com a velha política acabou levando a Jair Bolsonaro. Movimentos assombrosos na França, igrejas queimadas no Chile, Trump e brexit. O movimento popular de insurgência contra tudo que aí está —as instituições que regem a vida moderna, seja na ciência, na mídia, na política, nas relações internacionais — continua a rondar o mundo; só não temos mais nenhuma ilusão de que ele seja sempre bom.

As redes sociais, que se consolidaram nesta década, tiveram um papel relevante nesse processo. Pela primeira vez, a informação é verdadeiramente livre. Isto é, livre de qualquer filtro institucional que busque garantir qualidade ou razoabilidade no que é dito. Todos somos consumidores e geradores de informações e opiniões.

Nas câmaras de eco que a sociabilidade das redes produz —ao contrário do almoço de domingo com a família, nas redes eu interajo apenas com quem pensa como eu—, o sectarismo foi gestado e levado a pessoas que, em outros tempos, jamais sentiriam a tentação de aderir a teorias da conspiração e extremismo político. Mas com os olhos o dia inteiro grudados na tela do smartphone, recebendo supostas notícias, alimentando-se de notícias e vídeos de procedência desconhecida, formas de pensar que antes seriam restritas a uma franja antissocial viraram hábito cotidiano.

O coronavírus foi a oportunidade ideal para que o mundo resgatasse a importância da cooperação e da integração para melhor resolver problemas coletivos. Até agora, só promoveu mais discórdia. Apesar de termos cada vez mais provas da eficácia e segurança de diferentes vacinas, cresceu o número de pessoas que dizem que não pretendem tomar. A desinformação cresce livre e desimpedida (pelo menos na hora de responder pesquisa; se de fato ficarão longe da agulha é outra história…), promovida por grupos políticos mal-intencionados que aprenderam antes a surfar essa onda. Nesta década, eles foram os vencedores.

Justo nos meses finais, contudo, vem uma lufada de esperança: a vitória de Joe Biden nos EUA. Que o líder que encarne a esperança tenha idade já avançada, aspecto para lá de frágil e não inspire entusiasmo nem em seus próprios eleitores nos indica, contudo, que a nova era está apenas começando. Salvo uma hecatombe, jamais voltaremos ao mundo pré-redes. Resta aos bons aprender a navegá-las e vencer nelas também. Desafios para a década que vem.