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Alon Feuerwerker: Curva de aprendizagem na Câmara. E como funcionam as coisas por aqui

E o novo comando da Câmara dos Deputados vai percorrendo sua curva de aprendizagem. Ela tem um formato de leves semelhanças com os trechos inicial e intermediário da curva epidemiológica, agora popularizada pela Covid-19. De início, a proficiência acelera-se, depois desacelera e em seguida caminha para a estabilização. No caso específico da política brasileira, a estabilidade pode resultar em situações de equilíbrio estagnado ou de produção consensual. Vamos esperar para ver que bicho dá.

Na eleição para a mesa da Câmara, os vitoriosos perceberam que têm votos ali para impor derrotas eleitorais internas às correntes hegemônicas da opinião pública – ou publicada (copiei do Roberto Campos). Já nas votações do caso Daniel Silveira, até o momento, pôde-se notar um Legislativo independente apenas até o limite em que ouse um avanço decisivo contra a influência do eixo hegemônico construído ao longo dos últimos quase oito anos. Desde as “jornadas de junho” de 2013, e consolidado com a Operação Lava-Jato e a captura da política pelo Judiciário.

Os deputados até tentaram uma manobra inteligente, na teoria. Aprovaram por larga margem a prisão de Silveira (PSL-RJ). Com a condição de, em seguida, avançar a regulamentação da imunidade parlamentar. Vamos ver como caminha na comissão especial, foi a válvula de escape encontrada quando faltaram votos em plenário (mesmo no virtual) para aprovar qualquer coisa com significado prático. Mas, na semana que termina, os deputados e deputadas não resistiram a 72 horas do noticiário negativo que introduziu um “p” em “imunidade”.

Ou seja, neste início de 2021, a política mostra ter energia suficiente para definir suas relações internas e criar alguns constrangimentos para os ainda musculosos adversários. Mas não anda tão forte assim para poder traçar seus próprios caminhos, também porque sempre surge algum tipo de divisão interna. Como agora, quando o PT, na vigília à espera do juízo da Segunda Turma sobre as condenações impostas a Luiz Inácio Lula da Silva, revela-se um repentino defensor do Supremo Tribunal Federal na arenga em torno da imunidade parlamentar.

Desse relativo equilíbrio na correlação de forças nasce um certo empate. Que se expressa, por exemplo, na dura resistência dos senadores a desvincular recursos orçamentários como compensação a estender o auxílio emergencial.

Tem lógica. Por que o parlamento vai ficar contra o senso comum popular se na hora "h" os operadores da opinião pública acabam apoiando toda e qualquer violência contra o Legislativo? Não seria esperto.

Donde se conclui que as prometidas reformas administrativa e tributária, para não empacar, vão precisar atender a requisitos capazes de produzir consensos legislativos, que necessariamente implicarão lipoaspirações. Até onde as propostas originais vão se enfraquecer? É a pergunta no ar.

A discussão da reforma administrativa talvez seja menos complicada, porque os efeitos práticos dela só serão sentidos muito lá na frente. E sua votação oferecerá a tradicional photo-op para deputados e senadores aparecerem nas imagens celebratórias. Já a tributária é um enrosco maior, pela vigência quase imediata. Então, ou parte-se para uma versão simplificada, e simplificadora, ou também se jogam os efeitos dela para um futuro distante. A primeira opção é a mais viável. Mas, como sempre, será prudente aguardar.

E tem aquele outro detalhe. Estamos em plena segunda onda feroz da Covid-19, que leva jeito de querer consumir boa parte do que resta do semestre. Quando se abrir a segunda metade do ano, acelerar-se-á o processo eleitoral para 2022, inclusive porque eventuais mudanças nas regras precisarão ser aprovadas até outubro. E os candidatos a candidato já estão aquecendo na pista. Roncando os motores e queimando a borracha no asfalto.

É como funcionam as coisas por aqui.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


George Gurgel de Oliveira: Brasil - Os Desafios da Sustentabilidade. Qual PETROBRAS?

A PETROBRAS volta à cena política nacional. Na verdade, sempre esteve. É uma das joias da Coroa, devemos cuidá-la e preservá-la, mesmo se for transformada em uma Empresa de Energia, como sugerido no presente texto. Ela faz parte da nossa identidade nacional, desde a fundação em 1953, quando colocou o Brasil no seleto grupo de países com indústria de petróleo. Desde então, ela foi sempre discutida, defendida e atacada no Brasil e no exterior. Portanto deve ser avaliada permanentemente por toda a Sociedade, além do Estado e do Mercado, considerando as transformações que estão acontecendo na área de energia, particularmente na indústria de petróleo mundial.

As minhas primeiras lembranças sobre a PETROBRAS são familiares: meu pai e seus companheiros do PCB na Bahia, como milhares da geração dele, participaram da campanha o Petróleo é Nosso – o povo nas ruas venceu, com apoio de Getulio e dos militares - não foi pouca coisa.

Ainda, e por isso tudo, a minha escolha profissional quando fui estudar na URSS foi na área de petróleo e gás, de novo a PETROBRAS em minha vida: lembro do entusiasmo que escrevi à sua direção, quando estava iniciando a minha dissertação de mestrado, no início de 1980, em Moscou: queria fazer meu trabalho em uma área que houvesse algum interesse da própria PETROBRAS – a minha frustração foi enorme, nunca obtive resposta do meu bem intencionado gesto.

A vida seguiu e o meu interesse pela Indústria de Petróleo, pela Energia nas suas diversas formas, e a questão ambiental persistem até hoje.

Como avaliar a PETROBRAS? A partir da sua própria história, realidade atual e o que ela e a sociedade brasileira almejam hoje e no futuro próximo – analisando a situação da própria PETROBRAS, da Indústria Mundial de Petróleo e de outras formas de energia: qual a matriz energética que temos e a que queremos ter nos próximos anos, no horizonte de 5, 10, 15, 20 anos?

São questões relevantes a serem enfrentadas para uma melhor compreensão do papel atual e do futuro da maior empresa brasileira e dos sistemas energéticos brasileiros.
A questão energética, particularmente a que envolve a Indústria de Petróleo, caso explícito da PETROBRAS, reflete interesses variados de caráter público e privado, tanto nos países capitalistas industrializados, grupo seleto no qual está concentrado o consumo energético mundial, quanto nos países não industrializados, nos quais vive a maioria absoluta da humanidade, com baixos níveis de consumo de energia.

A maneira como o petróleo e o gás são apropriados da natureza, produzidos, distribuídos e consumidos ainda determina os níveis de bem-estar de uma determinada sociedade e suas inter-relações com a própria natureza. Assim, a escolha nos tempos atuais de um modelo empresarial na área de petróleo e gás é reflexo das distintas realidades nacionais, a partir das potencialidades energéticas de cada sociedade.

No Brasil, a discussão em relação à PETROBRAS deve ser feita com e além da própria empresa, avaliando as demandas existentes da Sociedade em relação à indústria de petróleo e o lugar desta indústria na matriz energética, na economia e na indústria brasileira em geral.

O Sistema PETROBRAS, como o Sistema ELETROBRAS, de BIOMASSA, Solar, Eólico e Nuclear no Brasil foram e são opções construídas a partir de decisões e múltiplos interesses políticos, econômicos e sociais estabelecidos na Sociedade brasileira.

Nessa perspectiva, a PETROBRAS é parte do problema e da solução. A partir dos anos 90, o processo de privatização do Sistema Elétrico e do Sistema Petrolífero e a criação das respectivas agências reguladoras e da própria Agencia Nacional de Petróleo, a ANP, nos anos 90, mudam o funcionamento do Sistema Energético brasileiro.

Desde então, os diversos Sistemas Energéticos, o modelo da Agência Nacional de Petróleo, como também da Agência Nacional de Energia Elétrica, de Biomassa, Solar e Eólica são os responsáveis pela regulação da Política Energética brasileira. Em relação ao funcionamento das Agências reguladoras, constata-se desde a criação, uma forte influência do Executivo federal na definição dos dirigentes e da prevalência dos interesses de conjuntura no funcionamento destas Agências, retirando a necessária autonomia para o cumprimento das suas funções institucionais, de pensar a questão energética com uma visão sistêmica, para atender as demandas energéticas atuais e futuras da Sociedade brasileira.

Institucionalmente, a área energética deveria reestruturar-se buscando a integração dos diversos sistemas (elétrico, petrolífero e gás natural, álcool e bagaço de cana, carvão mineral, lenha e carvão vegetal, solar e eólica), buscando criar mecanismos, construindo novas relações entre o Estado, o Mercado e a Sociedade, que proporcionem uma participação social mais ampla na discussão, formulação e implementação dessa nova Política Energética desejada para o Brasil.

Hoje, quando mais uma vez a PETROBRAS está na berlinda, quais as questões a serem discutidas sobre a empresa? As mudanças a serem realizadas nela devem estar vinculadas a um projeto maior de reforma do Estado brasileiro, a uma política industrial e tecnológica, enfim a um projeto sustentável para o Brasil. Urge a volta de políticas públicas nacionais de longo prazo, particularmente em relação à questão energética e à própria indústria de petróleo.

A PETROBRAS para sobreviver e ser contemporânea do futuro deve se tornar uma empresa de energia, não apenas de petróleo e gás. Discute-se muito e pouco se fez e se faz nesta direção. Aqui as parcerias são fundamentais, algumas estratégicas: a partir de iniciativas da própria empresa, em diálogo com a comunidade cientifica, com outras empresas da área de energia, com as agências reguladoras, com a indústria brasileira e com toda a Sociedade, buscando definir um novo formato dela para atender as demandas atuais e futuras de energia da Sociedade brasileira.

Nesse processo de mudança, no caminho de uma economia de baixo carbono, a PETROBRAS – por tudo que ela representa, pode e deve ter um papel relevante. Em parceria com outras empresas que trabalham com a questão energética no Brasil e no mundo, ela pode desencadear um processo virtuoso na economia brasileira, com reflexos positivos na área social, de educação, científica e tecnológica, possibilitando ao nosso país aproveitar as suas potencialidades e riquezas naturais, nos levando a construção de uma economia de baixo carbono, aproveitando a energia solar, eólica e de biomassa, cada vez mais, na matriz energética brasileira.

Assim, o Brasil e a PETROBRAS devem caminhar juntos no fortalecimento do Sistema dela, reconhecendo a sua importância como empresa e a necessidade de realizar mudanças, transformando-a em uma empresa de energia, contemporânea no presente com o futuro da Sociedade brasileira. A PETROBRAS e a Sociedade brasileira estão desafiadas de juntas colaborarem na construção de um Brasil moderno, afirmando e reafirmando os valores da Democracia, da Cultura, da Educação, da Ciência e da Tecnologia, apontando para um Brasil solidário, com mais inclusão social, respeitando a diversidade e preservando a natureza.

*George Gurgel de Oliveira, Cátedra da UNESCO-Sustentabilidade, da UFBA e do Conselho do Instituto Politécnico da Bahia