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El País: HRW cobra de Moro inclusão da Amazônia nas políticas de combate ao crime organizado

Relatório anual da ONG internacional afirma que política ambiental de Bolsonaro deu “carta branca” às redes criminosas que atuam na destruição da floresta e pede sua inclusão nas políticas de segurança

Amazônia protagonizou uma das maiores tragédias ambientais no ano passado. Cenário histórico de disputas de terra —seja para a extração ilegal de madeira ou grilagem—, a região viu seus conflitos se agravarem no último ano e ardeu em incêndios criminosos. Com o desmatamento (que aumentou em mais de 80% entre janeiro e outubro de 2019 em relação ao mesmo período de 2018), cresceu também a violência contra os defensores da floresta. Ao menos 160 casos de extração ilegal de madeira, invasões e outras infrações foram contabilizados nos territórios indígenas entre janeiro e setembro do ano passado. Essa conjuntura colocou a Amazônia em destaque no 30º relatório mundial da Human Rights Watch (HRW), ONG internacional que atua em defesa aos direitos humanos. Embora o Brasil já fosse considerado o país mais perigoso do mundo para ambientalistas antes de o presidente Jair Bolsonaro assumir o poder, a entidade afirma em seu texto, publicado nesta terça-feira, que a atual política ambiental brasileira dá “carta branca” às redes criminosas que atuam na região e requer que o problema não seja tratado apenas no âmbito ambiental. Para isso, pressiona o ministro de Segurança Pública e Justiça, Sergio Moro, a incluir a crise da Amazônia nas políticas prioritárias de sua pasta.

O relatório, que revisa anualmente as práticas de direitos humanos em mais de 100 países, também confirma uma preocupação apresentada no informe do ano passado com relação ao aumento de mortes por policiais no Brasil, após novo recorde no Rio de Janeiro. A HRW define a agenda do primeiro ano do Governo Bolsonaro como “contrária aos direitos humanos” pela adoção de uma série de medidas que colocam em risco populações vulneráveis, em especial os indígenas. Em um contexto de aumento da degradação na Amazônia e de debilidade na fiscalização ambiental, a entidade destaca que redes criminosas que lucram com o desmatamento ilegal estão não apenas destruindo a floresta, mas ameaçando e atacando os que a defendem, inclusive chegando a assassiná-los. Por isso, pede respostas enérgicas em políticas de segurança na região ao Governo Federal. "O ministro Sergio Moro determinou como prioridade de sua gestão o combate ao crime organizado e à corrupção. Esses crimes são elementos centrais da dinâmica que está impulsionando a destruição desenfreada da Amazônia”, justifica a diretora do escritório do Brasil da Human Rights Watch, Maria Laura Canineu. A HRW afirma que tem encontro marcado com Moro e com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, para discutir como combater a criminalidade na Amazônia.

A entidade critica o presidente Bolsonaro por sugerir que não cumprirá os compromissos do país com a emergência climática, além de, internamente, enfraquecer as agências ambientais, reduzir orçamentos para a área e restringir a capacidade dos fiscais ambientais de atuarem em campo. O relatório aponta que o número de multas por desmatamento ilegal emitidas pelo Ibama, por exemplo, caiu em 25% entre janeiro e setembro de 2019 comparado ao mesmo período de 2018. E que as audiências de conciliação pactadas em outubro para todos os processos administrativos por infrações das leis ambientais não estão sendo realizadas, conforme resposta do próprio Governo à ONG por meio da Lei Geral de Acesso à Informação. Sem as audiências, o prazo para pagamento das multas ambientais, assim como todos os processos administrativos contra pessoas ou empresas que praticaram infrações, ficam suspensos. “O ataque do presidente Bolsonaro às agências de fiscalização ambiental está colocando em risco a Amazônia e aqueles que a defendem”, afirma Maria Laura Canineu. Em novembro e dezembro do ano passado, três indígenas foram assassinados. Além disso, dados do Inpe apontam que o crescimento do desmatamento tem sido constante. No último mês de dezembro, cresceu 183% em comparação ao mesmo mês do ano anterior, conforme apontam dados do Deter (Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real).

Novos recordes de má conduta policial

As questões relacionadas à liberdade de expressão, à violência policial e à violência de gênero foram outros destaques negativos desta edição do relatório. Sob o argumento de que os criminosos deveriam “morrer na rua igual a baratas”, Bolsonaro enviou ao Congresso o pacote anticrime, que ficou conhecido como uma espécie de licença para matar por permitir o excludente de ilicitude, que consideraria automaticamente determinadas mortes causadas por policiais e militares em serviço como atos de legítima defesa. Essa retórica, já usada pelo presidente desde a campanha eleitoral, havia sido considerada no relatório anterior da HRW, que anunciava preocupação de que a violência policial crescesse no país diante do que considerava uma “carta branca” do presidente.

Um discurso semelhante foi adotado pelo governador Wilson Witzel no Rio de Janeiro, que entre janeiro e novembro de 2019 contabilizou 1.686 mortes por policiais, um novo recorde para o Estado. O número é maior do que o registrado no mesmo período de 2018, quando o Rio de Janeiro esteve quase todo o ano sob intervenção militar. Os dados de mortes por policiais em São Paulo também chamam atenção da ONG internacional: houve um aumento de 8% de janeiro a setembro de 2019 em relação ao mesmo período do ano anterior. Esses números incluem tanto as mortes em legítima defesa quanto àquelas decorrentes do uso da força. Fora do eixo Rio-São Paulo, as cifras também não são otimistas. Em 2018, as mortes cometidas por policiais aumentaram 20% e atingiram 6.220 óbitos no país, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “Os abusos policiais dificultam o combate à criminalidade porque desencorajam as comunidades a denunciarem crimes”, alerta a entidade.

O relatório também dá destaque ao não cumprimento da determinação do Supremo Tribunal Federal de conceder prisão domiciliar a mulheres grávidas, mães de crianças de até 12 anos ou de crianças ou adultos com deficiência, presas preventivamente por crimes não violentos, exceto em situações “excepcionalíssimas”. Apesar de 5.100 detentas estarem aptas para progredir à prisão domiciliar, 310 delas grávidas, elas ainda aguardam julgamento atrás das grades. Outro problema apontado pela ONG é que, embora o Conselho Nacional de Justiça tenha determinado em 2016 que todos os detidos tivessem uma audiência em um prazo de até 24 horas para avaliar se deveriam continuar presos, até setembro de 2019 pelo menos sete estados não realizavam as audiências de custódia em todo o seu território. Isso faz com que os presos precisem esperar meses na prisão antes de ver o juiz e ter sua situação avaliada, contribuindo também para um problema grave no Brasil, a superlotação dos presídios.

Na esteira desses problemas, ainda está a precarização da política de combate à tortura no Brasil, um ponto que também foi evidenciado pela HRW. Em junho do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro exonerou todos os onze cargos de peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, órgão responsável por fiscalizar abusos nos presídios brasileiros. A Procuradoria Geral da República declarou que o decreto de Bolsonaro violava direitos fundamentais e solicitou ao Supremo Tribunal Federal que declarasse sua inconstitucionalidade. Um juiz federal suspendeu liminarmente o decreto que exonera os peritos do Mecanismo no último mês de agosto.


El País: ‘Carta branca’ à violência policial vai agravar situação da segurança, diz HRW

Relatório anual da ONG Human Rights Watch feito em 90 países destaca mortes por policiais no Brasil, em especial no Rio, e diz que propostas de Jair Bolsonaro, que "endossou a prática de tortura", podem ter efeito contrário

Por Marina Rossi, do El País
violência policial, contra as mulheres e o recorde de homicídios foram alguns dos destaques negativos do Brasil na 29ª edição do relatório mundial da Human Rights Watch (HRW), ONG internacional de defesa dos direitos humanos. O documento, publicado nesta quinta-feira, consiste na revisão anual das práticas de direitos humanos em mais de 90 países e territórios, incluindo o Brasil.

O relatório inicia seu capítulo sobre o Brasil destacando a violência política e as ameaças contra jornalistas que marcaram a eleição de Jair Bolsonaro no ano passado. A HRW define o presidente eleito como alguém “que endossou a prática de tortura e outros abusos e fez declarações abertamente racistas, homofóbicas e misóginas”. Por isso, a chegada do capitão reformado ao poder é vista com preocupação pela ONG. “Estamos muito preocupados com a retórica utilizada por Bolsonaro durante a eleição”, afirmou, por telefone, José Miguel Vivanco, diretor para as Américas da HRW. “É a primeira vez nesta região que se elege democraticamente um líder com discurso contra os direitos humanos.”

Embora o relatório apresente dados anteriores à era Bolsonaro, Vivanco alerta que as medidas já tomadas pelo novo presidente nestas primeiras semanas de governo não sinalizam para uma mudança na escalada de violência e nas violações registradas no país nos últimos anos. “Definitivamente a medida que facilita a posse de armas [assinada nesta terça-feira pelo presidente] não vai reduzir a violência”, diz Vivanco.

Para ele, um dos dados mais alarmantes trazidos pelo documento é o número de mortes provocadas por policiais no Rio de Janeiro. No ano passado, quando o Estado passou praticamente o ano inteiro sob intervenção federal, foram mortas pelas mãos de policiais 1.444 pessoas, entre janeiro e novembro, um recorde desde que se tem esse tipo de registro. “Em um Estado com uma população de 17 milhões de habitantes, as estatísticas oficiais mostram que a violência segue crescendo dramaticamente”, diz Vivanco. “Os números mostram a gravidade do tema da violência policial. E a resposta não é a militarização”. O assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes são destacados no relatório entre as vítimas de homicídio no Rio de Janeiro no ano passado. Até o momento, não houve solução do caso.

A ONG também diz que a proposta de Bolsonaro na campanha de dar "carta branca" aos policiais para matar em serviço deve agravar a situação de segurança. De acordo com o relatório, as mortes provocadas por agentes podem provocar uma espiral: os homicídios tidos como execuções extrajudiciais colocam as comunidades contra a polícia, complicam as investigações e colocam os próprios policiais em risco, ao atrair possíveis represálias de grupos criminosos. Segundo a HRW, o ministro da Justiça, Sergio Moro, afirmou à ONG que o Governo Bolsonaro trabalha em um projeto de lei para "esclarecer" em quais condições um policial pode evocar legítima defesa se cometer um homicídio.

Fora do Rio de Janeiro, os índices também não são otimistas. Em 2017, a violência atingiu um novo recorde, com cerca de 64.000 homicídios no Brasil. Desses casos, poucos são investigados: o relatório destaca que o Ministério Público apresenta denúncia em apenas dois em cada dez homicídios. Entre policiais, 367 foram mortos durante serviço ou folga naquele ano. Ao mesmo tempo, em todo o país, policiais em serviço e fora de serviço mataram 5.144 pessoas, 20% a mais que em 2016.

A organização alerta para os homicídios cometidos pela polícia como forma de execuções extrajudiciais. Em São Paulo, o ouvidor da polícia examinou centenas de homicídios cometidos por integrantes da corporação em 2017, e concluiu que houve uso excessivo de força em três quartos dos casos, por vezes contra pessoas desarmadas. A HRW ainda denuncia que o Governo brasileiro não publicou um relatório anual sobre a letalidade policial e mortes de policiais, conforme orientou a Corte Interamericana de Direitos Humanos, em uma decisão de 2017.

Ainda sobre a violência policial, um ponto para o qual a ONG já havia chamado a atenção é sobre uma lei de 2017 que transferiu da Justiça comum para a Justiça militar o julgamento de membros das Forças Armadas acusados de cometerem execuções extrajudiciais contra civis. O mesmo ocorre para policiais militares acusados de tortura e outros crimes: são julgados pela justiça militar, embora os homicídios cometidos por eles ainda permaneçam sob a jurisdição civil. “Isso significa que as Forças Armadas e a Polícia Militar investigam seus próprios integrantes quando acusados de cometer crimes”, diz o documento, algo que vai na contramão do que as normas internacionais determinam.

Violência de gênero

O relatório também dá destaque ao não cumprimento da determinação do Supremo Tribunal Federal de conceder prisão domiciliar a mulheres grávidas, mães de crianças de até 12 anos ou de crianças ou adultos com deficiência, presas preventivamente por crimes não violentos, exceto em situações “excepcionalíssimas”. Embora o Ministério da Justiça tenha estimado que a decisão poderia ser aplicada a 10.693 mulheres, os juízes concederam a prisão domiciliar a apenas 426 detentas até 1º de maio, prazo estabelecido pelo STF para o cumprimento da decisão. O relatório denuncia que juízes “fizeram uso generalizado das situações 'excepcionalíssimas' para manter as mulheres na cadeia”.

A rede de proteção às mulheres também sofreu enfraquecimento. O orçamento da Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres sofreu queda brusca, de 73 milhões de reais em 2014, para 47,3 milhões em 2017. Além de redução dos gastos da pasta, os equipamentos também encolheram. Entre 2016 e 2017 foram reduzidos o número de centros especializados de atendimento às mulheres - que prestam apoio jurídico e psicológico, por exemplo (de 256 para 241), de delegacias da mulher ou núcleos de atendimento da mulher em delegacias não especializadas (de 504 para 497), e de abrigos (de 97 para 74). “Em um país com mais de 200 milhões de habitantes, só existem 74 abrigos de proteção para mulheres e crianças”, diz José Miguel. “Isso reflete a falta de prioridade em relação à violência contra a mulher”. Nessa esteira, o governador de São Paulo João Doria (PSDB) vetou, nesta semana, um projeto de lei que previa o atendimento por 24 horas das 133 delegacias da mulher do Estado. Pelo Twitter, Doria, afirmou que o projeto apresentado era “inconstitucional”, e que iria “ajustar, aprovar e ampliar o projeto proposto”.