guerra das vacinas

Vinicius Torres Freire: Doria presta um serviço, mas exagera na guerra da vacina da Covid contra Bolsonaro

Anvisa será quase obrigada a liberar Coronavac se vacina for aprovada na China

Se a “vacina chinesa de João Doria” prestar e for aprovada pela Anvisa da China, Jair Bolsonaro terá perdido a primeira grande batalha dessa guerra idiota na saúde. Será quase impossível evitar a aprovação da Coronavac também por aqui e quase imediatamente (explicações mais adiante).

A fim de pelo menos empatar o jogo, Bolsonaro e seu capacho da Saúde teriam de correr para importar outra vacina já aprovada, como começam a fazer no caso da Pfizer, sobre a qual estavam sentados com a nauseabunda incompetência dos dois. Teriam também de começar uma campanha de vacinação antes de fevereiro. Ainda assim, ponto para Doria, que teria então prestado pelo menos o serviço de fazer com que Bolsonaro pare de sabotar a vacinação.

Obviamente, Doria perdeu a mão, subiu nas tamancas e queimou o filme com um monte de governadores presentes à reunião desta terça-feira com o chefe do almoxarifado da Saúde, esse Eduardo Pazuello. Em vez de apenas generosamente oferecer cooperação ao restante do país, Doria se dedicou a limpar seu sapatênis no capacho da Saúde e disse que fazia e acontecia. Não pegou bem. Politiza a vacina tanto quanto Bolsonaro, embora não seja negacionista. Etc. Mas passemos.

E a aprovação da vacina?

Segundo lei deste ano, a Anvisa pode liberar o uso da Coronavac ou de qualquer outro imunizante já aprovado pelas agências de Estados Unidos, União Europeia, Japão ou China. Se não o fizer e não tiver bons motivos para explicar sua recusa ao público, provocará um salseiro, que respingará em Bolsonaro, que de resto tenta aparelhar a agência dando mais boquinhas a militares.

Se vários países começarem a vacinar e o Brasil ficar para trás, sem solução e injeção, pior ainda. Doria prometeu vacinação a partir do dia 25 de janeiro, sabe-se lá com base em quê. Mas, suponha-se que dê certo e não exista outra vacina no Brasil.

Sem vacina, com o repique da Covid apenas controlado, na melhor das hipóteses, com inflação da comida nas alturas, sem auxílio emergencial e com desemprego perto do pico, o clima não estará bom no país e para Bolsonaro.

As aulas das crianças começam no início de fevereiro. Mesmo que a vacinação começasse amanhã no país inteiro, as escolas ainda voltariam em situação precária em 2021. No entanto, se não houver ao menos perspectiva de alívio e mais aulas presenciais seguras, as famílias vão ficar entre nervosas e enfurecidas, pelo menos um tanto desesperadas. No front econômico, a inflação continuará subindo. Mês a mês, tende a aumentar mais devagar, a partir de fevereiro. Mas a taxa anual acumulada do IPCA irá a mais de 6% até maio. A inflação da comida (“alimentação no domicílio”) já está em mais de 21% ao ano, a maior desde 2003.

No final de janeiro, não haverá pagamento de auxílio emergencial, que acaba neste dezembro. O desemprego deverá estar nas máximas de 2021 (deve piorar até março, por aí).

Em 21 de outubro, Bolsonaro escrevia nas redes insociáveis que a “vacina chinesa de João Doria” “NÃO SERÁ COMPRADA”. As medidas do governador paulista e sua campanha política puseram Bolsonaro na defensiva e, agora, em uma reação desordenada, mas que pode ser positiva para o que interessa, que é a vacinação. Sem a ameaça da Coronavac, seria mais difícil pressionar Bolsonaro e sua ordenança na Saúde.

Até aqui chegamos.

No entanto, é preciso lembrar: ainda não existe Coronavac. Se a vacina for um fiasco, essa bomba vai explodir no colo de Doria, que então terá falecido politicamente.


Hélio Schwartsman: A guerra das vacinas

Para Bolsonaro, é melhor atrapalhar Doria do que imunizar a população do país

A "vacina inglesa do Bolsonaro" (Oxford/AstraZeneca) não é nenhuma maravilha. Registrou só 70% de eficácia na melhor interpretação dos dados do estudo de fase 3. Já os resultados da "vacina chinesa do Doria" (Coronavac) devem ser divulgados nos próximos dias.

Por não ter chutado um pênalti para fora, João Doria está na frente de Jair Bolsonaro na disputa, mas não há nenhuma certeza de que sua vacina será certeira. O padrão-ouro em imunização contra a Covid-19 é, por ora, o das vacinas da Pfizer e da Moderna, que conferiram em torno de 95% de proteção nos ensaios clínicos.

O governo federal, que apostara todas as fichas no imunizante da Oxford, não adquiriu nenhuma dose do produto da Moderna e tenta agora um acordo de última hora com a Pfizer, mas dificilmente conseguiremos um lote para logo. Outros países foram mais rápidos. O Canadá, por exemplo, fez tantos acordos que já computa dez doses de imunizantes para cada habitante.

O Brasil também deixou de fazer a lição de casa num item muito mais básico, que é a compra de seringas, agulhas etc., coisas que sabíamos serem necessárias qualquer que fosse o imunizante a utilizar, mas que o ministro da Saúde especializado em logística preferiu ignorar.

E esse é o ponto a que eu queria chegar. O Brasil, que até há pouco era um país conhecido pela excelência de seu programa de imunizações, corre o risco de ficar sem vacinas e sem insumos para aplicá-las.
Um dos principais motivos para a decadência é Jair Bolsonaro. Além da ignorância militante da qual parece orgulhar-se, o presidente trabalhou incansavelmente para minar a estrutura de órgãos como o Ministério da Saúde, que agora faz falta.

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".