Greve

O Globo: Sem reforma, alta de gastos aumenta risco de paralisia de serviços públicos

Concessões dadas a caminhoneiros após a greve agravam problema

Por Martha Beck e Bárbara Nascimento, de O Globo

BRASÍLIA - As medidas adotadas para acabar com a greve dos caminhoneiros vão obrigar o governo a apertar ainda mais o cinto em 2018 e dar mais um passo em direção a restrições que, no limite, poderiam se configurar numa paralisação. Esse tipo de situação (shutdown) provoca a suspensão de serviços à população e do pagamento de despesas com a manutenção da máquina pública, como limpeza, luz e aluguel. Integrantes da equipe econômica e economistas ouvidos pelo GLOBO afirmam que o shutdown não é um cenário provável para 2018, mas que há uma ameaça concreta para 2019.

A pressão das despesas obrigatórias (especialmente com salários e benefícios previdenciários) e do teto de gastos sobre o Orçamento deixarão as despesas discricionárias (aquelas que o governo pode cortar, como investimentos) no menor patamar em quase uma década. E isso porque há folga em relação a 2017. Para 2019, no entanto, restará ao governo recorrer a medidas que dependem do Congresso para ter um respiro nas contas.

Segundo dados do Tesouro Nacional, até abril, a estimativa era que os gastos discricionários ficariam em R$ 129 bilhões em 2018, menor taxa desde 2009. No entanto, depois das concessões feitas aos caminhoneiros para acabar com a greve da categoria, a equipe econômica teve que ajustar o valor, que caiu para R$ 122,5 bilhões. Economistas e técnicos do próprio governo reconhecem que quando as despesas discricionárias se aproximam de R$ 80 bilhões já é possível configurar um shutdown.

 

 

AJUSTE NAS DESPESAS OBRIGATÓRIAS

Ao longo de 2017, o governo teve que fazer um aperto de mais de R$ 40 bilhões no Orçamento para assegurar a meta fiscal (que depois foi ampliada pelo Congresso). Isso provocou dificuldades: houve suspensão da emissão de passaportes, lentidão nos atendimentos de postos do INSS, falhas na fiscalização sanitária e atrasos em pagamentos de serviços. Naquele ano, as despesas discricionárias ficaram em R$ 124 bilhões.

O primeiro gasto a sofrer os efeitos da compressão do teto é o investimento público. Dados que fazem parte do Observatório de Política Fiscal do Ibre/FGV mostram que o investimento do governo central (Tesouro, Banco Central e Previdência Social), por exemplo, caiu de R$ 40,6 bilhões em 2014 para R$ 24,8 bilhões em 2017 — uma redução de 63,7%. Para especialistas, isso tende a piorar e colocar em risco a própria regra do teto de gastos (as despesas só podem crescer de acordo com a inflação), se não houver uma reforma das despesas obrigatórias, especialmente a da Previdência.

— Mesmo dentro da margem fiscal, tem um pedaço do gasto que é incomprimível. Perto de R$ 80 bilhões é o montante que não daria para cortar sem parar o funcionamento da máquina pública. Claro que dá para economizar mais, rever contratos, mas o grosso do ajuste terá que vir das despesas obrigatórias — disse o diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto.

Para o ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e pesquisador do Ibre/FGV Manoel Pires, o quadro fiscal de 2018 ainda é favorável em relação a 2017, apesar de penalizar muito os investimentos públicos e deixar pouca margem de manobra para o governo. Mas o cenário mais crítico, segundo ele, está em 2019, quando o limite de despesas será mais apertado e há um risco efetivo de ser descumprido. As despesas discricionárias para o ano que vem estão estimadas em R$ 98,4 bilhões — R$ 18,4 bilhões acima do limite do shutdown.

— A projeção das despesas para 2019 é mais preocupante. O limite é baixo por causa da regra do teto e da meta fiscal, e as contas foram feitas de maneira conservadora. Não há previsão, por exemplo, de reajustes para os servidores públicos, sendo que as carreiras sempre fazem pressão — destaca Pires.

Com esse cenário em vista, a equipe econômica já se prepara para tentar ampliar seus limites no ano que vem. Segundo técnicos do governo, a estratégia para não correr o risco de paralisar a máquina em 2019 inclui o projeto que reonera a folha de pagamento das empresas (que pode dar uma folga fiscal de R$ 9 bilhões) e o adiamento dos reajustes dos servidores para 2020 (o que teria um impacto positivo de R$ 5 bilhões sobre as contas públicas). Se forem incluídos no adiamento os aumentos previstos para os militares, o alívio com salários aumentaria para R$ 11 bilhões.

Ou seja, no total, haveria uma margem de R$ 20 bilhões no Orçamento. Os técnicos reconhecem, contudo, que esse é um quadro difícil: com pressões de vários setores, é improvável que o espaço aberto na despesa com a reoneração da folha não seja ao menos parcialmente comprometido. No caso do adiamento dos reajustes, uma tentativa semelhante feita pelo governo no ano passado foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF) e caducou no Congresso sem avançar.

REVISÃO DO TETO DE GASTOS

Esta semana, ao julgar as contas do governo de 2017, o Tribunal de Contas da União (TCU) fez um alerta sobre o aumento do risco de paralisação da máquina pública e da necessidade da realização de reformas que permitam um controle maior sobre despesas obrigatórias. No acórdão da decisão, os ministros da Corte de Contas afirmam:

“Cabe alertar que o cumprimento do teto poderá ser comprometido nos próximos exercícios, caso as despesas com benefícios previdenciários continuem a aumentar no ritmo observado nos últimos anos. Mesmo considerando a hipótese otimista em que as despesas com pessoal e as demais despesas obrigatórias não cresçam em valores reais, em pouco tempo os recursos serão insuficientes para custear as despesas discricionárias, que incluem: programas de saúde e de educação, investimentos, manutenção dos serviços públicos, entre outros itens. Muito antes disso, a execução das atividades da administração pública federal ficará inviabilizada”.

Segundo Manoel Pires, o próximo governo provavelmente terá que rever a regra do teto de gastos —que determina que as despesas podem crescer apenas o equivalente à inflação do ano anterior — se não houver uma reforma da Previdência e uma revisão de gastos obrigatórios rapidamente. Ele afirma que é contra uma mexida na regra do teto sem contrapartida:

— É equivocado mexer no teto e nada oferecer em troca. É preciso uma combinação de mudança com reforma da Previdência rápida.

Segundo Pires, algumas sugestões de revisão do teto têm partido de candidatos à Presidência, mas elas não resolvem o problema fiscal de maneira estrutural. Ele citou como exemplo a ideia de excluir da conta as despesas com investimentos.

— Nesse formato, mesmo preservando os investimentos, as obrigatórias continuariam a comer o espaço da discricionária, provocando um rompimento do teto do mesmo jeito mais à frente — explica Pires.

O pesquisador do Ibre fez parte da equipe do ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa, que também chegou a encaminhar ao Congresso uma proposta de teto para as despesas. A medida, no entanto, trazia outro formato. Previa um plano plurianual, com a programação fiscal dos quatro anos seguintes, estabelecendo o limite das despesas discricionárias proporcionalmente ao PIB para os anos seguintes. Essa, segundo Pires, seria uma forma mais equilibrada de limitar o crescimento dos gastos públicos.

Pela regra do teto, as despesas só podem crescer com base na inflação do ano anterior. E como a equipe econômica conseguiu aprovar a norma antes da reforma da Previdência, há um risco de que ela fique inviabilizada já em 2019. Sem uma reforma, as despesas com benefícios devem passar de R$ 592,4 bilhões em 2018 para R$ 758,5 bilhões em 2021.


Eliane Brum: Caminhoneiro, o novo velho protagonista do Brasil

Identidade, gênero e luta de classes no protesto que parou o país e pode apontar para uma versão brasileira do eleitor de Donald Trump nas eleições

O Brasil que parou o Brasil por 11 dias reivindica um lugar que perdeu e um tempo que já não existe. Neste sentido, não poderia estar mais distante dos protagonistas dos protestos de 2013. Se uma parcela significativa estava ali como autônomos, avulsos, os caminhoneiros são unidos por uma identidade muito particular, cujo papel não deve ser reduzido. As rodas dos caminhões já giram em falso há muito. Aqueles que interromperam o abastecimento do país são também homens encurralados num mundo que já não compreendem. As máquinas estacionadas nas rodovias são a potência que restou, mas essa potência já não pertence a esse século.

O homem que trancou as rodovias tem idade média de 44 anos, está acima do peso, é sedentário, tem baixa escolaridade, trabalha mais de 11 horas por dia, tem remuneração mensal média de menos de quatro mil reais e acredita que sua renda está em queda. Quase metade dos caminhoneiros estava endividada. A maioria acreditava que a diminuição da demanda era causada pela crise econômica e, mesmo antes da mudança da política de preços da Petrobras, 46% já apontava o preço do combustível como um dos grandes problemas. Este é o perfil revelado por uma pesquisa realizada pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT) em 2016. É improvável que algo substantivo tenha mudado em dois anos. É provável, porém, que a queda do número de fretes e da renda, assim como as dificuldades, tenham se ampliado com a instabilidade do país. E certamente o aumento do diesel pesou.

A relação entre a paralisação dos caminhoneiros e o apelo por intervenção militar revela conexões simbólicas profundas

É importante compreender quem é esse novo velho protagonista que parou o país em maio de 2018, assim como perceber o quanto há de protagonismo real nesse personagem. Durante boa parte da segunda metade do século 20, com mais ênfase na ditadura civil-militar (1964-1985), o caminhoneiro tornou-se um personagem importante da propaganda nacionalista de um Brasil em busca do progresso e do futuro. Ao longo das últimas décadas, esse mesmo personagem testemunhou essa imagem se dissolver e, junto com ela, perdeu não só renda, mas também espaço simbólico.

A propaganda da ditadura era marcada por grandes caminhões desbravando as novas estradas abertas no país, algumas delas míticas como a Transamazônica. Basta folhear as revistas da época para alcançar o que era ser um caminhoneiro no imaginário do país dos anos setenta, a serviço de um governo opressor que manipulava tanto nacionalismo como ufanismo. A relação entre a paralisação pela redução do valor do diesel e o apelo por intervenção militar, a qual uma parte dos caminhoneiros aderiu, revela conexões simbólicas mais profundas, fundamentais para compreender o que foi esse momento.

A imagem que se consolidou também como autoimagem era a do caminhoneiro como um desbravador do Brasil. Afinal, era preciso atribuir valor de heroísmo à profissão, para convencer pais de família a enfrentar por semanas estradas terríveis e cheias de perigos na boleia de um caminhão. Não um desbravador qualquer, mas um que avançava conduzindo grandes máquinas e empurrava o país sobre rodas enormes. Ser caminhoneiro era também ser potente. Potente no sentido masculino e arcaico do termo. Essa marca de testosterona, essa marca de gênero do movimento precisa ser levada em conta nas análises.

O caminhoneiro esteve, e ainda está, ligado a três valores: ao transporte da riqueza do país, ao espírito de aventura e ao empreendedorismo, representado pela meta de comprar seu próprio caminhão. Cada família de classe média baixa tinha pelo menos um parente caminhoneiro, especialmente nas cidades do interior e nos subúrbios das grandes cidades. Apenas como exemplo: Maria, a irmã mais querida de Luiz Inácio Lula da Silva, era esposa e mãe de caminhoneiros bastante orgulhosos da profissão, moradores dos bairros menos nobres de São Bernardo do Campo, no ABC Paulista.

No Rio Grande do Sul, um dos polos de caminhoneiros do Brasil, parte deles é descendente de imigrantes europeus. Se transportar as mercadorias da terra não era tão valorizado quanto possuir a terra, o bem mais cobiçado que seus antepassados vieram buscar no Novo Mundo, ser caminhoneiro era, e ainda é, considerado uma profissão digna, “de homem”, e muitas vezes passava de pai para filho, com clãs de caminhoneiros preparando o churrasco de domingo enquanto as mulheres se dividiam entre a maionese de batata e o pudim de leite da sobremesa.

Num estado que mitificou a figura do gaúcho como o errante dos caminhos, de coração valente e alma livre, o caminhoneiro era o mais próximo de um cavaleiro moderno das estradas. Muitos deles eram filhos de pequenos agricultores que perderam a terra durante o processo de mecanização da agricultura ou que não tinham terra suficiente quando os filhos cresciam e constituíam sua própria família. Em vez das raízes plantadas no chão, esses herdeiros da vontade de vencer na vida e de ter um lugar no país carregavam o produto da terra para outros cantos do mundo. Como os antigos tropeiros que os caminhões foram tornando mais e mais obsoletos.

São muitas as místicas criadas em torno do caminhoneiro para, o mais rapidamente possível, atribuir tradição à profissão num país que escolheu a estrada como principal meio de transporte de bens e de pessoas. Pelo Brasil afora há canções e histórias de caminhoneiros. E muitos devem lembrar da série Carga Pesada, da TV Globo. Ao contar as aventuras de uma dupla de caminhoneiros pelo país, Pedro e Bino, interpretados por Antônio Fagundes e Stênio Garcia, a série fez muito sucesso entre 1979 e 1981. Depois, entre 2003 e 2007, foi reeditada. Era a realização na dramaturgia do brasileiro pobre, mas trabalhador, empreendedor e sonhador, lutando contra um Brasil muitas vezes corrompido e corruptor.

Entre o autônomo e o autômato, a luta de classes é espertamente borrada

O caminhoneiro como “guerreiro das estradas” é um personagem do Brasil. Mas de um Brasil que já não é. E este é o ponto. Nos últimos vários anos, tornou-se cada vez mais difícil manter essa autoimagem. A força dessa simbologia, cevada por tantas décadas, já não era capaz de dar sentido a uma vida que se precarizava de forma acelerada. De empreendedor do asfalto o caminhoneiro passou a ser o trabalhador autônomo, que pouco ou nada tem de “autônomo”, como bem demonstrado em artigo de Vitor Araújo Filgueiras e José Dari Krein.

A palavra, convertida em mais um termo falsificador no Brasil, ganhou um sentido ainda mais perverso após a reforma trabalhista de 2017, que tornou a carne dos trabalhadores mais barata e liberou os desmandos sobre seu corpo. De autônomo a autômato, a luta de classes vai sendo encoberta, tendo como ápice essa paralisação apoiada – ou em parte articulada – por patrões.

Como os trabalhadores de muitas categorias profissionais, o caminhoneiro também foi se descobrindo sem direitos, explorado por uma jornada exaustiva, pressionado a entregar mercadorias em tempo curto demais, estressado pelo tráfego intenso e pelas estradas péssimas, ameaçado por assaltos cada vez mais violentos, com cada vez menos poder para negociar o valor dos fretes, muitas vezes trabalhando para um só transportador, mas sem direitos de empregado porque “autônomo”.

E, para completar, testemunhando a crescente ruína do seu corpo pelo excesso de horas sentado na boleia do caminhão e pela comida gordurosa da beira da estrada. Muito trabalho, pouco dinheiro, nenhum glamour. Também não é um dado qualquer que uma das principais queixas dos caminhoneiros, no campo da saúde, é a espinha que se “quebra” ou é “quebrada”, expressada pelas dores e problemas na coluna vertebral.

Também no lado de fora a propaganda ruía. O caminhoneiro é cada vez mais visto como um irresponsável que provoca acidentes, tanto quanto como um drogado que toma rebites para poder dirigir um número maior de horas e cumprir o horário dos fretes. O combate à prostituição juvenil nas estradas o generalizou também como um explorador sexual que usa as viagens para fazer sexo com meninas. Ao chegar ao fim de uma jornada extenuante, muitas vezes ainda é tratado com preconceito e descaso e recebe menos do que o prometido, sem nenhum poder de barganha em tempos de crise, porque há um outro que aceitará as piores condições para poder garantir algum sustento para a família. Longe de casa por semanas, esse mesmo caminhoneiro nem sempre consegue manter o lugar de chefe de família ao voltar, no contexto de crescente protagonismo das mulheres, hoje mais escolarizadas que os homens.

Em busca da potência perdida, o caminhoneiro confrontou um governo sem potência alguma

É também este o homem que se insurgiu parando o país. E encontrou sua potência perdida ao se confrontar com um governo sem potência alguma, dedicado a gastar suas escassas energias para manter-se no Planalto enquanto concede o que tem e o que não tem a todos que o chantageiam. Michel Temer (MDB) e seu ministério, parte dele suspeita ou já denunciada por corrupção, entregaram tudo e também a cabeça do presidente da Petrobras, que se não renunciasse cairia de qualquer modo. Para piorar, Temer chamou de novo as Forças Armadas para botar ordem na casa que sabe governar sem legitimidade. Não apenas uma parcela da população se infantiliza, como também o presidente.

Parte dos caminhoneiros sequer percebeu que fazia o jogo dos patrões que apoiaram a paralisação. Parte deles mostrou-se incapaz de enxergar que mais uma vez os donos das transportadoras botaram o corpo dos mais frágeis na linha de frente. Enquanto eram estimulados a pintar o corpo para a guerra, os caminhoneiros mais uma vez lutaram pelos interesses de seus opressores, os mesmos que deixaram para os trabalhadores precarizados a conta para pagar também dos dias sem trabalho em nome do protesto. Essa nuance do movimento não é tudo, mas parte importante da complexidade do quadro.

Quem perdeu, mais uma vez, de todos os lados, foi a maioria da população. Mas, mesmo assim, a maioria da população, como a pesquisa do Datafolha mostrou, apoiou a paralisação dos caminhoneiros. Mesmo sendo afetada pelo desabastecimento nos supermercados, nos hospitais, nos postos de gasolina, mesmo sem ônibus para chegar ao trabalho ou às escolas, a maioria dos brasileiros apoiou a paralisação dos caminhoneiros.

Em parte, é possível que a maioria da população acredite que já paga a conta, todas as contas, de qualquer modo. Em parte, é catártico diante da contenção cotidiana numa vida ruim e numa vida que não para de piorar. A vontade reprimida e tão humana de romper com todas as amarras e ter seu dia de foda-se. Ou apoiar o dia de foda-se do outro com quem se sente identificado. Não há nada mais perigoso do que aquele que não tem nada a perder. O Brasil está vivendo um momento em que cada vez mais gente tem cada vez menos a perder. E cada vez menos motivos para conter seu ódio e sua fúria.

Que Brasil os caminhoneiros mobilizaram? Me parece haver vários, incluindo uma parte da esquerda que acreditou ser possível embarcar no movimento, adicionando a ele sentidos que não tinha, como a categoria sindicalizada dos petroleiros. Ou a esquerda que acreditava ser uma traição não apoiar qualquer paralisação. E também uma parte da extrema-direita, esta mais bem sucedida, que buscou instrumentalizar a raiva dos caminhoneiros. Depois recuou, mas certamente foi beneficiada. As forças que agiram nessa paralisação ainda precisam ser expostas com mais clareza.

Me interessa particularmente esse Brasil espontâneo, sem sindicato nem clube, identificado com os caminhoneiros porque também se sente ferrado de todas as maneiras. Esse Brasil que se descobre sem perspectiva de melhorar a renda. Ou, um sentimento mais desestabilizador, sem perspectiva de deter a sua queda. Um Brasil que se sente sem lugar. E que compartilha da enorme nostalgia do que não foi, mas acreditava que pudesse ter sido. Ou que merecia ter sido. Uma nostalgia do passado que nunca houve, este que existiu apenas como possibilidade não realizada. Mas que chegou mais perto de se realizar na primeira década deste século, nos anos de Lula, hoje na cadeia e possivelmente impedido de disputar a próxima eleição.

Pelo conteúdo das manifestações, Lula não é um “herói injustiçado” para a maioria dos caminhoneiros, mas mais um “político corrupto”, o substantivo e o adjetivo hoje quase um sinônimo para uma parcela dos brasileiros. A paralisação dos caminhoneiros prova, de forma contundente, que a democracia já não responde aos anseios de melhora de vida. Mais do que um clamor por intervenção militar, o movimento revelou a profundidade da crise da democracia que se alarga no mundo, mas ganha tons singulares no Brasil.

Não tenho pesquisa para apoiar minha hipótese. Espero que alguém a esteja fazendo. Mas minha percepção através de conversas é de que os caminhoneiros mobilizaram uma grande parcela de brasileiros que se sente impotente – e se sente impotente em mais de um sentido. Como os caminhoneiros, são trabalhadores de corpos precarizados e arruinados, pessoas exauridas, exaustas e com medo.

“Pai, faça alguma coisa antes que eu tenha que mijar sentado”

Chamo atenção, mais uma vez, para as questões de sexo e de gênero. Os caminhoneiros são 99,8% homens, e as imagens dessa paralisação exacerbam testosterona. São raras as referências a homossexuais, transexuais e transgêneros nessa categoria de trabalhadores. As redes sociais e os grupos de WhatsApp mostraram que a maior parte dos protagonistas ativos eram homens supostamente ansiosos para voltar para suas famílias de modelo tradicional, das quais estariam separados pela paralisação. “Sentiram saudades de casa e da família, que rezava e pedia para que voltassem logo e bem”, escreveu em 3 de junho o presidente da Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA), Diumar Bueno, em artigo publicado na Folha de S.Paulo.

Acredito existir algo para se compreender nessa masculinidade ameaçada pelo crescimento do protagonismo das mulheres e das pessoas LGBTs. Ameaçado, por um lado, pela perda da renda e pela precarização do trabalho, e, por outro, pela mudança dos costumes, esse homem “comum” sente-se encurralado num país que piora a cada dia. É quase previsível que uma parte desse sentimento seja canalizada para um pedido de ordem ao Exército, a instituição que representa a testosterona em estado bruto. Tipo: “Pai, faça alguma coisa antes que eu tenha que mijar sentado”.

É menos um anseio pela volta da ditadura – e mais um desejo de viver num mundo cujos códigos possa reconhecer, num momento em que se sente empobrecido, desprestigiado, sem lugar e sem perspectivas, e com as rodas atoladas em areia movediça. Essa parcela de brasileiros, que vai muito além dos caminhoneiros, mas que se sentiu representada por eles, pode criar uma versão brasileira, e por isso particular, do eleitor de Donald Trump nas eleições de 2018. Uma parcela de brasileiros que secretamente se sente impotente, de várias maneiras.

A corrupção é o guarda-chuva que permite a quem o ostenta nem precisar explicar, muito menos precisar entender o que o move de fato

A corrupção, a bandeira mais uma vez desfraldada por apoiadores da paralisação e por parte dos caminhoneiros ao longo dos dias, é um guarda-chuva que protege aquele que gosta de se apresentar como “cidadão de bem” de seus objetivos mais mesquinhos e egoístas. É fácil ser contra a corrupção. Nunca se ouviu alguém dizer que é a favor da corrupção. A corrupção é o guarda-chuva que permite a quem o ostenta não precisar explicar, muito menos precisar entender o que o move de fato, o que sempre é muito confortável.

Ao constatarmos que a maioria dos brasileiros se corrompe um pouco por dia, no que se refere às pequenas infrações, como tirar vantagem de alguma coisa, roubar no peso ou no troco, é possível desconfiar que não é a corrupção que move tanto ódio, mas um profundo descontentamento com a corrosão do cotidiano e o sentimento de impotência. Quando alguém diz que é contra a corrupção, talvez esteja gritando contra o fato de sua vida ser tão difícil e tão aquém de seus melhores esforços, no caso dos mais pobres. Ou, no caso de quem lamenta os privilégios perdidos, contra a crença de que sua vida não está à altura do que considera merecer por posição de classe.

A corrupção, no caso dessa paralisação, foi definitiva apenas no fato de o governo Temer comprometer ainda mais o investimento em saúde e educação, decisão que atinge os mais pobres de forma explícita. E fez isso justamente por temer perder o governo e ser despachado para a cadeia por... corrupção. Não é um dado lógico, uma escolha inescapável, a de cortar justamente em áreas como saúde e educação, ciência e tecnologia; cortar recursos no campo do saneamento básico, da reforma agrária e da regularização fundiária na Amazônia; na esfera do incentivo à agricultura familiar e do desenvolvimento da agricultura orgânica e de baixo carbono; no âmbito da demarcação de terras indígenas, do desenvolvimento sustentável, da oferta de água, da fiscalização ambiental e da prevenção de desastres; nas áreas das políticas públicas sobre drogas e do combate à violência contra a mulher; no setor do trabalho, do emprego e da saúde do trabalhador. Entre outros.

A escolha do que cortar e de como manejar o preço do diesel não é lógica, mas ideológica

A escolha do que cortar e de como manejar o preço do diesel não é lógica, mas ideológica, e está a serviço de um projeto de ocupação e perpetuação de poder. Os caminhoneiros são acusados de terem chantageado o governo, em especial pela parte que toca aos donos de transportadoras, suspeitos de terem promovido um locaute – greve de patrões, portanto ilegal. Mas o governo Temer, cada vez mais fraco e desmoralizado é, ao mesmo tempo, alinhado e chantageado de forma permanente por grupos com maior poder de pressão, como os ruralistas e os donos de planos de saúde.

Em 2013, Lula, Dilma Rousseff e o PT descobriram que perderam as ruas. Em 2018, as direitas que articularam o impeachment de Dilma Rousseff descobriram o que foi dito ao PT anos antes: quem acredita que controla as ruas é um idiota. Suspeito que muita gente que apoiou o impeachment em 2016, incluindo parte da imprensa, hoje esteja bastante arrependida com os rumos que o país tomou. Mas ainda sem grandeza ética para assumir seus erros publicamente. Não é só o PT que precisa fazer autocrítica, obviamente.

A irresponsabilidade de tirar do poder uma presidente ruim, mas eleita, sem base legal para isso, alargou a convicção de que o voto vale pouco no Brasil e que os resultados das eleições, caso sejam insatisfatórios para grupos de poder, podem ser alterados. Os ecos dessa violência contra a democracia se farão sentir por décadas e foram determinantes para essa paralisação que, à certa altura, acreditou poder derrubar o governo.

Se o sentimento de revolta contra a corrosão da vida moveu 2013 e move 2018, talvez seja só isso o que existe em comum. A luta original do Movimento Passe Livre (MPL), detonador das manifestações de junho de 2013, era pela ocupação do espaço público pelas pessoas. O desejo era de retomar a cidade para quem nela vive. Em 2013, caminhando sobre as próprias pernas, uma multidão descobriu uma cidade impossível de alcançar pela janela dos carros e ônibus.

A luta dos caminhoneiros de maio de 2018 é por um Brasil que já não pode ser, embora ainda será por muito tempo. O transporte ferroviário e fluvial é pífio, apesar das dimensões continentais do país e do fato de o Brasil ter o privilégio de alguns dos maiores rios do mundo correrem no seu território. As rodas dos caminhões que hoje giram em falso dizem muito sobre as escolhas do passado e do presente.

A poluição de São Paulo foi reduzida à metade durante a paralisação

A luta de 2013 era para liberar o fluxo, a de 2018 para interromper o fluxo. Não há maior símbolo dessa diferença do que a imagem agressiva dos caminhões num planeta em que é preciso reduzir as emissões de CO2. Isso se nossa espécie quiser continuar vivendo num mundo ruim, mas ainda possível. Uma das constatações mais importantes na paralisação dos caminhoneiros, ainda que pouco mencionada, foi a redução da contaminação de São Paulo: no sétimo dia do movimento, a poluição foi reduzida pela metade. Segundo matéria da Agência Fapesp, a qualidade do ar na capital paulista tornou-se “boa” em todas as estações de medição e para todos os poluentes analisados, algo muito difícil de ser registrado.

A luta de 2013 era a das capitais, a de 2018 é a dos Brasis do interior e dos subúrbios das grandes cidades. A luta de 2013 era pelo futuro, a de 2018 é pelo futuro do passado. Escutar a todos é obrigatório. E votar em outubro se torna cada dia mais importante para a defesa da democracia num país em que ela foi corrompida. Sem a democracia, nem as ruas teriam falado em 2013, nem apoiadores – ou manipuladores – da paralisação dos caminhoneiros poderiam gritar para que o tio da farda bote ordem na casa. Essa democracia imperfeita, falha e seguidamente injusta ainda é o melhor que temos.

* Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção Coluna Prestes - o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos, e do romance Uma Duas. Site: desacontecimentos.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter: @brumelianebrum/ Facebook: @brumelianebrum


Arnaldo Jardim: Lições da greve

Há hoje uma insatisfação generalizada na sociedade. As pessoas não aguentam mais o que está acontecendo. Desconfiam de tudo e de todos. Demandam justas e necessárias medidas. Mas, muitas vezes, ignoram o seu custo e o prazo necessário para a sua implantação. Eu não me colocarei ao lado dos demagogos que tudo “apoiam”. Por respeito aos valores que sempre defendi, ao longo de minha vida, e por respeito aos cidadãos de bem, de meu país, seguirei sempre alertando para os cuidados necessários, quando da implantação de novas políticas públicas, por considerar ser essa a única postura que, efetivamente, pode contribuir para a construção do Brasil que sonhamos.

A insatisfação pode ser uma alavanca para as mudanças que todos desejamos. Isso é verdade. Mas pode também ser perigoso, se nos enveredarmos por descaminhos, por atalhos, que podem nos levar a destinos que não planejamos e não queremos.

O que é um descaminho? É, para dar um exemplo, diante das necessidades tão graves que vivemos, propor, como solução, a redução de tributos, ignorando o fato de que, ao cortar impostos, estaremos diminuindo os recursos orçamentários existentes, o que nos levará, necessariamente, a cortar outros serviços públicos, que podem ser tão importantes quanto o benefício a ser criado.

Cortar gastos, obviamente, é necessário. Entretanto, precisamos estar conscientes de que, não sendo o orçamento público infinito, a criação de alguns benefícios sociais exigirá o corte de outros, tão necessários quanto, o que precisará contar com o debate e a decisão dos cidadãos brasileiros.

Outra questão que devemos considerar é que não se pode tratar as demandas de cada setor, isoladamente. A insatisfação setorial surge sempre de uma forma contundente, concentra a nossa atenção, mas, algumas vezes, ignora o conjunto das necessidades do país. É necessário que tenhamos consciência de que qualquer medida que tomarmos tem impacto nos outros setores econômicos e nos segmentos sociais, com um custo que poderá impactar todo o país.

Por essa razão, precisamos agir com responsabilidade, identificando alternativas viáveis, os recursos necessários para a sua implantação, e, principalmente, levar em conta que somente programas estruturantes, com resultados de longo prazo, podem trazer soluções definitivas.

Muitos fazem coro às reivindicações dos manifestantes. Eu prefiro, entretanto, adotar o caminho da sensatez e apresentar alternativas concretas, que possam trazer consequências reais e duradouras para os públicos demandantes.

Os interesses corporativos têm muitos padrinhos. O interesse público, porém, não tem quem o apadrinhe e poucos são os que se mobilizam por ele.

O momento é grave, impondo a nós todos a formulação de soluções estratégicas e de longo alcance. Sobre o preço da política de combustíveis, particularmente a praticada pela Petrobras, o meu posicionamento é claro: nenhum saudosismo, nenhuma volta ao passado, nenhum tipo de tabelamento ou artificialismo. Temos que enfrentar este problema, reconhecendo que o preço é muito alto, estabelecendo que a flutuação dos preços dos combustíveis deve respeitar uma banda de valor, ou de tempo, para que aí sim a mudança possa ocorrer. Talvez seja necessário, por exemplo, recuperar o sentido compensatório que tinha a CIDE – Combustíveis. Na Câmara dos Deputados, retiramos o Pis/Cofins e oneramos outros setores. Tivemos consciência da necessidade de impor um maior equilíbrio na estrutura de preços dos combustíveis, reconhecendo a verdade insofismável de que nada, absolutamente nada, é grátis no reino da economia. É importante que isso fique claro.

Dentro desta coerência, manifestei já a minha preocupação com relação à proposta de tabelamento do frete, que, alem de ineficaz, é desorganizadora da economia.
Previsibilidade também é uma palavra fundamental para a organização da vida das famílias, e, também, para o planejamento da vida de cada um dos segmentos da sociedade, dos diversos setores econômicos.

Destaco, neste episódio, a atuação objetiva e firme do governador do Estado de São Paulo, Márcio França. Preocupado com o vácuo de resposta de nossos governantes federais, o Governador tomou a frente do problema, buscando soluções que normalizassem a vida da população paulista.

As lições são muitas. A mais grave delas é que temos um vazio de poder enorme no Brasil. A presidência da República demonstrou não ter conhecimento da situação, não ter discernimento suficiente para identificar a profundidade do problema que se iniciava, demorando a tomar iniciativas que respondessem às demandas. Quando o fez, foi no afogadilho de atender pontualmente as reivindicações, ou buscando aplacar um problema político, não dando atenção à possibilidade de ocorrência de crises institucionais.

Setores da população clamaram por uma intervenção militar e isto não pode ser ignorado. Corresponde a uma vontade de mudar, a uma falta de referências. Impõe-se então que, de uma forma consistente, comecemos a construir alternativas que tenham consistência e credibilidade. Fortalecer o debate de qualidade para as próximas eleições, viabilizando candidaturas que preencham esse espaço ou esse vazio de poder, será absolutamente necessário para o fortalecimento de nossas instituições e para a defesa intransigente da democracia brasileira.

* Arnaldo Jardim é deputado federal pelo PPS-SP


Paulo Fábio Dantas Neto: Pela política de volta aos seus postos. Espantar fantasmas, evitar esquinas

Entre 2013 e 2018, alusões a 1964 têm sido abundantes como retórica do embate político e midiático. Sérios transtornos sociais, prejuízos econômicos, complicação do problema fiscal e desdobramentos políticos do locaute das empresas transportadoras de carga que encorpou o movimento dos caminhoneiros deram, nos últimos dias, ainda mais audiência a quem difunde esse tipo de analogia.

Na mesma direção vai a percepção geral da fraqueza política do governo para deter a sabotagem perpetrada contra o país. O mesmo governo que vem saneando e recuperando a Petrobras caminha agora em direção ao passado recente, quando a instrumentalização política da empresa, associada a uma política de desoneração de empresários, afundou o tesouro nacional e ajudou a desarmar estado, economia e sociedade no enfrentamento de uma recessão que vinha então a galope, uma tempestade ocultada pela maquiagem marqueteira da campanha governista de 2014.

Analisado isoladamente, o caso da atual gestão da Petrobras é dos mais bem-sucedidos. Pode-se discordar da orientação adotada mas ali há (ou houve) política pública. Ali não houve (ou não havia) o vaivém do governo na busca do equilíbrio das contas públicas, visível em outros setores. Porém, o governo paga alto preço por ter permitido um tal grau de insulamento à Petrobras que a desconectou da grande política. Colocar fim na política de varejo e na instrumentalização partidária no atacado, marcas do período anterior, é um mérito, mas era preciso fazer isso com régua e compasso, atento à necessidade de ir ganhando mais aliados no curso da política adotada.

Num país onde o novo e o antigo sempre estão a se misturar, ir pelo incremental é sempre bom conselho. A gramática política do Brasil, como mostrou Edson Nunes, é sincrética e foi ignorada ao se fazer um tratamento de choque radical. Perdendo o compasso, o governo passou só a régua e — vê-se agora — produziu amplo leque de adversários, além dos inevitáveis. Implacáveis na defesa de seus interesses corporativos, transportadoras e caminhoneiros legaram um rombo financeiro ao país e abriram aos pés do governo uma cratera política, com aplauso ou silêncio de políticos acovardados e eleitoralmente ansiosos.

A realidade é que os defensores do status quo anterior ganharam de volta um discurso, ainda que mistificador. A imprudência encontra um limite espantoso quando gente de esquerda sai a reboque do locaute empresarial e de sabotagens populistas e autoritárias, ajudando a mergulhar o país no caos. Mas o que querem? Deixar faltar gasolina para que o preço baixe? Ou pensam em usá-la para atiçar o fogo no qual eleições podem ser incineradas? Fazem o jogo da direita na ilusão de que rirão por último. Essa fantasia e a aventura que dela decorre levam, à primeira vista, a nos lembrar de 1964.

Apesar das aparências é o caso de distinguir, não de confundir as coisas. Proponho que recusemos o raciocínio anacrônico que tenta exumar, como assombração, um fato relevante ocorrido no passado, como se fosse parte de uma tradição, daquelas tradições através das quais, conforme Marx, gerações mortas oprimem os cérebros dos vivos. Conferindo a conspirações e golpes o status de uma tradição nacional, essa narrativa agride o método de Marx, pois oculta, ideologicamente, um traço forte da tradição política brasileira: a aceitação, pela elite política, da sugestão de Tocqueville, de tratar a mudança mental de uma sociedade como se fosse desígnio da Providência, ao qual não cabe resistir, mas que é preciso fazer deslizar, o mais suavemente possível, para que não se torne um liberticídio.

A adoção dessa sugestão por uma elite politicamente ativa está na raiz da propensão ao acordo e à negociação que marca, mais que os momentos de ruptura, a nossa história política e a faz contínua, enquanto a sociedade se transforma. Os riscos que nossa democracia atual enfrenta — e eles não são desprezíveis — estão menos nessa nossa tradição e mais em desconsiderá-la, como fez o governo na condução política da mudança na Petrobras. Agora tenta retomá-la, para tentar diminuir o estrago.

Os riscos não compõem um flashback. Invisíveis pelo retrovisor, são próprios da complexidade e da intensidade inaudita de mudanças políticas, sociais, culturais e tecnológicas possibilitadas, inclusive, pela avenida institucional que se abriu, há 30 anos, com a promulgação da atual Constituição. O quadro é preocupante mas não porque as instituições políticas tenham trincado ou sejam más. O problema, está, em parte, na fortuna, ou seja, na objetiva e farta oferta de novos fatos sociais realmente difíceis de compreender e de incorporar ao cotidiano institucional. Mas está, também, em boa medida, na escassez de virtù, a virtude política que se tornou rara onde precisa ser comum.

Com as exceções de praxe — que devem ser valorizadas —, as instituições políticas e outras, que as devem controlar, estão sendo pilotadas sem imaginação e sem suficiente responsabilidade política. Refiro-me não só ao patrimonialismo tradicional e ao oportunismo raso, presentes na elite política propriamente dita. Ela é alvo de contundentes operações policiais e judiciais e recebe reprovação da sociedade pelo que faz, pelo que não faz e também pelo que lhe imputam demagogos de vários matizes, que batem ponto na própria política, em corporações estatais e empresariais e na imprensa. Refiro-me, também, ao corporativismo e messianismo difusos em elites que se pretendem moralizadoras, bem como no discurso e na práxis de sindicatos e outros entes da sociedade civil, entregues a um varejo medíocre.

Amantes de esquinas de variados tipos, com seus fundamentalismos e/ou pragmatismos, contribuem para travar a fluência do trânsito na avenida. A busca de atalhos e cirurgias, de tão insistente, pode acabar mesmo nos levando a novas esquinas. E uma vez diante delas, improvisos de má qualidade ou scripts inaptos à via democrática e pluralista aberta em 1988 podem nos enredar em becos. O locaute do setor de transportes apontou para um deles.

Movimento na estrada na contramão da avenida

A crise política prolongada estimulou empresários a seguirem, nesse maio de 2018, script análogo ao usado pelos irmãos Batista, no maio do ano passado, para chantagear o estado e a nação. Mas quem são os Janots do maio de 2018? Haverá hoje um Congresso disposto a frustrar suas intenções? Partidos e lideranças que ainda possam adiar táticas eleitorais para salvar uma pinguela estratégica? Presidente e governo em condição de operar a política real com habilidade e eficácia, sem ceder no essencial do seu programa de recuperação econômica? Ou de tratar com firmeza os sabotadores, sem contar apenas com as corporações armadas? Interpeladas com frequentes missões excepcionais, sob holofotes, essas corporações manter-se-ão inflexivelmente restritas a rotinas da vida profissional?

A inquietante resposta comum a quase todas as perguntas parece ser um genérico não. Mas a primeira das perguntas requer, para ter resposta, um entendimento prévio mínimo do que se passou no caso específico desse movimento de caminhoneiros e de empresas de transporte de carga.

Apesar de as declarações firmes e verazes do ministro Jungmann merecerem menção, bem como o sentido institucional da linha de ação que sugeriu, é recorrente e também veraz a avaliação de que a situação política do governo e do presidente não levou a posição clara e ação em tempo hábil para sanar a sabotagem. Na outra ponta da realidade, o ministro Marun levava ao presidente novas reinvindicações de caminhoneiros. Como as dos empresários, primeiros da fila, elas foram tratadas — e tinham de sê-lo — como se houvesse greve convencional, envolvendo trabalhadores e sindicatos, e não o que de fato havia: paralisação sustentada por movimento de empresários com objetivo econômico antissocial, sem armas, mas com metodologia paramilitar e potencial político explosivo.

Fique claro que não se trata de criticar o governo por ter negociado. É da sua índole e isso é bom. Trata-se é de ter realismo para reconhecer que o governo não estava em posição forte para negociar. E isso é ruim. Está sendo comemorado por quem de fato pensa e por quem só declara que pensa (a intenção aqui importa menos que o efeito do pensamento equivocado quando orienta a ação) defender o interesse público, ao enfraquecer mais o governo nessa hora. O equívoco está em não considerar que prejuízos coletivos serão proporcionais à força de quem estava do outro lado da mesa.

A falsidade das analogias com 64 não nos dispensa de tentar responder à pergunta sobre quem são os Batistas e Janots do maio de 2018. Buscar uma resposta a essa altura só tem sentido político se for para reverter o êxito da presumida ação ilegal. Tarefa que o ministro Jungmann assumiu ser dos órgãos de segurança institucional, mas que não teve até aqui serventia. Comprovado o locaute (e já há, ao que se diz, 48 processos), há possibilidade política de recuo em pontos já firmados do acordo, lesivos às contas públicas? Se não há, seria imprudente recusar a simultânea pauta encaminhada por Marun. Claro que as conclusões da investigação serão úteis, mas o tratamento político que se dará a elas já foge ao poder de decisão do governo Temer. O êxito do movimento está consumado, tenha sido ou não ilegal o seu método e mesmo que se confirme o caráter antissocial da sua motivação.

Mas, detectada a conspiração, resta ainda saber por que terá dado certo. Como já se disse bem sobre 64, o simples fato de uma conspiração existir não explica seu eventual sucesso. A questão em aberto conduz ao tema da fragilidade política do governo Temer, para entendê-la, do ponto de vista político. Tema que não é assunto maduro para cientistas políticos, menos ainda para historiadores. Mas uma elite política não pode adiá-lo, sob pena de praticar haraquiri antes de um golpe lhe ser imposto. Depois do fato consumado, a ela restará apenas confessar o ato de se ter autoconvertido em fantasma.

Por que a pinguela balança?

O tema central aqui, repito, é o que explica a fragilidade do governo Temer. Para se ter resposta útil e tempestiva sobre isso, é preciso pensar em quem tem responsabilidade política e institucional pela condução do país, além do próprio governo, cuja conduta já analisei.

Para começar, a fragilidade não é produto exclusivo do processo político que gerou esse governo. Essa é uma simplificadora e obviamente interessada explicação para um problema complexo. Se em política houvesse correspondência tão direta entre alhos e bugalhos, o colégio eleitoral inventado pela ditadura não teria sido, como foi, ponto de partida para a institucionalização prática de uma democracia de amplitude inédita no Brasil, processo de conflito e negociação que incluiu também praças e avenidas lotadas, como estiveram igualmente em 2013 e em 2015/2016.

Seguramente não é simples assim. A fragilidade inaugural do governo Temer seria (e estava sendo) superada pela entrega de uma das mercadorias prometidas, a reconstrução da economia. A outra meta, a pacificação do país, teve logo seu cumprimento travado por atores interessados, por razões diversas, em impedir que o governo acumulasse dividendos políticos com o êxito da primeira. A ilusão de que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa começou a se desfazer quando o governo começou a atirar em direções contraditórias para compensar os efeitos da gradativa deserção de aliados, cada vez mais focados no imediatismo eleitoral. Foi perdendo seu próprio foco e com ele a força relativa que ainda retirava da clareza de sua plataforma reformista. A realidade da conexão entre economia e política mostrou-se, explicitamente, dramaticamente, na conexão entre estradas bloqueadas e cidades desabastecidas. A política, aos poucos interditada durante a crise, sumiu da prateleira porque a elite política, sem combustível, sumiu dos postos que ocupa no mundo público.

Pontos fora dessa curva infeliz há talvez em todos os partidos que não são apenas siglas de aluguel. Necessitam de articulação transversal para vencerem a barreira da invisibilidade. Há um manifesto em circulação, assinado por gente de peso e respeito, tentando emitir um toque de reunir para democratas e reformistas. Até aqui, parca resposta, dando a suspeitar que a política chamada por Marco Aurélio Nogueira de “dos políticos” tenha sofrido edema de glote e agonize sedada na UTI.

Essa sensação de vácuo político conduz boas cabeças a se voltarem, como solução, para a política “dos cidadãos”. Há aí dois problemas: ela não é bem votada no eleitorado profundo e, principalmente, ela não governa, nem aqui nem em qualquer lugar do mundo. A democracia é (ainda) o governo dos partidos, portanto, dos políticos. E será assim enquanto não inventarem nada melhor, ou até que algo melhor entre, de fato, na política e não se limite a fazer a sua crítica. Macron pode estar sinalizando isso? Talvez (se a política externa deixar), mas até na França é preciso esperar um pouco para saber. E o Brasil em crise pede soluções para ontem.

Isso não significa desprezar a política do cidadãos. Ao contrário. Uma sociedade civil politicamente ativa é muito importante para democratizar a democracia. Mas governo é outra conversa, como mostraram nossas estradas bloqueadas e cidades desabastecidas. Terá sido por falta da política dos cidadãos ou pela omissão da política dos políticos, que segue sendo imprescindível?

Mais uma vez a história pode ensinar, em vez de confundir. É recorrente também lembrar de Ulysses Guimarães. Quero fazer isso salientando um determinando ângulo do seu legado. Através de sua liderança, a política dos políticos desobstruiu e pavimentou estradas, abasteceu e energizou o tráfego. O Ulysses que mais faz falta hoje não é o da resistência democrática e sim o artista da governabilidade. Sarney, o afortunado, e Temer, o sem fortuna, que o digam. Como se sabe, Ulysses foi cristianizado pelo seu próprio partido, nas eleições de 1989. Porém, profissional — como são os bons políticos —, ainda segurava o leme em 1992, quando foi preciso, por meio de um impeachment, consertar um erro das urnas, reconhecido pelos eleitores. Morreu duas semanas depois, em paz com sua missão. Simbolicamente não pode ser sepultado nem cremado. Impossível não lançarmos, nessa hora difícil, um olhar perdido sobre a Serra da Mantiqueira, em busca de luz. Ou do toque de reunir.

* Paulo Fábio Dantas é cientista político e professor da UFBA

 


El País: Caminhoneiros dobram a aposta, ganham adeptos e amplificam pedidos por “intervenção militar”

Grevistas estacionados na rodovia Régis Bittencourt, um dos mais de 500 pontos pelo país ainda mobilizados, não aceitaram a proposta do Governo Temer. Pedem que o litro do diesel valha 2,50 reais e que valor fique congelado por um ano

Não é só por 46 centavos. O presidente Michel Temer(MDB) bem que tentou aplacar a ira dos caminhoneiros em greve ao fazer importantes concessões à categoria, mas pelo menos um grupo expressivo deles não se mostra satisfeitos: agora eles querem mais. Mais de 500 pontos de mobilização permanciam ativos na segunda, desafiando o Planalto e a estabilização da rotinas das cidades. No quilômetro 281 da rodovia Régis Bittencourt, em Embu das Artes, São Paulo, a paralisação entrou nesta segunda-feira em seu oitavo dia com a exigência de que o preço do litro do combustível abaixe ainda mais e gire em torno de 2,50 reais, no máximo 3 reais, e que seu valor fique congelado por pelo menos um ano — e não os 60 dias propostos pelo Governo. "O Temer está blefando, até agora não tem nada oficial. O acordo tem que ser aceito por aqui, se não não dá", diz Marcio de Faria.

"O país está numa situação tão difícil que nas mãos de quem está não dá mais. A corrupção está enojando o povo brasileiro. É tentar a sorte porque do jeito que está não dá mais. Infelizmente tem que partir para o pior", lamenta Daniela Camila Dias Duarte, de 37 anos e operadora de máquinas em uma indústria de embalagem farmacêutica da região. Álvaro Neto, também 37 anos, andou sete quilômetros a pé com sua filha de 13 anos nesta segunda para apoiar os caminhoneiros. "Mas, além de tudo, temos a esperança que alguém do Exército tome uma decisão de tomar conta do país. Já não é só o diesel e o pedágio, é a questão política. Temos a esperança de que um coronel abrace a causa, afaste os três Poderes e toque o país", explica este mecânico. Ele, que leva uma bandeira do país e um cartaz pedindo intervenção, explica não ter vivido a ditadura militar. "Mas dizem que o país era diferente em termos de educação, de saúde. Aquilo não foi uma uma ditadura, foram governos militares".

A manicure Andreia Ferreira, 33 anos, vem frequentando a mobilização dos caminhoneiros desde a última quarta-feira com sua mãe e suas irmãs. Vieram apoiar as pautas da categoria? "Não, a nossa. Essa luta é de todo brasileiro. Tudo é caro hoje. Com um salário mínimo, não se paga nada. E eles, os caminhoneiros, estão aqui por nós também", diz ela. O problema do país "estamos numa situação em que o imposto acaba com tudo", explica. "Tudo é muito caro. A gente não vive como poderia viver, porque nosso dinheiro é tão pouco e vai todo para imposto. O que você faz com um salário mínimo? Você vai no mercado e não consegue fazer uma compra decente. Se o imposto não melhora a educação e saúde, então serve para quê? É melhor cortar logo", defende. Sua mãe, Sirlene Ferreira, de 54 anos, diz que está acostumada a participar de manifestações desde os tempos da ditadura militar, quando fazia parte de um sindicato e era petista. Conta que inclusive foi presa. Apesar disso, defende a intervenção militar para tirar Temer do poder antes do fim do ano. E porque acredita que dessa vez vai ser diferente. "O povo brasileiro mudou, está informado, e não vai deixar que seja uma ditadura como antes. Essa intervenção vai ser do modo que o povo quer", explica a aposentada, que foi eleitora de Lula nas eleições em que participou. "Ele tinha tudo na mão para mudar esse país. Todos os que estão na manifestação hoje estiveram com Lula", aposta.

Congelamento maior

Enquanto isso, longas filas de caminhões continuam ocupando os dois sentidos da Régis Bittencourt. Mas, ao contrário da última sexta-feira, os veículos estavam estacionados no acostamento e em uma faixa, deixando duas faixas livres para a circulação em ambos os sentidos. Sem bloqueios, o trânsito fluía normalmente. Pessoas abarrotavam ônibus que passavam pelo local e aplaudiam os grevistas, apesar de terem se visto prejudicadas pela restrição transporte público nos últimos dias. Motoristas em carros e motocicletas continuam a buzinar em apoio. Na beira da estrada, não há sinais de que a população diminuiu seu apoio aos caminhoneiros. Cientes disso, os que ainda decidiram bater o pé e não aceitar o acordo proposto por Temer em cadeia nacional na tarde deste domingo. Em suma, o presidente propôs abaixar o preço do diesel em 46 centavos e mantê-lo congelado por 60 meses. Depois disso, os reajustes seriam mensais e não mais diários. Além disso, falou em em estabelecer uma tabela mínima de preço de frete e suspender a cobrança de eixo suspenso em todo o Brasil. Mas os caminhoneiros da Régis Bittencourt não só rechaçaram a proposta como alguns ainda falavam abertamente em interromper a greve apenas quando Temer deixasse o Governo, via renúncia ou via intervenção militar. O único político elogiado foi o governador de São Paulo Marcio França, que tomou a dianteira nas negociações com os grevistas no Estado.

A mobilização, com indícios sendo investigados pelas autoridades de ser um misto de locaute e greve em todo o país, é fragmentado e não tem lideranças claras. O WhatsApp e as informações (ou boatos) que circulam pela rede social servem de motor tanto para a paralisação como para os protestos que estão surgindo em decorrência dela. José Batista de Castro, de 53 anos, até elogiou algumas das ações de Temer que ficou sabendo. Mas, para ele, o congelamento dos preços durante 60 dias é pouco. "Depois disso vai reajustar tudo de novo. Por que não por mais tempo? Por que não reajusta de acordo com a inflação do Brasil? Por que a política de preço da Petrobras tem que ser aliada ao dólar? A gente não está de acordo com isso", diz ele. "O litro de diesel deveria valer no máximo três reais, mas o ideal seria menos. E esse preço tem que ficar congelado por um ano pelo menos", acrescenta.

Que o litro do diesel ainda custe três reais por litro ainda é muito para o bolso de Alvaro Mendes de Jesus, 50 anos. Ele, assim como vários outros, falam em 2,50 reais. No máximo 2,70. "A proposta do Governo está absolutamente equivocada. E depois dos 60 dias? Vai reajustar tudo de novo e vamos ter que parar tudo outra vez?", questiona esse caminhoneiro, que até a greve começar transportava ferro do Pará até Santa Catarina. "Queremos uma proposta justa e que abaixe o diesel na bomba", diz ele.

Os caminhoneiros também se mostraram favoráveis a uma intervenção militar, ainda que tenham ressalvas. José Batista espera que, caso ela ocorra, novas eleições sejam convocadas em breve. Mas existe um risco de uma nova ditadura? Depois de alguns segundos de silêncio, responde: "Com certeza é arriscado. Mas o pessoal está num beco sem saída com esse governo que está aí, né". Já Marcio de Faria, que pretende votar em Jair Bolsonaro para presidente nas eleições outubro, diz não acreditar que uma ditadura militar volte a vigorar no país. "A pauta da intervenção é do povo, que está vindo aqui e pedindo. O caminhoneiro está atrás de abaixar o combustível, e o povo está aproveitando a deixa para pedir a intervenção. É justo. A intenção é que haja intervenção e que novas eleições sejam convocadas", diz. Ao ser lembrado sobre o fato de que era essa a promessa em 1964, quando houve o golpe militar que resultou em uma ditadura de mais de 20 anos, Marcio responde: "Você está contente com o país em que está vivendo? Tem que ter alguma coisa. O Temer está destruindo o Brasil", explica ele. Já Álvaro Mendes diz que querer uma intervenção "desde que ajude a gente". E vai ajudar? Ele sorri e balança a cabeça para os lados.


Roberto Freire: Em defesa da ordem democrática

O governo negociou e atendeu às reivindicações dos grevistas dos transportes.

Não houve a contrapartida necessária, por parte dos manifestantes, com a volta dos caminhões às rodovias e estradas e a retomada do abastecimento.

Desnudou-se o caráter do movimento grevista.

Na primeira nota do movimento, reivindicava-se, como primeiro item, o voto impresso nas eleições de 2018.

Tal reivindicação nada tem a ver com a natureza das questões envolvidas nos transportes, mas sim, com a plataforma de determinado candidato de ultradireita, em nada interessado nas reivindicações específicas dos caminhoneiros e mesmo de empresas do setor.

Ontem, governo e grevistas chegaram a um acordo, cujo mérito não é escopo deste artigo discutir agora.

Já durante a negociação, determinada liderança ausentou-se, alegando desconfiança no governo.

Exigia garantias de que o Congresso aprovaria a eliminação de determinado imposto. Ou seja, queria o Congresso, Senado e Câmara ajoelhados diante do que se proclamou representar.

Restou demonstrado que há interesses turvos, que não querem negociar, apenas almejam desestabilizar a democracia.

Não cabe tergiversar com quem coloca em risco à democracia e nossas liberdades.

Só democrata desavisado imagina que do desabastecimento generalizado, que uma greve como essa provoca, as instituições do Estado de Direito se sustentam e se fortalecem.

Nunca é demais lembrar da tragédia chilena com a deposição de Allende e instauração da ditadura de Pinochet. Tudo começou com uma greve de caminhoneiros.

O governo federal acaba de tomar as medidas acertadas para restabelecer ordem e defender a população, sempre a maior vítima de qualquer desabastecimento. E mais com a determinação de respeitar o acordo estabelecido com o comando do movimento grevista.

Não cabe vacilação.

Os democratas devem dar todo apoio às medidas anunciadas pelo governo federal que, dentro da legislação do Estado de Direito Democrático, possam garantir o pleno exercício das liberdades e dos direitos da cidadania brasileira.