Grécia

Sérgio C. Buarque: A vanguarda do atraso

Conservador é quem rejeita mudanças, indicando que está satisfeito com a situação e que imagina possível manter as regras atuais no futuro, embora sejam evidentes os sinais de reestruturações econômicas e sociais. Quem é contra as reformas em discussão no Brasil não quer mudança e, portanto, é conservador. Os sistemas de regulação na sociedade e na economia não podem ser rígidos e definitivos, porque devem se adaptar e renovar para acompanhar as transformações das estruturas e das relações de produção, de modo a garantir o equilíbrio entre proteção social e eficiência econômica. Como as estruturas e relações de produção estão mudando radicalmente no mundo e no Brasil, manter as velhas e rígidas regras do século XX é reacionário, anacrônico e insustentável. Isto vale, principalmente, para a reforma da previdência e para a reforma trabalhista, considerando dois fenômenos de grande relevância: a profunda mudança demográfica e as intensas transformações tecnológicas, com impactos nas relações de produção e de trabalho.

O sistema previdenciário brasileiro, construído quando a estrutura demográfica era predominantemente jovem, não cabe mais num país que envelhece de forma acelerada. Em 2040, o Brasil terá mais idosos que crianças e adolescentes, quase 20% da população terão mais de 65 anos, resultado de um crescimento médio de 3,68% ao ano, muitas vezes acima do crescimento de apenas 0,42% ao ano da população total. Os benefícios dos trabalhadores inativos vão crescendo muito mais rápido do que a contribuição dos ativos, anunciando a falência do sistema. Mas os conservadores querem simplesmente manter o sistema previdenciário atual, cheio de injustiças e privilégios, deficitário e insustentável no futuro. A manutenção das regras atuais da previdência vai provocar a implosão do sistema, com prejuízo de todos, inclusive dos atuais aposentados que não serão atingidos por nenhuma reforma devido ao chamado “direito adquirido”. É bom lembrar da Grécia, onde o sistema implodiu e atropelou mesmo estes direitos adquiridos.

Grupos e partidos conservadores defendem também a manutenção das rígidas regras trabalhistas definidas no século passado, quando a produção era também rígida, hierarquizada e verticalizada. Essas regras não cabem mais nas relações de produção e de trabalho que emergem com a revolução tecnológica e organizacional, e que demandam um sistema de regulação compatível com a flexibilidade do trabalho e com o declínio do emprego tradicional, substituído por novas e inovadoras formas de trabalho (flexível, dinâmico e instável) e novo perfil de profissões, empresas e negócios. A manutenção da atual legislação trabalhista não ajuda a proteger o trabalhador do vendaval das mudanças tecnológicas que estão redefinindo as relações de produção e a organização do trabalho. Por outro lado, esta manutenção compromete gravemente a competitividade da economia e, como resultado, a geração de emprego no Brasil, melhor forma de proteger os trabalhadores.

A discussão não pode ser contra ou a favor das reformas, mas, entendendo que são indispensáveis, sobre a natureza e os conteúdos das mudanças que criem novos mecanismos de regulação, capazes de equilibrar proteção social e eficiência econômica, nas condições emergentes do novo paradigma de desenvolvimento. Mas ser simplesmente contra reformas é conservador e reacionário. Como dizia o saudoso Fernando Lyra noutro contexto, os segmentos organizados da sociedade e os partidos políticos que se mobilizam hoje contra as reformas são a “vanguarda do atraso”.

Sergio Buarque é economista com mestrado em sociologia


Fonte: http://revistasera.ne10.uol.com.br/a-vanguarda-do-atraso-sergio-c-buarque/


José Roberto de Toledo: Caçando o voto inútil

Quem anula ou vota em branco pode, sem saber, ajudar o candidato mais votado.

Para 16 milhões de brasileiros, o voto se tornou inútil. No domingo passado, eles votaram em branco ou anularam, propositalmente ou não. É a maior ocorrência de votos inválidos em ao menos 20 anos: 13,7%. Mas, para ser compreendido, o fenômeno precisa ser escrutinado, sopesado, dividido. O diabo eleitoral é detalhista, nada tem de genérico. Não adianta procurar, o eleitor médio não existe. Se existisse, teria um seio e um testículo.

Antes de mais nada é preciso separar abstenção de brancos e nulos. Abstenção é um problema eminentemente cadastral. A Justiça Eleitoral não atualiza a listagem de eleitores como deveria. Ela está repleta de fantasmas e dados desatualizados sobre quem deveria votar - do endereço dos pais à escolaridade que o eleitor tinha aos 16 anos quando tirou seu título.

Tanto é assim que nos municípios onde houve recadastramento recente, como em Manaus, a abstenção foi menos da metade da média brasileira e quase um terço da verificada em cidades onde os cadastros não são atualizados há 30 anos, como São Paulo.

Só 8% dos eleitores manauaras não deram as caras, contra 22% dos paulistanos. É porque o cadastro eleitoral não tira a urna funerária da urna eletrônica em São Paulo. Mais idosos têm a zona eleitoral, como as do centro, mais abstenção. Quando os mortos se abstêm não há problema. Problema é quando eles votam.

À medida que mais localidades implantarem o sistema biométrico, mais viva e atualizada ficará a listagem de eleitores, porque o recadastramento é obrigatório. O problema é a falta de manutenção, porém. Cidades que recadastraram eleitores há mais tempo registraram taxas crescentes de abstenção no domingo.

Incompetência burocrática à parte, o problema para a democracia são os votos brancos e nulos. Porque eles indicam indiferença, revelam que para milhões e milhões tanto faz quem for eleito - porque, pensam eles, vai continuar tudo na mesma, sem solução.

Mas mesmo entre os votos nulos há que se separar os de protesto daqueles provocados pela Justiça Eleitoral ao anular a votação de candidatos cujos nomes estavam na urna eletrônica. Os nulos por impugnação somam 3,3 milhões de votos. Ocorreram em cidades como Matão, no interior de São Paulo, onde por causa do indeferimento da candidatura de Cidinho PT, seus 4.720 votos foram anulados, e o vencedor, Edinardo Esquetine (PSB), ficou com 100% dos votos válidos. O voto para prefeito desses 3,3 milhões acabou sendo inútil, mas não por vontade deles. Foi obra da Justiça Eleitoral.

Brancos e nulos de protesto (fazendo de conta que ninguém digitou número errado) somaram quase 13 milhões, ou 11% dos 119 milhões de eleitores que compareceram à sua seção de votação. É indiferença à beça, mais do que a população de Portugal, da Grécia ou da Bolívia. Mas os indiferentes não estão distribuídos uniformemente - nem pelo País nem dentro das cidades.

Já descontados os anulados pela Justiça, os brancos e nulos foram muito mais importantes em Belo Horizonte (21,5%) do que em Rio Branco (6,3%), gritaram mais alto no Rio (18,3%) do que em São Luís (7,4%), foram mais decisivos em São Paulo (16,6%) do que em Belém (8%). Decisivos? Voto nulo decisivo?

Decisivo, sim. Quem anula ou vota em branco pode achar que está apenas protestando, mas, sem saber, pode ajudar o mais votado. Aconteceu em São Paulo.

Os votos nulos e brancos apareceram proporcionalmente três vezes mais na periferia pobre do que no centro rico paulistano. Se dependesse das áreas pobres, a eleição teria dois turnos. Mas como até 20% de seus eleitores invalidaram seus votos, o peso da periferia diminuiu no total. E a vontade esmagadora do centro decidiu a eleição no primeiro turno. O voto inútil para uns foi útil para outros. Sorte de João Doria (PSDB).


Fonte: politica.estadao.com.br