general mourão

Bruno Boghossian: Mourão ainda espera o elevador no edifício do poder

General buscou posição de destaque, mas tenta esconjurar fantasma do vice decorativo

Entre a vitória na eleição e os primeiros dias de governo, Hamilton Mourão foi forçado a descer alguns metros no edifício do poder. O vice-presidente esperava despachar ao lado do gabinete de Jair Bolsonaro no terceiro andar do Planalto. Sua cadeira, porém, foi colocada no anexo que se conecta ao palácio por um túnel subterrâneo.

Em outubro, a ideia era outra. “Eu me vejo como um assessor qualificado do presidente, um homem próximo ali, junto dele, dentro do Planalto. Nossas salas serão juntas”, disse o general ao jornal O Globo, a três dias da eleição. “Não seremos duas figuras distantes, como já aconteceu.”

Ao entrar na terceira semana de governo, Mourão tenta esconjurar o fantasma do “vice decorativo” —que assombrou um Michel Temer maltratado por Dilma Rousseff.

Mesmo antes da vitória de Bolsonaro, o general se oferecia para funções de peso. Indicou publicamente que poderia ser um coordenador de ministérios. Ofereceu-se ainda para comandar parcerias público-privadas na área de infraestrutura.

Mourão ficou sem o gabinete, sem autoridade sobre os investimentos e sem o papel de líder da Esplanada. Com humildade, afirmou à Folha que esta última ideia “não vingou”. Agora, sugere cooperar com Bolsonaro nas relações internacionais. “Vamos aguardar o que o presidente vai definir”, disse, pacientemente.

O vice tenta se alinhar ao homem forte da economia para acumular influência no governo. O general é um dos poucos militares em cargo alto a defender a ideia de Paulo Guedes de rever as regras de aposentadoria dos homens de farda. Bolsonaro não parece estar convencido disso.

Mourão pegará as chaves do terceiro andar duas vezes em janeiro: quando o presidente for a Davos, na Suíça, e quando se internar para uma cirurgia. Será um teste de prestígio. Em 1981, quando o general Figueiredo foi parar no hospital, os ministros Leitão de Abreu (Casa Civil) e Delfim Netto (Planejamento) mal apareceram no Planalto para despachar com o vice Aureliano Chaves.


Ruy Fabiano: A voz dos quartéis

O ministro da Defesa, Raul Jungmann, há nove dias em um périplo pelo Oriente Médio, desembarca hoje em Brasília no bojo de uma crise militar, que poderá adquirir proporções delicadas.

Terá de decidir se punirá ou não o general Hamilton Mourão, de quatro estrelas, secretário de Economia e Finanças do Exército e integrante de seu Alto Comando. Mais que isso, Mourão é uma liderança, que se tornou uma espécie de ícone dos que postulam uma intervenção militar como saída para a crise política.

Ele próprio jamais fez apologia explícita da intervenção, mas já emitiu, mais de uma vez – e mais que qualquer outro oficial da ativa -, sinais da insatisfação militar em face do quadro político.

Voltou a fazê-lo quinta-feira passada, no Clube do Exército, quando comparou o governo Temer ao governo Sarney, pelo recurso sistemático ao fisiologismo parlamentar, em busca de chegar, “aos trancos e barrancos”, à conclusão do mandato. E manifestou simpatia à candidatura Bolsonaro, reiterando que “é um dos nossos”.

Em setembro, o general fizera o mesmo, em palestra numa loja maçônica, em Brasília, quando disse que, se a Justiça não cuidasse de enquadrar os políticos corruptos, “nós teremos que impor isso”, o que foi interpretado como ameaça de intervenção militar.

Não foi punido na ocasião, não obstante protestos de políticos, sobretudo da esquerda, e do próprio ministro da Defesa. Mas o comandante do Exército, general Villas-Boas, preferiu contornar a situação numa conversa pessoal, recusando-se a puni-lo.

Se o fizesse, não seria a primeira vez. Mourão, no governo Dilma, ao se manifestar criticamente sobre política, foi transferido do poderoso Comando Militar do Sul para a Secretaria de Economia e Finanças, em Brasília, uma função burocrática.

A mudança não abalou o seu prestígio interno. De certa forma, aumentou-o, pela audácia de ter vocalizado um sentimento hegemônico nos quartéis – e também entre os oficiais da reserva. Continuou a ser cortejado não apenas por seus colegas de Estado Maior, mas também por grupos civis intervencionistas.

As críticas que fez e faz ao quadro político e aos seus mais destacados protagonistas são até amenas, se comparadas ao que circula na mídia, nas ruas e no próprio Parlamento.

A diferença é que é um oficial da ativa, no mais alto posto da carreira, rompendo um silêncio institucional que se estabeleceu há 32 anos, com o advento da Nova República.

Nem mesmo quando o PT instituiu a Comissão da Verdade, nos governos Lula e Dilma, expondo ao julgamento moral (já que não tinha efeito jurídico) alguns oficiais que atuaram na repressão política no curso do regime militar, os quartéis se manifestaram.

O general Mourão é o primeiro a fazê-lo. Sua análise conjuntural, em síntese, mostra o país numa situação de degradação política, moral e institucional, em que o colapso da segurança pública e a falta de resposta da Justiça ameaçam levar o país ao caos.

A passividade do Estado diante de ações cada vez mais violentas de grupos armados, como o MST, destruindo não apenas propriedades privadas, mas redes elétricas e serviços públicos de infraestrutura, é um sinal de que não está dando conta da manutenção da lei e da ordem.

E aí entra em cena uma discussão a respeito do artigo 142 da Constituição, que diz que “as Forças Armadas (...) destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

Segundo alguns, a intervenção estaria subordinada à iniciativa de um dos três Poderes, mas, segundo outros, à frente dos Poderes, estaria a “defesa da Pátria”, a garantia da lei e da ordem.

O general Mourão parece alinhar-se a essa segunda interpretação, ao sustentar que, diante do caos – “ou mesmo nos antecipando a ele” -, será inevitável agir. Daí a lógica das “aproximações sucessivas” que, segundo ele, poderão desembocar na desordem e numa intervenção, que ele diz não desejar.

Nesse sentido, menciona, entre outras coisas, as dificuldades da Justiça em relação à punição dos corruptos graduados; o cipoal das leis processuais, “que precisam ser revistas”, pois estabelecem a impunidade; a ação do narcotráfico; e a presença criminosa em instâncias da administração pública, de que o Rio de Janeiro é o exemplo mais eloquente – mas nem de longe o único.

Nada do que disse é fictício, inédito ou exagerado, mas, dito por um militar graduado da ativa, tem gravidade diferenciada.

Jungmann é o primeiro ministro civil, desde que o Ministério da Defesa foi criado, no governo FHC, a lidar com uma crise militar, que não poderá resolver sem a intermediação do general Villas-Boas, comandante do Exército, que já manifestou anteriormente sua amizade e admiração pelo general Mourão.

* Ruy Fabiano é  jornalista