folia de reis

Revista Política Democrática || José Luis Oreiro: Por que o crescimento da economia brasileira não decola?

Produção da indústria brasileira recuou 1,1% em 2019 na comparação com 2018, segundo informações divulgadas na primeira semana de fevereiro deste ano pelo IBGE. Os dados jogaram um balde de água fria nas expectativas de uma aceleração mais robusta do crescimento em 2020

Entre 1980 e 2014, a economia brasileira cresceu a um ritmo médio de 2,81% a.a, segundo dados do IPEADATA. A grande recessão, iniciada no segundo semestre de 2014, produziu queda acumulada de 8,3% do PIB até o último trimestre de 2016. Formalmente a economia brasileira saiu da recessão no início de 2017, ano que apresentou crescimento do PIB de 1,32%, valor 53% inferior à tendência de longo-prazo para o período 1980-2014. Em 2018, o crescimento foi de 1,31%, repetindo assim o desempenho de 2017 e ficando novamente abaixo da tendência de longo-prazo.

Os dados divulgados pelo IBGE em dezembro sobre o comportamento do PIB no terceiro trimestre do ano passado deram ensejo a um aumento (temporário) do otimismo entre os analistas econômicos, não só sobre a performance da economia em 2019. Eles também alimentaram uma narrativa de que, em 2020, o crescimento da economia brasileira iria finalmente decolar, podendo situar-se acima de 2,5%.  Em artigo que publiquei no jornal O Estado de São Paulo (3/12/2019), chamei atenção para o fato de que o crescimento observado no terceiro trimestre do ano – de 0,6% na comparação com o período imediatamente anterior – havia sido puxado, pelo lado da oferta, pela agropecuária e pela indústria extrativa. Pelo lado da demanda, as exportações haviam apresentado queda expressiva de 2,8%, ao passo que as importações apresentaram crescimento de 2,9%, sinalizando clara tendência de piora das contas externas brasileiras no médio prazo. Argumentei que a estagnação da produção da indústria de transformação, fonte dos retornos crescentes de escala, absolutamente indispensáveis para a sustentabilidade do crescimento econômico no longo prazo, combinada com a deterioração do saldo comercial e, consequentemente, com o aumento do déficit em conta corrente do balanço de pagamentos, atualmente em torno de 3% do PIB, sinaliza um retorno da general restrição externa[1], tornando insustentável qualquer aceleração mais forte do crescimento da economia brasileira no médio prazo.

Os dados divulgados na primeira semana de fevereiro deste ano jogaram um balde de água fria nas expectativas de uma aceleração mais robusta do crescimento em 2020. Com efeito, o IBGE divulgou que a produção da indústria brasileira recuou 1,1% em 2019 na comparação com 2018, interrompendo assim o movimento de tímida recuperação da produção industrial ocorrido em 2017 e 2018. Dados divulgados pelo IPEA mostram que a formação bruta de capital fixo recuou 2,7% no quarto trimestre, na comparação com o período imediatamente anterior. Diante dos dados recentemente divulgados, os analistas do mercado financeiro já começaram a reduzir suas previsões de crescimento para 2020, as quais já se encontram bem abaixo de 2,5%, com algumas até mesmo abaixo de 2%. A esse quadro nada animador deve-se somar a incerteza quanto aos efeitos da epidemia de coronavírus sobre o crescimento da China (algumas análises projetam redução do crescimento da China para 4% em 2020 e redução de 33% no ritmo de crescimento na comparação com 2019).

Nesse contexto, é possível que a economia brasileira apresente crescimento inferior a 1,5% em 2020, completando assim quatro anos de crescimento medíocre após o fim da grande recessão. Dessa forma, não há como escapar da conclusão de que a grande recessão de 2014 a 2016 produziu redução da tendência de crescimento da economia brasileira. A questão relevante é saber qual o motivo.

Na minha visão, a redução do potencial de crescimento de longo prazo é um fenômeno que vem ocorrendo desde meados da década passada, em função da desindustrialização crescente da economia brasileira; fenômeno esse que foi tardiamente percebido pelas administrações petistas e enfrentado de forma tíbia e inconsistente no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. A crise de 2014-2016 piorou esse quadro, pois (i) fez com que as empresas brasileiras suspendessem seus planos de ampliação e modernização da capacidade produtiva, o que aumentou a defasagem tecnológica da indústria brasileira; e (ii) propiciou a adoção de uma agenda de consolidação fiscal baseada na contração do investimento público e das operações de crédito do BNDES, amplificando assim os efeitos da queda do investimento privado em 2014 sobre a demanda agregada, com efeitos negativos também no lado da oferta da economia. Isso em função dos efeitos de transbordamento positivos do investimento público sobre a rentabilidade das empresas do setor privado.

* Professor Associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília, Pesquisador Nível IB do CNPq e Pesquisador Associado do Centro de Estudos do Novo-Desenvolvimentismo da FGV-SP. E-mail: joreiro@unb.br.

[1] Analogia ao General inverno. Trata-se do papel que a restrição externa tem historicamente no Brasil de estrangular o crescimento econômico e desestabilizar o governo (Nota do autor).

 


‘Folia de Reis fortalece laços de solidariedade’, afirma Márcia Gomes

Especialista em patrimônio imaterial mostra importância da prática cultural, em artigo publicado na revista da FAP

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

A Folia de Reis é uma forma de expressar a fé, fazer pedidos sagrados, cumprir a missão, abençoar a vida e de se divertir, digna e respeitosamente, de acordo com a especialista em patrimônio imaterial Márcia Gomes. Em artigo produzido para a revista Política Democrática online, ela faz uma análise profunda da manifestação cultural.

» Acesse aqui a revista Política Democrática online

A revista é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira) e todos os conteúdos podem ser acessados gratuitamente no site da entidade. Márcia lembra que a prática da Folia de Reis foi trazida da Europa e incorporada à cultura brasileira. “Proporciona convergência de grupo e fortalecimento de laços de solidariedade, uma vez que a simbologia que carrega conduz a uma ‘cristianidade’ e vida de luta em comum”, diz a especialista.

Essa prática, de acordo com Márcia, tem a capacidade de fortalecer os vínculos, a memória e identidade de grupo, por meio da “passada” da folia de casa em casa – o “giro”, momento do auge em que o simbólico se junta à materialidade. “Ela é folclórica sob a ótica do pesquisador ou do admirador que a vislumbra da assistência”, afirma ela.

Segundo a autora do artigo publicado na revista Política Democrática online, os folieiros podem ter a consciência de que aquilo é folclórico, mas manifestam como um ato de sua vida. “É uma diferença sutil, portanto profunda”, acentua Márcia.

“Cantos, danças e estandartes compõem a manifestação. As pessoas envolvidas cantam, dançam e carregam a bandeira da Folia até as casas como forma de devoção aos Santos ou aos Três Reis Magos”, pondera.

Todos os artigos desta edição da revista Política Democrática online serão divulgados no site e nas redes sociais da FAP ao longo dos próximos dias. O conselho editorial da publicação é composto por Alberto Aggio, Caetano Araújo, Francisco Almeida, Luiz Sérgio Henriques e Maria Alice Resende de Carvalho.

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Política Democrática || Márcia Gomes: Nosso patrimônio imaterial – a manifestação da Folia de Reis

São João del-Rei, em Minas Gerais é um exemplo emblemático da preservação cultural da Folia de Reis. Cidade tem cinco grupos reconhecidos como patrimônio imaterial do município, o que lhes confere maior visibilidade, identidade, reconhecimento e sentimento de pertencimento

Nosso patrimônio é uma construção social que referencia o efeito da ação do homem e permite que ele se sinta pertencente a um mesmo espaço. Considera, também, a representação de um passado, relacionado à memória da sociedade e sua cultura. No dizer de Rita de Cássia Cruz “não há patrimônio, seja ele material ou imaterial, que não seja cultural”, sendo a cultura a formação da sociedade.

O patrimônio imaterial abrange as expressões culturais e as tradições que um grupo de indivíduos preserva em respeito da sua ancestralidade, para as gerações futuras. Desta forma, guarda a memória coletiva e cria um sentimento de identidade, de pertencimento a um grupo – ou seja, uma ideia de continuidade.

São João del-Rei é um exemplo emblemático, uma cidade em que as manifestações culturais – bens culturais de natureza imaterial – sempre estiveram ligadas às devoções religiosas. Elas se entrelaçam e abrigam todas as camadas sociais, as habilidades e ofícios a serviço da beleza e do brilho das cerimônias, da história, da vivência e da memória.

É por meio das observações e das interpretações dessas manifestações populares que se torna possível descobrir os códigos, as regras e os estatutos que constroem o ensinar e o aprender da diversidade da nossa cultura e, consequentemente, o desenvolvimento da nossa identidade. O patrimônio imaterial contido nessas manifestações é fundamental para manter a identidade local.
Toda manifestação da cultura popular só pode ser entendida se vista dentro de seu ambiente e tempo natural de ocorrência, ou seja, se contextualizada à vida de sua comunidade mantenedora, de sua religiosidade, de suas crenças e costumes.

A manifestação da Folia de Reis foi reconhecida, assim, como patrimônio imaterial do Estado de Minas Gerais, e no município de São João del-Rei cinco grupos de Folia de Reis estão também registrados como patrimônio imaterial, conferindo-lhe maior visibilidade, identidade, reconhecimento e sentimento de pertencimento.

Os sentimentos de pertencimento e identidade, quando fortalecidos dentro das relações humanas valores como respeito, cuidado, ajudam também no ‘estar presente’, no ‘pertencer’. É preciso perceber como ‘vivemos’ nossa cidade, como valorizamos nossa cultura, nossos ambientes, nossas relações, nossas tradições, nossa dedicação com o futuro e a responsabilidade com as nossas memórias e nosso comprometimento com a preservação e a valorização do nosso patrimônio material e imaterial – vale lembrar que ‘patrimônio’ é algo mutável. Não é algo natural, nem eterno, nem estático e, sim, uma construção social dinâmica.

A prática da Folia de Reis foi trazida da Europa e incorporada à cultura brasileira e proporciona convergência de grupo e fortalecimento de laços de solidariedade, uma vez que a simbologia que carrega conduz a uma ‘cristianidade’ e vida de luta em comum. Essa prática tem a capacidade de fortalecer os vínculos, a memória e identidade de grupo, por meio da ‘passada’ da Folia de casa em casa – o ‘giro’, momento do auge em que o simbólico se junta à materialidade.

Ela é folclórica sob a ótica do pesquisador ou do admirador que a vislumbra da assistência. Mas quem a pratica a faz como um gesto natural e funcional, de expressão lúdica ou religiosa. Os folieiros podem ter a consciência de que aquilo é folclórico, mas manifestam como um ato de sua vida. É uma diferença sutil, portanto profunda.

Cantos, danças e estandartes compõem a manifestação. As pessoas envolvidas cantam, dançam e carregam a bandeira da Folia até as casas como forma de devoção aos Santos ou aos Três Reis Magos. Devoção essa que se revela também nas brincadeiras, cantos e símbolos presentes no Éthos deste grupo. Ao mesmo tempo, remete a uma narrativa bíblica que enuncia o nascimento do Salvador do mundo – o Menino Jesus.

Para Jorge Amado, ‘meu materialismo não me limita’ (Jubiabá, 1935), o que equivale dizer que a estética dessa manifestação causa tamanho encantamento que, num instante mágico, se desloca do religioso e agrada nossos sentidos. A história ensina que a beleza tem autonomia em relação às crenças.

A Folia de Reis é uma forma de expressar a fé, de fazer pedidos sagrados, de cumprir a missão, de abençoar a vida e, enfim, de se divertir também, digna e respeitosamente.

“Ó senhor dono da casa,
recebei esta bandeira,
faça favor de entregá-la
a quem tem por companheira”.

*Coordenadora de Patrimônio Imaterial, Setor de Patrimônio Cultural/SMCT. Outubro/2019.