FHC

Folha de S. Paulo: 'Pessoas razoáveis já não têm espaço no Brasil', diz FHC

Ex-presidente atribui polarização do país a Bolsonaro e ao comportamento do PT

Por Sylvia Colombo, da Folha de S. Paulo

BUENOS AIRES - Em entrevista ao jornal argentino Clarín, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) disse que não se apresentaria novamente como candidato a presidente do Brasil porque é “um homem razoável e as pessoas razoáveis já não têm espaço num país polarizado.”

O ex-presidente disse que a polarização brasileira não se deve apenas ao presidente eleito Jair Bolsonaro, mas também ao comportamento do PT. “Eles sentenciavam que eram os bons e os demais, os maus. A mim, me acusavam de neoliberal, algo que nunca fui, mas era um modo de dizer que eu não servia.”

Indagado sobre se Bolsonaro é um fascista, FHC disse que não. “O fascismo é algo organizado. Ele representa um autoritarismo que pode ter qualquer tipo de base ideológica.”

Afirmou, ainda, que não gosta de ver Lula preso. “É ruim para ele e para o país, mas eu respeito a lei.”

Sobre Bolsonaro, disse que é preciso esperar e que faria resistência se houvesse “qualquer tentativa autoritária, a isso é preciso colocar freio.”

Acrescentou que a sugestão de mudança da embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém foi uma ação “precipitada” do presidente eleito.

“A posição tradicional do Brasil e a minha é a favor do Estado de Israel e da Palestina. Por que adotar outra que pode ser entendida por uma parte como uma provocação?”

FHC concedeu a entrevista em Madri, onde tinha prevista uma visita mais longa, mas que teve de ser interrompida porque sua mulher, Patricia Kundrat, mais de 40 anos mais jovem que ele, passou mal. Então, brincou, “isso me acontece por ter me casado com uma anciã. Da próxima vez, caso com uma mais jovem.”


José Serra: Aditivos fatais

Eles são usados pela indústria do tabaco para mascarar os efeitos da nicotina

O tabagismo mata cerca de 6 milhões de pessoas por ano e custa quase meio trilhão de dólares à economia mundial. Por sorte no Brasil, a partir do governo Fernando Henrique, foram implantadas políticas públicas eficazes para derrubar o consumo de tabaco. Os resultados sobressaem no cenário internacional: o porcentual de fumantes na população adulta caiu de 35% em 1989 para algo em torno de 10% atualmente.

Não obstante os resultados positivos, a iniciação dos jovens brasileiros no tabagismo ainda é preocupante. Isso reforça a importância de mantermos ativa a agenda contra o cigarro, agora proibindo o uso de aditivos destinados a tornar o hábito de fumar mais cativante para os adolescentes.

É preciso difundir a ideia de que o cigarro é um dos maiores fatores de perda de qualidade de vida das pessoas. Muitos avaliam que o hábito de fumar afeta só o sistema respiratório - o tabagismo está por trás de 90% dos casos de câncer de pulmão -, mas seus males vão além: há mais de 50 doenças associadas ao fumo, sendo o interior da boca uma das áreas mais atingidas.

Quem convive com o fumante paga o pato. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, cerca de 2 bilhões de pessoas são vítimas do fumo passivo no mundo. Deste total, 700 milhões de crianças sofrem com a maior incidência de bronquite, pneumonia e infecções de ouvido.

Com a promulgação da Constituição federal há três décadas, o Brasil deu seu primeiro passo na adoção de medidas de controle do tabaco. Em razão do parágrafo 4.º do artigo 220, a propaganda comercial de cigarro passou a estar sujeita a restrições da lei, devendo conter, sempre que possível, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso. Mas, como disse acima, o passo decisivo foi dado durante o governo FHC. Quando ministro da Saúde, no ano 2000, auxiliei o presidente a aprovar no Congresso a Lei n.º 10.167, que coibiu a propaganda de produtos fumígenos. Mais ainda, com base em evidências científicas implementamos também outras medidas que foram além dessa grande restrição.

Para começar, passou a ser proibido o fumo no interior de aeronaves e ônibus. Hoje parece esdrúxulo imaginar uma pessoa fumando num avião. Também foi proibida a propaganda de qualquer produto ligado ao tabaco, exceto em cartazes e painéis na parte interna dos locais de venda.

Interditamos ainda a associação do cigarro a qualquer prática esportiva. Vale lembrar as cenas surreais da propaganda da marca Hollywood produzida em 1982, em que jovens fumavam e praticavam windsurf. Ao final, vinha a seguinte mensagem: “Hollywood, o sucesso!”.

Graças às medidas adotadas, podemos esperar que no futuro os atuais cigarros aditivados com sabores de menta, cravo, cereja ou baunilha sejam considerados bizarros. Hoje, de acordo com estudos da Fundação Oswaldo Cruz, 56% dos jovens brasileiros preferem os cigarros com sabor. Não é por menos que a indústria do fumo comemorou o aumento de 1.900% nos registros de cigarro com sabores vendidos no Brasil entre 2012 e 2016.

A adição de sabores e aromas aos cigarros foi uma clara resposta da indústria às iniciativas governamentais antitabagistas. Os aditivos reduzem o amargor e a aspereza do fumo, facilitando o alastramento do vício. Dados os aditivos, se o consumidor se acostuma com o desconforto inicial da fumaça, corre o risco de ficar viciado na droga pelo resto da vida e submetido aos danos causados à saúde.

Com o objetivo de enfrentar essa nova estratégia da indústria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) editou uma resolução em 2012 para proibir o uso de aditivos de sabor e aroma aos produtos fumígenos, impedindo até a importação de produtos que contenham tais substâncias. Apesar de seus efeitos positivos, essa norma tem sido reiteradamente questionada na Justiça pela indústria do tabaco.

Foi assim que a Confederação Nacional da Indústria (CNI) ajuizou uma ação direta de inconstitucionalidade contra a resolução da Anvisa que proíbe aroma e sabor em cigarros. Segundo a discutível tese da CNI, a regulamentação da Anvisa só poderia ocorrer em situações concretas e em casos de risco à saúde, excepcionalmente, mas não em caráter genérico e abstrato.

Em fevereiro deste ano o Supremo Tribunal Federal reuniu-se para julgar o mérito da ação, mas a votação acabou empatada - um dos ministros declarou sua suspeição para o julgamento. Assim, não foi alcançado o quórum mínimo de seis votos para declarar a invalidade da norma. Julgaram a ação improcedente, mas sem eficácia vinculante e efeitos erga omnes (para todos).

Como não pudemos proibir os aditivos pela via administrativa e judicial, optamos então por restringir o uso de aromas e perfumes em cigarros mediante lei específica. Por isso apresentei no Senado, em 2015, o Projeto de Lei n.º 769, a fim de ampliar as medidas antitabaco no Brasil, entre elas a implantação dos maços “genéricos” e a proibição dos aditivos de sabor aos cigarros.

É preciso ter claro e difundir a verdade: os aditivos fatais são usados pela indústria para mascarar os efeitos da nicotina. Vários estudos indicam que os adolescentes são especialmente vulneráveis a esses efeitos e têm maior probabilidade que os adultos de desenvolver dependência do tabaco.

A luta antitabagista no Brasil tem conquistado cada vez mais o apoio da população. Um bom indicador a esse respeito foi o que se verificou com a medida que proíbe o fumo em recintos públicos fechados. Inicialmente adotada pelo governo de São Paulo, seu sucesso foi tão grande que se alastrou em poucos meses por todos os Estados, até virar lei federal.

Last but not least: a queda do consumo de cigarros no Brasil não teve impacto proporcional na queda da produção de tabaco, pois cerca de 80% dela é destinada à exportação. Esse tem sido um dado importante para diminuir a resistência às medidas restritivas sobre o fumo dos parlamentares ligados às zonas produtoras.

* José Serra é senador (PSDB-SP)


O Estado de S. Paulo: 'Não estou vendendo a minha alma ao diabo', diz FHC

Ex-presidente nega apoio automático a Haddad, critica o PT, diz que não votará em Bolsonaro e defende mudar partidos

Por Pedro Venceslau, de O Estado de S. Paulo

Alvo de ataques incessantes do PT por mais de duas décadas, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) disse, em entrevista ao Estado, que não aceita "coação moral" dos que agora buscam seu apoio. "Quando você vê o que foi dito a respeito do meu governo, nada é bom. Tudo que fizeram é bom. Quem inventou o nós e eles foi o PT. Eu nunca entrei nessa onda." Segundo ele, "agora o PT cobra... diz que tem de (apoiar Haddad). Por que tem de apoiar automaticamente? Quando automaticamente o PT apoiou alguém? Só na vice-versa. Com que autoridade moral o PT diz: ou me apoia ou é de direita? Cresçam e apareçam. A história já está dada, a minha." E desabafou: "Agora é o momento de coação moral... Ah, vá para o inferno. Não preciso ser coagido moralmente por ninguém. Não estou vendendo a alma ao diabo". Apesar disso, ele diz que "há uma porta" com Fernando Haddad (PT), mas com o "outro (Jair Bolsonaro, PSL)", não.

Como sr. vê o futuro do PSDB e avalia essa onda conservadora?
O PSDB, se quiser ter futuro, precisa se repensar. Depois de um terremoto, precisa reconstruir a casa. A onda conservadora é mundial.

O PSDB tem mais identidade com quem neste segundo turno?
Pelo que eu vi das pesquisas, é quase meio a meio do ponto de vista do eleitorado. Em seis Estados, o PSDB ainda disputa eleição para governador. Os candidatos ficam olhando o eleitorado. Do meu ponto de vista pessoal, o Bolsonaro representa tudo que não gosto. Só ouvi a voz do Bolsonaro agora. Nunca tinha ouvido. Não creio que seja por influência do que ele diz ou pensa que votam nele. O voto é anti-PT. O eleitorado parece estar contra o PT. No olhar de uma boa parte dele, o PT é responsável pelo que aconteceu no Brasil, na economia, cumplicidade com a corrupção e etc. É possível que a maioria dos líderes do PSDB seja pró-Bolsonaro, mas não é o meu caso.

O sr. tem mais identidade com o Haddad?
Não posso dizer isso. Como pessoa é uma coisa, como partido é outra. A proposta que o PT representa não mudou nada. Quando fala em economia, é a nova matriz econômica. Incentivar o consumo? Tudo bem, mas como se faz isso sem investimento? Como se faz sem enfrentar a questão fiscal? O PT no poder sempre teve uma deterioração da visão do (Antonio) Gramsci da hegemonia. Aqui não é cultural, é hegemonia do comando efetivo. Quando você vê o que foi dito a respeito do meu governo, nada é bom. Tudo que fizeram é bom. Quem inventou o nós e eles foi o PT. Eu nunca entrei nessa onda. Agora o PT cobra... diz que tem de (apoiar). Por que tem de automaticamente apoiar? É discutível. (O PT) Não faz autocrítica nenhuma. As coisas que eles dizem a respeito do meu governo não correspondem às coisas que acho que fiz. Por que tenho que, para evitar o mal maior, apoiar o PT? Acho que temos de evitar o mal maior defendendo democracia, direitos humanos, liberdade, contra o racismo o tempo todo.

Nas encruzilhadas históricas, PSDB e PT se uniram. No caso de 2018 é diferente?
Não faço parte da direção do PSDB, que decidiu pela neutralidade. Cada um pode fazer o que quiser. Política não é boa intenção. Uma coisa é a minha apreciação como pessoa sobre outra pessoa. Isso não é política. Se vamos estar juntos, tem que discutir completamente. Nunca houve isso.

O PT não está colaborando para essa aproximação?
De forma alguma. O PT tem uma visão hegemônica e prepotente. Isso não é democracia. Democracia implica em abrir o jogo e aceitar a diversidade.

Já houve algum diálogo do PT com o senhor?
Não. Tenho relações pessoais e cordiais com o candidato Haddad, mas o que está em jogo é o que será feito com o Brasil. Minha preocupação não é comigo ou o PSDB, mas com o Brasil. Qual é a linha? Estão pensando que estamos nos anos 60 e 70 ou terá uma linha contemporânea? Aí não dá...

Se o PT fizesse autocrítica, seria possível apoiar Haddad?
Seria bom, mas o PT está propondo coisas inviáveis.

O sr. vai declarar seu voto?
Quero ouvir primeiro. Não sei o que vão fazer com o Brasil. O Bolsonaro pelas razões políticas está excluído. O outro eu quero ver o que vai dizer.

Há porta aberta para Haddad?
Eu não diria aberta, mas há uma porta. O outro não tem porta. Um tem um muro, o outro uma porta. Figura por figura, eu me dou com Haddad. Nunca vi o Bolsonaro.

Haddad é diferente do PT?
Não adianta ser diferente. Haddad é a expressão do Lula. Ele usou uma máscara do Lula. Agora tirou e colocou uma bandeira verde e amarela.

Marconi Perillo foi preso. Antes foi o Beto Richa. O PSDB caiu na vala comum?
Você nunca ouviu de mim acusação contra o PT. O papel de acusar é da polícia; de julgar é da Justiça. É importante que as investigações prossigam. Você nunca ouviu uma palavra minha de defesa só porque é do PSDB. Quero que tenha direito de defesa.

O sr. conversou com Luciano Huck, que desistiu de concorrer. Se o PSDB tivesse lançado outro nome, talvez um outsider, a história seria diferente?
É difícil avaliar o que aconteceria com um candidato outsider. Sou amigo do Luciano Huck. É pessoa interessante, mas não sei o quanto tem habilidade para manejar os problemas do Estado. Espero que não desista. Nas circunstâncias atuais, dificilmente um candidato do PSDB, fosse quem fosse, estaria isento de sofrer as consequências do terremoto. Estamos assistindo a um terremoto. Não creio que seja o caso de culpar A, B ou C. Na situação que vivemos, você vai precisar de liderança forte, o que não significa autoritária. O governador de São Paulo tinha experiência e é uma pessoa correta, mas não teve apoio. Tentei juntar o centro antes. Ninguém quis. Não adianta ter ideia. Ideia é bom na universidade. Tem que ter capacidade de convencer. Agora, estão me cobrando: tem que fazer isso, aquilo. Tem carta, intelectual da Europa, dos EUA, amigos meus me pedem isso... Eles não conhecem o processo histórico. Nessas horas, a palavra de alguém some no ar. Cobram de mim para tomar posições. Mas eu digo: Por quê? Qual é a consequência?

Para a história, talvez?
Eu já fiz a minha história. Todo mundo sabe o que eu penso. Não preciso provar que sou democrático. Eu sou! O PSDB sabe o que eu penso. Todo mundo sabe. Alguém pode imaginar que eu vou sair por aí apoiando o Bolsonaro? Nunca.

Mas isso não significa que o sr. apoia Haddad?
Quando automaticamente o PT apoiou alguém? Só na vice-versa. Com que autoridade moral o PT diz: ou me apoia ou é de direita? Cresçam e apareçam. A história já está dada, a minha. Não vou no embalo. Não me venham pedir posição abstratamente moral. Política não é uma questão de boa vontade, é uma questão de poder. E poder depende de instrumentos e compromissos efetivos. Agora é o momento de coação moral... Ah, vá para o inferno. Não preciso ser coagido moralmente por ninguém. Não estou vendendo a alma ao diabo.

A esquerda diz que o Bolsonaro representa o fascismo.
O autoritarismo, concordo, o fascismo, não, porque é um movimento específico de apoio popular e com ideias específicas de Estado corporativo, tinha uma filosofia por trás. Não sei se ele (Bolsonaro) tem alguma filosofia por trás. Ele tem uma vontade de mandar. Não sei o que ele é. O que propôs como parlamentar foi corporativismo. Agora vai ser liberal? Pode ser. As pessoas mudam. Mas não mostrou nada.

O PSDB amargou o pior desempenho eleitoral de sua história. O que houve com o partido?
Houve um terremoto. Nele, há escombros de muitos partidos. O que ganhou na Câmara em maior número é o PSL. As pessoas não sabem o que significa PSL. Elegeram 52 deputados, 11% da Câmara. É a fragmentação, um problema estrutural. Como levar adiante isso? Querendo ou não, vai ser preciso agrupar forças. Mas ao redor do quê? Qual a proposta para o Brasil? Os candidatos não falam.

O senador Tasso Jereissati criticou a decisão do PSDB de contestar o resultado da eleição de 2014 e de entrar no governo Temer. O que o sr. acha?
Em geral, concordo. Mas o caso da entrada no governo Temer é uma questão mais complicada. Fomos a favor do impeachment. Fui dos mais reticentes – e a todos os impeachments, mesmo do Collor. É traumático. É um processo que abala. Mas não acho que o PSDB tenha sido incoerente nisso. Quanto ao resto, ele tem razão.

João Doria e Alckmin tiveram um momento tenso. Alckmin disse não ser traidor, em referência a Doria. Como o sr. avalia?
Tenho certeza que Geraldo não é traidor. Não é do estilo dele. A eleição não está resolvida. O Doria ainda tem de disputar para saber qual será o grau de projeção dele. Não estou de acordo em apoiar o Bolsonaro. Não corresponde à minha história e ao meu sentimento. Não são os militares voltando ao poder, mas o povo abrindo espaço para a possibilidade de uma presença militar mais ativa. Os militares entenderam a função deles na Constituição. Neste momento é muito importante defender o que está na Constituição. Não estamos mais na guerra fria. As pessoas olham para o que está acontecendo no Brasil como se fosse 1964 e 1968. Havia guerra fria e capitalismo contra comunismo. Não é essa a situação que vivemos. Temos de resistir a qualquer tentativa de ferir os direitos fundamentais assegurados na Constituição. O PSDB não deve abrir mão da defesa da democracia.

E sobre a guinada liberal no PSDB que Doria defende?
Essa é uma questão do século 18. Estamos no século 21. Hoje você não tem mais a possibilidade de imaginar mercado sem regulamentação. Fake news? Tem que regulamentar. Você não pode pensar que o Estado vai substituir a iniciativa privada. Ninguém propõe controle social dos meios de produção. No passado, era isso que definia esquerda e direita. Liberal quer dizer o quê? É um falso problema.

O sr. disse, quando era senador, que a extinção do PSDB podia ser parte da solução para mudar o sistema partidário.
O sistema partidário e eleitoral que montamos a partir da Constituição de 1988 se exauriu. A prova é a fragmentação partidária. Nós temos mais de 20 partidos no Congresso, mas não há 20 posições ideológicas. Os partidos viraram quase corporações. São grupos de parlamentares que se organizam e obtêm o Fundo Partidário e tempo de TV. Estamos assistindo à explosão desse sistema. Portanto, acredito que sim, será preciso repensar essa estrutura.

Pode-se deduzir que do PSDB poderá nascer um novo partido?
Eu não diria o PSDB, mas é preciso mudar as regras partidárias. Você não faz partido porque gosta. Quais serão as ideia-força capazes de reagrupar partidos? Não é questão puramente legal, mas de existirem ideias e líderes que debatam essas ideias. Os partidos perderam o sentido originário.


Bernardo Mello Franco: "Nenhum dos candidatos agrada, mas Bolsonaro está excluído", diz FHC

"Nenhum dos dois é do meu agrado, mas o Bolsonaro está excluído. Não tem sentido", afirmou ao blog.

"O Bolsonaro não tem jeito. É uma folha seca que vai com o vento. E a ventania está forte", acrescentou.

FH é avesso ao discurso autoritário do capitão, que já defendeu seu fuzilamento em 1999. Na campanha, ele se irritou com ideias como a convocação de uma Assembleia Constituinte de notáveis e o aumento do número de vagas no Supermo Tribunal Federal.

"Sou completamente contra tudo isso", disse o tucano.

O ex-presidente deixou claro que não seguirá os colegas de PSDB que têm se aproximado de Bolsonaro. O candidato do partido ao governo paulista, João Doria, já declarou apoio ao capitão.

"Eu não acompanho, né? O PSDB teve um candidato que perdeu a eleição. Agora o partido precisa se reunir para conversar. As pessoas começam a falar antes da hora? Eu tenho um defeito: sou institucional", disse.

HADDAD

FH ainda não decidiu se vai ficar neutro ou declarar apoio a Fernando Haddad.

"O PT levou o Brasil ao buraco econômico. O Haddad começou a campanha vestindo a máscara do Lula", criticou.

"Quem ganhou a eleição tem que dizer o que vai fazer com o país. Por que eu vou sair correndo para apoiá-lo? Vou esperar", disse.

O tucano criticou o apoio dos petistas ao governo da Venezuela. Ele ressaltou, no entanto, que não vê risco de o partido seguir a receita de Nicolás Maduro.

"Há exagero em afirmar que o PT vai transformar o Brasil na Venezuela. Não tenho esse catastrofismo", disse.

Até aqui, os petistas não procuraram FH em busca de apoio. "O pessoal do PT é bastante nariz para cima", comentou o ex-presidente.


Fernando Henrique Cardoso: Hora de voto

Mais do que nunca é preciso insistir em nossos valores, na democracia

A fragmentação partidária, os sentimentos exaltados e o personalismo triunfante não respondem às necessidades do povo e do País. Na vida política não basta ter ou imaginar que se tem razão, é preciso que a mensagem seja sentida pelas pessoas e que elas escutem e queiram avançar na direção proposta. Até agora o caminho das reformas e do equilíbrio não parece ser o preferido pela maioria. O eleitorado decidirá hoje os adversários que se enfrentarão no segundo turno. Ainda é tempo de parar a marcha da insensatez. Uma coisa é certa: o eleito ao final de outubro terá de obedecer à Constituição e tanto os que nele votaram como os que a ele se opuseram terão de respeitar o resultado das urnas.

O que está em jogo não é o partido tal ou qual, nem se o candidato é bom ou mau ser humano. Mas, sim, o que pretende e poderá fazer. Terá capacidade de juntar pessoas e forças políticas para governar? Dará rumo à Nação? Concordo com o que ele propõe e avalio que será capaz de fazê-lo? Para responder é preciso analisar o quadro político, social e econômico em que o novo presidente vai operar. Não se trata de escolher o candidato apenas por seus atributos pessoais nem pelo que dizem os partidos (os quais em geral silenciam sobre os verdadeiros problemas), mas, principalmente, pelo que o candidato já fez e por sua capacidade política.

Depois de 2013 os governos do PT levaram a economia à recessão. Como disse na carta que escrevi recentemente aos eleitores, há problemas gritantes no País, a desorganização das finanças públicas e o desemprego são sinais deles. A rigidez dos privilégios burocráticos dificulta cortar os gastos com o funcionalismo. As desigualdades gritantes da Previdência, em especial entre alguns servidores públicos e trabalhadores do setor privado, criam castas de beneficiários, muitos do quais se aposentam cedo com proventos muito acima do que seria justo receberem.

Diante dessas e de outras despesas obrigatórias, o governo federal acumulou nos últimos cinco anos déficits de R$ 540 bilhões. O que havia sido um superávit de cerca de 3% do PIB desde 1999, algo maquiado a partir do segundo governo Lula, se tornou um déficit de mais de 2% do PIB a partir de 2015, graças ao descalabro fiscal e ao desastre econômico produzido pelo governo Dilma. Acrescidos das despesas com juros, a sequência de déficits primários fez a dívida pública do governo federal se aproximar de R$ 4 trilhões e a do Estado brasileiro em seu conjunto superar os R$ 5 trilhões este ano.

A dívida total, já perto de 80% do PIB, continua a subir, a despeito da queda da taxa básica de juros nos dois últimos anos. No ritmo de crescimento que a dívida vem apresentando - ela se situava pouco acima de 50% do PIB em 2011 -, chegará um momento em que só com inflação alta, que corrói o valor real da despesa do governo, o Estado brasileiro poderá financiar-se. O roteiro desse filme todos os que têm mais de 50 anos conhecem muito bem. E ele termina mal, com o empobrecimento do País e, sobretudo, das pessoas socialmente mais vulneráveis. Voltaríamos assim a um passado tenebroso, sobretudo para os mais pobres.

O agravamento da crise seria dramático para uma sociedade desigual e fragilizada por cinco anos de recessão seguida de recuperação econômica anêmica. O desemprego atinge entre 12% e 13% da população ativa, cerca de 13 milhões de pessoas. Sem falar nos que estão ocupados, mas sem carteira de trabalho, cerca de 38 milhões, e afora os chamados “desalentados”, que desistiram de procurar emprego. A soma ultrapassa os 60 milhões de adultos que estão ou correm o risco de cair na pobreza ou na extrema pobreza.

Ao desemprego somam-se o medo da violência crescente, em alguns casos da própria polícia, e a expansão do crime organizado. A sensação de desordem, a insegurança e a agonia do desemprego são a realidade cotidiana de dezenas de milhões de pessoas. Para muitas não resta opção que não seja aderir ou acomodar-se ao crime organizado, ou encontrar consolo espiritual e solidariedade nas igrejas.

Como falar de “democracia” nestas circunstâncias, se falta o pão e a segurança é precária? Por trás está um sistema político regado a corrupção e uma cultura de permissão e leniência com quem atua, no andar de cima, à margem das leis. O povo vê nos partidos e nos candidatos mais ligados a eles os responsáveis por tudo isso. Procuradores e juízes, frequentemente com razão, mas não raro sem o zelo e o equilíbrio que se espera dos profissionais do Direito, reforçam a sensação de que toda a política é suja e nenhum político escapa à podridão.

Quase todos os candidatos, especialmente os que aparecem à frente, nem sequer abordam com seriedade os problemas reais que estão por trás do mal-estar das pessoas. Estas, no desespero, agarram-se a aparentes soluções polares, mais por identificação simbólica que por adesão racional. Sentem medo, quando não horror, da volta ao lulopetismo e aderem ao candidato que promete tudo resolver no grito, quando não na bala, ou, no polo oposto, juntam-se em torno da nostalgia de um passado idealizado que, se tentar se repetir, comprometerá gravemente o futuro do País.

Mais do que nunca, é preciso insistir em nossos valores, a democracia entre os principais. Além de valores, quem pede o voto do povo deve ser capaz, no mínimo, de reorganizar as finanças públicas e as pôr a serviço dos maiores interesses da população e do País. É por isso que votarei em Alckmin: ele não apenas diz, mas fez. Basta comparar os resultados das políticas públicas de seus governos, inclusive na segurança e na oferta de serviços de saúde e educação, com a situação dramática de alguns outros Estados e do governo federal. Entre os principais candidatos é quem pode juntar forças para dar rumo novo ao governo.

É preciso parar a marcha da insensatez. Ainda há tempo. A hora é agora.

*Fernando Henrique Cardoso é sociólogo, foi presidente da república


Folha de S. Paulo: Sentimento de medo abre espaço para narrativas autoritárias no país, diz FHC

Ex-presidente tratou de corrupção e moralidade na política em evento em São Paulo

Marco Rodrigo Almeida, da Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Há no país um sentimento de medo que abre espaço para narrativas autoritárias, disse Fernando Henrique Cardoso nesta terça-feira (11) em São Paulo.

“Essa narrativa vai ganhar? Não sei. Depende das outras narrativas na disputa. Não quero entrar nessas especificidades.”

Sem citar nomes, o ex-presidente fez alguns comentários a respeito da corrida eleitoral durante palestra no evento Thomson Reuters Risk Summit, na capital paulista. O tema da conversa foi moralidade na política e combate à corrupção.

“Acusações de corrupção sempre houve na política. A indistinção do público e do privado é um traço cultural no país. Poder que não abusa não é poder, se dizia antigamente.”

Agora, diz ele, instituições e sociedade passam por transformações que a classe política ainda não compreendeu.

“A Constituição de 1988 conferiu independência ao Ministério Público. Desde então seus membros se capacitaram para servir a sociedade. E a partir desse trabalho as pessoas perceberam que as bases partidárias não eram saudáveis.”

Sobretudo com a Lava Jato revelou-se uma relação promíscua entre empresários, partidos e políticos, um “sistema de financiamento que se mostrou corrupto”.

“Vivemos um a fase desagradável, a população já não sabe mais em quem acreditar. E vivemos uma situação paradoxal. Os políticos presos continuam populares. Isso mostra que há um respaldo que vai além da classe política”

FHC também comentou as mudanças em curso nas democracias representativas. Antes, avaliou, os partidos espelhavam os interesses de classes e grupos sociais. Com a fragmentação da sociedade, esse vínculo quebrou-se, e as pessoas passaram a ter maior identificação com causas específicas ou movimentos sociais.

“Isso ocorre no mundo inteiro. Tradicionalmente Trump não seria presidente dos Estados Unidos, mas ele conseguiu expressar um sentimento de exclusão e derrota de uma parcela da sociedade. Mas algumas coisas dá para prever. Estava na França na eleição. Previ a vitória de Macron. Mas aqui não ganharia, é muito racional.”

O mundo político é imprevisível, define FHC, e essa é sua beleza e sua tragédia.

“Quem poderia imaginar que um candidato à Presidência seria esfaqueado? Ninguém sabe qual será a consequência disso.”

O ex-presidente disse que os candidatos precisam se esforçar para explicar a população as medidas impopulares de que o país necessita, como a reforma da Previdência.

Deu como exemplo sua experiência como ministro da Fazenda, cargo em que foi parar, disse em tom de gracejo, por um engano do então presidente Itamar Franco, uma vez que pouco sabia de economia.

Na elaboração do Plano Real, que derrotaria a inflação, o grande inimigo nacional na ocasião, contou ter montado uma equipe com os melhores quadros e ter buscado um canal de comunicação com diversos setores: empresários, acadêmicos, sindicatos - “até com Lula”.

Uma vez, relembrou, foi aos estúdios do SBT contar a Silvio Santos os fundamentos da nova moeda. Depois de pedir que o então ministro repetisse a explanação três, quatro vezes, o apresentador disse que faria uma adaptação do que ouviu para seu público, cuja idade mental seria de 12 anos.

Segundo FHC, Silvio Santos fez uma explicação brilhante —um exemplo que deveria ser seguido por todo político.

“Hoje os jornalistas perguntam os candidatos o que farão em relação ao teto de gastos. Eles não farão nadam, pois não há verba para gastar. E se fizerem dívida, aumenta a inflação.”


Folha de S. Paulo: Com Bolsonaro, disputa entre PSDB e PT será para ir ao segundo turno, diz FHC

Para tucano, atacar capitão é gol contra e Haddad e Alckmin terão dificuldades similares

Thais Bilenky, da Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Para o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Jair Bolsonaro (PSL) antecipou a tradicional disputa entre PT e PSDB para o primeiro turno.

O tucano recebeu a Folha em sua fundação, em São Paulo, na quarta (29).

Neste sábado (1º), ele comentou o veto à candidatura de Lula. “A decisão do TSE [Tribunal Superior Eleitora] já era esperada. A Lei da Ficha Limpa está vigiando e é clara quanto aos requisitos para o registro de candidatos. Lei de iniciativa popular, aprovada pelo Congresso e sancionada pelo próprio presidente Lula.”

O sr. está surpreso com a resiliência de Bolsonaro? 
Tenho uma visão mais analítica. O mundo todo está sofrendo modificação na percepção das pessoas e, em alguns setores, alguém que simbolize a ordem tem alguma chance. As pessoas estão com medo do futuro, horrorizadas com a corrupção, a economia está parada e tem muita violência.

Havia expectativa de que, com debates e entrevistas na TV, ele começaria a derreter. 
Não sou de menosprezar a potencialidade das pessoas. Não quero que ele ganhe nem creio que vá. Por isso mesmo não se pode desprezar o que ele significa.

O sr. já disse que discorda da expectativa de que seja PT contra a direita, seja Alckmin, seja Bolsonaro, no segundo turno. Inclusive, o sr. aposta que pode vir a ser Bolsonaro e Alckmin.
Isso.

Qual deve ser a estratégia para o Alckmin para chegar ao segundo turno? 
Eu não sou estrategista eleitoral, não sei. Pelos dados, onde a cultura estatal tem mais força, ricos e pobres votam pelo Estado. Quando tem menos força, a mesma coisa. Não é tão ricos contra pobres, que foi a tradução habitual do que acontecia entre PT e PSDB, azuis e vermelhos. O que está acontecendo? Está tudo fragmentado. Os partidos não são expressivos e os que são, vêm de setores que têm mudanças.

O PT tem simpatia crescente, chegou a 24%. 
Mas onde cresceu? Não foi entre trabalhadores, foi geral. A ligação da classe com o partido deixou de contar. Tem mais força no Nordeste, porque o Lula representa uma espécie de Padim Ciço, que deu resultados para as pessoas. Os outros partidos nunca tiveram muita expressão.

O PSDB nesse sentido fracassou? 
Bom, a pergunta é casca de banana [risos]. O PSDB mudou muito, o Brasil também, e sofreu os abalos. Bem ou mal, até agora, ele e o PT expressavam visões mais de Estado ou mais de sociedade, era essa a diferença. [Agora] tem mais gente expressando a mesma coisa, dos dois lados, mas mais do PSDB.

O PSDB tem 4% de simpatizantes. 
A eleição não é PT contra PSDB, é fulano contra beltrano. Sempre foi assim. Ou você acha que o PSDB ganhou a eleição quando eu ganhei? Eu ganhei. Ou que o PT ganhou quando Lula ganhou? Lula ganhou.

Aliados advogam que Alckmin deve esconder o PSDB. 
Não precisa nem deve, vai ser denunciado pelos outros. O PSDB não está no governo, este é o PMDB.

O PSDB está com o Aloysio Nunes no governo e esteve após o impeachment. 
O povo não sabe, não se liga nisso. Uma coisa somos nós, intelectuais, jornalistas, que vivemos nesse meio. Para o povo, tem que mostrar como é o Geraldo. É uma fragilidade das instituições democráticas. O desempenho da personalidade, do líder, conta mais que os partidos.

A personalidade do Alckmin é criticada porque não move multidões. Ele deve trabalhar de que forma? 
Eu movo multidões? O que diziam de mim? Um professor, fala melhor francês que português, o que é mentira! A população vai olhar duas coisas. Primeiro, o que levo com isso? Está sempre subjacente o que eu ganho. Segundo —falo por mim—, vai ter que acentuar as características que a pessoa tem. Que características tem Alckmin? É experiente, não está envolvido em corrupção.

Tem alguns processos judiciais em curso. 
Mas você vai ver e não é nada. Como Haddad, não tem nada.

Há processos envolvendo aliados, o cunhado, Laurence Casagrande.
Não conheço, mas Geraldo põe a mão no fogo por ele. [Lula] está preso e deixou de ter voto? Por que Geraldo vai deixar de ter porque não sei quem está metido?

O sr. acha que a mensagem de Alckmin está certa? 
Qual é a mensagem? Eu não sei ainda.

Por exemplo, o jingle diz que ele é cabeça e coração.
Em campanha, acho eu, você tem que ser do jeito que você é. Geraldo não pode ser uma pessoa extravagante, porque ele não é. Tem que mostrar que é bom ser como ele é para governar o Brasil. Estamos frente a uma situação em que tem muita falta de rumo. Bolsonaro diz que vem com tacape e põe ordem. Geraldo tem que dizer que não precisa de tacape para pôr ordem.

Como os dois poderiam ir juntos para o segundo turno?
Não sei até que ponto [a polarização entre] azul e vermelho vai sumir mesmo. Porque os dois têm estrutura, muitas prefeituras, enraizamento, história.

O MDB também. 
E vai sumir? Não. O MDB sempre fez o que está fazendo agora. Não está jogando para presidente da República, está jogando para poder repetir...

De depois aderir ao governo eleito?
Sim. Se tiver força, vai ter que negociar com ele. Você acha que foi o Partido Republicano que elegeu Trump? Não.

Mas se não fosse o Partido Republicano ele não se elegeria. 
É o que estou dizendo. É uma soma da estrutura com a capacidade de expressar um sentimento da população.

Alckmin e Bolsonaro disputam o mesmo eleitorado? 
Mais ou menos. Uma parte do pessoal estatista vai votar no Bolsonaro também. Eu não sou uma pessoa assertiva que vai dar tal coisa, porque depende. O desempenho dos candidatos é importante, o jeitão deles é importante. A democracia é assim. Se quer garantias, na China é tudo mais garantido que aqui.

Que eleitorado Alckmin belisca para chegar ao segundo turno?
Como o PSDB foi crescendo? Bom, eu ganhei em toda parte, não conta. Era outro momento. Cresceu basicamente de São Paulo para o Sul. Centro-Oeste vai até o Acre. Chega no Rio, perde. Em Minas, às vezes ganha, às vezes perde, e no Nordeste inverte. Acho que a estratégia deve ser consolidar o que tem, e não arriscar onde não tem. A escolha da vice foi correta.

No Sul, Bolsonaro tem 30% e Alckmin, 6%.
Mas não começou a campanha ainda. Acho muito importante fazer pesquisas e tal, mas a dinâmica eleitoral é de confronto. O confronto está começando a se dar. Reitero, acho que o candidato do PSDB tem que concentrar onde sempre teve mais votos. Aí tem que brigar com quem? Bolsonaro.

Tem espaço para os dois?
Pode ter. A mesma dificuldade do PSDB, o PT tem também de entrar no Rio, no Nordeste, porque é paulista,.

Haddad passa para o segundo turno?
Vai ser difícil. A competição neste momento vai ser entre PT e PSDB. Aceitando que o sentimento bolsonarista vai se manter, para ir para o segundo turno, é PT e PSDB. Tradicionalmente, a disputa ia ser PT e PSDB no segundo turno. Agora, eu acho que será para ver quem vai para o segundo turno.

Se PSDB tem que ter o voto que já está com o Bolsonaro no Sul... 
É dinâmico. Em política, as coisas não são. Vão sendo. Além disso, outro problema que se sobressai no campo mundial é que a sociedade contemporânea está mudando. As estruturas fixas, os partidos já não correspondem mais à coesão anterior, então é tudo mais flutuante. Por isso uma pessoa como Bolsonaro, que não tem estrutura, parece como se pudesse.

Como tirar voto dele?
[Dizer que] Bolsonaro apoia o regime militar. Já acabou! Reforça os deles. Como muda? Não é atacando. O povo, no fim, não gosta de ataques, sobretudo ataques pessoais. Atacar Bolsonaro é gol contra.

Então tem que mostrar... 
O positivo. Eu posso. Você não.

A estratégia de Lula de postergar ao máximo a definição da candidatura petista foi boa para eles?
Não sei julgar. Lula sempre se caracterizou por não aceitar número dois. Com a Dilma fez assim e deu certo. Agora é mais difícil, a situação do Lula é mais delicada e já houve a experiência de eleger alguém que o Lula apoiou e esse alguém não é querido da população. Agora, reitero o que eu disse para o Haddad também. Depende de como vão se comportar, a mensagem. [O poder da rede social] de transformar em voto não foi testado. Há a sensação de ser crescente. Do ponto de vista sociológico, é interessante o que vai acontecer.

Alckmin passou a defender armar a população no campo.
Quem não muda?

Está certo ceder?
Não é do temperamento do Geraldo ceder, ele é uma pessoa que tem linha, tem vida, tem história. Tenho muito medo de quem não tem história, porque esse é imprevisível. Geraldo não é imprevisível. Isso pode até não ser bom do ponto de vista de fazer onda eleitoralmente. Mas ele não é imprevisível. Ele tem uma característica que não vejo ressaltada que ele não é intolerante, nunca foi. É religioso, mas não é intolerante. A democracia requer personalidades que tenham capacidade de aceitar a diversidade.

Ele acolhe sugestão? 
Poucas vezes eu digo algo que queira que acolha. Falei sobre a Vice-Presidência e fui ouvido.

Em que medida o PSDB contribuiu para a extrema direita, assombreada por ele até ser desgastado na Lava Jato, ganhar vida própria? 
Quem fez a polarização que deu no que deu foi o PT, pobres e ricos, eu contra você. O PSDB nunca teve esse tipo de comportamento ‘só eu sou bom’.

O PT acha que o PSDB tem essa postura. 
Mas não tem. Na prática, o que fez Lula? Governou com quem?

Com os mesmos? 
Claro. Estou criticando? Não, porque existem, estão lá, você tem que ter maioria no Congresso. Os métodos, aí é outra coisa.

Foram diferentes? 
Uai, eu nunca tive mensalão, não é? Pode revirar.

O PSDB deve fazer aceno no segundo turno ao PT contra o Bolsonaro?
O PSDB tem que ir para o segundo turno. O Brasil precisa de ordem sem tacape.

PT seria desordem?
Não, seria outra coisa. O PT voltou a ficar no estado anterior dele, mais intransigente, mais hegemônico. Eu não gosto disso.

Ciro disse que Bolsonaro é um 'projetinho de hitlerzinho tropical'. Ele é mais contundente ao criticar o Bolsonaro.
Criticar o Bolsonaro é dar corpo a Bolsonaro. Dá força. Eleitoralmente não acho que seja bom. Ciro é um radical livre, pode falar o que quiser. Ele tem essa característica de ter sido sempre assim. Agora é isso que limita também a a possibilidade de ser presidente.


Fernando Henrique Cardoso: Farol alto

O Brasil precisa não de ‘candidatos’, mas de líderes que tenham visão de estadistas

As sondagens sobre o voto popular no próximo dia 7 de outubro mostram que uma grande parcela da população repudia o jogo dos partidos ou ainda não sabe como se posicionará. Não assim os dirigentes partidários. Estes “tomam partido” por antecipação. Na fase que está por terminar, que culmina com as convenções partidárias, é natural que estejam mais interessados nas alianças para formar a rede de apoio eleitoral e no tempo de televisão à disposição de seus candidatos. Natural, mas insuficiente, quando não negativo, pois gera a percepção de que a “política” é só um jogo de poder; no limite, um jogo pessoal.

Não sou ingênuo, nem poderia haver ganhado duas eleições presidenciais no primeiro turno se não entendesse que as alianças partidárias contam para a vitória e antecipam a possibilidade de governar. Mas o importante, o decisivo mesmo, é outra coisa: a mensagem e a credibilidade que o candidato desperte no eleitorado. Mormente agora, com o sistema político-eleitoral que criamos na Constituição de 1988 exaurido. Sei que o Congresso aprovou a lei de barreira e que no futuro haverá menos partidos. E também que as alianças entre eles nas eleições para deputados devem acabar. Elas distorcem a vontade do eleitor, que vota em candidato de um partido e elege alguém de outro.

Não basta, entretanto. Além de outras reformas eleitorais (como a introdução de formas de voto distrital e de candidaturas avulsas), há que enfrentar a cultura política de personalismo, clientelismo e corporativismo. Com ela os “partidos” aparecem aos olhos populares como trampolim para salvaguardar os interesses dos que se elegem e de quem os sustenta. É mais fácil mudar leis e decretos do que sentimentos e atitudes permissivas arraigadas na cultura política. Sua mudança depende de virtudes exercidas pelas lideranças e da punição das práticas corruptoras.

Daí a responsabilidade dos que vão falar ao País para pedir votos e a necessidade da vigilância constante da opinião pública sobre o que dizem. Hoje a formação da opinião pública não se limita às mídias tradicionais. As “mídias sociais” exercem influência crescente na decisão de voto. As fake news (que antigamente se chamavam de “mentiras”) se difundem mais rapidamente, criando imagens falsas ou distorcidas sobre os candidatos. É o preço da maior acessibilidade às redes de comunicação, que em si são um progresso, mas precisam de contrapesos que verifiquem a veracidade das informações que por elas circulam.

Nas eleições a palavra se torna crucial. Não só seu significado literal apenas, mas o conteúdo simbólico e o modo de expressá-la. A política eleitoral implica tanto alianças como propostas e, sobretudo, requer desempenho dos candidatos. Não por acaso o “demagogo”, ao se comprometer com os interesses populares, sempre encontra espaço na vida pública. Entretanto, em especial nos momentos de crise, demagogos podem ser batidos por quem tiver virtude e capacidade de mostrar um rumo para o país que seja percebido como confiável para os “mercados”, mas principalmente bom para o povo, sem apelar à ilusão distributivista e/ou a impulsos autoritários. Foi o que fiz quando liderei o Plano Real.

O Brasil precisa não de “candidatos”, mas de líderes que tenham visão de estadistas e mostrem ao povo os caminhos da esperança. Há que explicar à maioria que a própria democracia, minada pela corrupção e pelos erros de condução do País, está em jogo. A sociedade sofre hoje a comichão da demagogia autoritária dos que pensam que bastam ordem e hierarquia para gerar empregos e renda, quando é preciso muito mais do que isso. No lado oposto, há a demagogia dos que pensam que basta a “vontade política” para dissolver interesses e legislar em benefício da maioria. É preciso competência, persistência e humildade para saber que só unidos, guiados por ideias, venceremos o atraso.

Em latim se dizia virtus in medium est. Frase que pode ser enganadora: não existe meio-termo entre o autoritarismo de direita e a demagogia populista. Há que renegá-los radicalmente. Não se trata, tampouco, de eleger um “centrista” qualquer nem de dizer amém ora a um lado, ora ao outro. Mais de uma vez me referi à necessidade da formação de um “bloco popular e progressista”. E procurei definir o significado destes termos.

Quererá isso dizer que o candidato que assuma as posições deste “bloco” (tenho escrito bloco de propósito para englobar setores da sociedade e não apenas dos partidos) deverá recusar alianças com setores diferentes dele? Responder afirmativamente à pergunta importa em declarar derrota por antecipação: as sociedades contemporâneas são fragmentadas, nem sempre os grupos e pessoas têm consciência dos desafios que os atormentam, os partidos se tornam mais siglas do que instrumentos de definição de políticas. E muitos deles, no caso brasileiro, além de se beneficiarem de um sistema eleitoral cartorial (que define acessos aos períodos gratuitos de TV) expressam o que chamo de “atraso”. E este é parte constitutiva de nossa herança político-cultural. Sem alianças ninguém ganha nem governa.

A verdadeira questão é outra: tal “bloco” e seu líder terão capacidade e poder para conduzir o processo político nacional ou serão engolfados pelos interesses partidários e sociais dos que sempre mandaram? Daí a importância da capacidade de liderança do candidato, de suas convicções e de ambas haverem sido provadas na prática. Esta coluna não é espaço para propaganda partidária. Minhas escolhas são conhecidas e as razões delas estão ditas no artigo que escrevi no mês passado.

Os jogos estão feitos. O êxito dependerá de que com conhecimento, firmeza e convicção se diga o que é necessário, e não apenas o que é conveniente. E de que os que ouçam se convençam de que o dito não são palavras perdidas no ar e, por isso, quem o diz merece a confiança do seu voto.

De farol alto é o que precisamos.

*Fernando Henrique Cardoso é sociólogo, foi presidente da República.


Fábio Giambiagi: FHC e 2019

Não nos iludamos, o Brasil não vai mudar em 24 horas em 1º de janeiro, com o novo presidente

Por coincidência, ao mesmo tempo em que se iniciava o debate acerca da eleição de 2018, eu estava lendo o terceiro livro de memórias de Fernando Henrique Cardoso (FHC) acerca do seu período presidencial sobre os anos 1999/2000. Foi interessante avaliar o debate atual à luz das reflexões de FHC sobre o período em que conduziu o país. Um resumo das dificuldades é fornecido logo na apresentação, na qual ele diz: “Em nossa cultura política, e com o desenho político partidário em vigor, o presidente ou o governo só obtém maioria congressual com alianças. Precisa, portanto, entrar no corpo a corpo com os parlamentares para obter resultados legislativos, com toda a carga tradicional de redes de clientelismo e troca de favores. Com isso, ganha senão o repúdio, o distanciamento da sociedade. Para aprovar medidas legislativas, mesmo as requeridas pela maioria da sociedade, ou o governo tem o apoio de partidos e líderes, ou fica isolado e perde”.

Ao mesmo tempo, a chave — de notável atualidade — para entender os problemas está numa frase síntese emblemática das características nacionais, quando FHC explica a Arminio Fraga em 1999 como ele tinha que se conduzir na sabatina do Senado, antes de assumir a presidência do Banco Central: “O Brasil não gosta do sistema capitalista. Os congressistas não gostam do capitalismo, os jornalistas não gostam do capitalismo, os universitários não gostam do capitalismo. Eles não sabem que não gostam do sistema capitalista, mas não gostam. Eles gostam do Estado, eles gostam de intervenção.” (página 107)

Retomando as reflexões acerca das dificuldades de conciliar a agenda da modernização com a convivência com o “Brasil profundo”, FHC explica a vida como ela é: “(o partido) está amuado. Eles pretendem forçar a nomeação de pessoas... Estamos na difícil faina de defendermos o cofre e, ao mesmo tempo, obtermos os votos no Congresso. Nossa realidade política é assim... Temos que fazer uma tourada o tempo todo para evitar que isso vire um escândalo ou que eles usem esses recursos malversando-os. Ao mesmo tempo, não podemos romper, porque ... não há votos no Congresso.” (página 111)

E, em conversa com um amigo, reportada nas memórias, ele esclarece como funciona o mundo real: “Sem essa base eu não governo, e ela é assim mesmo. Não tenhamos ilusão de que no futuro, com a reforma dos partidos, haverá melhoras grandes. Mesmo que reformemos nossos partidos, a nossa cultura política é atrasada. Há interesses pessoais sobrepondo-se a tudo o mais, e os partidos vão continuar sendo aglomerados como são os que aí estão.” (página 113)

Tempos depois, numa das tantas crises que todo governo algumas vezes tem que enfrentar, ele analisa: “Isso tudo é consequência da percepção de impopularidade do governo; por causa da crise econômica, os parlamentares começam a botar as manguinhas de fora querendo afinar com a sociedade, mas esquecendo que a sociedade precisa das leis de transformação que estamos colocando em votação. Sobretudo a lei da Previdência. Toda vez que se fala em aumentar o tempo de trabalho para chegar à Previdência, as pessoas reagem fortemente.” (página 273; em 1999!!) E, algumas páginas depois, a propósito da demanda de um correligionário, ele explica o tipo de barganha própria do varejo parlamentar: “Tem um problema, que é o pai dele, uma pessoa que sempre apoiou o governo, tem 74 anos, precisa de uma posição num conselho qualquer para ter estímulo pessoal na vida, para ter algum interesse na vida.” (página 296)

A conclusão é amarga: “É sempre a mesma história, dificílimo governar um país com pluripartidarismo e quando se precisa de apoios para manter o governo; por outro lado, as brigas são encarniçadas em nível local — é realmente um sistema político dificílimo de manter à tona ... Essa choradeira é permanente, basta ler o livro do Getúlio, ela havia até no período do Império, é a mesma coisa: as regiões querem que o governo federal pague tudo para elas. É um federalismo de fachada.” (página 345)

O Brasil de 2002 era muito melhor que o de 1994, respeitando a democracia, entre outras coisas porque FHC era um estadista. Não nos iludamos: o Brasil não mudará em 24 horas dia 1º de janeiro. Quem vencer em outubro terá muito a aprender lendo essas reflexões.


Fernando Henrique Cardoso: Sejamos radicais

Devemo-nos unir para evitar que o povo tenha de escolher entre o ruim e o menos pior

O Brasil exige: sejamos radicais. Mas dentro da lei: que a Justiça puna os corruptos, sem que o linchamento midiático destrua reputações antes das provas serem avaliadas. Não sejamos indiferentes ao grito de “ordem!”. Ele não vem só da “direita” política, nem é coisa da classe média assustada: vem do povo e de todo mundo. Queremos punição dos corruptos e ordem para todos, entretanto, dentro da lei e da democracia.

O País foi longe demais ao não coibir o que está fora da lei, o contrabando, o narcotráfico, a violência urbana e rural, a corrupção público-privada. Devemos refrear isso mantendo a democracia e as liberdades antes que algum demagogo, fardado ou disfarçado de civil, venha a fazê-lo com ímpetos autoritários.

Só com soldados armados se enfrentam os bandidos, eles também com fuzis na mão. Se não há mais espaço para a pregação e a condescendência, tampouco queremos, entretanto, que a arbitrariedade policial prevaleça.

O Brasil tem pressa: chega de governos incompetentes. Não se trata só da falta de dinheiro, mas da má gestão aliada às vantagens corporativas e partidárias. Não há crescimento da economia nem empregabilidade sem investimento público e privado. Precisamos reintegrar nossa economia aos fluxos de criatividade e às cadeias produtivas mundiais. Assim como precisamos melhorar a infraestrutura para escoar a produção.

Não haverá adesão aos valores básicos que mantêm a coesão social sem crescimento contínuo da economia e sem respeito ao meio ambiente. Crescer de modo sustentável a 4% ao ano por 20 anos assegura melhor distribuição de renda e oferece mais emprego do que picos ocasionais de 6% ou 7% de crescimento em um ou dois anos, seguidos de mergulhos de 1 a 3 pontos negativos a cada três anos.

Nada disso se conseguirá sem que a educação seja o centro das atenções governamentais e populares.

Sem reformas, a da Previdência acima de todas, pelos danos que a legislação previdenciária atual causa ao Orçamento público, e sem uma “reforma moral” nas nossas práticas políticas, eleitorais e partidárias, nosso destino nacional estará comprometido por décadas.

Um Congresso com 26 partidos torna o País ingovernável. Um governo que tem quase 30 ministérios, cujos titulares são desconhecidos até pelos cidadãos mais bem informados, é incapaz de se haver com os desafios do futuro. Há que reconhecer que o sistema político que montamos em 1988 se exauriu.

A Constituição preserva, e isso deve ser mantido, tanto a intangibilidade e os limites sociais da propriedade privada como os direitos humanos fundamentais. Mas ela não abriga atos de violência nem de desordem continuada.

Entende-se a motivação dos sem-teto, como também a dos sem-terra. Mas fora da lei o que era propósito de reconstrução se transforma em instrumento de deterioração. Há que dar um basta a tanta desordem. Façamo-lo com a Constituição nas mãos, antes que outros o façam, em nome da ordem, mas sem lei.

É este o radicalismo de que precisamos: decência na vida pública, crescimento da economia, salários mais condizentes com o custo de vida, seriedade no trato das finanças públicas, reformas em nome da igualdade social e regional e um serviço público que atenda às demandas básicas das pessoas: moradia, transporte, saúde, educação e segurança. Que os governos se unam à iniciativa privada se for necessário e lhe cedam o passo quando for mais racional para assegurar o atendimento às necessidades do povo.

Um programa simples como esse requer autoridade moral dos que vierem a nos comandar. Só com ela haverá força para dar rumo seguro ao País. Só assim levaremos adiante as reformas, incluída a da Constituição, sem que os poderosos se tornem suspeitos de estar a serviço das oligarquias políticas, econômicas e corporativas.

É para isso que precisamos formar um Polo Popular e Progressista. Por popular entenda-se que respeite a dinâmica dos mercados, pois vivemos num sistema capitalista, mas que saiba que ela não é suficiente para atender às necessidades de toda a população. Por progressista entenda-se que esse bloco seja consciente das transformações produtivas e políticas do mundo, tenha coragem de viver nele tal como ele é e preserve a crença no Brasil como nação.

Ou participamos ativamente das mudanças do mundo contemporâneo ou seremos irrelevantes. Pior, perderemos o que de melhor podemos tirar dele: sua capacidade de renovar-se tecnológica e politicamente.

Na campanha eleitoral que se aproxima os temas centrais estão se delineando: o desprezo aos partidos e à classe política, que advém da descoberta de que as bases do poder apodreceram pela corrupção, só poderá ser ultrapassado se o povo perceber que há alternativas à desmoralização de tudo e de todos.

O grito dos desesperados por emprego e renda não se resolve só com assistencialismo. Este é necessário para a sobrevivência das pessoas. Mas a dignidade delas requer medidas que restabeleçam a confiança na economia, no investimento e no emprego, dando-lhes um horizonte de futuro.

O medo da violência reinante e a perda de oportunidades econômicas tornam o eleitorado suscetível às pregações de “mais ordem”. Empunhemos essa consigna, mas sem substituir a lei pelo arbítrio. Ordem na lei e com bases morais sólidas.

Não é pedir demais que alguns candidatos em disputa no próximo dia 3 de outubro subscrevam essas diretrizes. Qual deles passará ao segundo turno depende do empenho de seus respectivos partidários e da decisão do eleitorado. Unamo-nos desde já, entretanto, em torno desses princípios com a firme disposição de chegar ao segundo turno. Se dois de nossos candidatos lá chegarem, tanto melhor: será o povo que dirá qual deles há de conduzir-nos nos próximos anos. Não devemos arriscar, porém. Se for o caso, devemo-nos unir ainda no primeiro turno para evitar que o povo tenha de escolher entre o ruim e o menos pior.

*Fernando Henrique Cardoso é sociólogo e foi presidente da República.


Folha de S. Paulo: Contra 'catástrofe', bloco apadrinhado por FHC prega união do centro

Segundo turno entre Bolsonaro e Ciro é visto no movimento como pior cenário possível

Joelmir Tavares, Thais Bilenky, da Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Com aproximação da Rede, partido da presidenciável Marina Silva, e do Podemos, sigla do pré-candidato Álvaro Dias, o manifesto que pede união do centro foi lançado em São Paulo com um apelo para evitar o que se chamou de catástrofe na eleição presidencial.

O movimento em torno de um polo democrático e reformista, apadrinhado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), já havia sido apresentado em Brasília, no início do mês. Na ocasião, atraiu lideranças de partidos como PSDB, PPS, PSB, MDB, PV e PTB.

Relançado na noite desta quinta-feira (28), em um teatro na avenida Paulista, o bloco recebeu o apoio de Marina, que enviou como representante o coordenador do programa de governo de sua campanha, João Paulo Capobianco.

“Ela tem um compromisso inarredável com a democracia e está com todos aqueles que estejam trabalhando por isso”, disse Capobianco.

Uma sinalização da ex-senadora era esperada pelos articuladores da mobilização, já que ela hoje é a segunda colocada nas pesquisas, em cenários sem Lula (PT). Marina chega a empatar tecnicamente em primeiro com Jair Bolsonaro (PSL).

O militar da reserva é um dos símbolos do radicalismo que a coalizão pretende atacar. Em outra ponta está o ex-ministro Ciro Gomes (PDT). Os dois e o ex-presidente Lula (PT) são vistos no movimento como donos de posicionamentos extremistas.

Em discursos no palco, foi dito que um eventual segundo turno entre Bolsonaro e Ciro seria o pior cenário possível. “Uma fatalidade”, resumiu a senadora Rose de Freitas (Pode-ES), colega de partido do presidenciável Álvaro Dias.

Geraldo Alckmin (PSDB), Rodrigo Maia (DEM), Henrique Meirelles (MDB) e Flávio Rocha (PRB) também foram mencionados como lideranças que têm responsabilidade na soma das forças de centro.

“Não é fácil convencer partidos e líderes de que é preciso união”, disse Fernando Henrique sobre o principal objetivo do movimento, que é vencer a fragmentação do centro, hoje dividido em torno de dez candidaturas.

“Sozinhos nós vamos para o desastre. Estamos na iminência de uma catástrofe”, completou o ex-presidente, discursando contra “os aventureiros, os demagogos”.

O tucano pediu ainda aos aliados um rompimento com a inércia. “É necessário que o Brasil não perca mais tempo.”

Do PSDB, além de FHC, participaram lideranças como os deputados federais Marcus Pestana (MG), um dos idealizadores do documento, e Mara Gabrilli (SP) e o ex-governador Alberto Goldman (SP).

O ex-deputado Penna (PV-SP), a ex-vice-prefeita da capital Alda Marco Antônio (PSD), o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung (MDB), e o deputado Roberto Freire (PPS-SP) também estiveram no ato em São Paulo.

“Precisamos buscar a unidade, porque a democracia está em risco”, afirmou Freire. “É sempre complicado [ter acordo]. Se não fosse, não estaríamos aqui.”

Não há, entre os apoiadores da coalizão, consenso sobre se e quando viria uma união de forças. Mas há um esforço para que pré-candidatos estejam dispostos a abrir mão da corrida presidencial em função de algum consenso.

“Não estamos aqui para discutir nomes, mas para construir um bloco”, afirmou Marcus Pestana.

Para FHC, a decisão virá dos eleitores, que apresentará uma decisão nas urnas. “Não seremos nós aqui que vamos dizer se será este ou aquele [candidato]. Será o povo”, disse o tucano.

“Espero que no primeiro [turno] se tenha capacidade de entender quem vai ter vitalidade para representar realmente o pensamento reformista, progressista, democrático e popular.”

Na saída, a jornalistas que o questionaram sobre um eventual segundo turno entre Ciro e Bolsonaro, o ex-presidente respondeu: “Eu não votaria nem por um nem por outro. No Bolsonaro eu não voto”.

Sobre a necessidade de discutir o nome que encabeçaria uma chapa fruto da união, FHC foi cauteloso.

“Acho que o Alckmin tem a vantagem de ser experiente, é simples, é decente. É o único? Tem outros aí. Todo mundo sabe que eu gosto da Marina, o Álvaro é respeitável”, disse.

O texto da mobilização, de oito páginas, tem políticos e intelectuais entre os signatários. Disponível na internet, o documento também está aberto para a adesão de cidadãos.


ISTOÉ: Bolsonaro é autoritário e Ciro Gomes, imprevisível e errático, diz FHC

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso diz à ISTOÉ que a sociedade está em busca do novo, mas que nenhum partido conseguiu apresentar até agora um candidato com esse perfil. “Nem o PSDB”, admite

Germano Oliveira, da ISTOÉ

Em entrevista exclusiva à ISTOÉ, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse considerar um atraso para o desenvolvimento do País a polarização entre Jair Bolsonaro, que para ele representará a volta do autoritarismo, e Ciro Gomes, considerado como “imprevisível” por não ser possível caracterizá-lo nem como direita nem como esquerda. Por isso, o ex-presidente, que nesta segunda-feira 18 completa 87 anos, defende com vigor a união dos sete candidatos do centro em torno de uma única candidatura que, necessariamente, não precisa ser a do PSDB. “Eu não posso dizer: só caso se for com a Maria”. FH afirma que até às convenções a negociação em busca da unidade será importante para a consolidação de um “projeto progressista e democrático”. Alegou estar convencido, porém, que Geraldo Alckmin é o melhor candidato e que o PSDB “não tem plano B”.

O senhor subscreveu há alguns dias o manifesto “Por um pólo democrático e reformista”, pedindo a união dos partidos do centro, para evitar uma volta ao passado. Qual é a ameaça política que o senhor vê ao futuro do Brasil?
Eu falo da criação de um pólo progressista e democrático, respeitando a Constituição e o Estado de Direito. No quadro atual, a gente até se esquece das ameaças que podem acontecer. De forma dramática, acho pouco provável que aconteça uma quebra formal das regras do jogo. De forma não dramática, ou seja, pela absorção paulatina dos que vierem a governar o País, com a adoção de medidas mais arbitrárias, isso pode acontecer sim. Temos que evitar uma volta ao passado. Eu não me refiro tanto ao lulopetismo, do risco do PT voltar a governar, porque a gente já tem experiência do que é o PT no poder. Não acredito que eles quebrem as regras e rumem para o viés autoritário. O risco vem do pólo à direita. As declarações do candidato Jair Bolsonaro nos assustam. Ele é autoritário. Tem feito declarações autoritárias. É preciso que o Brasil não tenha também um governo imprevisível e arbitrário. No caso do Ciro Gomes, eu não posso dizer que ele seja de direita ou de esquerda. Ele não é uma coisa, nem outra. Ele é mais errático, portanto, é imprevisível.

Como unir o centro? O deputado Marcus Pestana, do PSDB, chegou a propor que todos os sete candidatos do centro desistam de suas candidaturas e se escolha então um nome de consenso. Isso é possível?
Na vida partidária, é difícil imaginar que as pessoas, no ponto de partida, se disponham a abrir mão. Elas se dispõem a dizer que vão ganhar. No momento em que estamos há o risco de que nenhuma dessas candidaturas de centro chegue ao segundo turno. Há o risco sim de termos uma imprevisibilidade ou uma tendência autoritária no segundo turno. Portanto, seria aconselhável que as pessoas olhassem para as pesquisas. Como os políticos, naturalmente, puxam a brasa para a sua sardinha, têm que ter capacidade de entender que isso é um processo. Mesmo os candidatos ligados a grandes partidos não têm mostrado capacidade de juntar e acho que precisamos chegar a um entendimento até as convenções.

Ou seja, faltam menos de dois meses…
Sim, as convenções vão até 5 de agosto. É o tempo que vamos ter para isso. Os que têm consciência histórica e o sincero desejo de ver o Brasil andar, e que não vêem apenas a sua candidatura, têm esse tempo para alinhavar uma possibilidade de se chegar a um nome que represente a maioria da população. A população não quer que fiquemos na mão dessas duas candidaturas mais radicais e que hoje estão à frente nas pesquisas. Quer alguém mais palatável. Centro não quer dizer “centrão”, que no Brasil significa a união de tendências fisiológicas. O País cansou disso. A chave de tudo é alguém que inspire confiança. A crise mais perceptível hoje é de confiança. Temos que voltar a ter entusiasmo pelo Brasil. A falta de entusiasmo deriva dos fracassos recentes que sofremos.

Geraldo Alckmin não consegue sair dos 6%. Por que não decola?
No primeiro momento de qualquer campanha você tem a seguinte dificuldade: tornar-se conhecido ou ser demasiadamente conhecido. Até o muito conhecido, como é o caso do Geraldo, precisa fazer as pessoas tomarem conhecimento de que ele é candidato outra vez e isso leva tempo. No Brasil tem muita coisa nova acontecendo. Tem o novo no cinema, tem o novo no teatro, na música, tem novo no futebol. Agora, o que falta é o novo na política.

O PSDB tem o novo?
Nem o PSDB e nenhum outro partido tem o novo.

Como se obter o novo?
Isso passa pelos meios de comunicação e nós estamos habituados aos meios de comunicação tradicionais, rádio, televisão, jornal e revista. Mas hoje temos as mídias sociais. Os meios de comunicação estão ansiosos pelo bizarro ou pelo novo. Então, um político tradicional como o Geraldo, leva mais tempo para se consolidar. Mas também esse novo não pode queimar na largada. O Geraldo é um candidato experimentado, é maratonista. Tem que se dar tempo ao tempo. Isso não significa, porém, que temos que ficar de braços cruzados.

Alckmin está jogando parado?
Ele está fazendo o que é necessário. Procurando alianças, com o objetivo de ter mais tempo de rádio e televisão. E ele tem um outro objetivo: as estruturas políticas estão desgastadas, mas elas existem. Quem imaginar que a Câmara vai mudar de cabo a rabo, está enganado. Os candidatos a deputado dependem muito das estruturas organizadas, dos clubes, das empresas, das igrejas. Então, o candidato está costurando alianças para ter apoios nos Estados. E ele precisa escolher também o vice. Vai escolher no Sul, Sudoeste ou no Nordeste? E o que faz com Minas e com o Rio, que são Estados que decidem? Em Minas, ele tem o Anastasia, mas e no Rio? Dificilmente o PSDB terá um candidato próprio com força lá. Vai se aliar a quem no Rio?

O MDB, DEM, PP e outros estão resistindo em fazer aliança com o PSDB?
Li hoje que o DEM já está decidindo não ter candidato a presidente. Acho que o nosso candidato, como ex-governador de São Paulo, tem um problema a resolver. Os palanques no Estado. O problema é que há dois candidatos a governador que apoiam o Geraldo (João Doria pelo PSDB e Márcio França pelo PSB). Eu tive dois palanques dificílimos em São Paulo quando fui candidato: Mário Covas e Paulo Maluf. Não foi fácil, mas saí com uma votação estrondosa de São Paulo. O que une hoje é a crença no candidato, que ele toque o coração das pessoas. Alckmin ganhou várias eleições e do jeito dele. Eu sei que São Paulo não é o Brasil, mas de qualquer maneira ele é bom de televisão, fala claro, e é simples. Se o Brasil cansou de desordem, de imprevisibilidade, o Geraldo é o candidato mais seguro. Me lembro que quando me elegi presidente pela primeira vez, em junho eu estava com 12% e o Lula com 40%. Aí veio o Plano Real em julho e disparei em agosto. Tá certo que agora não tem o Plano Real…

O senhor acha que o eleitor continua procurando o novo?
E não é só aqui, essa tendência de se procurar o novo. Aconteceu na Espanha, na França e nos Estados Unidos, embora o Trump não seja o novo que eu goste, mas ele propôs uma coisa que juntou os cacos. E aqui tem que juntar, ter coesão, uma chama nova. Aqui estamos às cegas. Com o quadro atual para o segundo turno, o empresário reflui, o consumidor compra menos, as pessoas ficam preocupadas com o futuro.

O senhor já disse que a população quer o novo e lá atrás pensou em nomes como o do apresentador Luciano Huck, mas ele não aceitou ser candidato. O senhor também já defendeu nomes como o de João Doria.
Primeiro vamos falar do Luciano Huck. Ele é popular, tem densidade social e é ligado ao PSDB. Mas ele teve que tomar uma decisão. A decisão era dele e não minha. E ele escolheu ficar na Globo

E o Doria, tem gente do PSDB que defende trocar Alckmin por ele?
Nunca vi ninguém defender. Vejo no jornal, mas nunca vi nenhum líder do partido defender isso. Acho a troca pouco provável. E o Doria tem chance de ser governador de São Paulo.

Então o partido tem que insistir com o Alckmin até o fim?
Não sei qual será seu potencial de crescimento, mas certamente o candidato do PSDB é o Alckmin. Não vejo plano B.

O senhor acha que pode ter um nome alternativo para impedir a polarização do Bolsonaro e Ciro, que o senhor já disse que representam um atraso para o País?
Não se pode dizer: eu só caso se for com a Maria. Tem que ver o que vai acontecer nesses dois meses até as convenções. Eu, por exemplo, não acho a Marina um terror. Acho que a Marina tem muitas virtudes. O Alvaro Dias não sei qual é a base efetiva. Hoje tem votos no Paraná. O problema do Alvaro é que quem vota nele, votaria no Geraldo.

Mas esses nomes seriam para cabeça de chapa ou para vice do Alckmin?
Estou dizendo que você não pode, no ponto de partida de uma negociação para se encontrar um candidato de centro, falar que eu só caso se for com a Maria…O Geraldo tem mais conhecimento da máquina, capacidade administrativa, olha para o fiscal. Podem dizer: ah ele é muito religioso. Sim, pode ser. Mas não é uma pessoa que julgue as coisas pelo ângulo da religião ou pela ideologia. Ele é tolerante. A Marina também é tolerante. O que ela não tem é partido, tempo de televisão. É barreira grande.

Ela seria uma boa vice para o candidato do PSDB?
Ela não quer ser vice. Eu não vou propor uma coisa que pode ser entendida como menor. Eu respeito a Marina. Na eleição de 2014, ela apoiou o Aécio contra a Dilma. Ela é previsível. Mas neste momento não há razão para propor também que o Geraldo seja seu vice.

O centro unido vence a eleição?
Sim, podemos vencer. E qual é o medo de não ganhar? Nós já perdemos muito tempo. É patético. Perdemos a centralidade no mundo. Temos que resolver problemas óbvios. Não dá para ter o endividamento público crescente como temos. Isso termina em inflação ou algo pior, como confisco, sei lá o que. Temos que tomar decisões cruciais, que já deveríamos ter tomado a mais tempo. O Brasil vai acabar? Não, não vai acabar. Mas se não unirmos o centro e permitirmos a vitória dos que polarizam hoje vamos atrasar nosso desenvolvimento.

E polarização entre esquerda e direita? O senhor acha que é tudo o que a maioria da população não quer ou ainda há quem prefira o Fla-Flu?
Não ajuda. Não é nem a questão de esquerda. O PT é previsível. Eu posso não gostar, mas sei mais ou menos o que eles vão fazer. Eu tenho mais medo da imprevisibilidade do Ciro. Com ele, não se sabe o que vem pela frente. O País fica tonto. Não estamos num momento de arriscar. Não podemos voltar atrás. Se crescermos 3% ou 4% durante dez anos, mudaremos o sentimento de todo mundo. Isto aqui não é para principiantes.

A denúncia de que recebeu caixa 2 da Odebrecht pode estar afetando desempenho de Alckmin?
Geraldo tem passado limpo. Ele é pobre, classe média/média, e todo mundo sabe que ele não rouba.

Falando em Odebrecht, o senhor pode explicar o pedido de dinheiro que fez a Marcelo Odebrecht para campanhas de tucanos em 2010?
Eu pedi mesmo. Sou presidente de honra do PSDB e quando via candidatos razoáveis que precisavam de apoio, eu pedia. Não só para a Odebrecht. Pedi, mas dei o número da conta de campanha. E eu não tinha cargo nenhum no governo. Não teve toma-lá-dá-cá.