felipe neto

O Globo: Supremo deve derrubar trechos da Lei de Segurança Nacional

Datada da ditadura militar, norma foi usada por governo para reprimir manifestantes

Carolina Brígido, O Globo

BRASÍLIA — O Supremo Tribunal Federal (STF) deve derrubar trechos da Lei de Segurança Nacional por considerá-los incompatíveis com a Constituição de 1988. Editada em 1983, durante o regime militar, a norma tem sido usada pelo governo federal e por autoridades locais para coibir manifestações contra o presidente Jair Bolsonaro. Em caráter reservado, ministros do Supremo consideram que o governo tem feito uso muito amplo da norma, de forma a restringir a liberdade de expressão garantida pela Constituição Federal. A data do julgamento ainda será definida.

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Em uma live no sábado, o ministro Ricardo Lewandowski disse que a lei é um “fóssil normativo” e que o Supremo tem um encontro marcado para avaliar a constitucionalidade da norma.

— A Lei de Segurança Nacional foi editada antes da nova Constituição, da Constituição cidadã, da Constituição que traz na sua parte vestibular um alentadíssimo capítulo relativo sobre direitos e garantias fundamentais. O Supremo precisa dizer se esse fóssil normativo é ainda compatível com não apenas a letra da constituição, mas com o próprio espírito da Constituição. É um espectro que ainda está vagando no mundo jurídico e precisamos, quem sabe, exorcizá-lo ou colocá-lo na sua devida dimensão — disse Lewandowski.

Durante um julgamento em 2016, o ministro Luís Roberto Barroso deu declaração no mesmo sentido:

— Já passou a hora de nós superarmos a Lei de Segurança Nacional, que é de 1983, do tempo da Guerra Fria, que tem um conjunto de preceitos inclusive incompatíveis com a ordem democrática brasileira. Há, no Congresso, apresentada, de longa data, uma nova lei, a Lei de Defesa do Estado Democrático e da Instituições, que a substitui de maneira apropriada.

Outros ministros consultados em caráter reservado pelo GLOBO consideram exagerado o uso da lei pelo governo em eventos recentes. Na semana passada, o Ministério da Justiça processou o autor de um outdoor em Tocantins que comparava Bolsonaro a um pequi roído.

O youtuber Felipe Neto foi acionado pela polícia do Rio de Janeiro por ter chamado Bolsonaro de genocida. Na semana passada, um grupo de manifestantes que estenderam cartazes em frente ao Palácio do Planalto usaram a mesma palavra e também foram enquadrados na Lei de Segurança Nacional.

Há, porém, uma pedra no caminho do Supremo. Os dois inquéritos mais polêmicos que tramitam na Corte, o das fake news e o dos atos antidemocráticos, foram abertos com base na Lei de Segurança Nacional. Há também uma decisão recente, e não menos polêmica, baseada na mesma norma: a ordem de prisão expedida pelo ministro Alexandre de Moraes contra o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ).

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Como um tribunal que faz uso da Lei de Segurança Nacional poderia derrubar trechos dela? Entre os ministros do Supremo, há uma espécie de consenso no sentido de que a norma é importante para garantir a democracia e a integridade das instituições. A ideia seria banir apenas trechos que ameaçam a liberdade de expressão e de informação. Portanto, outros trechos continuariam intactos.

Existem hoje no STF duas ações contestando a constitucionalidade da Lei de Segurança Nacional. Uma foi proposta pelo PTB e pede para que a norma toda seja considerada inconstitucional. Em outra ação, o PSB contesta apenas artigos que restringem a liberdade de expressão dos cidadãos - especialmente contra os governantes. O PSB pondera que a lei é um instrumento importante na proteção da democracia - e cita a prisão de Daniel Silveira como exemplo, como forma de amparar a atuação do Supremo.

O relator das duas ações é o ministro Gilmar Mendes, que pediu informações ao Congresso Nacional e à Presidência da República antes de tomar uma decisão. Ele pode julgar sozinho os pedidos de liminar, ou levar as ações ao plenário do STF, composto de onze ministros. Não há previsão de quando isso acontecerá.

Em uma terceira vertente, a Defensoria Pública da União entrou com um habeas corpus coletivo no Supremo pedindo o fim de todos os processos iniciados com base na norma. Ainda não foi sorteado um relator para o caso.

De tempos em tempos, autoridades lançam mão da Lei de Segurança Nacional, em especial para coibir manifestações. Foi feito isso nos protestos de 2013 contra a corrupção e também nos atos de 2014 contra a realização da Copa do Mundo no Brasil. Recentemente, o governo federal e autoridades locais têm usado a norma contra professores, jornalistas, opositores políticos e críticos em geral do presidente da República.

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Logo que assumiu o Ministério da Justiça, André Mendonça defendia que a Lei de Segurança Nacional não poderia ser usada amplamente para coibir críticos do governo. Depois que o STF começou a usar a norma nos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos - e, especialmente, depois da prisão de Daniel Silveira -, Mendonça mudou de ideia. A pedido do próprio Bolsonaro, resolveu atuar no caso do pequi e também contra outros manifestantes.

Um dos artigos mais controvertidos da lei é o 26, que fixa pena de um a quatro anos de reclusão contra quem caluniar ou difamar os presidentes dos Três Poderes. A mesma pena cabe para quem, conhecendo o caráter ilícito da prática, a divulga.

A polêmica está no fato de que é uma pena maior do que a estabelecida no Código Penal para os mesmos crimes, mas praticados contra qualquer pessoa, sem especificar se é autoridade ou não. No Código Penal, o crime de calúnia gera pena de seis meses a dois anos de detenção. A difamação é punida com três meses a um ano de detenção.

Embora ministros do Supremo considerem esse trecho ofensivo à Constituição Federal, Alexandre de Moraes usou ele como um dos argumentos para mandar prender Daniel Silveira.


O Estado de S. Paulo: 'Vou apoiar qualquer coisa contra Bolsonaro em 2022', diz Felipe Neto

Youtuber afirma ainda que indiciamento do qual foi alvo é uma ‘tentativa de silenciamento por parte da extrema-direita'

Roberta Jansen, O Estado de S.Paulo

RIO - Indiciado pela Polícia Civil do Rio por supostamente divulgar material impróprio para menores, o youtuber Felipe Neto afirmou que, em 2022, pretende ir “para a luta como nunca antes na vida”. O objetivo, disse, é impedir uma reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Para ele, o “Brasil precisa derrotar o bolsonarismo como os Estados Unidos derrotaram o trumpismo”, após a vitória do democrata Joe Biden.

O youtuber atribuiu seu indiciamento por corrupção de menores a “pressões” que, segundo ele, passou a sofrer após se declarar como opositor do governo federal. “Vou apoiar qualquer coisa que chegue ao segundo turno contra o Bolsonaro”, declarou Neto ao Estadão. “Seja (Luciano) Huck, (Fernando) Haddad, Lula, Marina (Silva), Ciro (Gomes), (João) Doria ou Tiririca.”

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Aos 32 anos, Neto tem 40 milhões de assinantes em seu canal no YouTube e 11 milhões de seguidores no Twitter. Fez um editorial e um vídeo para o New York Times no qual critica Bolsonaro e entrou na lista da revista Time como uma das personalidades do ano (juntamente com o presidente brasileiro) em 2020.

O sr. é considerado a principal voz da oposição ao presidente Jair Bolsonaro no mundo digital. Por isso, tem sido alvo de ataques de grupos bolsonaristas. Acha que seu indiciamento é parte desse processo de pressão?

Sem sombra de dúvidas. Todo jurista que analisou tecnicamente o indiciamento ficou em estado de choque. Juízes, advogados criminais, procuradores. É só qualquer um procurar pela internet para ver a reação. Eu fui acusado de “corromper menores” por um delegado que não mostrou qualquer menor corrompido como prova de sua investigação. O caso do indiciamento é uma tentativa nefasta de silenciamento por parte de fundamentalistas da extrema-direita. Eles só querem que as pessoas espalhem que fui indiciado, mesmo sabendo que não dará em nada na Justiça.

O Ministério Público do Rio devolveu o procedimento, com o indiciamento, à Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática para “diligências”.

Recebi essa informação com enorme satisfação, pois o promotor não aderiu à precipitação do delegado, ao contrário, determinou que fizesse as investigações que não fez, e inclusive, em sua manifestação, chamou a atenção para o fato de que ainda irá apurar para analisar se há crime ou não. Estou absolutamente tranquilo e confiante que o Ministério Publico vá compreender que esse indiciamento é um absurdo.

O senhor se arrepende de ter se tornado uma voz de oposição ao governo?

Não, apenas não queria ter ficado tão isolado. Realmente acreditei que, em algum momento, outros comunicadores com o meu tamanho de influência, ou maiores que eu, fossem se engajar na mesma intensidade. Isso não aconteceu.

Teme ser vítima de algum tipo de violência?

Tenho um forte sistema de segurança implementado para mim e minha família.

Como avalia as fake news a seu respeito?

Todas as pautas de pseudomoralidade são cortinas de fumaça. A extrema-direita está sempre levantando teorias da conspiração e elegendo inimigos que vão contra a “moral e os bons costumes”. Sem isso, eles não conseguem formar base. Na época da Hillary (Clinton, candidata democrata à Casa Branca, derrotada por Donald Trump em 2016), do que a acusaram? Pedofilia. Nas eleições do Biden, do que o acusaram? Pedofilia. Do que me acusaram? Pedofilia. É sempre a mesma ladainha, as mesmas teorias conspiratórias contra os opositores, transformando-nos em demônios para pessoas influenciáveis.

Uma articulação está sendo costurada pelo apresentador Luciano Huck, o ex-ministro Sérgio Moro, o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, o governador João Doria, entre outros, como um caminho para derrotar Jair Bolsonaro em 2022. Apoiaria esse movimento?

Não. Porém, vou apoiar qualquer coisa que chegue ao segundo turno contra Bolsonaro. Seja Huck, Haddad, Lula, Marina, Ciro, Doria, Tiririca.

A esquerda é sempre acusada de não se unir. Foi apontada, inclusive, como parte da ascensão do bolsonarismo. Concorda com essa análise?

Temos que colocar o PT e o PDT em um cercadinho e falar: “Vocês só saem daí quando acordarem para a realidade”. A desunião da esquerda não foi a grande causa da ascensão do bolsonarismo, mas sem dúvida contribuiu significativamente. Basta olharmos o que aconteceu no Rio de Janeiro (nas eleições municipais) para entendermos o quanto a situação está problemática. PT, PDT e PSOL lançaram candidaturas próprias. Conclusão? (O atual prefeito Marcelo) Crivella foi para o segundo turno com 21% dos votos (contra Eduardo Paes, que teve 37%) e ninguém chegou nem a ameaçar o pastor bolsonarista.

Por que resolveu se envolver na campanha de São Paulo? Não acha que a atitude de não querer falar com Bruno Covas ajuda a agravar a polarização que critica no caso do Rio?

Bruno Covas fez parte de todo o movimento BolsoDoria (aliança informal de Bolsonaro com Doria nas eleições de 2018, contra a esquerda). Bruno Covas tirou selfie com um sorriso de orelha a orelha ao lado do Bolsonaro. Bruno Covas tem como vice um sujeito que compõe a bancada religiosa, que foi acusado de violência doméstica e é investigado como possível envolvido na máfia das creches. Não dialogo com esse tipo de político.

Como avalia os resultados das eleições municipais?

Foi uma derrota contundente do bolsonarismo. As eleições serviram como termômetro da insatisfação do povo brasileiro com essa extrema-direita doentia e autoritária.

Qual será o seu papel e o impacto da sua posição política nas eleições presidenciais de 2022?

Não consigo dimensionar, mas eu vou para a luta como nunca antes na minha vida. O Brasil precisa derrotar o bolsonarismo como os Estados Unidos derrotaram o trumpismo.

Na sua opinião, qual será o impacto do governo de Joe Biden no governo de Jair Bolsonaro?

A credibilidade internacional do Bolsonaro é zero. Ele é visto como um bobalhão que nunca sabe o que está falando. Somente um sujeito com Q.I. de batata faria uma ameaça brasileira de pólvora aos EUA, tanto que não obteve sequer uma resposta. A questão agora é como o Biden vai lidar com esse presidente bobalhão que comanda o País que controla a Amazônia. Não tenho conhecimento suficiente para fazer essa previsão.


Cacá Diegues: Um bom candidato

Tomara que Felipe Neto consiga influenciar os brasileiros

A revista “Time” elegeu Felipe Neto como uma das cem pessoas mais influentes do mundo. Tomara que eles tenham razão. Tomara que o jovem youtuber, com seus quase 40 milhões de seguidores, consiga influenciar os brasileiros com suas críticas ao populismo de direita no poder e à oposição em que “há somente o interesse pelo protagonismo”. Exemplos históricos nos mostram que só se vence um regime autoritário popular com sensata, tolerante e ampla frente política. Uma frente difícil de montar entre nós, graças ao estrelismo de líderes da oposição, que ainda vivem sob preconceitos, com a cabeça noutros tempos.

Fiel leitor das seções de cartas nos jornais que leio, encontrei outro dia essa preciosa mensagem de Nila Maria do Carmo Siqueira, no GLOBO: “Caetano Veloso só queria liberdade para cantar. Gerson King Combo, cantor de soul e funk, só queria liberdade para dançar. E por isso foram alvos da ditadura militar. Em pleno século XXI, só queremos liberdade para pensar. Quem nos perseguirá?”.

Como Nila, Carol Solberg, craque do nosso vôlei, bicampeã mundial, campeã brasileira de 2018 e eleita a melhor jogadora daquela temporada, resolveu desabafar publicamente e, em Saquarema, durante etapa do circuito, gritou o que pensava: “Fora Bolsonaro!”. Foi, por isso, denunciada ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva, pelo puxa-saquismo da Confederação Brasileira de Voleibol, que não se importou quando os jogadores Wallace e Maurício, às vésperas da eleição de 2018, apoiaram Bolsonaro em pleno Campeonato Mundial. E era mesmo um direito deles, não sei onde está escrito que esportista não se manifesta.

A sinceridade de Carol está sendo castigada por ameaça de suspensão e multa de R$ 100 mil, sob o pretexto de que seu grito em quadra pôs em risco o patrocínio do Banco do Brasil ao vôlei. Com que percentagem desse patrocínio os cartolas que se irritaram com Carol se remuneram? Que tal se esses senhores assistissem na televisão a um jogo da NBA, quando os jogadores americanos de basquete se ajoelham na quadra, em protesto contra o racismo, muitas vezes estimulado por seus próprios dirigentes? E não se trata apenas de uma voz corajosa e solitária como a de Carol, mas de uma multidão de vozes de profissionais de uma atividade. Não sei se nossos esportistas chegarão, um dia, a esse nível de solidariedade. Mas é talvez por isso que, na ausência dela, o populismo de direita ganha eleição democrática.

Por isso e porque sabe mentir. Como mente comumente, graças à internet sem lei, às redes sociais em que faz propaganda política e eleitoral sem escrúpulos e sem respeito à verdade. No redemoinho de ódios que se tornou a sociedade brasileira, as redes sociais são o lodo em que ele se forma com violência e sem medidas.

Foi num desses fenômenos arbitrários de opinião que anônimos fizeram recentemente uma celebração inquisitorial, queimando livros de Paulo Coelho. Uma celebração tão ignorante que o “sacerdote” do ritual maldizia Paulo Freire como autor, enquanto queimava “O Alquimista”. Sou leitor de Paulo Coelho, acho que li todos os livros dele. Mas, mesmo que não o admirasse, como se pode curtir, admitir ou participar de uma missa negra como essa, uma celebração da burrice e da ignorância, adesão explícita ao autoritarismo cultural. Uma violência aos costumes de um país que se deseja democrático.

Quando uma pessoa esbarra com um momento difícil em sua vida, é natural que procure novas explicações para eventos novos. Ela pode procurá-las com um analista profissional, que vai fazê-la entender o que se passa. Ou pode cair de boca nos acontecimentos, triturá-los em nome da felicidade perdida. Na política não pode ser assim. Não podemos entregar a esperança da democracia nas mãos de um “analista profissional”, um ditador de hábitos e costumes; como também não temos por que nos oferecer, em sacrifício suicida, ao destempero da sociedade em que vivemos. O mais saudável é ouvirmos quem sofre como nós sofremos e pensa como nós pensamos, mas não está prejudicado por velhos métodos e astúcias manjadas. Alguém que será capaz de agir como agiríamos, se ainda tivéssemos o mesmo entusiasmo.

Um cara como Felipe Neto, um bom candidato para 2022.


Cacá Diegues: A política de guerra

Vou tratar de virar fã de Felipe Neto

Se a esquerda faz política demais, a direita por sua vez não sabe fazer política, não faz política nenhuma. Mas se ilude quem pensa que nosso presidente de direita, Jair Bolsonaro, se elegeu sem um programa claro, por puro prazer da aventura política contra a política, a antipolítica que ele tanto anunciou. Ele e sua turma nunca se interessaram pela política como modo de levar a sociedade em direção a uma agenda que corrigisse o passado e organizasse o futuro, não se prepararam para isso. Eles se prepararam para uma guerra e só pensam nela.

Uma guerra que só ainda não foi escancarada, fazendo mais vítimas e provocando mais tiroteios aleatórios e insanos, por causa da pandemia, por causa de um pequeno animalzinho, um quase nada, o vírus assassino que não permitiu que o bando de Bolsonaro assumisse o papel central de seu tempo. A guerra que programaram e pretendiam praticar é humanamente menor do que a calamidade pública provocada pela Covid-19.

Quem não se lembra das ameaças guerreiras feitas pouco antes de se tornar trágica a presença do vírus por aqui? Um dia, na televisão, Bolsonaro nos garantiu que tinha vencido a eleição de 2018 no primeiro turno e que, portanto, tinha sido roubado. O presidente afirmou que tinha provas disso e que ia mostrá-las à nação. Faz mais de oito meses que esse show passou na televisão… e cadê as provas? Quantas vezes ouvimos dele, de seus filhos e dos ministros mais queridos e alinhados, que haveria muito em breve uma ruptura inevitável, que não dava mais para suportar as perseguições dos outros Poderes ao Executivo? Quantas vezes ouvimos, desde há bastante tempo, expressões como “agora chega” ou “acabou” ou “não dá mais” ou coisa que o valha? Faz tempo que essas expressões de radicalidade começaram a ser usadas e, até agora, a guerra não passou de fuxico.

O Brasil tem hoje perto de cem mil vítimas fatais do coronavírus e mais de dois milhões e meio de infectados lutando contra a morte, fora os que não morreram mas se tornaram de alguma forma deficientes. Vemos todo dia, nos jornais, na televisão e nas redes sociais, as famílias feridas dessas vítimas, capazes de comover o mais endurecido dos corações. Menos os da turma dos Bolsonaros. Para eles, é tudo um exagero da “extrema imprensa”, o possível quase milhão de familiares enlutados tinham mais é que se conformar, pois todo mundo um dia morre. E daí?

Enquanto as vítimas e seus familiares têm a generosidade de pedir à população que não saia de casa, para que não morram mais brasileiros inutilmente, o presidente do Brasil, o principal responsável em última instância pelos cidadãos do país, manda invadir os hospitais para fotografar leitos vazios, a fim de provar que é tudo um exagero contra não sei quem. Aí o consórcio de imprensa, montado a partir das informações das secretarias de Saúde de cada estado, com a finalidade de neutralizar as mentiras que estavam sendo supostamente armadas pelo Ministério da Saúde para subestimar os números da crise e aliviar a responsabilidade do governo, impacta a nação com os verdadeiros números da tragédia.

Enquanto as famílias e os solidários a elas choram as vítimas da Covid-19, o presidente da República sorri feliz e sem máscara, abraçado a uma aglomeração no interior da Bahia, em cima de uma mula manca, fantasiado de caubói sertanejo, com um chapéu de falso couro de jagunço, inaugurando um bebedouro ornamental e vagabundo, mandado construir por outra responsável pela miséria do Brasil, Dilma Rousseff, numa região em que o povo morre, de verdade, de fome e de sede.

No meio da representação de sua farsa, Bolsonaro se explica, como um demônio sem compaixão, dizendo que está mesmo interessado é em salvar a economia do país, que está se dedicando a isso, certamente mais importante que os mortos inevitáveis. Pois bem, segundo o próprio IBGE, já foram fechadas, vítimas da pandemia, 522 mil empresas no Brasil. O que é que o governo fez por cada uma delas?

Bolsonaro não tem tempo de cuidar da economia dessas empresas porque seu pessoal está ocupado com a guerra. A meta bélica agora é acabar, a qualquer preço, com Felipe Neto, um jovem youtuber que, talvez sem se dar conta, também se preparou para ela e aprendeu a usar as redes sociais, alcançando mais de 60 milhões de seguidores. Para o bem do governo, Felipe Neto tem que ser destruído e está sendo perseguido com clássicas fake news imorais e incômodos pessoais, como o cerco no condomínio onde mora.

As mentiras hediondas, munição de uma guerra estúpida, estão fazendo de Felipe Neto um herói da resistência aos males que já foram e ainda serão feitos ao Brasil. Nunca tive a oportunidade de ver o influencer na internet, mas vou vê-lo logo e tratar de ser seu fã.


Vera Magalhães: Rebuliço!

O 'garoto' Felipe Neto, assim estigmatizado por analistas de todos os lados, deu um banho de humildade e maturidade em políticos e analistas no 'Roda Viva'

Confesso que me causou espanto o nó que o convite a um influenciador digital com milhões de seguidores, Felipe Neto, para uma entrevista, provocou na cabeça de pessoas de várias faixas etárias e de diferentes cortes ideológicos. A reação, um verdadeiro rebuliço, para usar uma palavra que o próprio Felipe transformou em bordão nos seus vídeos, é sintomática do grau de infantilismo do debate político brasileiro.

O “garoto” Felipe, assim estigmatizado por analistas de todos os lados, deu um banho de humildade e maturidade em políticos, analistas políticos, cientistas sociais e outros que torceram o nariz para sua presença no centro do Roda Vida.

Dizendo de cara que não era especialista e que seu “lugar de fala” era o de um empresário, especialista em comunicação e cidadão interessado em política, falou com propriedade sobre autoritarismo, negacionismo científico, estratégias de comunicação via redes sociais e necessidade de união de esforços para preservar a democracia.

Admitiu erros do passado, propôs caminhos de convergência com a propriedade de quem sabe que influencia um imenso público jovem e se dispôs a ouvir.

A reação do bolsonarismo foi a de tentar desqualificá-lo pela idade e pelo fato de ser um youtuber. A de parte da esquerda, sobretudo do petismo, foi bater bumbo em cima de uma frase que ele falou de passagem em uma resposta, a de que hoje acredita que o impeachment de Dilma Rousseff teria sido um “golpe”. Pronto! Veio uma espécie de catarse retroativa nas redes sociais, e passou batido o que ele disse sobre a oposição estar totalmente vendida no debate público (como ficou comprovado, aliás).

A resistência de formadores de opinião e políticos a encarar que a forma como se faz comunicação mudou e que uma nova gama de influenciadores tem de ser trazida para o debate público mostra por que não será simples deixar um momento de interdição de ideias e do campo democrático do qual o bolsonarismo se alimenta.

Enquanto o presidente usa a rampa do Planalto como playground de golpistas à luz do dia de um domingo, os que o rechaçam se horrorizam com o fato de que um youtuber pode atingir mais pessoas para mostrar por que esse comportamento é inadmissível que muito político barbado e ultrapassado. O tempo passou na janela, e só Carolina não viu.

Covid-19: Prefeitura de SP insiste em medidas improvisadas para achatar curva
A Prefeitura de São Paulo resolveu tentar achatar a curva da covid-19 na base da tentativa e erro. Medidas arbitrárias, aleatórias e sem amparo em dados técnicos são anunciadas pelo prefeito Bruno Covas e em seguida revogadas, sem resultado algum para conter o aumento da transmissão do novo coronavírus. Do ponto de vista político, o improviso joga contra o discurso de Covas e do governador João Doria, ambos do PSDB, de tentar se contrapor às ações do governo federal com o argumento de que em São Paulo as decisões são tomadas com base na ciência e nos dados.

Depois de anunciar e voltar atrás no fechamento de grandes vias da cidade e na ampliação do rodízio de carros (que aumentou, como era óbvio, a aglomeração no transporte público), Covas decidiu fazer um feriadão prolongado de hoje até a próxima segunda-feira. As escolas municipais mal acabaram de conseguir iniciar uma mal ajambrada substituição para as aulas, depois de um mês de férias no início da pandemia. Grande parte dos alunos não conseguiu ainda acessar o aplicativo para acompanhar as aulas, pois não dispõe de recursos digitais. Nas escolas privadas, que também se adaptam, ainda que com muito menos dificuldade, ao ensino a distância, o feriado vai deixar famílias cinco dias com crianças em casa sem fazer nada enquanto os pais tentam trabalhar. Qual o convite? Para que as pessoas deixem a cidade para passar o feriado rumo ao interior e ao litoral, levando o vírus para passear.

A educação já sofrerá um imenso baque com a interrupção das aulas presenciais. O feriadão prolongado só vai desestimular alunos e professores. Além disso, regiões como a Baixada Santista estão próximas do colapso pela covid-19. Estimular a ida de famílias entediadas para essas cidades só vai agravar o problema. O custo de medidas improvisadas na base do “a gente vê, e se não der certo volta atrás” é o mesmo das declarações irresponsáveis de Bolsonaro: aumento da proliferação do novo coronavírus. Se São Paulo quer mesmo dizer que se guia pela ciência, é bom prefeito e governador coordenarem suas ações.