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Fernando Henrique Cardoso: Um novo caminho

Há espaço para propostas que juntem modernidade e realismo, sem extremismos

A última eleição foi um tsunami que varreu o sistema político brasileiro. Terminou o ciclo político-eleitoral iniciado depois da Constituição de 1988. Ruiu graças ao modo como se formaram os partidos, o sistema de voto e o financiamento das campanhas. A vitória da candidatura Bolsonaro funcionou como um braço cego da História: acabou de quebrar o que já estava em decomposição. Há muitos cacos espalhados e há a necessidade de reconstrução. Ela será feita pelo próximo governo? É cedo para dizer.

O sistema político-partidário não ruiu sozinho. As fraturas são maiores. Antes, o óbvio: a Lava Jato mostrou as bases apodrecidas que sustentavam o poder, sacudiu a consciência do eleitorado. Qualquer tentativa de reconstruir o que desabou e de emergir algo novo passa pela autocrítica dos partidos, começando pelo PT, sem eximir o MDB e tampouco o PSDB e os demais. Na sua maioria, os "partidos" são sopas de letras, e não agremiações baseadas em objetivos e valores. Atiraram-se na captura do erário, com maior ou menor gula.

Visto em retrospectiva, é compreensível que um sistema partidário sem atuação na base da sociedade se desmonte com aplausos populares. Os mais pobres encontram nas igrejas evangélicas – e em muito menor proporção na Igreja Católica e em outras religiões – recursos para se sentirem coesos e integrados. O povo tem a sensação de que os parlamentos e os partidos não atendem aos seus interesses. O eleitorado, contudo, não desistiu do voto e imaginou que talvez algo "novo", inespecífico, poderia regenerar a vida pública.

Não foi só isso que levou à vitória o novo presidente. Basta conhecer mais de perto a vida dos mais pobres nas favelas e nas periferias carentes de quase tudo para perceber que pedaços importantes do território vivem sob o domínio do crime organizado, violência que não se limita a essas populações, pois alcança partes significativas da população urbana e rural.

Inútil imaginar outros motivos para a vitória "da direita". Não foi uma direita ideológica que recebeu os votos. Estes foram dados mais como repulsa a um estado de coisas em geral e ao PT em particular. O governo foi parar em mãos mais conservadoras, e mesmo de segmentos abertamente reacionários, não pelas propostas ideológicas que fizeram, e sim pelo que eles simbolizaram: a ordem e a luta contra a corrupção. Não venceu uma ideologia, venceu o sentimento de que é preciso pôr ordem nas coisas, para estancar a violência e a corrupção e tentar retornar a algum tipo de coesão social e nacional.

Enganam-se os que pensam que "o fascismo" venceu. Enganam-se tanto quanto os que veem o "comunismo" por todos os lados. Essa polarização marcou a pugna política em outra época de antes da 2.ª Grande Guerra, ao fim da qual foi substituída pela polarização entre capitalismo liberal e socialismo.

Os problemas básicos do País continuarão a atazanar o povo e o novo governo. Este não será julgado nas próximas eleições por sua ideologia "direitista", mas por sua capacidade, ou não, de retomar o crescimento, diminuir o desemprego, dar segurança à vida das pessoas, melhorar as escolas e os hospitais, e assim por diante.

Com isso não quero justificar a "direita", dizendo que se for capaz de bem governar vale a pena apoiá-la, mas também não posso endossar a “esquerda”, quando ela deixa de reconhecer seus erros, conclama a votar contra tudo o que o novo governo propuser, sem considerar o que realmente conta: quais os efeitos para o bem-estar das pessoas, para o fortalecimento dos valores democráticos e para a prosperidade do País.

As mudanças pelas quais passamos, aqui e no mundo, são inúmeras e profundas. Pode-se mesmo falar numa nova "era", a da conectividade. Se houve quem escrevesse "cogito ergo sum" (penso, logo existo), como fez Descartes, se depois houve quem dissesse que o importante é saber que "sinto, logo existo", em nossa época, sem que essas duas afirmativas desapareçam, é preciso adicionar: "Estou conectado, logo existo". Vivemos a era da informática, das comunicações e da inteligência artificial, que sustentam o processo produtivo e formam redes entre as pessoas.

As novas tecnologias permitem formas inovadoras de enfrentar os desafios coletivos, assim como acarretam alguns inconvenientes, como a dificuldade de gerar empregos, a propagação instantânea das fake news, a formação de ondas de opinião que mais repetem um sentimento ocasional do que expressam um compromisso com políticas a serem sustentadas em longo prazo. Elas dependem de instituições, partidos, parlamentos e burocracias para serem efetivas.

As questões centrais da vida política não se resumem, no mundo atual, à luta entre esquerda e direita. No passado o espectro político correspondia a situações de classe, interpretadas por ideologias claras, assumidas por partidos. Na sociedade contemporânea, com a facilidade de relacionamento e comunicação entre as pessoas, os valores e a palavra voltaram a ter peso para mobilizar politicamente. Isso abre brechas para um novo populismo e uma exacerbação do personalismo. O desafio está em recriar a democracia. O que chamo de um centro radical começa por uma mensagem que envolva os interesses e sentimentos das pessoas. E essa mensagem, para ser contemporânea, não deve estancar num palavreado "de direita" nem "de esquerda". Deve, a despeito das divergências de classe que persistem, buscar o interesse comum capaz de cimentar a sociedade. O País não se unirá com o ódio e a intransigência cultural existentes em alguns setores do futuro governo.

Há espaço para propostas que juntem a modernidade ao realismo e, sem extremismos, abram um caminho para o que é novo na era atual. Esse percurso deve incorporar a liberdade, especialmente a de as pessoas participarem da deliberação dos assuntos públicos, e a igualdade de oportunidades que reduzam a pobreza. E há de ver na solidariedade um valor. Só juntos poderemos mais.

*Fernando Henrique Cardoso é sociólogo, foi presidente da República


FHC deu aval à crítica em propaganda

Ex-presidente FHC aprovou peça do PSDB veiculada na televisão em que o partido admite erros e fala em ‘presidencialismo de cooptação’

Julia Lindner e Igor Gadelha

O Estado de S.Paulo

A propaganda do PSDB veiculada nesta quinta-feira, 16, em cadeia nacional de rádio e TV aumentou as divergências internas, levando uma ala de governistas do partido a iniciar um movimento para tentar afastar o presidente interino da sigla, senador Tasso Jereissati (CE), do cargo. Tasso é apontado como o responsável pelo vídeo, produzido pelo publicitário Einarth Jacomé. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso também ajudou a elaborar a propaganda.

“Isso não faz o menor sentido, porque, se vai substituir o presidente do partido, tem que substituir também o presidente honorário, já que o vídeo passou pelo crivo do presidente FHC”, disse o senador tucano Cássio Cunha Lima (PB).

Segundo integrantes do partido, FHC foi responsável por sugerir o uso da expressão “presidencialismo de cooptação” para criticar o modelo de governo brasileiro, considerada uma das frases mais polêmicas da peça e vista como crítica ao governo Michel Temer. “A expressão ‘cooptação’ foi sugestão do próprio FHC. Ia ser coalizão e ele sugeriu cooptação”, disse Cunha Lima.

Segundo Jacomé, o material foi exibido ao ex-presidente em São Paulo e recebeu sua aprovação. De acordo com o publicitário, FHC disse, na ocasião, que era preciso “chacoalhar a política”. FHC afirmou que, no primeiro caso, da “cooptação”, dá-se uma relação com pessoas, mediada por nomeações e interesses pessoais, chegando aos financeiros. O outro modelo, presidencialismo de coalizão, supõe uma convergência de pontos programáticos em consequência de apoios aos quais se abre espaço no governo.

Autocrítica. No programa de dez minutos, o PSDB fez uma “autocrítica” por ter “aceitado o fisiologismo”. “O presidencialismo de cooptação que vigora no Brasil faliu, tendo gerado crises sucessivas e muita instabilidade política”, diz o locutor, sem citar que a sigla ocupa quatro ministérios do governo.

Aliados de Tasso apontaram a participação de integrantes do Palácio do Planalto no movimento para afastar o senador da presidência interina do partido. Ele é pró-desembarque do governo. “A reação que vem (contra o programa do PSDB) é dos governistas, está evidente a participação do governo nessas declarações”, disse o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES).

Ferraço afirmou ainda que há movimentos para que o PSDB se transforme “em força auxiliar do governo”. “Há esforço (do governo) para que o PSDB se anule”, afirmou.

Interlocutores de Temer, no entanto, disseram que o presidente tem perfil ponderado, não radical, e que o peemedebista conversou com Tasso por telefone. O tucano ligou para Temer para explicar a peça e, segundo interlocutores, o presidente não fez nenhum tipo de cobrança.

Nos bastidores, auxiliares de Temer consideraram um “tiro no pé” a propaganda. Segundo um interlocutor do presidente, ao reconhecer erros, os tucanos, além de darem munição a adversários na eleição do ano que vem, escancaram a crise vivida dentro partido.

Disputa. Tucanos da ala governista querem que o senador Aécio Neves (MG) reassuma a presidência da sigla temporariamente e escolha outro vice-presidente para comandar o partido até 9 de dezembro, quando está prevista nova eleição da Executiva. Nos bastidores, apostam no senador Flexa Ribeiro (PA) ou no deputado Giuseppe Vecci (GO) como substitutos de Tasso.

Enquanto isso, líderes do PMDB e do Centrão, grupo do qual fazem parte PP, PSD, PR e PRB, passaram a cobrar publicamente que o PSDB entregue os quatro ministérios que detém no governo: Cidades, Secretaria de Governo, Relações Exteriores e Direitos Humanos.

Interlocutores do Planalto voltaram a afirmar que o governo não vai retaliar os atuais ocupantes de cargos no primeiro escalão da Esplanada. Os ministros tucanos Antonio Imbassahy (Secretaria de Governo), Aloysio Nunes (Relações Exteriores) e Bruno Araújo (Cidades) foram rápidos ao se manifestar contra o programa e dizer que a peça não os representa. Auxiliares de Temer lembrara ainda que os três atuaram para ajudar a derrubar a denúncia contra Temer. / Colaboraram Carla Araújo, Tânia Monteiro e Pedro Venceslau